quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018


REGÊNCIA (1831-1840)


 Quando se tornou  herdeiro  do  trono  brasileiro, dom Pedro de Alcântara tinha apenas 5 anos de idade. Conforme determinava a Constituição de 1824, para governar o país, no dia 7 de abril de 1831, foi organizada uma Regência Trina Provisória, constituída pelos senadores Nicolau Vergueiro e José Joaquim Carneiro de Campos e pelo brigadeiro Francisco de Lima e Silva. Como a Assembleia Geral estava em recesso, a medida teria efeito só até o reinício das atividades parlamentares.
Confronto durante a Guerra dos Farrapos,,por
José Wasth Rodrigues (1891-1957)
Findo o recesso, a Assembleia elegeu uma Regência Trina Permanente em 17 de junho de 1831.
Para integrá-la, foram escolhidos José da Costa Carvalho, João Bráulio Muniz e, novamente, o brigadeiro Francisco de Lima e Silva. Em primeiro lugar, ela precisava restabelecer a ordem pública, desarticulada em várias partes do país, sobretudo no Rio de Janeiro, onde a agitação popular ganhava força com o apoio de militares.
Em julho, soldados e oficiais sublevados da capital do Império uniram-se à população no Campo de Santana e exigiram a exoneração dos funcionários portugueses e a convocação de uma Assembleia Constituinte para ampliar as liberdades democráticas.
O ministro da Justiça, padre Diogo Antônio Feijó, respondeu à onda de manifestações com repressão. Muitas pessoas foram presas nas províncias e no Rio de Janeiro e diversos líderes exaltados tiveram de sair do país. Essas medidas, porém, não foram sufi cientes para conter a agitação.
Um dos focos de descontentamento era justamente o Exército, constituído por pessoas das camadas médias e baixas da população.
Para diminuir a extensão dos motins de origem militar, em agosto de 1831 o governo ordenou a redução do efetivo de 30 mil para 10 mil soldados. No mesmo mês, criou a Guarda Nacional, uma milícia formada por grandes proprietários de terras e seus homens de confiança em todo o país.
Teoricamente, a Guarda Nacional era uma força armada auxiliar do Exército, que deveria ser mobilizada em caso de agressão externa ou de ameaça à ordem interna. Na prática, porém, acabaria se tornando uma milícia a serviço das elites. Seus comandantes eram sempre chefes políticos locais, fazendeiros ou grandes comerciantes, que recebiam o título de coronel. Dela derivou o fenômeno do coronelismo, que persistiria no Brasil mesmo depois de sua extinção, em 1922.
Outra medida importante desse período foi a instituição do Código de Processo Criminal de 1832, que, entre outras inovações, concedeu maior poder aos juízes de paz – autoridades judiciárias eleitas nos municípios –, criou o júri e estabeleceu o habeas corpus.
Em agosto de 1834, depois de intensos debates, a Assembleia Geral aprovou uma reforma na Constituição do Império. Conhecida como Ato Adicional, a medida promovia relativa descentralização do poder, criando as Assembleias Legislativas nas províncias, com mais poderes que os antigos Conselhos Provinciais.
Além disso, abolia o Conselho de Estado, órgão criado para assessorar o imperador no exercício do Poder Moderador. O Conselho de Estado era, com o Senado, reduto dos restauradores, por isso sua extinção representava uma vitória dos liberais exaltados.
Outra iniciativa da Assembleia Geral foi acabar com a Regência Trina, substituída por uma Regência Una, que deveria ser eleita pelo voto direto dos cidadãos qualificados para participar das eleições. Esse aspecto inovador – eleições diretas para Regente – foi recebido com satisfação por farroupilhas e outros liberais, que vislumbraram aí o que chamaram de “experiência republicana”.
O primeiro regente a ser eleito foi o padre Feijó, que governaria de 1835 a 1837.

1. Forças políticas
Logo depois da abdicação de dom Pedro I, as forças políticas dividiram-se em três grupos.
O mais forte era o dos liberais moderados, que assumiram o poder com a Regência. O programa desse grupo representava os interesses e as expectativas da aristocracia rural, sobretudo das províncias do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo. Os liberais moderados tinham como principal objetivo pacificar o país e consolidar o processo de independência.
Entre seus líderes, destacavam-se o mineiro Bernardo Pereira de Vasconcelos, o jornalista carioca Evaristo da Veiga e o padre paulista Feijó, ministro da Justiça. Os moderados recebiam dos adversários o apelido de chimangos.
Um segundo grupo era formado pelos liberais exaltados, apelidados de farroupilhas ou jurujubas. Inimigos dos portugueses, esses políticos defendiam o federalismo, ou seja, a concessão de maior autonomia às províncias. Os mais radicais, como Cipriano Barata e Borges da Fonseca, lutavam pela instauração da República.
Uma terceira corrente era composta de restauradores, conhecidos como caramurus. De tendência absolutista, esse grupo, integrado por ex-aliados de dom Pedro I, iria lutar pela volta do imperador ao trono. Entretanto, com a morte de dom Pedro, em 1834, sua luta perderia o sentido e o grupo seria extinto.

2. Rebeliões provinciais
Apesar das concessões liberais do Ato Adicional de 1834, os problemas sociais, políticos e econômicos, herdados do período colonial, persistiam. Grande parte deles era resultado da escravidão, do abandono em que viviam as populações do interior, das profundas desigualdades entre ricos e pobres, da má distribuição da terra e do crescimento da população urbana.
Alimentando as tensões, a crise econômico-financeira – arrecadação insuficiente, exportações em baixa e elevado custo de vida – deteriorava ainda mais as condições de vida das classes populares, aumentando o descontentamento geral. A partir de 1835, a insatisfação generalizada explodiu em numerosas revoltas e rebeliões provinciais, uma das quais chegou a se transformar em guerra civil de longa duração: a Guerra dos Farrapos (ou Revolução Farroupilha), no Rio Grande do Sul, que se prolongou de 1835 a 1845.
Algumas dessas revoltas surgidas no período regencial só teriam fim após a posse de dom Pedro de Alcântara como imperador, em 1840.

1) A Cabanagem (1835-1840)
Com uma população de cerca de 100 mil habitantes, o Pará era um foco de tensões desde o período da independência. Em 1834, o governador Bernardo Lobo de Sousa tentou esmagar a oposição prendendo alguns de seus líderes. A resposta dos oposicionistas foi dada entre 6 e 7 de janeiro de 1835, quando um grupo de rebeldes ocupou Belém, depois de uma noite de tiroteios.
O governador foi executado e o poder passou para as mãos dos cabanos, assim chamados porque a maioria dos revoltosos era composta por trabalhadores rurais que moravam em cabanas, à margem dos rios.
O chefe do governo cabano, Félix Antônio Malcher, representava os proprietários rurais e queria manter o Pará como província do Império. Outros líderes, como Eduardo Angelim e Antônio Vinagre, porém, mais ligados às camadas populares, pregavam a ruptura de todos os laços com o poder central.
Esses líderes depuseram Malcher e, depois de algumas lutas contra forças da Regência, foram obrigados a abandonar Belém em julho de 1835. No mês seguinte, à frente de 3 mil cabanos, eles retomaram a capital e proclamaram a República, desligando-se do Império.
Nove meses depois, em maio de 1836, a Regência conseguiu esmagar a rebelião. Alguns grupos de revoltosos esconderam-se no interior da província e conseguiram resistir até 1840, quando foram definitivamente derrotados. Durante todo o conflito, morreram cerca de 40 mil pessoas.

2) A Balaiada (1838-1841)
No Maranhão, as disputas entre grupos políticos liberais (os bem-te-vis) e conservadores eram intensas.
Alimentadas por líderes partidários, grandes fazendeiros e comerciantes, elas acabaram envolvendo ampla parcela da população, calculada na época em cerca de 200 mil habitantes, dos quais aproximadamente 90 mil eram escravizados.
A revolta começou quando o vaqueiro Raimundo Gomes, que trabalhava para um fazendeiro liberal, teve um irmão presso. Agindo por conta própria, o vaqueiro atacou a cadeia da vila, libertou o irmão e outros prisioneiros e fugiu para o sertão, onde recebeu apoio e guarida da população pobre.
Estimulados pelo exemplo, grupos de sertanejos passaram a atacar fazendas. Em meio a essas ações, foram surgindo líderes rebeldes, como o artesão Manuel Francisco dos Anjos Ferreira, que  vivia de fazer e vender cestos e cujo apelido era Balaio – termo que acabou inspirando o nome dos revoltosos (balaios) e do movimento (Balaiada).

A participação dos trabalhadores escraviza
A rebelião sertaneja estimulou os trabalhadores escravizados a fugir em massa das fazendas. Com isso, surgiram diversos quilombos na região, um dos quais formado por 3 mil desses trabalhadores e chefiado por Cosme Bento das Chagas. Em alguns momentos, o movimento ultrapassou as fronteiras do Maranhão, chegando o Piauí. Em maio de 1839, os balaios tomaram Caxias, segunda cidade mais importante do Maranhão, onde instalaram um governo provisório, que exigiu a extinção da Guarda Nacional e jurou fidelidade ao Império.
A falta de objetivos claros e as divergências entre as lideranças enfraqueceram os revoltosos, que não resistiram às tropas do Exército enviadas do Rio de Janeiro. Em janeiro de 1841, toda a região estava pacificada. O último líder a cair foi o negro Cosme, condenado à morte e enforcado em 1842. No comando das tropas imperiais, estava o coronel Luís Alves de Lima e Silva, futuro duque de Caxias.

Com a Balaiada, as camadas populares do Maranhão deixaram clara sua vontade de acabar com as condições de submissão e desigualdade social em que viviam.

3) Malês e sabinos na Bahia
Em 1835, a capital da Bahia, Salvador, foi sacudida por uma rebelião de 1 500 negros, que tentaram tomar um quartel e semearam o pânico entre os senhores de terras, exigindo o fim da escravidão. Conhecido como revolta dos Malês, o movimento acabou sufocado sob violenta repressão. Dois anos depois, no entanto, a cidade seria sacudida por nova rebelião.
Em Salvador, os liberais exaltados que divulgavam suas ideias no jornal Novo Diário da Bahia, de Francisco Sabino Álvares da Rocha Vieira, contavam com forte apoio de oficiais e soldados do Exército. Estimulados pela cabanagem do Pará e pela revolução Farroupilha, que já havia começado no Rio Grande do Sul, eles atacavam o despotismo do poder central e pregavam abertamente a separação da província. Em novembro de 1837, tropas do forte de São Pedro e de outras unidades sublevaram-se, pondo as autoridades em fuga.
Sob a liderança de Sabino, de cujo nome derivaria o nome do movimento, Sabinada, os rebeldes formaram um governo autônomo, que anunciou a separação da Bahia até que o príncipe dom Pedro chegasse à maioridade e exigiu a convocação de uma Assembleia Constituinte. Em março de 1838, contudo, tropas legalistas invadiram a capital rebelde. Após dois dias de intensos combates, Sabino e seus homens se renderam.

4) A Guerra dos Farrapos (1835-1845)
Ocorrida no extremo sul do país, a Guerra dos Farrapos, também chamada de revolução Farroupilha, foi uma das mais importantes revoltas do período pelo fato de os rebeldes terem constituído e conservado por dez anos um Estado republicano. As condições para que isso acontecesse eram favoráveis: nessa região, o espírito republicano já estava consolidado entre amplos setores das elites e da população devido à proximidade das repúblicas do Prata (Uruguai, Paraguai e Argentina).
Ao mesmo tempo, o preparo militar dos gaúchos, habituados às lutas nas fronteiras desde o período colonial, garantiu a sustentação do conflito durante anos.
Antes da guerra, os fazendeiros do Rio Grande do Sul (ou estancieiros) dedicavam-se, entre outras atividades, à criação de gado e à produção de charque, carne-seca conservada com sal. Esse produto era consumido em todo o país, principalmente pelos trabalhadores escravizados. Entretanto, em várias províncias, os senhores de terras e de trabalhadores escravizados preferiam comprar charque proveniente da Argentina e do Uruguai, vendido a preços mais baixos.
Sentindo-se prejudicados, os donos de charqueadas do Rio Grande do Sul exigiam que o governo central elevasse os impostos sobre o produto importado dos países platinos. Para os compradores de charque, porém, era mais interessante continuar comprando o produto importado. O governo acabou satisfazendo os interesses dos proprietários das outras regiões, taxando o charque gaúcho nos portos do Sudeste e do Nordeste. A medida provocou o descontentamento dos estancieiros do Rio Grande do Sul e acabou fortalecendo a propaganda dos farroupilhas, que pregavam o separatismo e a criação de uma República.
A insatisfação das elites gaúchas atingiu o auge quando o presidente da província, Antônio Rodrigues Braga, nomeado pela Regência, fixou um imposto sobre as propriedades rurais. Como consequência, em setembro de 1835, o coronel farroupilha Bento Gonçalves e seus homens ocuparam Porto Alegre e depuseram Rodrigues Braga. No ano seguinte, proclamaram a República Rio-Grandense, com sede na cidade de Piratini. Começava assim a Guerra dos Farrapos.
Em outubro de 1836, Bento Gonçalves foi capturado por tropas da Regência e enviado para uma prisão na Bahia, de onde fugiria no ano seguinte com o auxílio de membros da maçonaria. Enquanto isso, a luta prosseguia no Rio Grande do Sul. De volta à província, Bento Gonçalves retomou a liderança do movimento, que contava agora com a participação do italiano Giuseppe Garibaldi, que se destacaria anos depois no processo de unificação da Itália. Em julho de 1839, os revoltosos ocuparam Laguna, em Santa Catarina, onde proclamaram a República Juliana, nome derivado do mês de julho.
No mês de novembro de 1842, chegava ao Rio Grande do Sul Luís Alves de Lima e Silva, futuro duque de Caxias, nomeado presidente e comandante de armas da província. Combinando ações militares com medidas políticas, ele conseguiu encerrar a luta. Por proposta sua, por exemplo, os rebeldes foram anistiados e os oficiais do exército farroupilha, integrados ao exército brasileiro, na mesma patente que ocupavam nas tropas rebeldes. Além disso, o governo central manteve um imposto, introduzido em 1840 para tentar apaziguar os ânimos na província, de 25 por cento sobre a importação do charque proveniente dos países da região do Rio da Prata.

3. O “Regresso”
Toda essa agitação, criada pelas revoltas nas províncias, assustava o grupo dominante, que passou a atribuir a responsabilidade pelas revoltas à falta de autoridade do governo central, enfraquecido pela descentralização decorrente do Ato Adicional de 1834. Na Assembleia Geral,
a maioria dos líderes políticos assumia cada vez mais posições conservadoras e contrárias às medidas de 1834. Para aumentar os temores dessa corrente conservadora, o regente Feijó entrou em choque com a aristocracia agrária ao propor a substituição gradual do trabalho escravo pelo trabalho assalariado.
Pressionado pela maioria conservadora do Parlamento, Feijó renunciou à Regência em setembro de 1837, transmitindo o governo ao líder conservador Pedro de Araújo Lima. Em abril do ano seguinte, Araújo Lima, futuro marquês de Olinda, seria confirmado no cargo de regente por meio de eleições diretas, com 4 308 votos. Recebia, assim, todo o apoio da aristocracia agrária, receosa de que a extinção gradual do trabalho escravo proposta por Feijó começasse a ganhar adeptos.
Com Araújo Lima teve início o “Regresso”, período de reação conservadora, durante o qual foram adotadas diversas medidas de fortalecimento do poder central. O Ato Adicional de 1834 foi definido como “código da anarquia” e a ele se contrapôs um projeto de lei que restringia as atribuições das Assembleias Provinciais. Depois de três anos de debates, em maio de 1840, o projeto foi aprovado com o nome de lei Interpretativa. No mesmo ano, foi restaurado o Conselho de Estado.

4. O “Golpe” da Maioridade
As medidas adotadas durante a reação conservadora, contudo, não foram sufiientes para estancar a agitação que tomava conta de várias províncias. Entre os liberais, generalizou-se a opinião de que os problemas só seriam resolvidos com a ascensão de dom Pedro de Alcântara ao trono. Porém, a Constituição estabelecia que só aos 18 anos, ao atingir a maioridade, ele poderia ser sagrado imperador. Como isso só aconteceria no final de 1843, os liberais criaram o Clube da Maioridade, em abril de 1840, e passaram a apresentar na Câmara projetos de antecipação da maioridade.
Os conservadores opunham-se à ideia, pois viam nessa iniciativa uma manobra para afastá-los do poder. Em meados de 1840, consultado sobre a questão, o próprio dom Pedro, então com 14 anos, manifestou seu apoio à reforma. Somada a uma opinião pública favorável, a manifestação do príncipe quebrava as últimas resistências no Parlamento, que, em 23 de julho, declarou sua maioridade. Nesse mesmo dia, o jovem foi coroado imperador com o título de dom Pedro II. No dia seguinte, compôs seu ministério com os liberais.
O episódio seria chamado mais tarde de Golpe da Maioridade. Momentaneamente fora do governo, os conservadores passavam para a oposição. Era o fim da Regência e o começo do Segundo Reinado.


PRIMEIRO  REINADO (1822-1831)


 Depois  de  proclamar  a  independência, quando ainda estava na província de São Paulo, dom Pedro retornou rapidamente ao Rio de Janeiro. Pouco depois, no dia 12 de outubro de 1822, ele foi declarado Imperador Constitucional do Brasil, e aclamado pelo povo.
Mas isso era só o começo. Restavam ainda as tarefas de organizar a administração pública e as leis do novo país, bem como conseguir o reconhecimento das outras nações em relação à autonomia recém-conquistada. De certo modo, a presença de dom Pedro à frente do governo tornava mais fácil obter a legitimação das monarquias europeias.
Dom Pedro entrega s carta de renúncia. Na poltrona, estão a imperatriz
Dona Amélia, o príncipe Dom Pedro de Alcântara (futuro Pedro II) e a princesa
Dona Maria (Maria II, em Portugal). Quadro de Aurélio de Figueiredo (1911).
O principal argumento para vencer a resistência dos monarcas europeus ao reconhecimento residia no fato de o novo país ter como chefe um príncipe da dinastia de Bragança, herdeiro legítimo do trono de Portugal, o que garantia a continuidade da ordem econômica, social e política brasileira.
Os primeiros países a atender ao pedido do governo brasileiro foram os Estados Unidos, em 1824, e o México, em 1825.
Na Europa, em contrapartida, nenhum dos soberanos europeus poderia reconhecer a emancipação do Brasil antes de Portugal, em virtude de compromissos assumidos no Congresso de Viena. Como Portugal não admitia tal condição, a Grã-Bretanha atuou como mediadora.
A mediação britânica acabou dando resultado. O Brasil comprometeu-se a pagar à antiga metrópole uma indenização de 2 milhões de libras, importância que tomou emprestada da Grã-Bretanha.
Com isso, Portugal reconheceu a independência do novo país em 29 de agosto de 1825.
Quanto à própria Grã-Bretanha, ela só formalizou o reconhecimento da independência após a assinatura do tratado de aliança, Comércio e amizade, concluído em 1826. Com o acordo, o Brasil manteve a tarifa preferencial de 15% sobre os produtos britânicos importados, estabelecida em 1810 pelo governo português, e garantiu que não cobraria taxas inferiores a essa das demais nações, com exceção de Portugal.
Em outro documento, firmado na mesma data, o governo de dom Pedro I assumiu o compromisso de extinguir o tráfico negreiro no prazo de três anos, compromisso que não chegou a ser cumprido.
A tarifa alfandegária de 15% sobre os produtos importados pelo Brasil teve de ser estendida a outros países europeus. Foi uma exigência que fi zeram para formalizar o reconhecimento. A concessão acabou gerando grandes dificuldades financeiras ao governo brasileiro, pois essa era uma taxa muito baixa, e os impostos cobrados na alfândega constituíam a principal e quase única fonte de recursos.

1. Dom Pedro e a Constituinte
A independência ocorreu praticamente sem participação popular. Entretanto, dois grupos políticos muito distintos envolveram-se no processo. Um deles, mais radical, defendia uma ideologia liberal democrática, que apontava na direção da República ou na de uma monarquia constitucional controlada pelo Poder Legislativo. O principal representante dessa tendência era Joaquim Gonçalves Ledo.
O outro grupo reunia os liberais conservadores, que foram na verdade os grandes vencedores do movimento, ao qual deram um caráter de transição conciliadora. Formado por funcionários públicos habituados à monarquia absolutista e por comerciantes portugueses, esse grupo defendia que a fonte de legitimidade do Estado brasileiro deveria ser o imperador, e não a população ou uma Assembleia Constituinte.
José Bonifácio, que fora demitido do governo em julho de 1823, era o fiel da balança entre os dois grupos políticos. Para ele, a tarefa de organizar o novo país estava associada à de manter a unidade da nação contra o perigo da “fragmentação republicana”, que caracterizou a emancipação dos países da América espanhola. Essa unidade, segundo Bonifácio, só seria possível com uma monarquia forte, embora não absolutista, sob a autoridade do imperador.
A Assembleia Constituinte fora convocada em junho de 1822, antes, portanto, da proclamação da independência. Já durante os preparativos, Gonçalves Ledo e Bonifácio haviam entrado em choque. O primeiro queria que a Assembleia expressasse a vontade da maioria da população. Para isso, era necessário que o voto fosse o mais amplo possível.
Bonifácio pensava de maneira diferente. Ele era partidário do pensamento iluminista e tinha ideias progressistas sobre temas importantes. Por exemplo: era contrário à escravidão e ao latifúndio, mas era conservador em outros assuntos. Ele temia, por exemplo, que o sufrágio universal levasse a agitações de rua. Preferia o voto censitário, para que votassem apenas as pessoas que tivessem um valor mínimo de renda. Isso não era novidade, pois, naquela época, o voto censitário era adotado por praticamente todos os países em que havia eleições.
A Constituinte começou a se reunir em 3 de maio de 1823. Ao longo dos trabalhos, afloraram as divergências entre monarquistas centralizadores e liberais radicais. As questões discutidas não giravam em torno de temas sociais, como o regime de trabalho ou a propriedade da terra. O tema mais polêmico era mesmo a questão da legitimidade do poder monárquico.
De acordo com as propostas defendidas, os integrantes da Assembleia dividiram-se em Partido Português (defensores de dom Pedro) e Partido Brasileiro (adeptos da Constituição soberana).
Conforme dito anteriormente, apesar de serem chamados partidos, esses grupos não chegavam a constituir agremiações políticas como conhecemos hoje. Eram, antes, agrupamentos de pessoas com afinidades políticas.
O Partido Brasileiro dominava a Constituinte, cujos trabalhos começaram a tomar rumos incômodos ao imperador: a Constituinte queria limitar o poder de dom Pedro, mais do que este estava disposto a aceitar. A resposta de dom Pedro foi drástica: em novembro de 1823, ele fechou a Constituinte e ordenou a prisão de vários deputados, episódio conhecido como “Noite da Agonia”.
Entre eles, estavam Antônio Carlos e Martim Francisco de Andrada e Silva, que foram obrigados a partir para o exílio na França, ao lado do irmão mais velho, José Bonifácio.
Com algumas alterações, a Constituição outorgada de 1824 vigoraria até a Proclamação da República, em 1889. Com ela, o que existia, na verdade, era um tipo de absolutismo constitucional. O fato de haver uma Constituição, mesmo que imposta e de feição centralizadora e autoritária, permitia ao Estado apresentar-se como uma monarquia constitucional, mascarando seu absolutismo.

A Constituição de 1824
Logo após fechar a Assembleia Constituinte, dom Pedro I nomeou um Conselho de Estado de dez membros, encarregado de elaborar um novo projeto de Constituição. Depois de quarenta dias de trabalho, o documento foi aprovado pelo imperador, que o apresentou à nação como a primeira Constituição do Brasil, outorgada por meio de um decreto imperial em 25 de março de 1824. Diz-se que uma Constituição é outorgada quando ela não é elaborada pelos representantes do povo, mas sim imposta pelo Poder Executivo.
O Poder Executivo
A Carta definia o sistema de governo como uma monarquia constitucional, hereditária e vitalícia, sob a forma imperial. O imperador, auxiliado por ministros de sua escolha, era o chefe do Poder Executivo. Entre suas atribuições estavam a de conceder títulos de nobreza (que no Brasil não eram hereditários) e nomear os governos provinciais, o que tornava o Brasil um Estado unitário, não federativo, de poder fortemente centralizado.
O Poder Legislativo
O Poder Legislativo compunha-se da Câmara dos Deputados e do Senado. Os deputados seriam eleitos para mandatos de três anos, enquanto os senadores teriam cargo vitalício – cabendo ao imperador escolhê-los entre três candidatos mais votados em cada província. O voto era censitário e o sistema eleitoral estava organizado em duas etapas.
A primeira consistia em eleições primárias, às quais compareciam apenas as pessoas livres do sexo masculino, maiores de 25 anos, que provassem possuir renda anual de pelo menos 100 mil-réis.
Nessa etapa, escolhiam-se os chamados eleitores de segundo grau – cuja renda devia ser de no mínimo 200 mil-réis – para integrar uma espécie de colégio eleitoral encarregado de eleger, na segunda etapa, os deputados e os senadores. Os candidatos a esses cargos tinham de ser católicos e comprovar um rendimento de 400 e 800 mil-réis, respectivamente.
A Constituição estabelecia ainda a igualdade perante a lei. O catolicismo era declarado religião oficial e a Igreja Católica ficava subordinada ao Estado. Nesse contexto, os padres e os bispos passavam a ser funcionários do governo, do qual recebiam salários.
Os poderes Judiciário e Moderador
Além do Legislativo e do Executivo, mais dois poderes foram instituídos: o Judiciário, exercido por um Supremo Tribunal, com juízes nomeados pelo imperador; e o poder Moderador, exercido pelo soberano, auxiliado por um Conselho de Estado. A justificativa para esse quarto poder era manter o equilíbrio entre os demais poderes. Na prática, porém, ele acabou sendo um instrumento da vontade pessoal do imperador, que poderia intervir nos três poderes, dissolver a Câmara, nomear senadores, juízes e presidentes de províncias, entre outras prerrogativas.

2. Confederação do Equador. Pernambuco, 1824
A dissolução da Constituinte e a imposição de uma Carta constitucional sem consulta à nação desencadearam uma onda de protestos entre as elites e as camadas médias urbanas de diversas províncias. Em Pernambuco, onde ainda não tinham se apagado inteiramente as chamas da insurreição de 1817, a insatisfação assumiu a forma de rebelião. No dia 2 de julho de 1824, líderes liberais de diversos setores da sociedade uniram-se para proclamar uma República na região.
Entre os revoltosos, estavam o frei Joaquim do Amor Divino Rabelo e Caneca, que havia participado do levante de 1817, o jornalista Cipriano Barata, participante da Conjuração Baiana de 1798, e membros da aristocracia agrária, como Manuel de Carvalho Pais de Andrade. Logo depois, a província obteve o apoio da Paraíba, do Rio Grande do Norte e do Ceará, com os quais constituiu a confederação do Equador.
Assim, em 1824, a jovem República despertou o entusiasmo da população; os revolucionários não chegaram a abolir o trabalho escravo e a repressão do governo central logo se fez sentir. Em setembro de 1824, tropas comandadas pelo brigadeiro Francisco de Lima e Silva, com o apoio da esquadra do almirante britânico Cochrane, sufocaram a insurreição.
Entre os participantes da Confederação do Equador, onze foram condenados à morte. O primeiro deles foi frei Caneca, o mais popular dos revolucionários. A condenação determinava que ele fosse executado na forca. Os carrascos, porém, recusaram-se a cumprir a sentença. Em vista disso, a Comissão Militar ordenou seu fuzilamento.

O pensamento de frei Caneca

Joaquim da Silva Rabelo (1779-1825), popularmente conhecido como frei Caneca, era religioso e ativista político brasileiro, incansável defensor da liberdade. Foi um dos principais líderes das revoltas de 1817 e de 1824, ambas em Pernambuco. A seguir, leia um de seus escritos mais importantes, intitulado “Bases para a formação do pacto social”.
“1º. Os direitos naturais, civis e políticos do homem são a liberdade, a igualdade, a segurança, a prosperidade e a resistência à opressão. [...]
4º. A todo homem é livre manifestar os seus sentimentos e a sua opinião sobre qualquer objeto.
5º. A liberdade da imprensa, ou outro qualquer meio de publicar esses sentimentos, não pode ser proibida, suspensa nem limitada.
6º. A igualdade consiste em que cada um possa gozar dos mesmos direitos.
7º. A lei deve ser igual para todos, recompensando ou punindo, protegendo ou reprimindo. [...]
14º. Ninguém deve ser punido, senão em virtude de uma lei estabelecida, promulgada anteriormente ao delito, e legalmente aplicada. [...]
22º. A instrução elementar é necessária a todos, e a sociedade a deve prestar igualmente a todos os seus membros. [...]
30º. Os homens, reunidos em sociedade, devem ter um meio legal de resistir à opressão.”
In: MELLO, Evaldo Cabral de (Org.). Frei Joaquim do Amor Divino Caneca. São Paulo: Editora 34, 2001. p. 494.

3. O povo contra dom Pedro I
A Confederação do Equador havia sido vencida, mas os problemas do governo central estavam apenas começando. Para as elites liberais – que reivindicavam mais liberdade para as províncias – e para as camadas médias, influenciadas pela propaganda dos jornais de oposição, dom Pedro já não era mais o líder que se configurara após a independência. Entre os problemas que se sucederam, destacam-se:
A sucessão do trono português. Um complicador a mais surgiu em 1826, com a morte de dom João VI. Proclamado sucessor do pai, dom Pedro I renunciou ao trono português em favor da princesa Maria da Glória, sua filha, menor de idade. Enquanto a princesa não atingisse a maioridade, Portugal seria governado por dom Miguel, irmão de dom Pedro, como príncipe regente. Em 1828, porém, dom Miguel proclamou-se rei de Portugal, atraindo a ira de dom Pedro. No Brasil, para os oposicionistas, ficava claro que o imperador passaria a disputar o trono português, colocando em risco a própria autonomia do Brasil.

A perda do Uruguai. Nesse mesmo ano, a província Cisplatina proclamou sua independência com o nome de República do Uruguai, depois de três anos de guerra contra o governo brasileiro. O conflito acentuou o quadro de dificuldades econômicas e financeiras pelo qual passava o país. a crise econômica. A crise começara em 1821, quando dom João VI e sua corte retornaram a Portugal, levando consigo quase todo o ouro que pertencia ao Banco do Brasil. A situação agravou-se com a queda nos preços dos produtos agrícolas exportados pelo Brasil para o mercado europeu e com os termos dos acordos comerciais com a Grã-Bretanha e outros países da Europa. Além do crescimento constante das importações. Os gastos com a repressão em Pernambuco e a Guerra Cisplatina completaram o quadro. Em 1828, foi anunciada a falência do Banco do Brasil.
Todos esses problemas, somados ao autoritarismo do imperador, à sangrenta repressão contra a Confederação do Equador e à escandalosa vida pessoal de dom Pedro provocaram grave crise política. Em poucos anos, dom Pedro deixara de ser o “herói da independência” para se tornar o principal alvo das críticas da população.

4. Dom Pedro i renuncia ao trono
Afastado dos liberais e com a imagem muito desgastada, o imperador apoiava-se cada vez mais no Partido Português, que estimulava seu autoritarismo e aspirava à reunificação entre Brasil e Portugal. Ao mesmo tempo, a oposição ao governo crescia no Legislativo e na imprensa.
Os jornais de oposição, por sinal, tornavam-se cada dia mais numerosos. Entre eles, destacavam-se A Sentinela da liberdade, de Cipriano Barata; Aurora fluminense, de Evaristo da Veiga; O Tribuno do povo, de Oliveira França; Observador constitucional, de Líbero Badaró.
Em novembro de 1830, Líbero Badaró foi assassinado numa rua de São Paulo. Suas últimas palavras foram uma acusação direta ao absolutismo do imperador: “Morre um liberal, mas não morre a liberdade”. De boca a boca, a frase percorreu rapidamente o país. A oposição responsabilizou de forma direta o imperador pelo assassinato. Em dezembro de 1830, ao visitar Minas Gerais, dom Pedro foi recebido com cerimônias fúnebres em homenagem a Líbero Badaró.
Outro incidente ocorreu em março de 1831. Nessa data, manifestantes portugueses partidários do imperador entraram em choque com estudantes e populares no Rio de Janeiro. As arruaças estenderam-se por vários dias e culminaram no episódio conhecido como Noite das Garrafadas, no qual portugueses e brasileiros enfrentaram-se abertamente nas ruas do Rio de Janeiro.
No início de abril, dom Pedro já não contava com apoio militar e era hostilizado pela opinião pública. Diante disso, dom Pedro I não restava a dom Pedro nenhuma outra alternativa, a não ser a renúncia. Foi o que ele fez. Na manhã do dia 7 de abril, o imperador abdicou ao trono em favor de seu filho, Pedro de Alcântara, então com cinco anos de idade. Assim, de forma melancólica, terminou o Primeiro Reinado e tinha início o período regencial, que viria a ser um dos mais conturbados da história do Brasil.

terça-feira, 27 de fevereiro de 2018


INDEPENDÊNCIA  DO  BRASIL


 O  ano  de  1820  foi  particularmente  significativo. Foi o ano em que teve início a revolução liberal em Portugal. Foi também o ano que marcou o avanço dos movimentos de independência na América e pelas revoluções liberais na Europa.
Nesse contexto revolucionário, as tentativas das Cortes de Lisboa de recolonizar o Brasil só aceleraram e ampliaram a propagação das ideias de independência na antiga colônia.
Independência ou Morte, de Pedro Américo (pintado em 1888).
Temendo perder a autonomia e a liberdade de comércio conquistadas com a transferência da corte portuguesa para o Rio de Janeiro, a aristocracia rural brasileira deixou de lado suas hesitações e abraçou finalmente a causa da independência.
Apesar da exigência das Cortes de Lisboa, dom João VI procurava retardar ao máximo seu retorno a Portugal. Mas seus últimos dias no Rio de Janeiro não foram nada tranquilos. Em fevereiro de 1821, a população do Rio de Janeiro e vários militares exigiram que o rei jurasse obediência à Constituição que seria elaborada pelas Cortes portuguesas.
Com o aumento das pressões e temeroso de perder o trono, dom João decidiu retornar a Portugal. Para governar o Brasil, nomeou seu filho, dom Pedro, príncipe regente e anunciou eleições para a escolha dos representantes brasileiros nas Cortes de Lisboa.
Em 21 de abril de 1821, o governo convocou a população do Rio de Janeiro para uma assembleia que seria realizada na Praça do Comércio, com a finalidade de prestigiar o príncipe regente.
Muitas pessoas compareceram, mas o objetivo da assembleia mudou durante o ato público. Aos gritos de “Aqui governa o povo!”, os populares exigiam também a permanência do rei em território brasileiro, que dom João VI desta vez jurasse obediência à Constituição liberal espanhola, enquanto a de Portugal não fosse votada pelas Cortes.
Diante dessa atitude da população, dom Pedro ordenou às tropas que reprimissem a manifestação.
A praça transformou-se em campo de guerra, com confrontos de rua e disparos dos soldados contra a multidão. Saldo da batalha: três manifestantes mortos, diversos feridos e muitos presos.

1. Partida de D. João de volta para Portugal
No dia 26 de abril, dom João VI e sua corte embarcaram para Portugal, enquanto manifestantes exigiam no cais do porto que o rei deixasse aqui as joias e outros bens do Tesouro. Temeroso de que, mais dia, menos dia, o Brasil se tornaria independente, dom João VI deixou seu filho dom Pedro à frente do governo do Brasil. Era uma forma de manter a monarquia na antiga colônia e, ao mesmo tempo, viabilizar a continuidade da dinastia de Bragança à frente do governo em uma eventual declaração de independência. Em Lisboa, contudo, as Cortes anularam a nomeação de dom Pedro para o cargo de príncipe regente, cobrando seu pronto retorno a Portugal.

2. Organizam-se as forças políticas no Rio de Janeiro
Enquanto isso, consolidavam-se no Brasil três correntes políticas. Embora duas delas sejam chamadas de partidos – Partido Português e Partido Brasileiro –, a rigor não existiam nessa época partidos políticos no Brasil. Na verdade, as pessoas com ideias afins reuniam-se em torno de órgãos de imprensa e de líderes políticos, constituindo grupos informais que apareciam e desapareciam ao sabor dos acontecimentos. Apesar disso, esses grupos foram decisivos no processo de formação de uma opinião pública favorável nos meses que antecederam a independência.
No Partido Português reuniam-se todos os que tinham interesse em restabelecer a antiga subordinação colonial a Portugal. Desse grupo faziam parte, principalmente, comerciantes portugueses, descontentes com a perda de privilégios e monopólios, altos funcionários e militares estabelecidos no Rio de Janeiro e em algumas cidades portuárias do norte e nordeste.
Já o Partido Brasileiro representava os interesses dos grandes proprietários rurais, em particular os de São Paulo, de Minas Gerais e do Rio de Janeiro. Contava com a simpatia de altos funcionários, militares e comerciantes brasileiros e estrangeiros beneficiados pela abertura dos portos.
O projeto desse grupo consistia basicamente em manter o Brasil como reino unido a Portugal, resguardando as vantagens já adquiridas. Um de seus principais articuladores era José Bonifácio de Andrada e Silva, irmão mais velho de Antônio Carlos de Andrada, que participara da Revolução Pernambucana de 1817.
Essa corrente defendia o estabelecimento de uma monarquia dual, ou seja, um sistema de poder em que Brasil e Portugal fossem considerados nações irmãs dotadas de administrações autônomas, mas sob o governo do mesmo monarca. A opção pela independência só foi assumida mais tarde, quando as Cortes insistiram em obrigar dom Pedro a deixar o Brasil.
Havia ainda outra corrente, integrada por liberais radicais. Esta última reunia pessoas de vários setores da população urbana: comerciantes, funcionários menos graduados, artesãos, padres, professores, intelectuais, jornalistas, entre outros. Suas principais lideranças eram o jornalista Joaquim Gonçalves Ledo e o comerciante português José Clemente Pereira. Gonçalves Ledo
e seu amigo Januário da Cunha Barbosa tinham fundado o jornal Revérbero Constitucional Fluminense, que pregava a imediata independência do Brasil e a instalação no país de uma República semelhante à dos Estados Unidos.
Em fins de 1821, quando ficou claro o projeto das Cortes de impor ao Brasil o status de colônia, os liberais radicais uniram-se ao chamado Partido Brasileiro no esforço de manter dom Pedro no Rio de Janeiro. A partir desse momento, até mesmo Gonçalves Ledo abandonou a proposta republicana e passou a defender a independência regida por uma monarquia constitucional.

3. O Dia do Fico e seus desdobramentos
Em dezembro de 1821, o Rio de Janeiro agitou-se com a chegada de novos decretos das Cortes de Lisboa. Entre outras resoluções, as Cortes exigiam o retorno imediato de dom Pedro a Portugal.
A resposta dos liberais radicais foi organizar uma campanha para coletar assinaturas a favor da permanência do príncipe no Brasil. Era um modo de rejeitar a pressão e de fazer com que o príncipe decidisse ficar. No dia 9 de janeiro de 1822, Clemente Pereira, presidente da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, entregou a dom Pedro o abaixo-assinado com cerca de 10 mil assinaturas.
Nesse mesmo dia, o príncipe anunciou sua decisão a uma comissão liderada por Clemente Pereira: “Como é para o bem de todos e felicidade geral da Nação, estou pronto: diga ao povo que fico”. A partir desse momento, dom Pedro entrava em rota de colisão com o governo de Lisboa. A independência era agora uma questão de tempo.
Logo após o Fico – nome pelo qual ficou conhecido o episódio –, dom Pedro demitiu os ministros nomeados por seu pai e criou o primeiro ministério integrado só por brasileiros. Entre eles, estavam dois Andradas: José Bonifácio, no Ministério do Reino e Estrangeiros, e seu irmão Martim Francisco, no Ministério da Fazenda.
A reação do Partido Português veio em fevereiro, quando o general Avilez, comandante das tropas portuguesas estacionadas no Rio de Janeiro, exigiu que dom Pedro obedecesse às ordens das Cortes. Na disputa que se seguiu, Avilez foi vencido e expulso do Brasil com suas tropas.
Ainda no mesmo mês, José Bonifácio convocou o Conselho dos Procuradores das Províncias do Brasil para assessorar o príncipe regente. Naquele momento era importante consolidar a ligação política entre o Rio de Janeiro e as províncias, procurando, assim, garantir a unidade territorial.
Em maio, dom Pedro decretou que nenhuma ordem das Cortes seria aceita no Brasil sem o “cumpra-se” do príncipe regente. No mês seguinte, o cenário político foi tumultuado pelas divergências entre os partidários de José Bonifácio e os de Gonçalves Ledo quanto à convocação de uma Assembleia Constituinte, cuja função seria elaborar uma Constituição para o Brasil. Bonifácio, que havia proposto a criação do Conselho dos Procuradores, era contra a ideia. Gonçalves Ledo, contudo, mobilizou a opinião pública e a imprensa em defesa da convocação. A pressão, mais uma vez, levou dom Pedro a aprovar a iniciativa, e a Assembleia foi convocada.
Em julho, a população da Bahia pegou em armas contra o governo provincial, chefiado pelo general português Madeira de Melo, defensor dos projetos das Cortes. Era o início efetivo das guerras de independência.

4. “Independência ou morte!”
No final de agosto, dom Pedro viajou para a província de São Paulo, onde havia eclodido uma rebelião contra José Bonifácio. O príncipe regente esperava acalmar os ânimos na província. Dom Pedro viajou para Santos, cidade dos Andradas, e ao retornar para São Paulo, já nas proximidades da capital paulista, às margens do riacho do Ipiranga, chegaram às suas mãos os últimos decretos das Cortes de Lisboa. Eram ordens severas para que ele se submetesse ao rei e às Cortes e anulasse a convocação do Conselho dos Procuradores. Com os decretos, o príncipe recebeu duas cartas pessoais.
Em uma delas, José Bonifácio aconselhava dom Pedro a romper definitivamente com Portugal. Na outra, a esposa do príncipe, dona Leopoldina, apoiava a sugestão do ministro. Diante do impasse, dom Pedro teria gritado “Independência ou morte!”, proclamando o rompimento definitivo com Portugal.
Era o dia 7 de setembro de 1822. Ao chegar ao Rio de Janeiro, o príncipe foi aclamado Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil, com o título de dom Pedro I.

Independência para quem?
A historiadora Emília Viotti da Costa (1928) é considerada referência para o estudo da sociedade luso-brasileira durante o período da colonização portuguesa. No trecho a seguir, ela discute a participação dos escravizados nos movimentos revolucionários que antecederam a independência do Brasil.
“Para o povo, composto de negros e mestiços, a revolução da Independência configurava-se como uma luta contra os brancos e seus privilégios. Estes branquinhos do Reino que nos querem tomar nossa terra, cedo os havemos de botar fora, diria um dos indiciados no processo da Inconfidência.
Não é de espantar que os brancos se atemorizassem diante da perspectiva de rebelião e hesitaram em associar-se ao povo, definido como esta canalha que se compõem geralmente de mulatos e negros. Para os despossuídos, a revolução implicava antes de mais nada a subversão da ordem, enquanto para os privilegiados, a condição necessária da revolução era a preservação da ordem, que garantia seus privilégios.
Em 1821, menos de um ano antes da Independência, Carneiro de Campos, pouco depois um dos que conspiravam no Apostolado ao lado de José Bonifácio pela Independência, personagem ilustre na administração, conselheiro e, mais tarde, deputado, senador e ministro, confessava em carta a um amigo, temer aquela população heterogênea, composta na maior parte de escravos, a seu ver inimigos natos e em toda a razão e justiça, bem como os mesmos libertos, dos homens brancos. Mulatos e negros certamente se uniriam, em caso de revolução, diante da perspectiva de liberdade e se repetiriam no Brasil os horrores da Ilha de São Domingos, onde os negros sublevados massacraram a população branca. Ainda em 1823, por ocasião dos motins de Pernambuco, cantavam-se trovas assim:
Marinheiros e caiados / Todos devem se acabar / Porque só pardos e pretos / O país hão de habitar
O temor da população culta e ilustrada diante da perspectiva de agitação das massas explica porque a ideia de realizar a Independência com o apoio do príncipe pareceria tão sedutora: permitiria emancipar a nação do jugo metropolitano sem que para isso fosse necessário recorrer à rebelião popular.”
COSTA, Emília Viotti da. Introdução ao estudo da emancipação política do Brasil. p. 26-27. Disponível em: https://pt.scribd.com/document/314404182/COSTA-Emilia-Viotti-Introducao-Ao-Estudo-Da-Emancipacao-Politica-Do-Brasil-1 Acesso em 27/02/2018.

5. As guerras da independência
Desenlace de um longo processo de tensões e conflitos entre Brasil e Portugal, a independência consolidou-se com relativa rapidez. Para que isso acontecesse, foi decisivo o apoio econômico
e diplomático da Inglaterra e a intervenção de mercenários britânicos e franceses a favor do governo de dom Pedro nas lutas que se seguiram ao Grito do Ipiranga. Mas, se, por um lado, a independência encontrou forte resistência das Cortes, por outro, a presença do príncipe à frente do Estado brasileiro surgia aos olhos dos comerciantes e funcionários portugueses como garantia de que seus negócios e interesses não seriam prejudicados. Afinal, ele era membro da dinastia de Bragança e herdeiro da Coroa portuguesa.
Na América espanhola, as guerras de libertação prolongaram-se por vários anos e conduziram à formação de diversas repúblicas. Na América portuguesa, ao contrário, as lutas pela consolidação da independência envolveram apenas algumas províncias e foram de curta duração, terminando em novembro de 1823.
No Maranhão, por exemplo, a rebelião das autoridades portuguesas de São Luís contra o Sete de Setembro foi facilmente sufocada em julho de 1823 por lorde Cochrane, um mercenário inglês a serviço de dom Pedro. No Pará, onde a Junta Governativa era favorável a Portugal, o conflito armado eclodiu no início de 1823 e terminou em agosto do mesmo ano, quando dom Pedro enviou a Belém uma frota comandada por lorde Cochrane e pelo capitão John Pascoe Grenfell.
Já na Bahia, as lutas se estenderam de junho de 1822 a julho de 1823, quando as forças favoráveis a Portugal acabaram vencidas pelas armas. Por fim, na Província Cisplatina, a resistência contra a emancipação foi definitivamente sufocada em novembro de 1823.

6. Uma independência relativa
A independência não alterou a estrutura econômica e social que caracterizava a antiga colônia. Foram mantidos a economia agroexportadora, a monocultura praticada em grandes propriedades, o trabalho escravo e a dependência externa.
No texto a seguir, o economista Celso Furtado (1920-2004) discute a relação do Brasil com a Inglaterra após o processo de independência. “A forma peculiar como se processou a independência da América portuguesa teve consequências fundamentais no seu subsequente desenvolvimento.
Transferindo-se o governo português para o Brasil sob a proteção britânica e operando-se a independência sem descontinuidade na chefia do governo, os privilégios econômicos de que se beneficiava a Grã-Bretanha em Portugal transferiram-se automaticamente para o Brasil independente.
Com efeito, se bem haja conseguido separar-se de Portugal em 1822, o Brasil necessitou de vários decênios mais para eliminar a tutelagem que, graças a sólidos acordos internacionais, mantinha sobre ele a Grã-Bretanha. Esses acordos foram firmados em momentos difíceis e constituíam, dentro da tradição das relações luso-britânicas, pagamentos em privilégios econômicos de importantes favores políticos.
Os acordos de 1810 foram firmados contra a garantia da Grã-Bretanha de que nenhum governo imposto por Napoleão em Portugal seria reconhecido.
Por eles se transferiram para o Brasil todos os privilégios de que gozavam os britânicos em Portugal – inclusive os de extraterritorialidade – e se lhes reconhecia uma tarifa preferencial. Tudo indica que, negociando esses acordos, o governo português tinha estritamente em vista a continuidade da casa reinante em Portugal, enquanto os britânicos se preocupavam em firmar-se definitivamente na colônia, cujas perspectivas comerciais eram bem mais promissoras que as de Portugal.” FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. 37. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. p. 36-37.