sábado, 26 de julho de 2014

NELSON MANDELA

A globalização da responsabilidade


Nelson Mandela, o principal líder da resistência ao apartheid na África do Sul,
foi presidente de seu país entre 1994 e 1999. No texto a seguir, ele comenta os riscos sociais da desigualdade econômica e da distribuição injusta das riquezas entre países ricos e pobres.

Feitas as contas, o que as pessoas comuns de todos os países do mundo estão pedindo é a simples oportunidade de viver uma vida decente, de ter um abrigo adequado e comida para comer, poder cuidar dos filhos e viver com dignidade, uma boa educação para suas crianças e o atendimento de suas necessidades de saúde, acesso a um emprego remunerado.
Em resumo, o principal desafio que o nosso mundo enfrenta no novo século é a erradicação da pobreza, que ainda cobre muitas partes do globo e flagela uma grande porcentagem da espécie humana. Vale a pena citar o Relatório de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas de 1999 para lembrar a escala de desigualdade à medida que saímos do século e do milênio.

O documento aponta “oportunidades e recompensas da globalização sendo distribuídas desigual e injustamente, concentrando poder e riqueza em um grupo seleto de pessoas, nações e corporações, marginalizando os outros”. Alerta que “quando as causas de lucro dos jogadores do mercado se descontrolam, elas desafiam a ética das pessoas e sacrificam o respeito à justiça e aos direitos humanos”.
O relatório prossegue apresentando números específicos, que ressaltam a distribuição desigual e injusta. Os cinco países mais ricos têm 86% do Produto Interno Bruto mundial. Os cinco últimos, apenas 1%. Os cinco primeiros comandam 82% dos mercados de exportação. Os cinco últimos, apenas 1%.
O destino econômico de um país não está apenas em suas mãos. No mundo globalizado, acontecimentos em um canto do planeta podem ter um efeito imenso sobre o destino de outros, mesmo que distantes e de modo algum envolvidos nesses acontecimentos.
Esse estado de coisas deveria lembrar-nos que, à medida que afetamos o destino uns dos outros, também temos uma responsabilidade comum no tratamento da pobreza. A simples confiança no mercado para automaticamente erradicar a pobreza e a grande desigualdade é uma grave falácia. Todos sabemos que o mercado, com todos os seus benefícios, não resolve tudo.
Se, da noite para o dia, como resultado da agitação dos mercados financeiros, 17 milhões de pessoas na Indonésia caem na pobreza; se 1 milhão de crianças naquela região não conseguem voltar à escola; se ao redor do mundo 1,3 bilhão de pessoas vivem com menos de um dólar por dia e 3 bilhões de pessoas com menos de dois dólares por dia, se 1,3 bilhão de pessoas não têm acesso a água limpa, 2 bilhões não têm acesso ao poder, certamente, não podemos continuar com os negócios como eles são hoje.
Juntos, vivemos todos em uma aldeia global e, a longo prazo, não é vantajoso para ninguém que haja ilhas de riqueza em um mar de pobreza. Precisamos também de uma globalização da responsabilidade. Acima de tudo, esse é o desafio do próximo século.
Adaptado de: Mandela, Nelson. Globalização da responsabilidade. Zero Hora, 29 jul. 2000.


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