O SETE DE SETEMBRO DE 1822
O ano
de 1820 foi particularmente significativo não apenas pelo início da revolução
em Portugal, mas também pelo avanço dos movimentos de independência na
América e pelas revoluções liberais na Europa. Nesse contexto, as tentativas
das Cortes de Lisboa de recolonizar o Brasil só aceleraram e ampliaram a propagação
das ideias de independência na antiga colônia.
Temendo
perder a autonomia e a liberdade de comércio conquistadas com a transferência
da corte portuguesa para o Rio de Janeiro, a aristocracia rural brasileira
deixou de lado suas hesitações e abraçou finalmente a causa da independência.
O retorno de D. João VI a Portugal
Apesar da exigência das Cortes
de Lisboa, Dom João VI procurava retardar ao máximo seu retorno a Portugal. Mas
seus últimos dias no Rio de Janeiro não foram nada tranquilos. Em fevereiro de
1821, a população do Rio de Janeiro e vários militares exigiram que o rei
jurasse obediência à Constituição que seria elaborada pelas Cortes portuguesas.
Com o aumento das pressões e temeroso de perder o
trono, dom João decidiu retornar a Portugal. Para governar o Brasil, nomeou seu
filho, dom Pedro, príncipe regente e anunciou eleições para a escolha dos representantes
brasileiros nas Cortes de Lisboa.
Em 21 de abril de 1821, o
governo convocou a população do Rio de Janeiro para uma assembleia que seria
realizada na praça do Comércio, com a finalidade de prestigiar o príncipe regente.
Muitas pessoas compareceram, mas o objetivo da assembleia mudou durante o ato público.
Aos gritos de “Aqui governa o povo!”, a multidão exigiu também a permanência do
rei em território brasileiro.
Diante dessa atitude da população, dom Pedro ordenou
às tropas que reprimissem a manifestação. A praça se transformou em campo de
guerra, com confrontos de rua e disparos dos soldados contra a multidão. Saldo
da batalha: três manifestantes mortos, diversos feridos e muitos presos.
Chega finalmente o dia da partida
No dia 26 de abril, dom João VI e sua corte
embarcaram para Portugal, enquanto manifestantes exigiam no cais do porto que o
rei deixasse aqui as joias e outros bens do Tesouro. Ao retornar a Lisboa, dom
João tinha certeza de que mais dia, menos dia, o Brasil se tornaria
independente. Por isso, deixou seu filho dom Pedro à frente do governo do
Brasil. Era uma forma de manter a monarquia na antiga colônia e, ao mesmo
tempo, viabilizar a continuidade da dinastia de Bragança à frente do governo em
uma eventual declaração de independência. Em Lisboa, contudo, as Cortes anularam
a nomeação de dom Pedro para o cargo de príncipe regente, cobrando seu pronto
retorno a Portugal.
Organizam-se as forças políticas no Rio de Janeiro
Enquanto isso, consolidavam-se no
Brasil três correntes políticas. Embora duas delas sejam chamadas de partidos —
Partido Português e Partido Brasileiro —, a rigor não existiam nessa época
partidos políticos no Brasil. Na verdade, as pessoas com ideias afins se
reuniam em torno de órgãos de imprensa e de líderes políticos, constituindo
grupos informais que apareciam e desapareciam ao sabor dos acontecimentos.
Apesar disso, esses grupos foram decisivos no processo de formação de uma
opinião pública nos meses que
antecederam a independência.
No Partido
Português se reuniam todos os que tinham interesse em restabelecer a
antiga subordinação colonial a Portugal. Desse grupo faziam parte,
principalmente, comerciantes portugueses, descontentes com a perda de privilégios
e monopólios, altos funcionários e militares estabelecidos no Rio de Janeiro e
em algumas cidades portuárias do Norte e Nordeste.
Já o Partido
Brasileiro representava os interesses dos grandes proprietários
rurais, em particular os de São Paulo, de Minas Gerais e do Rio de Janeiro.
Contava com a simpatia de altos funcionários, militares e comerciantes
brasileiros e estrangeiros beneficiados pela abertura dos portos. O projeto
desse grupo consistia basicamente em manter o Brasil como reino unido a Portugal,
resguardando as vantagens já adquiridas. Um de seus principais articuladores
era José Bonifácio de Andrada e Silva, irmão mais velho de Antônio Carlos de
Andrada, que participara da Revolução Pernambucana de 1817.
Essa
corrente defendia o estabelecimento de uma monarquia dual, ou seja, um sistema
de poder em que Brasil e Portugal fossem considerados nações irmãs dotadas de
administrações autônomas, mas sob o governo do mesmo monarca. A opção pela
independência só foi assumida mais tarde, quando as Cortes insistiram em
obrigar dom Pedro a deixar o Brasil.
Havia
ainda outra corrente, integrada por liberais radicais.
Esta última reunia pessoas de vários setores da população urbana: comerciantes,
funcionários menos graduados, artesãos, padres, professores, intelectuais,
jornalistas, entre outros. Suas principais lideranças eram o jornalista Joaquim
Gonçalves Ledo e o comerciante português José Clemente Pereira. Gonçalves Ledo
e seu amigo Januário da Cunha Barbosa tinham fundado o jornal Revérbero
Constitucional Fluminense, que pregava a imediata independência do
Brasil e a instalação no país de uma República semelhante à dos Estados Unidos.
Em fins de 1821, quando ficou claro o projeto das
Cortes de impor ao Brasil o status de colônia, os liberais radicais se uniram ao
chamado Partido Brasileiro no esforço de manter dom Pedro no Rio de Janeiro. A
partir desse momento, até mesmo Gonçalves Ledo abandonou a proposta republicana
e passou a defender a independência regida por uma monarquia constitucional.
O Dia do Fico
Em dezembro de 1821, o Rio de Janeiro agitou-se com a
chegada de novos decretos das Cortes de Lisboa. Entre outras resoluções, as
Cortes exigiam o retorno imediato de D. Pedro a Portugal. A resposta dos
liberais radicais foi organizar uma campanha para coletar assinaturas a favor
da permanência do príncipe no Brasil. Era um modo de rejeitar a pressão e de
fazer com que o príncipe decidisse ficar. No dia 9 de janeiro de 1822, Clemente
Pereira, presidente da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, entregou a dom Pedro
o abaixo-assinado com cerca de 10 mil assinaturas.
Os
acontecimentos se aceleram
1. Nesse
mesmo dia, o príncipe anunciou sua decisão a uma comissão liderada por Clemente
Pereira: “Como é para o bem de todos e felicidade geral da Nação, estou pronto:
diga ao povo que fico”. A partir desse momento, dom Pedro entrava em rota de
colisão com o governo de Lisboa. A independência era agora uma questão de
tempo.
2. Logo
após o Fico — nome pelo qual ficou conhecido o
episódio —, dom Pedro demitiu os ministros nomeados por seu pai e criou o
primeiro ministério integrado só por brasileiros. Entre eles, estavam dois
Andradas: José Bonifácio, no Ministério do Reino e Estrangeiros, e seu irmão
Martim Francisco, no Ministério da Fazenda.
3. A
reação do Partido Português veio em fevereiro, quando o general Avilez,
comandante das tropas portuguesas estacionadas no Rio de Janeiro, exigiu que
dom Pedro obedecesse às ordens das Cortes. Na disputa que se seguiu, o general Avilez
foi vencido e expulso do Brasil com suas tropas.
4. Ainda
no mesmo mês, José Bonifácio convocou o Conselho dos Procuradores das
Províncias do Brasil para assessorar o príncipe regente. Naquele
momento era importante consolidar a ligação política entre o Rio de Janeiro e
as províncias, procurando, assim, garantir a unidade territorial.
5. Em
maio, dom Pedro decretou que nenhuma ordem das Cortes seria aceita no Brasil
sem o “cumpra-se” do príncipe regente. No mês seguinte, o cenário político foi
tumultuado pelas divergências entre os partidários de José Bonifácio e os de
Gonçalves Ledo quanto à convocação de uma Assembleia Constituinte, cuja função
específica seria elaborar uma Constituição para o Brasil. Bonifácio,
que havia proposto a criação do Conselho
dos Procuradores, era contra a ideia. Gonçalves Ledo, contudo, mobilizou a
opinião pública e a imprensa em defesa da convocação. A pressão, mais uma vez,
levou dom Pedro a aprovar a iniciativa, e a Assembleia foi convocada.
6. Em julho, a população da Bahia pegou em armas
contra o governo provincial, chefiado pelo general português Madeira de Melo,
defensor dos projetos das Cortes. Era o início efetivo das guerras de independência.
“Independência ou morte!”
No final de agosto, o príncipe regente
viajou para a província de São Paulo, onde havia eclodido uma rebelião contra
José Bonifácio. Dom Pedro esperava acalmar os ânimos na província.
D. Pedro viajou para Santos, cidade
dos Andradas, e ao retornar para São Paulo, já nas proximidades da capital
paulista, às margens do riacho do Ipiranga, chegaram às suas mãos os últimos
decretos das Cortes de Lisboa.
Eram ordens severas para que ele se
submetesse ao rei e às Cortes e anulasse a convocação do Conselho dos
Procuradores. Com os decretos, o príncipe recebeu duas cartas pessoais. Em uma
delas, José Bonifácio aconselhava dom Pedro a romper definitivamente com
Portugal. Na outra, a esposa do príncipe, D. Leopoldina, apoiava a sugestão do
ministro. Diante do impasse, dom Pedro teria gritando “Independência ou
morte!”, proclamando o rompimento definitivo com Portugal. Era o dia 7 de
setembro de 1822.
Ao chegar ao Rio de Janeiro, o
príncipe foi aclamado Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil,
com o título de dom Pedro I.
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