segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018


INCONFIDÊNCIA  MINEIRA  e  outros  movimentos


 Durante  o  período  colonial,  os  luso-brasileiros  promoveram diversas revoltas em diferentes regiões da América portuguesa. As primeiras não apresentavam preocupações separatistas: apenas revelavam o descontentamento contra um ou outro aspecto da administração portuguesa.

“A resposta de Tiradentes ao desembargador Rocha no ato da comutação
da pena aos demais companheiros depois da missa”, de
Leopoldino Faria (1836-1911). Popularmente conhecido como a
“Leitura da Sentença dos Inconfidentes”, o quadro foi encomendado ao
pintor no início da República.


Somente mais tarde, no final do século XVIII, ocorreram as primeiras revoltas com o objetivo declarado de separar o Brasil de Portugal. A Coroa portuguesa interpretou muitas dessas revoltas como inconfidência, ou seja, ressaltavam com essa designação a falta de fidelidade ou de lealdade para com o soberano.
Em 1789, veio à tona a primeira revolta de caráter separatista na colônia: a Inconfidência Mineira.
Pouco depois, movimentos semelhantes ocorreram no Rio de Janeiro (Conjuração do Rio de Janeiro, em 1794), na Bahia (Conjuração Baiana, em 1798) e em Pernambuco (Conspiração dos Suassunas, em 1801).

1. A Inconfidência Mineira
O descontentamento causado pela opressão metropolitana era evidente em algumas regiões da colônia, principalmente em Minas Gerais.
A partir de 1760, a produção de metais preciosos diminuiu e os mineiros não conseguiam completar a cota mínima de 100 arrobas de ouro por ano, exigida como imposto pela Coroa portuguesa.
Entre 1774 e 1785, por exemplo, o rendimento médio do quinto foi de apenas 68 arrobas por ano. Relatórios enviados do Brasil informavam à Coroa os problemas da mineração, explorada com técnicas rudimentares, e sugeriam medidas para aumentar a produção. Entretanto, o governo português preferia creditar a queda do rendimento à sonegação e ao contrabando.
Em julho de 1788, chegou a Minas o novo governador, dom Luís Antônio Furtado de Mendonça, Visconde de Barbacena, trazendo ordens expressas para lançar a derrama, cobrança forçada dos impostos atrasados, que somavam 538 arrobas de ouro. Barbacena também estava autorizado a investigar as reiteradas denúncias de corrupção dos funcionários e cobrar as dívidas dos contratadores da arrecadação de impostos.
A chegada do governador causou pânico em Minas Gerais. Nessas circunstâncias, um grupo de intelectuais da elite local começou a se reunir em Vila Rica para planejar uma revolta contra o domínio português, movimento que fi caria conhecido como Inconfidência Mineira.
Os participantes desses encontros, os conjurados (ou inconfi dentes), eram fortemente influenciados pelos ideais iluministas e pelo modelo estabelecido pela Constituição dos Estados Unidos depois da independência das Treze Colônias. Muitos deles haviam estudado na Europa, onde tinham entrado em contato com as obras de pensadores como Voltaire e Rousseau, que pregavam o fim do absolutismo.

“Liberdade, ainda que tardia”
Embora em número relativamente pequeno, os rebeldes contavam com a participação de algumas figuras cujo prestígio seria sufi ciente para atrair apoio para o movimento, como os poetas Tomás Antônio Gonzaga e Cláudio Manuel da Costa (veja o boxe a seguir).
Nas reuniões, os revoltosos esboçaram algumas ideias do que pretendiam fazer após a emancipação: proclamar a República; adotar uma bandeira, que teria como legenda a frase latina Libertas quae sera tamen (Liberdade, ainda que tardia); estimular o livre-comércio e a instalação de fábricas; criar uma universidade em Vila Rica; e instituir um Parlamento em São João del-Rei, cidade escolhida para ser a capital.
Um tema polêmico dos encontros era a escravidão. Com alguns inconfidentes contra e outros a favor do fim do sistema escravista, o assunto ficou em suspenso. Em relação ao alcance do movimento, eles tinham em mente apenas a capitania de Minas Gerais, mas acreditavam que, com o tempo, outras capitanias acabariam aderindo à causa, como São Paulo e Rio de Janeiro, o que não ocorreu.
Os planos do grupo já estavam prontos e eles aguardavam apenas a decretação da derrama, prevista para fevereiro de 1789, para colocá-los em prática.

OS INCONFIDENTES
Cláudio Manuel da Costa (1729-1789). Estudou no Colégio Jesuíta do Rio de Janeiro e depois em Coimbra, onde se graduou em Direito canônico. Homem rico, dono de fazenda e de minas de ouro, era advogado em Vila Rica e chegou a trabalhar na administração colonial.
Teve grande destaque como poeta e criou, entre outros, os sonetos reunidos nos livros Vila Rica, Epicélio e Labirintos de amor.
Tomás Antônio Gonzaga (1744-1811). Nascido em Portugal, formou-se em Direito em Coimbra. Chegou a Minas Gerais em 1782 e foi nomeado ouvidor de Vila Rica. Escreveu Cartas chilenas, obra em que criticou o governador Luís da Cunha Menezes, antecessor do Visconde de Barbacena. Com o pseudônimo de Dirceu, criou apaixonados versos para sua noiva, a jovem Maria Doroteia Joaquina de Seixas, chamada por ele de Marília.
Inácio José de alvarenga Peixoto (1742-1793). Também formado em Direito em Coimbra, integrou, com Cláudio Manuel da Costa e Tomás Antônio Gonzaga, a tríade de poetas inconfidentes. Foi magistrado em Minas, antes de ser nomeado coronel da cavalaria. Era proprietário de fazendas, de engenho e de minas de ouro.
José Álvares Maciel (1760-1803). Filho do capitão-mor de Vila Rica, era o mais jovem dos rebeldes. Depois de formar-se em Coimbra, viajou pela Europa e durante um ano e meio cursou Química na Grã-Bretanha, onde teve a oportunidade de observar o desenvolvimento das manufaturas.
Joaquim José da Silva Xavier (1746-1792). Mais conhecido pelo apelido de tiradentes, era filho de um proprietário rural na vila de São José del-Rei. Por isso mesmo, ele não era pobre como se costuma afirmar. Estudos recentes revelaram que ele era dono de terras. Aprendeu a ler e escrever com o irmão mais velho (que depois seria padre) e ficou órfão muito cedo.
Desenvolveu as atividades de tropeiro, de mascate e de dentista. Ingressou na carreira militar e chegou ao posto de alferes do Regimento da Cavalaria Regular, a Companhia dos Dragões. Em março de 1789, pediu licença e viajou para o Rio de Janeiro, onde apresentou ao vice-rei um projeto para a canalização de água da cidade. Durante sua permanência na capital, encontrou--se com José Álvares Maciel, que tinha acabado de chegar da Europa. Esse encontro despertou no alferes a ideia de revolta contra o domínio português.

A delação de Joaquim Silvério dos Reis
Os planos, no entanto, não seguiram adiante. Os revoltosos foram delatados pelo português Joaquim Silvério dos Reis, também integrante do movimento, que era contratador de arrecadação de impostos e devia muito dinheiro à Coroa. Para ele, a separação da colônia significava a possibilidade de resolver seus problemas financeiros; por isso, havia aderido à revolta.
Em 15 de março de 1789, porém, procurou o governador e denunciou o movimento em troca da anistia da dívida. Logo depois, a delação foi confirmada por outras pessoas. Barbacena agiu com cautela. Primeiro, suspendeu a derrama e enviou correspondência ao vice-rei, no Rio de Janeiro, informando-o dos fatos. Em seguida, incumbiu o próprio Silvério dos Reis de seguir os passos de Tiradentes, que no início de março fora à capital da colônia sob o pretexto de verificar o resultado dos requerimentos que tinha apresentado para a realização de algumas obras hidráulicas.

A prisão de Tiradentes
No Rio de Janeiro, Tiradentes percebeu que estava sendo seguido e tentou fugir. Não conseguiu e acabou preso em 10 de maio de 1789. Seguiram-se as prisões de Tomás Antônio Gonzaga, Cláudio Manuel da Costa, Alvarenga Peixoto e outros revoltosos em Minas Gerais. A maioria foi enviada para o Rio, mas Cláudio Manuel da Costa permaneceu em Vila Rica. Foi encontrado morto em 4 de julho, dois dias depois de ser interrogado. Segundo a versão oficial, teria se suicidado.
Tiradentes, preso na fortaleza da Ilha das Cobras, ao ser submetido a interrogatório pela quarta vez, em 18 de janeiro de 1790, admitiu a existência do movimento e assumiu sozinho a autoria de todo o plano.

Julgamento e condenações
O governador e as demais autoridades não tiveram dificuldade em reunir provas contra os revoltosos. Freire de Andrade, um militar de alta patente que participara do movimento e estava sendo acusado, apresentou uma denúncia ao governador na esperança de se salvar.
O resultado do processo aberto contra os rebeldes foi a condenação de 34 pessoas. Mas uma carta de clemência da rainha dona Maria I pouparia os réus da condenação à forca, mantendo somente a pena de morte de Tiradentes. Com isso, alguns rebeldes foram libertados e outros degredados para a África; os padres envolvidos no movimento cumpriram exílio em Portugal.
Na manhã de 21 de abril de 1792, em uma cerimônia pública no Rio de Janeiro, marcada por discursos e aclamações à rainha, Tiradentes foi executado. Em seguida, como ordenava a sentença e era costume na época, ele teve a cabeça cortada e o corpo, esquartejado.


3. A Conjuração Baiana
Também chamada Conjuração dos Alfaiates, a Conjuração Baiana tem uma importante diferença em relação à Inconfidência Mineira. Como vimos, o movimento dos mineiros foi liderado, à exceção de Tiradentes, por membros da elite colonial e não contou com a participação popular. Na Bahia, ao contrário, a revolta teve caráter eminentemente social e foi apoiada por pessoas das camadas mais pobres da população, inconformadas com a crescente escassez de alimentos e as péssimas condições de vida a que estavam sujeitas.
Assim, quem aderiu à conjuração foram artesãos, sapateiros, alfaiates, soldados, negros libertos, mestiços e trabalhadores escravizados, gente humilde que acompanhava atentamente – em rodas de conversa clandestinas – a revolta dos trabalhadores escravizados de São Domingos (Haiti) contra a dominação francesa e a própria Revolução Francesa.
Os revoltosos da Bahia tinham objetivos mais claros que os de Minas, como o fi m da escravidão, e propostas de mudanças mais radicais.

“O tempo em que todos seremos iguais”
Na manhã de 12 de agosto de 1798, em Salvador, havia – nas paredes e nos muros dos locais mais movimentados – cartazes manuscritos conclamando a população a participar de uma revolta que estava sendo preparada. Em um deles lia-se: “Animai-vos, povo bahiense, que está por chegar o tempo feliz da nossa liberdade: o tempo em que seremos todos irmãos, o tempo em que todos seremos iguais”.
De modo geral, os panfletos veiculavam críticas mordazes aos impostos, reivindicação de aumento dos soldos para os militares e pedidos de promoção para os ofi ciais, entre outros temas. Ao mesmo tempo, transmitiam ideias claramente inspiradas na Revolução Francesa, como república, liberdade, igualdade, anticlericalismo, comércio livre com todos os povos etc.
A crescente divulgação dos panfletos fez com que o governador dom Fernando José de Portugal decidisse investigar a autoria das mensagens. As suspeitas recaíram sobre o soldado Luís Gonzaga das Virgens, que enviara ao governador um documento em que apareciam expressões semelhantes às encontradas nos textos revolucionários. O soldado foi preso e, em sua casa, acabaram descobrindo documentos comprometedores, como anotações sobre os encontros, diários e textos proibidos de circular na época.
Nesse momento, outro envolvido na conjuração, o alfaiate João de Deus Nascimento, tentou libertar Gonzaga das Virgens. No entanto, antes que entrasse em ação, ele e os companheiros, traídos por delatores do grupo, acabaram presos.
O processo envolveu 49 réus. Como era significativa a presença de alfaiates entre os rebeldes, o movimento ficou conhecido também como Conjuração dos Alfaiates.
A sentença foi severa. Gonzaga das Virgens, João de Deus Nascimento, Manuel Faustino dos Santos e Lucas Dantas foram condenados à forca. Mais dois revoltosos receberam a pena de morte; no entanto, um deles conseguiu escapar e o outro teve a pena reduzida ao degredo. A punição dos demais réus variou da prisão à condenação ao exílio.
Embora nem a Inconfidência Mineira nem a Conjuração Baiana tenham alcançado seus objetivos, os dois movimentos transformaram-se em símbolo de luta pela emancipação do Brasil. No caso da revolta baiana, com uma característica adicional, pois o movimento, pela primeira vez na colônia, conciliou o desejo de independência com aspirações sociais.

4. Movimentos no Rio de Janeiro e em Pernambuco
Outras áreas da colônia passaram a contestar o domínio metropolitano. Foi o caso do Rio de Janeiro e de Pernambuco.

Rio de Janeiro, 1794
Ao lado de mineiros e baianos que tramavam contra o domínio da metrópole, um movimento semelhante surgiu, em 1794, no Rio de Janeiro, embora de menores proporções e limitado a um grupo de intelectuais que se reunia na Sociedade literária.
Essa entidade funcionava desde 1771, data em que fora fundada com o nome de Academia Científica do Rio de Janeiro. Nela, discutiam-se assuntos fi losófi cos e políticos. Nas últimas reuniões, a figura de destaque era Manuel Inácio da Silva Alvarenga, poeta e professor de retórica, diplomado em Coimbra.
Como aconteceu em Minas Gerais e na Bahia, os implicados foram delatados e presos – ao todo, dez pessoas. Entretanto, como as autoridades não encontraram provas de que eles tinham concebido um projeto de conspiração, todos foram libertados em 1795.

A Conspiração dos Suassunas
Em Pernambuco, os princípios franceses também eram debatidos por algumas pessoas que se reuniam no areópago de Itambé (fundado em 1798) e por padres e alunos do Seminário de Olinda (fundado em 1800).
Com base nas discussões no Areópago de Itambé, desenvolveu-se mais uma conjuração contra o domínio português no Brasil. A ideia era formar em Pernambuco uma república sob a proteção de Napoleão Bonaparte. Da conspiração participavam os irmãos Cavalcanti, proprietários do engenho Suassuna, de onde veio o nome do movimento.
Em 21 de maio de 1801, um delator informou as autoridades da capitania a respeito dos planos dos revoltosos.
Seguiram-se diversas prisões, mas os implicados foram absolvidos por falta de provas. Apesar da repressão aos envolvidos na Conspiração dos Suassunas, seus ideais libertários iriam reaparecer poucos anos depois na Revolução Pernambucana de 1817.

Todos esses movimentos fracassaram, mas eles sinalizavam a crise da dominação portuguesa sobre o Brasil. A independência era uma questão de tempo.


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