terça-feira, 27 de fevereiro de 2018


INDEPENDÊNCIA  DO  BRASIL


 O  ano  de  1820  foi  particularmente  significativo. Foi o ano em que teve início a revolução liberal em Portugal. Foi também o ano que marcou o avanço dos movimentos de independência na América e pelas revoluções liberais na Europa.
Nesse contexto revolucionário, as tentativas das Cortes de Lisboa de recolonizar o Brasil só aceleraram e ampliaram a propagação das ideias de independência na antiga colônia.
Independência ou Morte, de Pedro Américo (pintado em 1888).
Temendo perder a autonomia e a liberdade de comércio conquistadas com a transferência da corte portuguesa para o Rio de Janeiro, a aristocracia rural brasileira deixou de lado suas hesitações e abraçou finalmente a causa da independência.
Apesar da exigência das Cortes de Lisboa, dom João VI procurava retardar ao máximo seu retorno a Portugal. Mas seus últimos dias no Rio de Janeiro não foram nada tranquilos. Em fevereiro de 1821, a população do Rio de Janeiro e vários militares exigiram que o rei jurasse obediência à Constituição que seria elaborada pelas Cortes portuguesas.
Com o aumento das pressões e temeroso de perder o trono, dom João decidiu retornar a Portugal. Para governar o Brasil, nomeou seu filho, dom Pedro, príncipe regente e anunciou eleições para a escolha dos representantes brasileiros nas Cortes de Lisboa.
Em 21 de abril de 1821, o governo convocou a população do Rio de Janeiro para uma assembleia que seria realizada na Praça do Comércio, com a finalidade de prestigiar o príncipe regente.
Muitas pessoas compareceram, mas o objetivo da assembleia mudou durante o ato público. Aos gritos de “Aqui governa o povo!”, os populares exigiam também a permanência do rei em território brasileiro, que dom João VI desta vez jurasse obediência à Constituição liberal espanhola, enquanto a de Portugal não fosse votada pelas Cortes.
Diante dessa atitude da população, dom Pedro ordenou às tropas que reprimissem a manifestação.
A praça transformou-se em campo de guerra, com confrontos de rua e disparos dos soldados contra a multidão. Saldo da batalha: três manifestantes mortos, diversos feridos e muitos presos.

1. Partida de D. João de volta para Portugal
No dia 26 de abril, dom João VI e sua corte embarcaram para Portugal, enquanto manifestantes exigiam no cais do porto que o rei deixasse aqui as joias e outros bens do Tesouro. Temeroso de que, mais dia, menos dia, o Brasil se tornaria independente, dom João VI deixou seu filho dom Pedro à frente do governo do Brasil. Era uma forma de manter a monarquia na antiga colônia e, ao mesmo tempo, viabilizar a continuidade da dinastia de Bragança à frente do governo em uma eventual declaração de independência. Em Lisboa, contudo, as Cortes anularam a nomeação de dom Pedro para o cargo de príncipe regente, cobrando seu pronto retorno a Portugal.

2. Organizam-se as forças políticas no Rio de Janeiro
Enquanto isso, consolidavam-se no Brasil três correntes políticas. Embora duas delas sejam chamadas de partidos – Partido Português e Partido Brasileiro –, a rigor não existiam nessa época partidos políticos no Brasil. Na verdade, as pessoas com ideias afins reuniam-se em torno de órgãos de imprensa e de líderes políticos, constituindo grupos informais que apareciam e desapareciam ao sabor dos acontecimentos. Apesar disso, esses grupos foram decisivos no processo de formação de uma opinião pública favorável nos meses que antecederam a independência.
No Partido Português reuniam-se todos os que tinham interesse em restabelecer a antiga subordinação colonial a Portugal. Desse grupo faziam parte, principalmente, comerciantes portugueses, descontentes com a perda de privilégios e monopólios, altos funcionários e militares estabelecidos no Rio de Janeiro e em algumas cidades portuárias do norte e nordeste.
Já o Partido Brasileiro representava os interesses dos grandes proprietários rurais, em particular os de São Paulo, de Minas Gerais e do Rio de Janeiro. Contava com a simpatia de altos funcionários, militares e comerciantes brasileiros e estrangeiros beneficiados pela abertura dos portos.
O projeto desse grupo consistia basicamente em manter o Brasil como reino unido a Portugal, resguardando as vantagens já adquiridas. Um de seus principais articuladores era José Bonifácio de Andrada e Silva, irmão mais velho de Antônio Carlos de Andrada, que participara da Revolução Pernambucana de 1817.
Essa corrente defendia o estabelecimento de uma monarquia dual, ou seja, um sistema de poder em que Brasil e Portugal fossem considerados nações irmãs dotadas de administrações autônomas, mas sob o governo do mesmo monarca. A opção pela independência só foi assumida mais tarde, quando as Cortes insistiram em obrigar dom Pedro a deixar o Brasil.
Havia ainda outra corrente, integrada por liberais radicais. Esta última reunia pessoas de vários setores da população urbana: comerciantes, funcionários menos graduados, artesãos, padres, professores, intelectuais, jornalistas, entre outros. Suas principais lideranças eram o jornalista Joaquim Gonçalves Ledo e o comerciante português José Clemente Pereira. Gonçalves Ledo
e seu amigo Januário da Cunha Barbosa tinham fundado o jornal Revérbero Constitucional Fluminense, que pregava a imediata independência do Brasil e a instalação no país de uma República semelhante à dos Estados Unidos.
Em fins de 1821, quando ficou claro o projeto das Cortes de impor ao Brasil o status de colônia, os liberais radicais uniram-se ao chamado Partido Brasileiro no esforço de manter dom Pedro no Rio de Janeiro. A partir desse momento, até mesmo Gonçalves Ledo abandonou a proposta republicana e passou a defender a independência regida por uma monarquia constitucional.

3. O Dia do Fico e seus desdobramentos
Em dezembro de 1821, o Rio de Janeiro agitou-se com a chegada de novos decretos das Cortes de Lisboa. Entre outras resoluções, as Cortes exigiam o retorno imediato de dom Pedro a Portugal.
A resposta dos liberais radicais foi organizar uma campanha para coletar assinaturas a favor da permanência do príncipe no Brasil. Era um modo de rejeitar a pressão e de fazer com que o príncipe decidisse ficar. No dia 9 de janeiro de 1822, Clemente Pereira, presidente da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, entregou a dom Pedro o abaixo-assinado com cerca de 10 mil assinaturas.
Nesse mesmo dia, o príncipe anunciou sua decisão a uma comissão liderada por Clemente Pereira: “Como é para o bem de todos e felicidade geral da Nação, estou pronto: diga ao povo que fico”. A partir desse momento, dom Pedro entrava em rota de colisão com o governo de Lisboa. A independência era agora uma questão de tempo.
Logo após o Fico – nome pelo qual ficou conhecido o episódio –, dom Pedro demitiu os ministros nomeados por seu pai e criou o primeiro ministério integrado só por brasileiros. Entre eles, estavam dois Andradas: José Bonifácio, no Ministério do Reino e Estrangeiros, e seu irmão Martim Francisco, no Ministério da Fazenda.
A reação do Partido Português veio em fevereiro, quando o general Avilez, comandante das tropas portuguesas estacionadas no Rio de Janeiro, exigiu que dom Pedro obedecesse às ordens das Cortes. Na disputa que se seguiu, Avilez foi vencido e expulso do Brasil com suas tropas.
Ainda no mesmo mês, José Bonifácio convocou o Conselho dos Procuradores das Províncias do Brasil para assessorar o príncipe regente. Naquele momento era importante consolidar a ligação política entre o Rio de Janeiro e as províncias, procurando, assim, garantir a unidade territorial.
Em maio, dom Pedro decretou que nenhuma ordem das Cortes seria aceita no Brasil sem o “cumpra-se” do príncipe regente. No mês seguinte, o cenário político foi tumultuado pelas divergências entre os partidários de José Bonifácio e os de Gonçalves Ledo quanto à convocação de uma Assembleia Constituinte, cuja função seria elaborar uma Constituição para o Brasil. Bonifácio, que havia proposto a criação do Conselho dos Procuradores, era contra a ideia. Gonçalves Ledo, contudo, mobilizou a opinião pública e a imprensa em defesa da convocação. A pressão, mais uma vez, levou dom Pedro a aprovar a iniciativa, e a Assembleia foi convocada.
Em julho, a população da Bahia pegou em armas contra o governo provincial, chefiado pelo general português Madeira de Melo, defensor dos projetos das Cortes. Era o início efetivo das guerras de independência.

4. “Independência ou morte!”
No final de agosto, dom Pedro viajou para a província de São Paulo, onde havia eclodido uma rebelião contra José Bonifácio. O príncipe regente esperava acalmar os ânimos na província. Dom Pedro viajou para Santos, cidade dos Andradas, e ao retornar para São Paulo, já nas proximidades da capital paulista, às margens do riacho do Ipiranga, chegaram às suas mãos os últimos decretos das Cortes de Lisboa. Eram ordens severas para que ele se submetesse ao rei e às Cortes e anulasse a convocação do Conselho dos Procuradores. Com os decretos, o príncipe recebeu duas cartas pessoais.
Em uma delas, José Bonifácio aconselhava dom Pedro a romper definitivamente com Portugal. Na outra, a esposa do príncipe, dona Leopoldina, apoiava a sugestão do ministro. Diante do impasse, dom Pedro teria gritado “Independência ou morte!”, proclamando o rompimento definitivo com Portugal.
Era o dia 7 de setembro de 1822. Ao chegar ao Rio de Janeiro, o príncipe foi aclamado Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil, com o título de dom Pedro I.

Independência para quem?
A historiadora Emília Viotti da Costa (1928) é considerada referência para o estudo da sociedade luso-brasileira durante o período da colonização portuguesa. No trecho a seguir, ela discute a participação dos escravizados nos movimentos revolucionários que antecederam a independência do Brasil.
“Para o povo, composto de negros e mestiços, a revolução da Independência configurava-se como uma luta contra os brancos e seus privilégios. Estes branquinhos do Reino que nos querem tomar nossa terra, cedo os havemos de botar fora, diria um dos indiciados no processo da Inconfidência.
Não é de espantar que os brancos se atemorizassem diante da perspectiva de rebelião e hesitaram em associar-se ao povo, definido como esta canalha que se compõem geralmente de mulatos e negros. Para os despossuídos, a revolução implicava antes de mais nada a subversão da ordem, enquanto para os privilegiados, a condição necessária da revolução era a preservação da ordem, que garantia seus privilégios.
Em 1821, menos de um ano antes da Independência, Carneiro de Campos, pouco depois um dos que conspiravam no Apostolado ao lado de José Bonifácio pela Independência, personagem ilustre na administração, conselheiro e, mais tarde, deputado, senador e ministro, confessava em carta a um amigo, temer aquela população heterogênea, composta na maior parte de escravos, a seu ver inimigos natos e em toda a razão e justiça, bem como os mesmos libertos, dos homens brancos. Mulatos e negros certamente se uniriam, em caso de revolução, diante da perspectiva de liberdade e se repetiriam no Brasil os horrores da Ilha de São Domingos, onde os negros sublevados massacraram a população branca. Ainda em 1823, por ocasião dos motins de Pernambuco, cantavam-se trovas assim:
Marinheiros e caiados / Todos devem se acabar / Porque só pardos e pretos / O país hão de habitar
O temor da população culta e ilustrada diante da perspectiva de agitação das massas explica porque a ideia de realizar a Independência com o apoio do príncipe pareceria tão sedutora: permitiria emancipar a nação do jugo metropolitano sem que para isso fosse necessário recorrer à rebelião popular.”
COSTA, Emília Viotti da. Introdução ao estudo da emancipação política do Brasil. p. 26-27. Disponível em: https://pt.scribd.com/document/314404182/COSTA-Emilia-Viotti-Introducao-Ao-Estudo-Da-Emancipacao-Politica-Do-Brasil-1 Acesso em 27/02/2018.

5. As guerras da independência
Desenlace de um longo processo de tensões e conflitos entre Brasil e Portugal, a independência consolidou-se com relativa rapidez. Para que isso acontecesse, foi decisivo o apoio econômico
e diplomático da Inglaterra e a intervenção de mercenários britânicos e franceses a favor do governo de dom Pedro nas lutas que se seguiram ao Grito do Ipiranga. Mas, se, por um lado, a independência encontrou forte resistência das Cortes, por outro, a presença do príncipe à frente do Estado brasileiro surgia aos olhos dos comerciantes e funcionários portugueses como garantia de que seus negócios e interesses não seriam prejudicados. Afinal, ele era membro da dinastia de Bragança e herdeiro da Coroa portuguesa.
Na América espanhola, as guerras de libertação prolongaram-se por vários anos e conduziram à formação de diversas repúblicas. Na América portuguesa, ao contrário, as lutas pela consolidação da independência envolveram apenas algumas províncias e foram de curta duração, terminando em novembro de 1823.
No Maranhão, por exemplo, a rebelião das autoridades portuguesas de São Luís contra o Sete de Setembro foi facilmente sufocada em julho de 1823 por lorde Cochrane, um mercenário inglês a serviço de dom Pedro. No Pará, onde a Junta Governativa era favorável a Portugal, o conflito armado eclodiu no início de 1823 e terminou em agosto do mesmo ano, quando dom Pedro enviou a Belém uma frota comandada por lorde Cochrane e pelo capitão John Pascoe Grenfell.
Já na Bahia, as lutas se estenderam de junho de 1822 a julho de 1823, quando as forças favoráveis a Portugal acabaram vencidas pelas armas. Por fim, na Província Cisplatina, a resistência contra a emancipação foi definitivamente sufocada em novembro de 1823.

6. Uma independência relativa
A independência não alterou a estrutura econômica e social que caracterizava a antiga colônia. Foram mantidos a economia agroexportadora, a monocultura praticada em grandes propriedades, o trabalho escravo e a dependência externa.
No texto a seguir, o economista Celso Furtado (1920-2004) discute a relação do Brasil com a Inglaterra após o processo de independência. “A forma peculiar como se processou a independência da América portuguesa teve consequências fundamentais no seu subsequente desenvolvimento.
Transferindo-se o governo português para o Brasil sob a proteção britânica e operando-se a independência sem descontinuidade na chefia do governo, os privilégios econômicos de que se beneficiava a Grã-Bretanha em Portugal transferiram-se automaticamente para o Brasil independente.
Com efeito, se bem haja conseguido separar-se de Portugal em 1822, o Brasil necessitou de vários decênios mais para eliminar a tutelagem que, graças a sólidos acordos internacionais, mantinha sobre ele a Grã-Bretanha. Esses acordos foram firmados em momentos difíceis e constituíam, dentro da tradição das relações luso-britânicas, pagamentos em privilégios econômicos de importantes favores políticos.
Os acordos de 1810 foram firmados contra a garantia da Grã-Bretanha de que nenhum governo imposto por Napoleão em Portugal seria reconhecido.
Por eles se transferiram para o Brasil todos os privilégios de que gozavam os britânicos em Portugal – inclusive os de extraterritorialidade – e se lhes reconhecia uma tarifa preferencial. Tudo indica que, negociando esses acordos, o governo português tinha estritamente em vista a continuidade da casa reinante em Portugal, enquanto os britânicos se preocupavam em firmar-se definitivamente na colônia, cujas perspectivas comerciais eram bem mais promissoras que as de Portugal.” FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. 37. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. p. 36-37.



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