NELSON MANDELA
A globalização da responsabilidade
Nelson Mandela, o principal líder da resistência ao
apartheid na África do Sul,
foi presidente de seu país entre 1994 e 1999. No
texto a seguir, ele comenta os riscos sociais da desigualdade econômica e da distribuição injusta das riquezas entre países
ricos e pobres.
Feitas as contas, o que as pessoas comuns de todos os
países do mundo estão pedindo é a simples oportunidade de viver uma vida
decente, de ter um abrigo adequado e comida para comer, poder cuidar dos filhos
e viver com dignidade, uma boa educação para suas crianças e o atendimento de
suas necessidades de saúde, acesso a um emprego remunerado.
Em resumo, o principal desafio que o nosso mundo
enfrenta no novo século é a erradicação da pobreza, que ainda cobre muitas
partes do globo e flagela uma grande porcentagem da espécie humana. Vale a pena
citar o Relatório de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas
de 1999 para lembrar a escala de desigualdade à medida que saímos do século e
do milênio.
O documento aponta “oportunidades e recompensas da
globalização sendo distribuídas desigual e injustamente, concentrando poder e
riqueza em um grupo seleto de pessoas, nações e corporações, marginalizando os
outros”. Alerta que “quando as causas de lucro dos jogadores do mercado se
descontrolam, elas desafiam a ética das pessoas e sacrificam o respeito à
justiça e aos direitos humanos”.
O relatório prossegue apresentando números
específicos, que ressaltam a distribuição desigual e injusta. Os cinco países
mais ricos têm 86% do Produto Interno Bruto mundial. Os cinco últimos, apenas
1%. Os cinco primeiros comandam 82% dos mercados de exportação. Os cinco
últimos, apenas 1%.
O destino econômico de um país não está apenas em
suas mãos. No mundo globalizado, acontecimentos em um canto do planeta podem
ter um efeito imenso sobre o destino de outros, mesmo que distantes e de modo
algum envolvidos nesses acontecimentos.
Esse estado de coisas deveria lembrar-nos que, à
medida que afetamos o destino uns dos outros, também temos uma responsabilidade
comum no tratamento da pobreza. A simples confiança no mercado para
automaticamente erradicar a pobreza e a grande desigualdade é uma grave
falácia. Todos sabemos que o mercado, com todos os seus benefícios, não resolve
tudo.
Se, da noite para o dia, como resultado da agitação
dos mercados financeiros, 17 milhões de pessoas na Indonésia caem na pobreza;
se 1 milhão de crianças naquela região não conseguem voltar à escola; se ao
redor do mundo 1,3 bilhão de pessoas vivem com menos de um dólar por dia e 3
bilhões de pessoas com menos de dois dólares por dia, se 1,3 bilhão de pessoas
não têm acesso a água limpa, 2 bilhões não têm acesso ao poder, certamente, não
podemos continuar com os negócios como eles são hoje.
Juntos, vivemos todos em uma aldeia global e, a longo
prazo, não é vantajoso para ninguém que haja ilhas de riqueza em um mar de
pobreza. Precisamos também de uma globalização da responsabilidade. Acima de
tudo, esse é o desafio do próximo século.
Adaptado de: Mandela,
Nelson. Globalização da responsabilidade. Zero Hora, 29 jul. 2000.
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