ECONOMIA AÇUCAREIRA
NO BRASIL COLONIAL
A colônia existia para o bem da metrópole. Em
função desse princípio, surgiu o exclusivo metropolitano, segundo o qual a
economia da colônia deveria ser complementar à da metrópole. Em outras
palavras, a colônia deveria produzir ou oferecer bens que fossem capazes de
proporcionar lucros aos comerciantes e ao governo da metrópole. Esses lucros
precisavam ser altos o bastante para colocar o reino em condições de rivalizar
com outras potências europeias e justificar os investimentos feitos na colônia.
No
caso da América portuguesa, na falta de ouro e prata, os primeiros desses bens
foram produtos nativos da terra, principalmente o pau-brasil. Mas as
possibilidades de comercialização desses produtos eram relativamente limitadas
e sua exploração não levava ao povoamento da imensa área territorial da
colônia. Era preciso encontrar outro bem que, extraído da terra ou produzido
sobre sua superfície, atendesse s duas necessidades: povoar o território e
manter Portugal entre as grandes potências europeias.
Esse
bem existia. Plantada nas ilhas do Atlântico (Madeira e Cabo Verde), a
cana-de-açúcar fornecia um produto tão doce quanto o mel e quase tão lucrativo
quanto o ouro. Com ele, Portugal proporcionaria ao mundo o primeiro artigo de
consumo em grande escala. Esse produto era o açúcar.
A
concepção que orientou a estrutura da exploração econômica na colônia
portuguesa foi claramente mercantilista. Ao adotar essa política, o principal
objetivo era gerar lucros em grande escala para o comércio e a Coroa de
Portugal. Por isso, desde o começo, a economia da colônia assumiu caráter
exportador ou agroexportador.
Para
maior rentabilidade, a economia baseava-se na monocultura de produtos
tropicais, na grande propriedade da terra e no trabalho escravo. Essa política
definiria, com êxito, as características básicas da colonização portuguesa na
América.
1. Um
produto de luxo
Antes
de ser cultivada na América portuguesa, a cana-de-açúcar fez um longo caminho
desde que saiu da Ásia, de onde é originária. Trazida para o Ocidente pelos
árabes, no século XIII já era cultivada no sul da Península Itálica e na
Península Ibérica – regiões então sob domínio muçulmano.
Consta
que, em 1300, já se vendia na Europa o açúcar produzido na Península Ibérica.
Produzido em pequena quantidade, era um artigo extremamente caro, considerado
uma especiaria.
Segundo
o historiador Caio Prado Júnior, “o açúcar entrava até nos enxovais de rainhas
como um dote valioso”.
Com
o início das expedições marítimas, os portugueses introduziram o cultivo da
cana nas ilhas do Atlântico. Inicialmente, o açúcar fabricado nessa região era
distribuído por comerciantes da Península Ibérica, passando depois para as mãos
dos flamengos.
O
mercado consumidor se expandia rapidamente. Dessa forma, os portugueses puderam
fazer nas ilhas do Atlântico um ensaio do que viria a ser o empreendimento
açucareiro instalado em larga escala na colônia americana.
2. Açúcar
e povoamento
As
primeiras mudas de cana foram trazidas para a América por iniciativa de Martim
Afonso de Sousa e plantadas no núcleo fundado por ele em São Vicente. Com as
mudas, vieram também alguns peritos nas técnicas de produção de açúcar.
Em
seguida, tentou-se, com maior ou menor sucesso, produzir açúcar em várias capitanias
hereditárias. Quando a Coroa criou o cargo de governador-geral, seu objetivo
era o desenvolvimento da lavoura canavieira. O regimento de Tomé de Sousa
previa o incentivo dessa cultura por meio da concessão de vantagens aos
colonos, como isenção temporária de impostos.
Condições para o
êxito da produção
Plantada
nas capitanias da Bahia e de Pernambuco, a cana-de-açúcar consolidaria a
colonização portuguesa na América. Algumas circunstâncias econômicas,
históricas, geográficas e ecológicas se combinaram para tornar isso possível.
Entre elas:
•
a experiência portuguesa nas ilhas do Atlântico;
•
a existência, na colônia, de condições ecológicas apropriadas, sobretudo o
clima tropical e o solo de massapê (terra argilosa, especialmente fértil
para a cultura da cana-de-açúcar);
•
a possibilidade de obtenção de créditos de banqueiros holandeses dispostos a
financiar a produção e o transporte do açúcar até portos europeus;
•
o interesse de capitalistas flamengos em refinar na Holanda a maior parte do
açúcar bruto que era produzido na colônia portuguesa e comercializá-lo na
Europa.
Já
em meados do século XVI, Pernambuco e Bahia tornaram-se os principais centros
produtores de açúcar da colônia. As duas capitanias contavam com adequado regime
de chuvas e terras de boa qualidade próximas da costa ou de grandes rios.
Essas
características foram decisivas, pois assim não havia a necessidade de explorar
o interior do continente dominado por paisagens e povos hostis à presença
estrangeira.
Por
volta de 1585, Pernambuco dispunha de 66 engenhos e a Bahia, de 36, de um total
de 120 existentes na colônia. Nessa época, a produção anual de açúcar chegava a
400 mil arrobas (ou 6 mil toneladas).
3. O
engenho
A
unidade de produção do açúcar era o engenho. A palavra designava inicialmente
apenas o moinho onde se fazia a moagem da cana. Com o tempo, passou a incluir
também o canavial, as pastagens, as máquinas e o conjunto das edificações,
fossem elas destinadas ou não à produção.
Situada
em geral em um local mais elevado das terras do engenho, fi cava a casa-grande,
residência do proprietário. Localizada nas proximidades, a senzala era a
habitação coletiva dos escravos. A capela, local dos cultos religiosos e de
encontro dos moradores dos arredores, completava o cenário do engenho.
A
produção do açúcar era uma operação complexa, que passava por várias fases.
Após
o corte, a cana era transportada para a moagem. O caldo extraído na moagem
seguia para a casa de caldeiras, onde era fervido e transformado em melaço.
Depois de esfriar, passava para a casa de purgar. Ali se procedia à “purga”,
isto é, à retirada de impurezas e à secagem do açúcar. Para isso, o melaço era
depositado em formas de barro.
Aguardavam-se,
então, cerca de dois meses para desenformar o açúcar, que assumia o formato de um
“pão de açúcar”. Em seguida, com uma faca fina desfazia-se o “pão”,
separando-se os açúcares conforme a qualidade. Colocado em caixas de madeira, o
produto estava pronto para o embarque.
No
decorrer da safra, que durava de oito a dez meses, o ritmo de trabalho era
exaustivo. Realizada por escravos, a jornada diária começava às quatro horas da
tarde, prosseguindo até as dez horas da manhã do dia seguinte. Fazia-se, então,
uma pausa para a limpeza e a manutenção do equipamento. Após um breve período
de descanso, o processo recomeçava. Por causa da prolongada extensão da safra e
do ritmo exaustivo de trabalho, era muito alta a mortalidade entre esses
trabalhadores.
Também
integravam o engenho alguns trabalhadores livres, que ganhavam salário para
exercer funções especializadas, como as de feitor, mestre de açúcar, escrivão,
marceneiro e outras. Esses trabalhadores em geral eram europeus. Com o tempo, a
maioria dessas funções foram assumidas por mestiços ou indígenas.
Além
do açúcar, da cana também se obtinha aguardente, destinada não apenas ao consumo
local, mas usada principalmente no escambo que os traficantes faziam na África para
a obtenção de africanos escravos.
A
construção do engenho exigia muitos recursos. Por isso alguns senhores de
terras que não podiam construir seu engenho apenas plantavam a cana e depois a
vendiam a um dono de engenho, ou pagavam para moê-la.
Tipos de engenho
Havia
dois tipos principais de engenho, conforme o tamanho. Os menores, em geral
movidos por animais (e, mais raramente, por força humana), chamavam-se trapiches.
Os maiores eram chamados engenhos reais e eram movimentados por energia
hidráulica.
4. A
parceria luso-holandesa
No
decorrer dos séculos XVI e XVII, o açúcar deixou de ser uma especiaria, um
produto de luxo, e tornou-se um componente indispensável na dieta dos europeus.
Por isso, seu consumo não parou de crescer, ao mesmo tempo em que os preços
subiram constantemente até a segunda metade do século XVII. A América
portuguesa era então a grande (e praticamente a única) fornecedora do produto.
Esse quadro mudaria somente após a expulsão dos holandeses de Pernambuco
(1654), quando então teve início um longo período de declínio.
Quase
todo o açúcar era exportado para Lisboa por comerciantes portugueses e,
principalmente, holandeses, sob a licença do rei. De Portugal, o produto seguia
para a Holanda, parceira dos portugueses no negócio. Lá, o açúcar era refinado
e reexportado para o restante do continente europeu. Todo o processo de
comercialização do produto, sob responsabilidade quase exclusiva dos
holandeses, foi de grande importância para a popularização do açúcar no
continente europeu.
Os
senhores de engenho eram homens ricos, que gozavam de grande prestígio na
região onde ficavam suas terras. Apesar disso, muitos viviam constantemente
endividados, pois compravam de comerciantes metropolitanos quase tudo de que
precisavam. O endividamento também era consequência dos altos investimentos que
eles faziam na aquisição de um grande número de escravos, necessários para realizar
as tarefas de corte da cana e de produção do açúcar. Além disso, como a vida
útil do escravizado durava, em média, dez anos, os donos de terras
frequentemente dependiam de traficantes para obter mão de obra, sempre a custos
exorbitantes.
5.
Outros produtos coloniais
Ao
lado da produção de açúcar, outras atividades foram desenvolvidas na colônia,
entre as quais as lavouras de fumo e de algodão, e a pecuária.
Fumo e algodão
A
exemplo do que aconteceu com a mandioca, o fumo foi outro produto incorporado
da cultura indígena. Logo passou a ser produzido para exportação, embora
tivesse menor importância que o açúcar. O cultivo de fumo era viável em pequena
escala, o que permitiu que fosse praticado também por pequenos proprietários,
estabelecidos nas imediações do Recôncavo Baiano, logo convertido na maior
região produtora. Não existem estatísticas sobre a exportação de fumo nos séculos
XVI e XVII, mas sabemos da importância do produto no tráfico negreiro, já que
era usado como mercadoria de troca para a obtenção de escravos na costa
africana.
Da
mesma forma que a mandioca e o fumo, o algodão já era conhecido dos indígenas.
Ainda no século XVI, os colonos passaram a cultivá-lo e empregá-lo como
matéria-prima na produção de tecidos rústicos que vestiam os escravos.
Pecuária
A
vasta área que constitui o interior do atual Nordeste brasileiro – o chamado
Sertão – foi ocupada pela pecuária. Até o final do século XVI, essa atividade
era praticada nos próprios engenhos, onde se empregava a força dos animais para
fazer a moenda funcionar. O gado também era usado como transporte até os portos
de embarque do açúcar, e sua carne, depois de salgada e secada ao sol,
destinava-se à alimentação nos engenhos.
Assim,
as terras litorâneas foram ocupadas gradativamente pela cana-de-açúcar, ao
mesmo tempo que os rebanhos aumentavam. Com o espaço cada vez mais reduzido
para a pastagem, a criação de gado acabou deslocando-se para o interior do
continente.
O
avanço não foi pacífico, pois os indígenas opuseram forte resistência aos
invasores. Na Bahia, por exemplo, o governador chegou a recorrer a grupos
armados de São Paulo – os sertanistas de contrato – para enfrentar os indígenas
da região. Os que sobreviviam aos conflitos eram transformados em mão de obra
escrava nos engenhos e nas fazendas de gado.
Apesar
dos contratempos, porém, a pecuária expandiu-se para todo o interior do
nordeste, acompanhando o curso dos rios, como o São Francisco, o Jaguaribe e o
Parnaíba, e garantindo a ocupação desse vasto trecho de terra.
Diferentemente
da região produtora de açúcar, a sociedade que se formou em função da criação
de gado era mais flexível. O peão era um trabalhador livre que, após alguns anos
de trabalho, tinha direito a uma participação no rebanho, recebendo, como
pagamento, uma cria em cada quatro. Assim, com o tempo, ele conseguia formar
sua própria criação.
A
pecuária sertaneja tinha seu mercado na própria colônia: nos séculos XVI e
XVII, abastecia apenas os engenhos e os núcleos de povoamento do litoral. No
entanto, no século XVIII, com o povoamento das áreas de mineração, a criação de
gado ganhou espaço e acabou transformando-se em importante atividade econômica
do país.
ARE, OLHE
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