PORTUGUESES NA AMÉRICA
Entre os anos de 1500 e 1530, período chamado
pré-colonial, o governo português não esboçou nenhum plano de ocupação
das terras americanas. Limitava-se a enviar esporadicamente algumas expedições
ao litoral, ou para conhecer o território ou para retirar dele o precioso
pau-brasil.
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"Partida de Estácio de Sá", de Benedito Calixto (1853-1927) O quadro mostra o padre Manuel da Nóbrega benzendo a esquadra que vai combater os franceses na baía de Guanabara. |
A
madeira do pau-brasil – encontrada também no Oriente – era um produto de grande
importância econômica usado na produção de um corante destinado às manufaturas
têxteis. Existia em grande quantidade na Mata Atlântica, que à época cobria
quase todo o litoral brasileiro.
A
Coroa detinha o monopólio da extração do pau-brasil, mas podia contratar
terceiros para esse empreendimento. E foi o que aconteceu. Em 1502, Portugal
fechou um acordo para a exploração da madeira com um grupo de comerciantes
liderado por Fernão de Noronha. Depois de alguns anos, o contrato caducou e não
foi renovado.
Sem
uma ocupação mais efetiva, as novas terras ficaram à mercê da ação de traficantes
e negociantes de outros países, principalmente franceses.
Para
combater “os intrusos”, sobretudo entre 1516 e 1526, Portugal enviou algumas
expedições denominadas guarda-costas.
No
comércio do pau-brasil, tanto franceses quanto portugueses contaram com a ajuda
de alguns povos indígenas. Os nativos cortavam a madeira no interior do
território e transportavam as toras até o litoral. Lá chegando, elas eram
recolhidas nas feitorias, de onde seguiam para os navios.
Os
europeus recompensavam o trabalho oferecendo aos nativos objetos de pouco valor
econômico, mas muito apreciados por eles, como contas de vidro, espelhos e
facas. A essa troca deu-se o nome de escambo.
2. Colonização
e trabalho forçado
Em
1530, Portugal finalmente decidiu implementar a colonização das terras que lhe
cabiam na América. A decisão foi tomada por três razões: por um lado, o governo
português estava preocupado com o risco de perder o novo território para os
franceses, caso não promovesse sua ocupação.
Estes
ignoravam os termos do Tratado de Tordesilhas e ameaçavam tomar as terras que
não estivessem efetivamente ocupadas por portugueses ou espanhóis.
Por
outro lado, o comércio de especiarias com o Oriente estava cada vez mais
complicado: as despesas de viagem eram enormes e Portugal enfrentava uma baixa
nos preços dos produtos provocada pela concorrência com outros países.
Enquanto
isso, para completar, sua grande rival, a Espanha, obtinha êxito com a ocupação
dos territórios americanos, onde explorava ouro e prata.
O
primeiro passo da ocupação portuguesa na América foi a expedição comandada por
Martim Afonso de Sousa, enviada em 1530 pelo rei Dom João III. Martim Afonso
percorreu grande parte do litoral do Brasil atual e promoveu algumas incursões
pelo interior, na esperança de encontrar ouro e prata. Não foi bem-sucedido
nessa empreitada, mas conseguiu destruir uma feitoria francesa no atual estado
de Pernambuco e, bem mais ao sul, fundou em 1532 a vila de São Vicente, no
litoral do atual estado de São Paulo.
Nesse
primeiro núcleo de povoamento, Martim Afonso distribuiu terras, introduziu
mudas de cana-de-açúcar e animais das ilhas do Atlântico – Madeira, Açores e
Cabo Verde – e construiu um engenho. Em seu trabalho foi auxiliado por João
Ramalho, um náufrago português que vivia entre os indígenas.
A ação dos jesuítas
Foi
só com a chegada do jesuítas, em 1549, que os indígenas passaram a contar com
defensores.
Um
dos objetivos da vinda dos jesuítas para o Brasil era catequizar os indígenas,
isto é, instruí-los na religião católica. A ação dos jesuítas chegou até
Lisboa: leis foram criadas para proteger os nativos. Em 1680, a escravidão
indígena foi completamente proibida, mas continuou sendo praticada. No entanto,
com as doenças, as guerras e os períodos de fome, a população indígena havia
diminuído drasticamente. Apenas 70 anos após a chegada dos portugueses, o
número de indígenas havia sido reduzido a um terço.
3. As
capitanias hereditárias
O
êxito da expedição de Martim Afonso estimulou a Coroa portuguesa a promover a
ocupação sistemática do território que lhe cabia na América, nos termos do
Tratado de Tordesilhas. Para isso, o governo adotou o sistema de capitanias
hereditárias.
O
sistema já havia sido implantado com sucesso na colonização das ilhas do
Atlântico. Na América portuguesa, primeiro as terras foram divididas em lotes
gigantescos e depois concedidas a altos funcionários da Corte, chefes militares
e membros da baixa nobreza interessados em administrá-las. Esses
administradores foram denominados capitães donatários.
Ao
todo, eram quinze capitanias hereditárias, concedidas a doze donatários. Martim
Afonso recebeu duas capitanias e seu irmão, Pero Lopes de Sousa, foi agraciado
com três.
Dois
documentos regulamentavam o sistema das capitanias:
•
a Carta de doação, pela qual o governo oficializava a concessão e
atribuía poderes ao donatário;
•
o Foral, que fixava os “direitos, foros, tributos e coisas” que deveriam
ser pagos ao rei e ao capitão donatário.
O
donatário tinha o direito de posse e de usufruto da capitania em caráter
vitalício e hereditário, mas não era proprietário da terra. Cabia a ele ocupar,
defender e administrar a capitania com os próprios recursos. Tinha ainda o poder
de cobrar impostos, mas o controle da parte da arrecadação destinada à
metrópole era feito por funcionários nomeados pelo governo de Portugal.
Os
poderes do donatário eram amplos: em seus domínios, ele estava autorizado a
fundar vilas, exercer a justiça, criar cargos, nomear funcionários e empregar a
mão de obra nativa. Podia ainda conceder, dentro dos limites da capitania,
lotes de terra a pessoas de todas as condições (incluindo os estrangeiros),
exceto a ele mesmo, a sua esposa e a seus herdeiros. Esses lotes eram
conhecidos como sesmarias, e quem as recebia, o sesmeiro, devia ser
católico e assumir a obrigação – poucas vezes cumprida – de iniciar o cultivo
da terra em um prazo de cinco anos.
A
concessão da sesmaria tinha por base a Lei das Sesmarias, de 1375. Tratava-se
de uma prática antiga em Portugal, empregada pelos reis na ocupação de terras
pouco habitadas para aumentar a oferta de alimentos. Nas capitanias
brasileiras, as sesmarias consistiam em grandes propriedades, que deram origem
aos latifúndios que até hoje caracterizam o regime de propriedade da terra no
Brasil.
Três
características principais norteavam o sistema de capitanias hereditárias: a
descentralização administrativa, a participação decisiva da iniciativa privada
no esforço da colonização e a transferência a particulares de poderes que, em
Portugal, eram exclusivos do rei.
Uma experiência
fracassada
A
experiência com a implantação das capitanias, no entanto, não surtiu os efeitos
esperados.
Apenas
duas delas – a de Pernambuco e a de São Vicente – foram bem-sucedidas,
principalmente pelos resultados positivos alcançados com a produção de açúcar –
sobretudo em Pernambuco – e pelos acertos de seus administradores.
As
demais capitanias tiveram diferentes destinos. Santo Amaro, Itamaracá, Espírito
Santo, Porto Seguro e Ilhéus conseguiram, por algum tempo, sobreviver com
dificuldades. Outras, como São Tomé, Maranhão, Rio Grande e Bahia, fracassaram completamente.
Ceará e Santana permaneceram abandonadas.
Entre
as causas do fracasso do sistema de capitanias, podem ser apontadas:
•
a escassez de capital necessário, por exemplo, para a instalação de uma
atividade econômica rentável, como a açucareira, que exigia altos
investimentos;
•
a incapacidade de alguns donatários de atrair colonos, ou porque Portugal era
um país pouco povoado, ou porque não havia estímulo suficiente que motivasse a
mudança das pessoas para terras tão distantes;
•
em alguns casos, a hostilidade de grupos indígenas, que inicialmente
colaboraram com os europeus na fase da extração do pau-brasil, mas que
resistiam à ideia de submeter-se ao trabalho compulsório e sistemático.
De
toda forma, apesar dos resultados decepcionantes, o sistema de capitanias
hereditárias acabou se estendendo e existindo até meados do século XVIII.
Durante esse período, as capitanias foram sendo readquiridas, por meio da compra,
pela Coroa portuguesa. Perderam o caráter privado, mas mantiveram-se como
unidades administrativas. Em 1754, porém, todas já haviam sido incorporadas
definitivamente pelo poder público.
4. O
Governo-Geral
Como
as capitanias não haviam cumprido o papel que a Coroa portuguesa desejava,
voltava-se ao problema inicial: a necessidade de ocupar e defender a terra e
fazê-la dar lucro. Com esse objetivo, a Coroa criou, em 1548, o cargo de governador-geral.
Era uma espécie de representante do rei na colônia, colocado acima dos
donatários, e sua ação estava regulamentada por um regimento. A sede do
Governo-Geral foi estabelecida em 1549 na capitania da Bahia, comprada aos
donatários.
O
governador-geral era auxiliado por um provedor-mor, responsável pelas finanças
e pela cobrança dos impostos; por um capitão-mor, encarregado da defesa
do território contra tentativas de invasão; e por um ouvidor-mor, cuja
atribuição consistia em aplicar a justiça.
Com
a instituição do Governo-Geral, a administração colonial acabou fi cando
centralizada, em prejuízo do poder quase sem limites dos donatários.
Os primeiros
governadores-gerais
Os
três primeiros governadores-gerais foram Tomé de Sousa, Duarte da Costa e Mem
de Sá.
A
administração de Tomé de Sousa teve início em 1549 e deu significativo impulso
à ação colonizadora.
O
governador-geral desembarcou em território brasileiro acompanhado de mais de
mil pessoas, entre funcionários civis e militares, missionários e colonos.
Tomé
de Sousa distribuiu terras e implementou a pecuária e a lavoura açucareira na
região da Bahia. Mandou vir africanos escravizados, que começaram a chegar por
aqui já no segundo ano de seu governo. Para capital da colônia, ergueu
Salvador, que recebeu foros de cidade. Visitou outras capitanias, mas não
conseguiu entrar em Pernambuco, porque o donatário, Duarte Coelho, não aceitou
a presença de outra autoridade em seus domínios. Esse fato mostra quanto os
capitães donatários ainda dispunham de poder nesse período.
Com
Tomé de Sousa vieram os primeiros jesuítas que, chefiados por Manuel da
Nóbrega, iriam se dedicar à catequese dos indígenas e ao ensino na colônia. Em
1551, instituiu-se o primeiro bispado em terras brasileiras, e Dom Pero Fernandes
Sardinha foi nomeado bispo. Era um passo importante para consolidar e unir os
poderes político e religioso na estrutura administrativa da colônia portuguesa.
O
segundo governador-geral, Duarte da Costa, assumiu a administração em 1553. Seu
governo foi prejudicado pelos conflitos que colocaram jesuítas, bispo, colonos
e o próprio governador uns contra os outros. Os jesuítas, querendo impedir a
escravização dos indígenas, entraram em choque com os colonos. Por sua vez, Dom
Pero Fernandes Sardinha criticava a tolerância dos jesuítas em relação aos costumes
indígenas (a nudez, por exemplo) e também censurava os hábitos desregrados dos
colonos.
A
censura do bispo atingiu o filho do próprio governador, dando início a uma
crise que teve repercussão até em Portugal. Chamado a Lisboa, o religioso
seguiu em um barco que acabou naufragando; ele conseguiu chegar à praia, mas
foi capturado e devorado por membros da etnia Caeté.
No
quadro de dificuldades surgidas no governo de Duarte da Costa, sobreveio a
invasão do Rio de Janeiro pelos franceses, que aí se estabeleceram em 1555,
fundando um núcleo de povoamento ao qual deram o nome de França antártica.
O
sucessor de Duarte da Costa, Mem de Sá, ficou no cargo de 1558 a 1572. Mem de
Sá impulsionou a colonização, restabelecendo e consolidando a autoridade real
na colônia. Uma de suas primeiras atitudes foi combater os caetés, que sofreram
uma perseguição implacável. Em 1567, o governador-geral conseguiu expulsar os
franceses da região da Baía de Guanabara. Ali, seu sobrinho Estácio de Sá havia
fundado o povoado de São Sebastião do Rio de Janeiro, no começo de 1565.
Vilas e cidades
Desde
que Martim Afonso de Sousa fundara São Vicente, em 1532, outras vilas
constituíram-se na colônia. As primeiras surgiram no litoral. São Paulo, por
exemplo, fundada em 1554, foi durante muito tempo a única vila no interior.
Fundar
uma vila significava erguer um pelourinho, símbolo da autoridade real formado
por uma coluna de madeira ou de pedra e o local onde se aplicavam penas e
castigos físicos principalmente aos escravizados; construir uma cadeia;
instalar órgãos de cobrança de impostos; promover o povoamento; nomear funcionários;
e, sobretudo, criar uma Câmara Municipal.
A
Câmara constituía o órgão de administração local. Compunha-se de seis membros:
três vereadores, dois juízes ordinários e um procurador. Inicialmente, todos
eram escolhidos por meio de votação entre os grandes proprietários locais, os
chamados homens bons.
Na
prática, a Câmara transformou-se em um instrumento de poder dos homens ricos do
lugar, que, por muito tempo, desafiaram a autoridade dos funcionários nomeados pela
Coroa. A situação começou a mudar na segunda metade do século XVII, quando a
Coroa passou a ampliar seu controle, intensificando a exploração da colônia.
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