quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

ABELARDO E HELOÍSA



Amor e paixão na Idade Média 


Esta história aconteceu há muito tempo, num país muito distante. Mais exatamente no século 12, na França.

O nosso herói, Pedro Abelardo, pertencia a uma família nobre e estava destinado, como seus irmãos, seguir a carreira das armas. Mas desde cedo preferiu estudar filosofia, teologia  e seguir a carreira de professor.

A educação, naquela época, era controlada pela Igreja católica. E as normas eram rígidas, tanto para professores como para os estudantes. Uma das regras era que os professores nunca poderiam envolver-se com seus alunos. O não cumprimento dessa regra era considerado crime grave e severamente punido.
Abelardo era um mestre de muito prestígio, reconhecido por seus alunos. Antes dos 30 anos, já era um brilhante professor de teologia na Catedral de Notre Dame de Paris. Não era um fiel seguidor das ideias tradicionais. Ao contrário. Questionava as ideias aceitas pela tradição e demonstrava admiração pelos filósofos não cristãos, tais como Aristóteles e Platão – uma postura inovadora para a época.
Catedral de Notre Dame de Paris

Falemos agora de Heloísa. A heroína da nossa história nasceu em berço de ouro, no ano final do século 11. Tornou-se uma bela moça, estudiosa e educada. Para continuar os estudos, ela passou a morar em Paris, ficando sob os cuidados de seu tio Fulbert, um homem muito rico. Ela teve vários professores, até que ouviu falar de Abelardo e de suas teorias polêmicas. Ela, então, dispensou seus professores e, por conta própria, começou a estudar os autores clássicos gregos e romanos.
Atraído por esse interesse de Heloísa, Abelardo procurou tornar-se amigo de Fulbert. Conhecendo o prestígio intelectual de Abelardo, o tio o contratou como o novo professor de sua sobrinha. Ela tinha, então, 17 anos, e ele 28. Em troca dos ensinamentos à sobrinha, Fulbert ofereceu hospedagem a Abelardo em sua própria residência.
O convívio entre o charmoso mestre e a bela aluna não demorou muito para fazer brotar entre os dois uma simpatia, que logo se transformou em um sentimento para além da simples amizade. Era inicialmente um sentimento platônico (que quer dizer, um sentimento puro, desprovido de paixões). Com o passar do tempo, entretanto, o sentimento entre os dois foi do amor platônico a uma incontida paixão. Heloísa ficou grávida.
Representação idealizada de Abelardo e Heloísa

Para impedir um escândalo, os dois amantes decidiram deixar Paris e buscar refúgio na aldeia de Pallet, situada no interior da França. Ali, Abelardo deixou Heloísa aos cuidados de sua irmã e voltou a Paris. Não querendo ficar distante da amada, resolveu falar com Fulbert, para pedir seu perdão e a mão de Heloísa em casamento.

Surpreendentemente, o tio da jovem perdoou Abelardo e aceitou que eles se casassem. Graças ao perdão de Fulbert, Heloísa deixou o filho com uma irmã de Abelardo e retornou a Paris. Os dois amantes se casaram numa cerimônia discreta, à noite, em uma pequena ala da Catedral Notre Dame.
O sigilo do casamento, entretanto, durou pouco. Logo, a sociedade altamente repressora da época ficou sabendo do casamento e começou a difamar Fulbert por não ter sabido cuidar de sua sobrinha. Nesse momento, começou o inferno para Abelardo e, por extensão, também para Heloísa. Fulbert ficou enfurecido com as críticas que recebia e reagiu da pior maneira para o casal. Primeiro, denunciou Abelardo à Igreja por não ter cumprido a regra de não se envolver com alunos. Depois, Fulbert contratou dois homens para executarem a castração de Abelardo. A mutilação ocorreu durante uma invasão noturna à residência do casal.

Depois desses trágicos acontecimentos, os dois se separaram para sempre. Abelardo buscou abrigo na Abadia de Saint Denis. Tornou-se monge e passou a dedicar sua vida aos estudos filosóficos. Heloísa, por sua vez, ingressou no mosteiro de Paraclet, tornando-se monja e depois abadessa desse convento.
Para suportarem a separação, Abelardo e Heloísa dedicaram-se a uma vida de trabalhos e estudos pelo resto de suas vidas, mas se mantiveram sempre em contato por meio da correspondência. As cartas entre eles revelam uma troca intelectual que transcendeu o tempo e representa uma autêntica busca da espiritualidade.

Abelardo morreu em 1142 e Heloísa 22 anos depois. Hoje, os restos mortais do casal estão sepultados num elegante jazigo no cemitério Père Lachaise, em Paris.

domingo, 3 de janeiro de 2016

OPERAÇÃO   CARNE   MOÍDA   (MINCEMEAT)


 Como  os  ingleses  enganaram  Hitler


No  final  de  1942, os aliados (britânicos e estadunidenses) tinham conseguido conquistar todo o norte da África, expulsando de lá as tropas alemãs e italianas. O passo seguinte era a invasão do sul da Europa. A Sicília era um ponto por demais estratégico para a navegação no Mediterrâneo, de tal forma que a invasão daquela ilha era um fato dado como certo não só pelos aliados como também por seus inimigos. Portanto, sua conquista custaria um preço muito elevado em vidas humanas. Logo, era importante enganar as forças do países do Eixo, sobretudo as alemãs, e fazê-las crer que o ataque se daria em outro ponto qualquer, e não na Sicília. Mas como fazer isso?

Foi então que um seleto grupo de oficiais ingleses se pôs a pensar numa ação capaz de ludibriar os alemães. O plano que resultou do esforço desse grupo ficou conhecido pelo nome de operação Mincemeat (carne moída), e foi desenvolvido entre o final de 1942 e o início de 1943. Seu objetivo era enganar os alemães e fazê-los acreditarem que a invasão do sul da Europa pelas forças aliadas se daria em outro ponto que não a Sicília.

A ideia dessa operação tinha partido de ninguém menos que Ian Fleming, que durante a Segunda Guerra Mundial trabalhava na Inteligência Naval Britânica e que posteriormente seria o criador do agente James Bond. Ele havia criado para o governo inglês uma lista com 51 sugestões de truques para enganar os inimigos, sendo a operação Mincemeat a sugestão de número 28.



A ideia consistia em “arranjar um cadáver, disfarçá-lo como oficial do estado-maior e deixá-lo transportar documentos do Alto-Comando revelando que vamos atacar em algum outro lugar. Não precisamos lançá-lo sobre a terra, porque o avião pode cair no mar, em voo para a região do Mediterrâneo. O cadáver com os documentos poderá aparecer numa praia da França ou da Espanha, não importa qual delas. Provavelmente a Espanha será melhor, porque os alemães não terão muito tempo para examinar o cadáver, mas haverá certeza de que receberão cópias dos documentos." (1)

A sugestão foi aprovada e o grupo começou a trabalhar sigilosamente. Primeiramente, foi preciso conseguir o corpo de uma pessoa que tivesse falecido recentemente, e que convencesse os peritos alemães de que se tratava de uma pessoa que tivesse morrido em um desastre de avião no mar, e não por uma outra causa qualquer. Em seguida, o grupo decidiu que o corpo seria levado por um submarino e lançado ao mar nas imediações da cidade espanhola de Huelva, aproveitando um momento em que a correnteza arrastasse o corpo para a praia.

Mas antes que isso pudesse acontecer era preciso tomar uma série de providências. Por exemplo: era preciso vestir o corpo com a farda e acessórios adequados a um oficial de posto médio. E dar-lhe um nome. Foi assim que nasceu o “major Willian Martin”. Era preciso também redigir os documentos que, esperava-se, as autoridades espanholas repassassem para os alemães, pois, embora a Espanha fosse um país neutro, mantinha boas relações com a Alemanha.

Também era necessário providenciar os documentos pessoais do “major”, com direito a uma fotografia (tirada de uma pessoa parecida), e várias outras coisas que poderiam estar nos bolsos de uma pessoa normal qualquer, tais como bilhetes de teatro, recibo de hotel, carta e fotografia de uma suposta noiva, isqueiro, um maço de cigarros e algum. Por último, foi presa ao corpo uma pasta, a qual continha os tais documentos importantes. Eram basicamente cartas endereçadas aos generais Eisenhower (estadunidense) e Henry Wilson (inglês), baseados no norte da África.

Devidamente acondicionado num recipiente refrigerado, o “major” viajou para o Mediterrâneo num submarino e foi lançado ao mar no dia 30 de abril de 1943, às 4h30, a 1.600 metros da praia; as correntes marinhas se encarregaram do restante.

Relatórios capturados depois da guerra confirmaram o sucesso da operação: os documentos realmente chegaram às mãos do inimigo. Os chefes alemães, incluindo Hitler, foram induzidos a crer que os alvos dos aliados eram realmente a Grécia e a Sardenha, e não a Sicília, o que os levou a deslocaram forças para os pontos que seriam atacados. Ainda assim, permaneceu um grande número de soldados alemães e italianos na Sicília quando a invasão começou.

Quanto ao “major”, ele foi devidamente sepultado, na cidade de Huelva. [...] “Quando morreu, solitário e cercado pela névoa úmida da Inglaterra, no fim do outono de 1942, jamais pensou que descansaria para sempre sob o céu ensolarado da Espanha, depois de um funeral com todas as honras militares, nem que prestaria, após a morte, um serviço aos aliados, serviço que salvou várias centenas de vidas inglesas e americanas. Em vida, pouco fizera pela pátria; depois de morto, fez mais do que poderia fazer durante uma vida inteira dedicada à carreira das armas.” (2)
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(1) MONTAGU, Ewen. O homem que nunca existiu. Rio de Janeiro, Biblioteca do Exército, 1978, p. 21.
(2) Idem, p. 13.