quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018


PRIMEIRO  REINADO (1822-1831)


 Depois  de  proclamar  a  independência, quando ainda estava na província de São Paulo, dom Pedro retornou rapidamente ao Rio de Janeiro. Pouco depois, no dia 12 de outubro de 1822, ele foi declarado Imperador Constitucional do Brasil, e aclamado pelo povo.
Mas isso era só o começo. Restavam ainda as tarefas de organizar a administração pública e as leis do novo país, bem como conseguir o reconhecimento das outras nações em relação à autonomia recém-conquistada. De certo modo, a presença de dom Pedro à frente do governo tornava mais fácil obter a legitimação das monarquias europeias.
Dom Pedro entrega s carta de renúncia. Na poltrona, estão a imperatriz
Dona Amélia, o príncipe Dom Pedro de Alcântara (futuro Pedro II) e a princesa
Dona Maria (Maria II, em Portugal). Quadro de Aurélio de Figueiredo (1911).
O principal argumento para vencer a resistência dos monarcas europeus ao reconhecimento residia no fato de o novo país ter como chefe um príncipe da dinastia de Bragança, herdeiro legítimo do trono de Portugal, o que garantia a continuidade da ordem econômica, social e política brasileira.
Os primeiros países a atender ao pedido do governo brasileiro foram os Estados Unidos, em 1824, e o México, em 1825.
Na Europa, em contrapartida, nenhum dos soberanos europeus poderia reconhecer a emancipação do Brasil antes de Portugal, em virtude de compromissos assumidos no Congresso de Viena. Como Portugal não admitia tal condição, a Grã-Bretanha atuou como mediadora.
A mediação britânica acabou dando resultado. O Brasil comprometeu-se a pagar à antiga metrópole uma indenização de 2 milhões de libras, importância que tomou emprestada da Grã-Bretanha.
Com isso, Portugal reconheceu a independência do novo país em 29 de agosto de 1825.
Quanto à própria Grã-Bretanha, ela só formalizou o reconhecimento da independência após a assinatura do tratado de aliança, Comércio e amizade, concluído em 1826. Com o acordo, o Brasil manteve a tarifa preferencial de 15% sobre os produtos britânicos importados, estabelecida em 1810 pelo governo português, e garantiu que não cobraria taxas inferiores a essa das demais nações, com exceção de Portugal.
Em outro documento, firmado na mesma data, o governo de dom Pedro I assumiu o compromisso de extinguir o tráfico negreiro no prazo de três anos, compromisso que não chegou a ser cumprido.
A tarifa alfandegária de 15% sobre os produtos importados pelo Brasil teve de ser estendida a outros países europeus. Foi uma exigência que fi zeram para formalizar o reconhecimento. A concessão acabou gerando grandes dificuldades financeiras ao governo brasileiro, pois essa era uma taxa muito baixa, e os impostos cobrados na alfândega constituíam a principal e quase única fonte de recursos.

1. Dom Pedro e a Constituinte
A independência ocorreu praticamente sem participação popular. Entretanto, dois grupos políticos muito distintos envolveram-se no processo. Um deles, mais radical, defendia uma ideologia liberal democrática, que apontava na direção da República ou na de uma monarquia constitucional controlada pelo Poder Legislativo. O principal representante dessa tendência era Joaquim Gonçalves Ledo.
O outro grupo reunia os liberais conservadores, que foram na verdade os grandes vencedores do movimento, ao qual deram um caráter de transição conciliadora. Formado por funcionários públicos habituados à monarquia absolutista e por comerciantes portugueses, esse grupo defendia que a fonte de legitimidade do Estado brasileiro deveria ser o imperador, e não a população ou uma Assembleia Constituinte.
José Bonifácio, que fora demitido do governo em julho de 1823, era o fiel da balança entre os dois grupos políticos. Para ele, a tarefa de organizar o novo país estava associada à de manter a unidade da nação contra o perigo da “fragmentação republicana”, que caracterizou a emancipação dos países da América espanhola. Essa unidade, segundo Bonifácio, só seria possível com uma monarquia forte, embora não absolutista, sob a autoridade do imperador.
A Assembleia Constituinte fora convocada em junho de 1822, antes, portanto, da proclamação da independência. Já durante os preparativos, Gonçalves Ledo e Bonifácio haviam entrado em choque. O primeiro queria que a Assembleia expressasse a vontade da maioria da população. Para isso, era necessário que o voto fosse o mais amplo possível.
Bonifácio pensava de maneira diferente. Ele era partidário do pensamento iluminista e tinha ideias progressistas sobre temas importantes. Por exemplo: era contrário à escravidão e ao latifúndio, mas era conservador em outros assuntos. Ele temia, por exemplo, que o sufrágio universal levasse a agitações de rua. Preferia o voto censitário, para que votassem apenas as pessoas que tivessem um valor mínimo de renda. Isso não era novidade, pois, naquela época, o voto censitário era adotado por praticamente todos os países em que havia eleições.
A Constituinte começou a se reunir em 3 de maio de 1823. Ao longo dos trabalhos, afloraram as divergências entre monarquistas centralizadores e liberais radicais. As questões discutidas não giravam em torno de temas sociais, como o regime de trabalho ou a propriedade da terra. O tema mais polêmico era mesmo a questão da legitimidade do poder monárquico.
De acordo com as propostas defendidas, os integrantes da Assembleia dividiram-se em Partido Português (defensores de dom Pedro) e Partido Brasileiro (adeptos da Constituição soberana).
Conforme dito anteriormente, apesar de serem chamados partidos, esses grupos não chegavam a constituir agremiações políticas como conhecemos hoje. Eram, antes, agrupamentos de pessoas com afinidades políticas.
O Partido Brasileiro dominava a Constituinte, cujos trabalhos começaram a tomar rumos incômodos ao imperador: a Constituinte queria limitar o poder de dom Pedro, mais do que este estava disposto a aceitar. A resposta de dom Pedro foi drástica: em novembro de 1823, ele fechou a Constituinte e ordenou a prisão de vários deputados, episódio conhecido como “Noite da Agonia”.
Entre eles, estavam Antônio Carlos e Martim Francisco de Andrada e Silva, que foram obrigados a partir para o exílio na França, ao lado do irmão mais velho, José Bonifácio.
Com algumas alterações, a Constituição outorgada de 1824 vigoraria até a Proclamação da República, em 1889. Com ela, o que existia, na verdade, era um tipo de absolutismo constitucional. O fato de haver uma Constituição, mesmo que imposta e de feição centralizadora e autoritária, permitia ao Estado apresentar-se como uma monarquia constitucional, mascarando seu absolutismo.

A Constituição de 1824
Logo após fechar a Assembleia Constituinte, dom Pedro I nomeou um Conselho de Estado de dez membros, encarregado de elaborar um novo projeto de Constituição. Depois de quarenta dias de trabalho, o documento foi aprovado pelo imperador, que o apresentou à nação como a primeira Constituição do Brasil, outorgada por meio de um decreto imperial em 25 de março de 1824. Diz-se que uma Constituição é outorgada quando ela não é elaborada pelos representantes do povo, mas sim imposta pelo Poder Executivo.
O Poder Executivo
A Carta definia o sistema de governo como uma monarquia constitucional, hereditária e vitalícia, sob a forma imperial. O imperador, auxiliado por ministros de sua escolha, era o chefe do Poder Executivo. Entre suas atribuições estavam a de conceder títulos de nobreza (que no Brasil não eram hereditários) e nomear os governos provinciais, o que tornava o Brasil um Estado unitário, não federativo, de poder fortemente centralizado.
O Poder Legislativo
O Poder Legislativo compunha-se da Câmara dos Deputados e do Senado. Os deputados seriam eleitos para mandatos de três anos, enquanto os senadores teriam cargo vitalício – cabendo ao imperador escolhê-los entre três candidatos mais votados em cada província. O voto era censitário e o sistema eleitoral estava organizado em duas etapas.
A primeira consistia em eleições primárias, às quais compareciam apenas as pessoas livres do sexo masculino, maiores de 25 anos, que provassem possuir renda anual de pelo menos 100 mil-réis.
Nessa etapa, escolhiam-se os chamados eleitores de segundo grau – cuja renda devia ser de no mínimo 200 mil-réis – para integrar uma espécie de colégio eleitoral encarregado de eleger, na segunda etapa, os deputados e os senadores. Os candidatos a esses cargos tinham de ser católicos e comprovar um rendimento de 400 e 800 mil-réis, respectivamente.
A Constituição estabelecia ainda a igualdade perante a lei. O catolicismo era declarado religião oficial e a Igreja Católica ficava subordinada ao Estado. Nesse contexto, os padres e os bispos passavam a ser funcionários do governo, do qual recebiam salários.
Os poderes Judiciário e Moderador
Além do Legislativo e do Executivo, mais dois poderes foram instituídos: o Judiciário, exercido por um Supremo Tribunal, com juízes nomeados pelo imperador; e o poder Moderador, exercido pelo soberano, auxiliado por um Conselho de Estado. A justificativa para esse quarto poder era manter o equilíbrio entre os demais poderes. Na prática, porém, ele acabou sendo um instrumento da vontade pessoal do imperador, que poderia intervir nos três poderes, dissolver a Câmara, nomear senadores, juízes e presidentes de províncias, entre outras prerrogativas.

2. Confederação do Equador. Pernambuco, 1824
A dissolução da Constituinte e a imposição de uma Carta constitucional sem consulta à nação desencadearam uma onda de protestos entre as elites e as camadas médias urbanas de diversas províncias. Em Pernambuco, onde ainda não tinham se apagado inteiramente as chamas da insurreição de 1817, a insatisfação assumiu a forma de rebelião. No dia 2 de julho de 1824, líderes liberais de diversos setores da sociedade uniram-se para proclamar uma República na região.
Entre os revoltosos, estavam o frei Joaquim do Amor Divino Rabelo e Caneca, que havia participado do levante de 1817, o jornalista Cipriano Barata, participante da Conjuração Baiana de 1798, e membros da aristocracia agrária, como Manuel de Carvalho Pais de Andrade. Logo depois, a província obteve o apoio da Paraíba, do Rio Grande do Norte e do Ceará, com os quais constituiu a confederação do Equador.
Assim, em 1824, a jovem República despertou o entusiasmo da população; os revolucionários não chegaram a abolir o trabalho escravo e a repressão do governo central logo se fez sentir. Em setembro de 1824, tropas comandadas pelo brigadeiro Francisco de Lima e Silva, com o apoio da esquadra do almirante britânico Cochrane, sufocaram a insurreição.
Entre os participantes da Confederação do Equador, onze foram condenados à morte. O primeiro deles foi frei Caneca, o mais popular dos revolucionários. A condenação determinava que ele fosse executado na forca. Os carrascos, porém, recusaram-se a cumprir a sentença. Em vista disso, a Comissão Militar ordenou seu fuzilamento.

O pensamento de frei Caneca

Joaquim da Silva Rabelo (1779-1825), popularmente conhecido como frei Caneca, era religioso e ativista político brasileiro, incansável defensor da liberdade. Foi um dos principais líderes das revoltas de 1817 e de 1824, ambas em Pernambuco. A seguir, leia um de seus escritos mais importantes, intitulado “Bases para a formação do pacto social”.
“1º. Os direitos naturais, civis e políticos do homem são a liberdade, a igualdade, a segurança, a prosperidade e a resistência à opressão. [...]
4º. A todo homem é livre manifestar os seus sentimentos e a sua opinião sobre qualquer objeto.
5º. A liberdade da imprensa, ou outro qualquer meio de publicar esses sentimentos, não pode ser proibida, suspensa nem limitada.
6º. A igualdade consiste em que cada um possa gozar dos mesmos direitos.
7º. A lei deve ser igual para todos, recompensando ou punindo, protegendo ou reprimindo. [...]
14º. Ninguém deve ser punido, senão em virtude de uma lei estabelecida, promulgada anteriormente ao delito, e legalmente aplicada. [...]
22º. A instrução elementar é necessária a todos, e a sociedade a deve prestar igualmente a todos os seus membros. [...]
30º. Os homens, reunidos em sociedade, devem ter um meio legal de resistir à opressão.”
In: MELLO, Evaldo Cabral de (Org.). Frei Joaquim do Amor Divino Caneca. São Paulo: Editora 34, 2001. p. 494.

3. O povo contra dom Pedro I
A Confederação do Equador havia sido vencida, mas os problemas do governo central estavam apenas começando. Para as elites liberais – que reivindicavam mais liberdade para as províncias – e para as camadas médias, influenciadas pela propaganda dos jornais de oposição, dom Pedro já não era mais o líder que se configurara após a independência. Entre os problemas que se sucederam, destacam-se:
A sucessão do trono português. Um complicador a mais surgiu em 1826, com a morte de dom João VI. Proclamado sucessor do pai, dom Pedro I renunciou ao trono português em favor da princesa Maria da Glória, sua filha, menor de idade. Enquanto a princesa não atingisse a maioridade, Portugal seria governado por dom Miguel, irmão de dom Pedro, como príncipe regente. Em 1828, porém, dom Miguel proclamou-se rei de Portugal, atraindo a ira de dom Pedro. No Brasil, para os oposicionistas, ficava claro que o imperador passaria a disputar o trono português, colocando em risco a própria autonomia do Brasil.

A perda do Uruguai. Nesse mesmo ano, a província Cisplatina proclamou sua independência com o nome de República do Uruguai, depois de três anos de guerra contra o governo brasileiro. O conflito acentuou o quadro de dificuldades econômicas e financeiras pelo qual passava o país. a crise econômica. A crise começara em 1821, quando dom João VI e sua corte retornaram a Portugal, levando consigo quase todo o ouro que pertencia ao Banco do Brasil. A situação agravou-se com a queda nos preços dos produtos agrícolas exportados pelo Brasil para o mercado europeu e com os termos dos acordos comerciais com a Grã-Bretanha e outros países da Europa. Além do crescimento constante das importações. Os gastos com a repressão em Pernambuco e a Guerra Cisplatina completaram o quadro. Em 1828, foi anunciada a falência do Banco do Brasil.
Todos esses problemas, somados ao autoritarismo do imperador, à sangrenta repressão contra a Confederação do Equador e à escandalosa vida pessoal de dom Pedro provocaram grave crise política. Em poucos anos, dom Pedro deixara de ser o “herói da independência” para se tornar o principal alvo das críticas da população.

4. Dom Pedro i renuncia ao trono
Afastado dos liberais e com a imagem muito desgastada, o imperador apoiava-se cada vez mais no Partido Português, que estimulava seu autoritarismo e aspirava à reunificação entre Brasil e Portugal. Ao mesmo tempo, a oposição ao governo crescia no Legislativo e na imprensa.
Os jornais de oposição, por sinal, tornavam-se cada dia mais numerosos. Entre eles, destacavam-se A Sentinela da liberdade, de Cipriano Barata; Aurora fluminense, de Evaristo da Veiga; O Tribuno do povo, de Oliveira França; Observador constitucional, de Líbero Badaró.
Em novembro de 1830, Líbero Badaró foi assassinado numa rua de São Paulo. Suas últimas palavras foram uma acusação direta ao absolutismo do imperador: “Morre um liberal, mas não morre a liberdade”. De boca a boca, a frase percorreu rapidamente o país. A oposição responsabilizou de forma direta o imperador pelo assassinato. Em dezembro de 1830, ao visitar Minas Gerais, dom Pedro foi recebido com cerimônias fúnebres em homenagem a Líbero Badaró.
Outro incidente ocorreu em março de 1831. Nessa data, manifestantes portugueses partidários do imperador entraram em choque com estudantes e populares no Rio de Janeiro. As arruaças estenderam-se por vários dias e culminaram no episódio conhecido como Noite das Garrafadas, no qual portugueses e brasileiros enfrentaram-se abertamente nas ruas do Rio de Janeiro.
No início de abril, dom Pedro já não contava com apoio militar e era hostilizado pela opinião pública. Diante disso, dom Pedro I não restava a dom Pedro nenhuma outra alternativa, a não ser a renúncia. Foi o que ele fez. Na manhã do dia 7 de abril, o imperador abdicou ao trono em favor de seu filho, Pedro de Alcântara, então com cinco anos de idade. Assim, de forma melancólica, terminou o Primeiro Reinado e tinha início o período regencial, que viria a ser um dos mais conturbados da história do Brasil.

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