HUMANISMO, segundo Nicolau Sevcenko
No
texto a seguir, o historiador brasileiro Nicolau Sevcenko (1952-2014),
conhecido por seus importantes estudos sobre a cultura brasileira e o
desenvolvimento das cidades, trata de alguns aspectos que caracterizaram o
humanismo renascentista europeu.
O “homem vitruviano” de Leonardo da Vinci, um dos símbolos do Humanismo. |
“O
humanismo renascentista, surgido na Europa, no século XIV, inaugurou um
movimento de valorização da cultura greco-romana. Os humanistas, num gesto
ousado, tendiam a considerar como mais perfeita e mais expressiva a cultura que
havia surgido e se desenvolvido no seio do paganismo, antes do advento de
Cristo. A Igreja, portanto, para quem a história humana só atingira a
culminância na Era Cristã, não poderia ver com bons olhos essa atitude. Não
quer isso dizer que os humanistas fossem ateus, ou que desejassem retornar ao
paganismo.
Muito
longe disso, o ceticismo toma corpo na Europa somente a partir dos séculos XVII
e XVIII. Eram todos cristãos e apenas desejavam reinterpretar a mensagem do
Evangelho à luz da experiência e dos valores da Antiguidade. Valores esses que
exaltavam o indivíduo, os feitos históricos, a vontade e a capacidade de ação do
homem, sua liberdade de atuação e de participação
na vida das cidades.
A
crença de que o homem é a fonte de energias criativas ilimitadas, possuindo uma
disposição inata para a ação, a virtude e a glória. Por isso, a especulação em
torno do homem e de suas capacidades físicas e espirituais se tornou a
preocupação fundamental desses pensadores, definindo uma atitude que se tornou conhecida
como antropocentrismo. A coincidência desses ideais com os propósitos da camada
burguesa é mais do que evidente.
É
preciso, contudo, interpretar com prudência o ideal de imitação (imitatio)
dos antigos, proposto como o objetivo maior e mais sublime dos humanistas por
Petrarca, um de seus mais notáveis representantes. A imitação não seria a mera
repetição, de resto impossível, do modo de vida e das circunstâncias históricas
dos gregos e dos romanos, mas a busca de inspiração em seus atos, suas crenças,
suas realizações, de forma a sugerir um novo comportamento do homem europeu. Um
comportamento calcado na determinação da vontade, no desejo de conquistas e no
anseio do novo. Petrarca considerava que a idade de ouro dos antigos, submersa
sob o ‘barbarismo’ medieval, poderia e deveria ser recuperada, mas graças à
energia e à vontade de seus contemporâneos.
Petrarca
insistia, inclusive, em que o próprio latim degenerado, utilizado pela Igreja,
deveria ser abandonado em favor da restauração do latim clássico dos grandes
autores do período pagão. A crítica cultural se desdobra, desse modo, na
crítica filológica: o estudo minucioso e acurado dos textos e da linguagem, com
vistas a estabelecer a mais perfeita versão e a leitura mais cristalina. O que
levou esses autores, por consequência, à consideração das circunstâncias e dos
períodos que foram escritos os textos e ao estudo das características das
sociedades e civilizações antigas. A crítica filológica se transforma, portanto,
em crítica histórica.” SEVCENKO, Nicolau. O Renascimento. 16. ed. São
Paulo: Atual, 2004. p. 14-15. (Discutindo a história).
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