LEMBRANÇAS DE TEMPOS FELIZES
Uma infância vivida no sertão
Quando criança,
vivi no sertão. Não era bem um sertão típico, como a gente imagina quando fala
do sertão nordestino. Mas a verdade é que lá não tinha luz elétrica, nem água
encanada. Éramos pioneiros e, como costuma acontecer nesses casos, a vida não
era nada fácil. Ao contrário: era difícil obter as coisas e, quando dava, elas
custavam caro. Então, a mãe criava galinhas e porcos e fazia o próprio pão de
cada dia; também costurava nossa roupa e cortava nosso cabelo.
Aos poucos,
entretanto, acabamos nos acostumamos ao lugar e logo aprendemos a tirar
proveito do nosso “sertão”. Havia muitas coisas gostosas para fazer. O melhor
de tudo eram as caminhadas que eu, irmãos e colegas fazíamos através das roças,
das pastagens e das matas que ainda restavam na região. Havia os riachos, e muitas
vezes seguíamos por dentro deles, topando aqui e ali com uma cachoeira.
Muitas vezes
passávamos o dia inteiro nessas andanças, comendo o que a gente encontrava pelo
caminho. Era fácil encontrar frutas nas roças. Também a natureza oferecia uma
variedade de frutas silvestres: ingá, marolo, gabiroba, jatobá, piúna,
jaboticaba e outras de que as crianças de hoje nem imaginam existir.
Bem pensadas as
coisas, aqueles foram tempos muito felizes, apesar de os perigos serem muitos,
sobretudo quando se anda descalço no meio das matas e dos córregos. Eu mesmo
passei por maus bocados, por exemplo quando um galho seco me caiu na cabeça ou
quando caí de uma árvore e uma farpa de madeira me fez um buraco nas costas.
Nessas ocasiões, só restava ir pra casa e receber os curativos caseiros
aplicados pacientemente pela mãe.
O momento de
maior perigo, creio, foi no dia em que aprendi a nadar... na marra. Devia ter
então uns 9 ou 10 anos. Os garotos estavam nadando num açude e eu estava na
beirada com medo de entrar. E eis que um garoto, desses que tem parentesco com
o diabo, me empurrou para dentro d´água. Imaginai, amigos, desespero deste
filho da dona Dolores, batendo os braços e perninhas. Felizmente deu certo:
consegui sair da água, com o coração a mil! Durante algum tempo fiquei ali, na
beirada, recuperando fôlego e esperando passar o susto. Então, senti um afago
na cabeça, e naquela hora pensei que fosse o vento acariciando meus cabelos.
Concluí depois que na verdade havia sido meu anjo da guarda que passara a mão
pela minha cabeça e compreendi o que ele me disse na ocasião:
- Garoto, nada tema. Vou estar sempre
perto de você.
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