INCONFIDÊNCIA
MINEIRA e outros
movimentos
Durante o período colonial, os luso-brasileiros
promoveram diversas revoltas em
diferentes regiões da América portuguesa. As primeiras não apresentavam
preocupações separatistas: apenas revelavam o descontentamento contra um ou
outro aspecto da administração portuguesa.
Somente
mais tarde, no final do século XVIII, ocorreram as primeiras revoltas com o
objetivo declarado de separar o Brasil de Portugal. A Coroa portuguesa
interpretou muitas dessas revoltas como inconfidência, ou seja, ressaltavam com
essa designação a falta de fidelidade ou de lealdade para com o soberano.
Em
1789, veio à tona a primeira revolta de caráter separatista na colônia: a
Inconfidência Mineira.
Pouco
depois, movimentos semelhantes ocorreram no Rio de Janeiro (Conjuração do Rio de
Janeiro, em 1794), na Bahia (Conjuração Baiana, em 1798) e em Pernambuco
(Conspiração dos Suassunas, em 1801).
1. A
Inconfidência Mineira
O
descontentamento causado pela opressão metropolitana era evidente em algumas
regiões da colônia, principalmente em Minas Gerais.
A
partir de 1760, a produção de metais preciosos diminuiu e os mineiros não
conseguiam completar a cota mínima de 100 arrobas de ouro por ano, exigida como
imposto pela Coroa portuguesa.
Entre
1774 e 1785, por exemplo, o rendimento médio do quinto foi de apenas 68 arrobas
por ano. Relatórios enviados do Brasil informavam à Coroa os problemas da
mineração, explorada com técnicas rudimentares, e sugeriam medidas para
aumentar a produção. Entretanto, o governo português preferia creditar a queda
do rendimento à sonegação e ao contrabando.
Em
julho de 1788, chegou a Minas o novo governador, dom Luís Antônio Furtado de
Mendonça, Visconde de Barbacena, trazendo ordens expressas para lançar a derrama,
cobrança forçada dos impostos atrasados, que somavam 538 arrobas de ouro.
Barbacena também estava autorizado a investigar as reiteradas denúncias de
corrupção dos funcionários e cobrar as dívidas dos contratadores da arrecadação
de impostos.
A
chegada do governador causou pânico em Minas Gerais. Nessas circunstâncias, um
grupo de intelectuais da elite local começou a se reunir em Vila Rica para
planejar uma revolta contra o domínio português, movimento que fi caria
conhecido como Inconfidência Mineira.
Os
participantes desses encontros, os conjurados (ou inconfi dentes), eram
fortemente influenciados pelos ideais iluministas e pelo modelo estabelecido
pela Constituição dos Estados Unidos depois da independência das Treze
Colônias. Muitos deles haviam estudado na Europa, onde tinham entrado em
contato com as obras de pensadores como Voltaire e Rousseau, que pregavam o fim
do absolutismo.
“Liberdade, ainda que
tardia”
Embora
em número relativamente pequeno, os rebeldes contavam com a participação de
algumas figuras cujo prestígio seria sufi ciente para atrair apoio para o
movimento, como os poetas Tomás Antônio Gonzaga e Cláudio Manuel da Costa (veja
o boxe a seguir).
Nas
reuniões, os revoltosos esboçaram algumas ideias do que pretendiam fazer após a
emancipação: proclamar a República; adotar uma bandeira, que teria como legenda
a frase latina Libertas quae sera tamen (Liberdade, ainda que tardia);
estimular o livre-comércio e a instalação de fábricas; criar uma universidade
em Vila Rica; e instituir um Parlamento em São João del-Rei, cidade escolhida
para ser a capital.
Um
tema polêmico dos encontros era a escravidão. Com alguns inconfidentes contra e
outros a favor do fim do sistema escravista, o assunto ficou em suspenso. Em
relação ao alcance do movimento, eles tinham em mente apenas a capitania de
Minas Gerais, mas acreditavam que, com o tempo, outras capitanias acabariam
aderindo à causa, como São Paulo e Rio de Janeiro, o que não ocorreu.
Os
planos do grupo já estavam prontos e eles aguardavam apenas a decretação da
derrama, prevista para fevereiro de 1789, para colocá-los em prática.
OS INCONFIDENTES
Cláudio Manuel da Costa (1729-1789). Estudou no
Colégio Jesuíta do Rio de Janeiro e depois em Coimbra, onde se graduou em
Direito canônico. Homem rico, dono de fazenda e de minas de ouro, era advogado
em Vila Rica e chegou a trabalhar na administração colonial.
Teve grande destaque como poeta e criou,
entre outros, os sonetos reunidos nos livros Vila Rica, Epicélio e
Labirintos de amor.
Tomás Antônio Gonzaga (1744-1811). Nascido em
Portugal, formou-se em Direito em Coimbra. Chegou a Minas Gerais em 1782 e foi
nomeado ouvidor de Vila Rica. Escreveu Cartas chilenas, obra em que
criticou o governador Luís da Cunha Menezes, antecessor do Visconde de
Barbacena. Com o pseudônimo de Dirceu, criou apaixonados versos para sua
noiva, a jovem Maria Doroteia Joaquina de Seixas, chamada por ele de Marília.
Inácio José de alvarenga Peixoto (1742-1793). Também
formado em Direito em Coimbra, integrou, com Cláudio Manuel da Costa e Tomás
Antônio Gonzaga, a tríade de poetas inconfidentes. Foi magistrado em Minas,
antes de ser nomeado coronel da cavalaria. Era proprietário de fazendas, de
engenho e de minas de ouro.
José Álvares Maciel (1760-1803). Filho do
capitão-mor de Vila Rica, era o mais jovem dos rebeldes. Depois de formar-se em
Coimbra, viajou pela Europa e durante um ano e meio cursou Química na
Grã-Bretanha, onde teve a oportunidade de observar o desenvolvimento das
manufaturas.
Joaquim José da Silva Xavier (1746-1792). Mais
conhecido pelo apelido de tiradentes, era filho de um proprietário rural
na vila de São José del-Rei. Por isso mesmo, ele não era pobre como se costuma
afirmar. Estudos recentes revelaram que ele era dono de terras. Aprendeu a ler
e escrever com o irmão mais velho (que depois seria padre) e ficou órfão muito
cedo.
Desenvolveu as atividades de tropeiro, de
mascate e de dentista. Ingressou na carreira militar e chegou ao posto de
alferes do Regimento da Cavalaria Regular, a Companhia dos Dragões. Em março de
1789, pediu licença e viajou para o Rio de Janeiro, onde apresentou ao vice-rei
um projeto para a canalização de água da cidade. Durante sua permanência na
capital, encontrou--se com José Álvares Maciel, que tinha acabado de chegar da
Europa. Esse encontro despertou no alferes a ideia de revolta contra o domínio
português.
A delação de Joaquim
Silvério dos Reis
Os
planos, no entanto, não seguiram adiante. Os revoltosos foram delatados pelo
português Joaquim Silvério dos Reis, também integrante do movimento, que era
contratador de arrecadação de impostos e devia muito dinheiro à Coroa. Para
ele, a separação da colônia significava a possibilidade de resolver seus
problemas financeiros; por isso, havia aderido à revolta.
Em
15 de março de 1789, porém, procurou o governador e denunciou o movimento em
troca da anistia da dívida. Logo depois, a delação foi confirmada por outras
pessoas. Barbacena agiu com cautela. Primeiro, suspendeu a derrama e enviou
correspondência ao vice-rei, no Rio de Janeiro, informando-o dos fatos. Em
seguida, incumbiu o próprio Silvério dos Reis de seguir os passos de
Tiradentes, que no início de março fora à capital da colônia sob o pretexto de verificar
o resultado dos requerimentos que tinha apresentado para a realização de
algumas obras hidráulicas.
A prisão de
Tiradentes
No
Rio de Janeiro, Tiradentes percebeu que estava sendo seguido e tentou fugir.
Não conseguiu e acabou preso em 10 de maio de 1789. Seguiram-se as prisões de
Tomás Antônio Gonzaga, Cláudio Manuel da Costa, Alvarenga Peixoto e outros
revoltosos em Minas Gerais. A maioria foi enviada para o Rio, mas Cláudio
Manuel da Costa permaneceu em Vila Rica. Foi encontrado morto em 4 de julho, dois
dias depois de ser interrogado. Segundo a versão oficial, teria se suicidado.
Tiradentes,
preso na fortaleza da Ilha das Cobras, ao ser submetido a interrogatório pela
quarta vez, em 18 de janeiro de 1790, admitiu a existência do movimento e
assumiu sozinho a autoria de todo o plano.
Julgamento e
condenações
O governador e as demais autoridades não tiveram dificuldade em
reunir provas contra os revoltosos. Freire de Andrade, um militar de alta
patente que participara do movimento e estava sendo acusado, apresentou uma
denúncia ao governador na esperança de se salvar.
O resultado do processo aberto contra os rebeldes foi a
condenação de 34 pessoas. Mas uma carta de clemência da rainha dona Maria I
pouparia os réus da condenação à forca, mantendo somente a pena de morte de
Tiradentes. Com isso, alguns rebeldes foram libertados e outros degredados para
a África; os padres envolvidos no movimento cumpriram exílio em Portugal.
Na manhã de 21 de abril de 1792, em uma cerimônia pública no Rio
de Janeiro, marcada por discursos e aclamações à rainha, Tiradentes foi
executado. Em seguida, como ordenava a sentença e era costume na época, ele
teve a cabeça cortada e o corpo, esquartejado.
3. A
Conjuração Baiana
Também
chamada Conjuração dos Alfaiates, a Conjuração Baiana tem uma importante
diferença em relação à Inconfidência Mineira. Como vimos, o movimento dos
mineiros foi liderado, à exceção de Tiradentes, por membros da elite colonial e
não contou com a participação popular. Na Bahia, ao contrário, a revolta teve
caráter eminentemente social e foi apoiada por pessoas das camadas mais pobres
da população, inconformadas com a crescente escassez de alimentos e as péssimas
condições de vida a que estavam sujeitas.
Assim,
quem aderiu à conjuração foram artesãos, sapateiros, alfaiates, soldados,
negros libertos, mestiços e trabalhadores escravizados, gente humilde que acompanhava
atentamente – em rodas de conversa clandestinas – a revolta dos trabalhadores
escravizados de São Domingos (Haiti) contra a dominação francesa e a própria
Revolução Francesa.
Os
revoltosos da Bahia tinham objetivos mais claros que os de Minas, como o fi m
da escravidão, e propostas de mudanças mais radicais.
“O tempo em que todos
seremos iguais”
Na
manhã de 12 de agosto de 1798, em Salvador, havia – nas paredes e nos muros dos
locais mais movimentados – cartazes manuscritos conclamando a população a
participar de uma revolta que estava sendo preparada. Em um deles lia-se:
“Animai-vos, povo bahiense, que está por chegar o tempo feliz da nossa liberdade:
o tempo em que seremos todos irmãos, o tempo em que todos seremos iguais”.
De
modo geral, os panfletos veiculavam críticas mordazes aos impostos,
reivindicação de aumento dos soldos para os militares e pedidos de promoção
para os ofi ciais, entre outros temas. Ao mesmo tempo, transmitiam ideias
claramente inspiradas na Revolução Francesa, como república, liberdade,
igualdade, anticlericalismo, comércio livre com todos os povos etc.
A
crescente divulgação dos panfletos fez com que o governador dom Fernando José
de Portugal decidisse investigar a autoria das mensagens. As suspeitas recaíram
sobre o soldado Luís Gonzaga das Virgens, que enviara ao governador um
documento em que apareciam expressões semelhantes às encontradas nos textos
revolucionários. O soldado foi preso e, em sua casa, acabaram descobrindo
documentos comprometedores, como anotações sobre os encontros, diários e textos
proibidos de circular na época.
Nesse
momento, outro envolvido na conjuração, o alfaiate João de Deus Nascimento,
tentou libertar Gonzaga das Virgens. No entanto, antes que entrasse em ação,
ele e os companheiros, traídos por delatores do grupo, acabaram presos.
O
processo envolveu 49 réus. Como era significativa a presença de alfaiates entre
os rebeldes, o movimento ficou conhecido também como Conjuração dos Alfaiates.
A
sentença foi severa. Gonzaga das Virgens, João de Deus Nascimento, Manuel
Faustino dos Santos e Lucas Dantas foram condenados à forca. Mais dois
revoltosos receberam a pena de morte; no entanto, um deles conseguiu escapar e
o outro teve a pena reduzida ao degredo. A punição dos demais réus variou da
prisão à condenação ao exílio.
Embora
nem a Inconfidência Mineira nem a Conjuração Baiana tenham alcançado seus
objetivos, os dois movimentos transformaram-se em símbolo de luta pela
emancipação do Brasil. No caso da revolta baiana, com uma característica
adicional, pois o movimento, pela primeira vez na colônia, conciliou o desejo
de independência com aspirações sociais.
4. Movimentos
no Rio de Janeiro e em Pernambuco
Outras
áreas da colônia passaram a contestar o domínio metropolitano. Foi o caso do
Rio de Janeiro e de Pernambuco.
Rio de Janeiro, 1794
Ao
lado de mineiros e baianos que tramavam contra o domínio da metrópole, um
movimento semelhante surgiu, em 1794, no Rio de Janeiro, embora de menores
proporções e limitado a um grupo de intelectuais que se reunia na Sociedade
literária.
Essa
entidade funcionava desde 1771, data em que fora fundada com o nome de Academia
Científica do Rio de Janeiro. Nela, discutiam-se assuntos fi losófi cos e
políticos. Nas últimas reuniões, a figura de destaque era Manuel Inácio da
Silva Alvarenga, poeta e professor de retórica, diplomado em Coimbra.
Como
aconteceu em Minas Gerais e na Bahia, os implicados foram delatados e presos –
ao todo, dez pessoas. Entretanto, como as autoridades não encontraram provas de
que eles tinham concebido um projeto de conspiração, todos foram libertados em
1795.
A Conspiração dos
Suassunas
Em
Pernambuco, os princípios franceses também eram debatidos por algumas pessoas
que se reuniam no areópago de Itambé (fundado em 1798) e por padres e
alunos do Seminário de Olinda (fundado em 1800).
Com
base nas discussões no Areópago de Itambé, desenvolveu-se mais uma conjuração
contra o domínio português no Brasil. A ideia era formar em Pernambuco uma
república sob a proteção de Napoleão Bonaparte. Da conspiração participavam os irmãos
Cavalcanti, proprietários do engenho Suassuna, de onde veio o nome do
movimento.
Em
21 de maio de 1801, um delator informou as autoridades da capitania a respeito
dos planos dos revoltosos.
Seguiram-se
diversas prisões, mas os implicados foram absolvidos por falta de provas.
Apesar da repressão aos envolvidos na Conspiração dos Suassunas, seus ideais
libertários iriam reaparecer poucos anos depois na Revolução Pernambucana de
1817.
Todos esses movimentos fracassaram, mas eles sinalizavam a crise
da dominação portuguesa sobre o Brasil. A independência era uma questão de
tempo.
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