INDEPENDÊNCIA DO BRASIL
O ano de 1820
foi particularmente significativo. Foi o ano em que teve início a
revolução liberal em Portugal. Foi também o ano que marcou o avanço dos
movimentos de independência na América e pelas revoluções liberais na Europa.
Nesse
contexto revolucionário, as tentativas das Cortes de Lisboa de recolonizar o
Brasil só aceleraram e ampliaram a propagação das ideias de independência na
antiga colônia.
![]() |
Independência ou Morte, de Pedro Américo (pintado em 1888). |
Temendo
perder a autonomia e a liberdade de comércio conquistadas com a transferência
da corte portuguesa para o Rio de Janeiro, a aristocracia rural brasileira
deixou de lado suas hesitações e abraçou finalmente a causa da independência.
Apesar
da exigência das Cortes de Lisboa, dom João VI procurava retardar ao máximo seu
retorno a Portugal. Mas seus últimos dias no Rio de Janeiro não foram nada
tranquilos. Em fevereiro de 1821, a população do Rio de Janeiro e vários
militares exigiram que o rei jurasse obediência à Constituição que seria
elaborada pelas Cortes portuguesas.
Com
o aumento das pressões e temeroso de perder o trono, dom João decidiu retornar
a Portugal. Para governar o Brasil, nomeou seu filho, dom Pedro, príncipe
regente e anunciou eleições para a escolha dos representantes brasileiros nas
Cortes de Lisboa.
Em
21 de abril de 1821, o governo convocou a população do Rio de Janeiro para uma
assembleia que seria realizada na Praça do Comércio, com a finalidade de
prestigiar o príncipe regente.
Muitas
pessoas compareceram, mas o objetivo da assembleia mudou durante o ato público.
Aos gritos de “Aqui governa o povo!”, os populares exigiam também a permanência
do rei em território brasileiro, que dom João VI desta vez jurasse obediência à
Constituição liberal espanhola, enquanto a de Portugal não fosse votada pelas
Cortes.
Diante
dessa atitude da população, dom Pedro ordenou às tropas que reprimissem a manifestação.
A
praça transformou-se em campo de guerra, com confrontos de rua e disparos dos soldados
contra a multidão. Saldo da batalha: três manifestantes mortos, diversos
feridos e muitos presos.
1. Partida
de D. João de volta para Portugal
No
dia 26 de abril, dom João VI e sua corte embarcaram para Portugal, enquanto
manifestantes exigiam no cais do porto que o rei deixasse aqui as joias e
outros bens do Tesouro. Temeroso de que, mais dia, menos dia, o Brasil se
tornaria independente, dom João VI deixou seu filho dom Pedro à frente do
governo do Brasil. Era uma forma de manter a monarquia na antiga colônia e, ao
mesmo tempo, viabilizar a continuidade da dinastia de Bragança à frente do
governo em uma eventual declaração de independência. Em Lisboa, contudo, as
Cortes anularam a nomeação de dom Pedro para o cargo de príncipe regente,
cobrando seu pronto retorno a Portugal.
2. Organizam-se
as forças políticas no Rio de Janeiro
Enquanto
isso, consolidavam-se no Brasil três correntes políticas. Embora duas delas
sejam chamadas de partidos – Partido Português e Partido Brasileiro –, a rigor
não existiam nessa época partidos políticos no Brasil. Na verdade, as pessoas
com ideias afins reuniam-se em torno de órgãos de imprensa e de líderes
políticos, constituindo grupos informais que apareciam e desapareciam ao sabor
dos acontecimentos. Apesar disso, esses grupos foram decisivos no processo de formação
de uma opinião pública favorável nos meses que antecederam a independência.
No
Partido Português reuniam-se todos os que tinham interesse em restabelecer a
antiga subordinação colonial a Portugal. Desse grupo faziam parte,
principalmente, comerciantes portugueses, descontentes com a perda de
privilégios e monopólios, altos funcionários e militares estabelecidos no Rio
de Janeiro e em algumas cidades portuárias do norte e nordeste.
Já
o Partido Brasileiro representava os interesses dos grandes proprietários
rurais, em particular os de São Paulo, de Minas Gerais e do Rio de Janeiro.
Contava com a simpatia de altos funcionários, militares e comerciantes
brasileiros e estrangeiros beneficiados pela abertura dos portos.
O
projeto desse grupo consistia basicamente em manter o Brasil como reino unido a
Portugal, resguardando as vantagens já adquiridas. Um de seus principais
articuladores era José Bonifácio de Andrada e Silva, irmão mais velho de
Antônio Carlos de Andrada, que participara da Revolução Pernambucana de 1817.
Essa
corrente defendia o estabelecimento de uma monarquia dual, ou seja, um sistema
de poder em que Brasil e Portugal fossem considerados nações irmãs dotadas de
administrações autônomas, mas sob o governo do mesmo monarca. A opção pela
independência só foi assumida mais tarde, quando as Cortes insistiram em
obrigar dom Pedro a deixar o Brasil.
Havia
ainda outra corrente, integrada por liberais radicais. Esta última reunia
pessoas de vários setores da população urbana: comerciantes, funcionários menos
graduados, artesãos, padres, professores, intelectuais, jornalistas, entre
outros. Suas principais lideranças eram o jornalista Joaquim Gonçalves Ledo e o
comerciante português José Clemente Pereira. Gonçalves Ledo
e
seu amigo Januário da Cunha Barbosa tinham fundado o jornal Revérbero
Constitucional Fluminense, que pregava a imediata independência do Brasil e
a instalação no país de uma República semelhante à dos Estados Unidos.
Em
fins de 1821, quando ficou claro o projeto das Cortes de impor ao Brasil o status
de colônia, os liberais radicais uniram-se ao chamado Partido Brasileiro no
esforço de manter dom Pedro no Rio de Janeiro. A partir desse momento, até
mesmo Gonçalves Ledo abandonou a proposta republicana e passou a defender a
independência regida por uma monarquia constitucional.
3. O
Dia do Fico e seus desdobramentos
Em
dezembro de 1821, o Rio de Janeiro agitou-se com a chegada de novos decretos
das Cortes de Lisboa. Entre outras resoluções, as Cortes exigiam o retorno
imediato de dom Pedro a Portugal.
A
resposta dos liberais radicais foi organizar uma campanha para coletar
assinaturas a favor da permanência do príncipe no Brasil. Era um modo de
rejeitar a pressão e de fazer com que o príncipe decidisse ficar. No dia 9 de
janeiro de 1822, Clemente Pereira, presidente da Câmara Municipal do Rio de
Janeiro, entregou a dom Pedro o abaixo-assinado com cerca de 10 mil
assinaturas.
Nesse
mesmo dia, o príncipe anunciou sua decisão a uma comissão liderada por Clemente
Pereira: “Como é para o bem de todos e felicidade geral da Nação, estou pronto:
diga ao povo que fico”. A partir desse momento, dom Pedro entrava em rota de
colisão com o governo de Lisboa. A independência era agora uma questão de tempo.
Logo
após o Fico – nome pelo qual ficou conhecido o episódio –, dom Pedro
demitiu os ministros nomeados por seu pai e criou o primeiro ministério
integrado só por brasileiros. Entre eles, estavam dois Andradas: José
Bonifácio, no Ministério do Reino e Estrangeiros, e seu irmão Martim Francisco,
no Ministério da Fazenda.
A
reação do Partido Português veio em fevereiro, quando o general Avilez,
comandante das tropas portuguesas estacionadas no Rio de Janeiro, exigiu que
dom Pedro obedecesse às ordens das Cortes. Na disputa que se seguiu, Avilez foi
vencido e expulso do Brasil com suas tropas.
Ainda
no mesmo mês, José Bonifácio convocou o Conselho dos Procuradores das
Províncias do Brasil para assessorar o príncipe regente. Naquele momento era
importante consolidar a ligação política entre o Rio de Janeiro e as
províncias, procurando, assim, garantir a unidade territorial.
Em
maio, dom Pedro decretou que nenhuma ordem das Cortes seria aceita no Brasil
sem o “cumpra-se” do príncipe regente. No mês seguinte, o cenário político foi
tumultuado pelas divergências entre os partidários de José Bonifácio e os de
Gonçalves Ledo quanto à convocação de uma Assembleia Constituinte, cuja função
seria elaborar uma Constituição para o Brasil. Bonifácio, que havia proposto a
criação do Conselho dos Procuradores, era contra a ideia. Gonçalves Ledo,
contudo, mobilizou a opinião pública e a imprensa em defesa da convocação. A
pressão, mais uma vez, levou dom Pedro a aprovar a iniciativa, e a Assembleia
foi convocada.
Em
julho, a população da Bahia pegou em armas contra o governo provincial, chefiado
pelo general português Madeira de Melo, defensor dos projetos das Cortes. Era o
início efetivo das guerras de independência.
4. “Independência
ou morte!”
No
final de agosto, dom Pedro viajou para a província de São Paulo, onde havia
eclodido uma rebelião contra José Bonifácio. O príncipe regente esperava
acalmar os ânimos na província. Dom Pedro viajou para Santos, cidade dos
Andradas, e ao retornar para São Paulo, já nas proximidades da capital
paulista, às margens do riacho do Ipiranga, chegaram às suas mãos os últimos
decretos das Cortes de Lisboa. Eram ordens severas para que ele se submetesse
ao rei e às Cortes e anulasse a convocação do Conselho dos Procuradores. Com os
decretos, o príncipe recebeu duas cartas pessoais.
Em
uma delas, José Bonifácio aconselhava dom Pedro a romper definitivamente com
Portugal. Na outra, a esposa do príncipe, dona Leopoldina, apoiava a sugestão
do ministro. Diante do impasse, dom Pedro teria gritado “Independência ou
morte!”, proclamando o rompimento definitivo com Portugal.
Era
o dia 7 de setembro de 1822. Ao chegar ao Rio de Janeiro, o príncipe foi
aclamado Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil, com o título
de dom Pedro I.
Independência para quem?
A
historiadora Emília Viotti da Costa (1928) é considerada referência para o
estudo da sociedade luso-brasileira durante o período da colonização
portuguesa. No trecho a seguir, ela discute a participação dos escravizados nos
movimentos revolucionários que antecederam a independência do Brasil.
“Para
o povo, composto de negros e mestiços, a revolução da Independência configurava-se
como uma luta contra os brancos e seus privilégios. Estes branquinhos do Reino
que nos querem tomar nossa terra, cedo os havemos de botar fora, diria um dos
indiciados no processo da Inconfidência.
Não
é de espantar que os brancos se atemorizassem diante da perspectiva de rebelião
e hesitaram em associar-se ao povo, definido como esta canalha que se compõem
geralmente de mulatos e negros. Para os despossuídos, a revolução implicava
antes de mais nada a subversão da ordem, enquanto para os privilegiados, a
condição necessária da revolução era a preservação da ordem, que garantia seus
privilégios.
Em
1821, menos de um ano antes da Independência, Carneiro de Campos, pouco depois
um dos que conspiravam no Apostolado ao lado de José Bonifácio pela
Independência, personagem ilustre na administração, conselheiro e, mais tarde,
deputado, senador e ministro, confessava em carta a um amigo, temer aquela
população heterogênea, composta na maior parte de escravos, a seu ver inimigos natos
e em toda a razão e justiça, bem como os mesmos libertos, dos homens brancos.
Mulatos e negros certamente se uniriam, em caso de revolução, diante da
perspectiva de liberdade e se repetiriam no Brasil os horrores da Ilha de São
Domingos, onde os negros sublevados massacraram a população branca. Ainda em
1823, por ocasião dos motins de Pernambuco, cantavam-se trovas assim:
Marinheiros e caiados / Todos devem se acabar / Porque só pardos
e pretos / O país hão de habitar
O
temor da população culta e ilustrada diante da perspectiva de agitação das
massas explica porque a ideia de realizar a Independência com o apoio do
príncipe pareceria tão sedutora: permitiria emancipar a nação do jugo
metropolitano sem que para isso fosse necessário recorrer à rebelião popular.”
COSTA,
Emília Viotti da. Introdução ao estudo da emancipação política do Brasil.
p. 26-27. Disponível em: https://pt.scribd.com/document/314404182/COSTA-Emilia-Viotti-Introducao-Ao-Estudo-Da-Emancipacao-Politica-Do-Brasil-1
Acesso em 27/02/2018.
5. As
guerras da independência
Desenlace
de um longo processo de tensões e conflitos entre Brasil e Portugal, a
independência consolidou-se com relativa rapidez. Para que isso acontecesse,
foi decisivo o apoio econômico
e
diplomático da Inglaterra e a intervenção de mercenários britânicos e franceses
a favor do governo de dom Pedro nas lutas que se seguiram ao Grito do Ipiranga.
Mas, se, por um lado, a independência encontrou forte resistência das Cortes,
por outro, a presença do príncipe à frente do Estado brasileiro surgia aos
olhos dos comerciantes e funcionários portugueses como garantia de que seus
negócios e interesses não seriam prejudicados. Afinal, ele era membro da
dinastia de Bragança e herdeiro da Coroa portuguesa.
Na
América espanhola, as guerras de libertação prolongaram-se por vários anos e
conduziram à formação de diversas repúblicas. Na América portuguesa, ao
contrário, as lutas pela consolidação da independência envolveram apenas
algumas províncias e foram de curta duração, terminando em novembro de 1823.
No
Maranhão, por exemplo, a rebelião das autoridades portuguesas de São Luís
contra o Sete de Setembro foi facilmente sufocada em julho de 1823 por lorde
Cochrane, um mercenário inglês a serviço de dom Pedro. No Pará, onde a Junta
Governativa era favorável a Portugal, o conflito armado eclodiu no início de
1823 e terminou em agosto do mesmo ano, quando dom Pedro enviou a Belém uma
frota comandada por lorde Cochrane e pelo capitão John Pascoe Grenfell.
Já
na Bahia, as lutas se estenderam de junho de 1822 a julho de 1823, quando as
forças favoráveis a Portugal acabaram vencidas pelas armas. Por fim, na
Província Cisplatina, a resistência contra a emancipação foi definitivamente
sufocada em novembro de 1823.
6. Uma
independência relativa
A
independência não alterou a estrutura econômica e social que caracterizava a
antiga colônia. Foram mantidos a economia agroexportadora, a monocultura
praticada em grandes propriedades, o trabalho escravo e a dependência externa.
No
texto a seguir, o economista Celso Furtado (1920-2004) discute a relação do
Brasil com a Inglaterra após o processo de independência. “A forma peculiar
como se processou a independência da América portuguesa teve consequências fundamentais
no seu subsequente desenvolvimento.
Transferindo-se
o governo português para o Brasil sob a proteção britânica e operando-se a
independência sem descontinuidade na chefia do governo, os privilégios econômicos
de que se beneficiava a Grã-Bretanha em Portugal transferiram-se
automaticamente para o Brasil independente.
Com
efeito, se bem haja conseguido separar-se de Portugal em 1822, o Brasil
necessitou de vários decênios mais para eliminar a tutelagem que, graças a sólidos
acordos internacionais, mantinha sobre ele a Grã-Bretanha. Esses acordos foram
firmados em momentos difíceis e constituíam, dentro da tradição das relações
luso-britânicas, pagamentos em privilégios econômicos de importantes favores
políticos.
Os
acordos de 1810 foram firmados contra a garantia da Grã-Bretanha de que nenhum
governo imposto por Napoleão em Portugal seria reconhecido.
Por
eles se transferiram para o Brasil todos os privilégios de que gozavam os
britânicos em Portugal – inclusive os de extraterritorialidade – e se lhes
reconhecia uma tarifa preferencial. Tudo indica que, negociando esses acordos,
o governo português tinha estritamente em vista a continuidade da casa reinante
em Portugal, enquanto os britânicos se preocupavam em firmar-se definitivamente
na colônia, cujas perspectivas comerciais eram bem mais promissoras que as de
Portugal.” FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. 37. ed. São
Paulo: Companhia das Letras, 2007. p. 36-37.
Nenhum comentário:
Postar um comentário