INDEPENDÊNCIA
DA AMÉRICA ESPANHOLA
A América espanhola, às vésperas da independência, compunha-se de quatro
vice-reinados e de algumas capitanias-gerais. Sua população somava
aproximadamente 15 milhões de habitantes.
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Bolívar e San Martin se reúnem no Encontro de Guayaquil, em 26 de julho de 1822. |
A
elite local era formada por pessoas nascidas na Espanha, os peninsulares –
responsáveis por quase todos os cargos da administração colonial –, e por
descendentes de espanhóis, os chamados criollos, grandes proprietários de
terras e de trabalhadores escravizados.
A
maioria da sociedade, porém, era composta de mestiços (pessoas livres e
pobres); indígenas (um contingente de cerca de dez milhões de pessoas, duramente
exploradas em todos os tipos de trabalho); e trabalhadores escravizados de
origem africana, concentrados sobretudo nas Antilhas
1. As
guerras napoleônicas repercutem na América espanhola
O
processo de independência da América espanhola está estreitamente relacionado
com as guerras napoleônicas. Em 1807, Napoleão invadiu a Espanha, destituiu o
rei Fernando VII e impôs no trono seu irmão José Bonaparte. Os espanhóis reagiram
à imposição dando início a uma luta de resistência contra os invasores. Em
Sevilha, foi organizada uma junta governativa, leal ao rei deposto Fernando
VII, a qual assumiu o comando da luta contra os franceses.
Na
América espanhola, também constituíram-se juntas governativas que inicialmente
declararam-se fiéis a Fernando VII. Aos poucos, porém, passaram a defender a
independência em relação à própria Espanha. De fato, as elites locais
perceberam que o domínio espanhol estava fragilizado diante da expansão dos
ideais revolucionários franceses e viram a chance de cortar de forma definitiva
o cordão umbilical que unia as colônias à metrópole. Por isso, os criollos,
o grupo social dominante, tomaram a frente dos movimentos que mudariam os rumos
do território americano.
3. A
luta pela emancipação
A
dominação colonial na região começou a ser contestada de forma mais intensa no
decorrer do século XVIII, quando quase toda a América espanhola transformou-se
em palco de sucessivas rebeliões. Na região do Vice-Reinado do Peru, por
exemplo, eclodiram duas revoltas lideradas pelos descendentes dos incas. Tanto
a primeira, comandada por Atahualpa, entre 1742 e 1756, quanto a segunda, chefiada
por Tupac Amaru, em 1780, tinham o objetivo de restaurar o antigo Império Inca.
Ao
longo desse período, vieram à tona muitas outras revoltas, que de modo geral
visavam reduzir ou abolir os impostos, sem, no entanto, pretender a separação
da Espanha.
2. Revolução
no Haiti
A
primeira colônia a tornar-se totalmente independente na América, depois das
colônias inglesas, foi o Haiti, e constitui um caso raro pelo fato de o
movimento ter sido conduzido por descendentes de africanos escravizados. Lá, a
luta pela independência era também uma luta contra os brancos.
Correspondendo
à metade francesa da Ilha de São Domingos (a outra metade pertencia à Espanha),
o Haiti tinha sido colonizado pela França, com vista à produção de açúcar.
Cerca de 90% da população da ilha era composta de africanos escravizados e seus
descendentes. As lutas contra os colonizadores começaram em 1791 e logo a
população negra encontrou seu líder no ex-escravizado Toussaint L’Ouverture, que
comandou o movimento pela emancipação da ilha e dos cativos. Entretanto,
L’Ouverture foi preso e enviado para a França, onde morreu em 1803. No ano
seguinte, a luta recomeçou e outro ex-escravizado, Jean-Jacques Dessalines,
conseguiu proclamar a independência do Haiti.
3. As
Províncias Unidas
Em
1810, os criollos argentinos organizaram uma junta governativa. Eles
queriam transformar a capital, Buenos Aires, no principal polo administrativo e
econômico da região, fazendo desaparecer o Vice-Reinado do Prata. Em seu lugar,
foram criadas as Províncias Unidas do Rio da Prata, com sede em Buenos Aires,
de onde partiriam as novas ordens para toda a região.
O
Paraguai não reconheceu a autoridade da junta de Buenos Aires e se rebelou.
Liderada por José Gaspar Francia, uma junta assumiu o poder na cidade de
Assunção, em 1811, e proclamou a independência do país.
Já
no território atual do Uruguai, conhecido na época como Banda Oriental, a luta
pela emancipação foi inicialmente conduzida por José Artigas. Em 1821, contudo,
tropas luso-brasileiras invadiram a região, que foi anexada ao Reino Unido de
Portugal, Brasil e Algarves com o nome de Província Cisplatina. As lutas pela
emancipação recomeçaram em 1825. Disputado pelo Brasil e pela Argentina, o
Uruguai viria a se tornar independente apenas em 1828, graças à intermediação britânica.
A
Argentina, por sua vez, teve a independência declarada em 1816 no Congresso de
Tucumã e passou a chamar-se República das Províncias Unidas do Rio da Prata,
nome posteriormente mudado para República Argentina.
4. San
Martín e Simón Bolívar
Dois
representantes da aristocracia criolla, o venezuelano Simón Bolívar e o
argentino José de San Martín, desempenharam importante papel na luta pela
independência na América do Sul.
Sem
que nada tivessem combinado anteriormente, partiram de pontos diferentes:
Bolívar partiu do norte e San Martín, do sul. Ambos conseguiram levar seus
exércitos até o Vice-Reinado do Peru (atuais Peru e Bolívia), onde as
principais forças espanholas estavam concentradas.
San
Martín e seu Exército dos Andes saíram da Argentina em 1817, atravessaram a
cordilheira e apoiaram os chilenos, liderados por Bernardo O’Higgins, na luta
contra os espanhóis. A estratégia foi vitoriosa. Em 1818, o Chile proclamou sua
independência, e O’Higgins assumiu o governo do país.
Do
Chile, as forças de San Martín seguiram por terra e por mar em direção ao Peru,
contando com o almirante inglês lorde Cochrane no comando da marinha chilena. A
cidade de Lima foi cercada e o vice-rei espanhol, obrigado a bater em retirada.
Em 28 de julho de 1821, San Martín proclamava a independência do Peru; a luta
contra as forças espanholas, contudo, duraria ainda mais três anos, até 1824.
Simón
Bolívar, por sua vez, tornou-se o líder da libertação da Grã-Colômbia, que
reunia terras do Vice-Reinado de Nova Granada e da Capitania-Geral da
Venezuela.
O
processo de independência completou-se em 1819, depois de uma longa campanha
que reuniu quase 2 500 homens em marcha pela Cordilheira dos Andes.
Apesar
dos esforços de Bolívar para manter a união da Grã-Colômbia, ela acabou se
dividindo, em pouco mais de dez anos, em quatro países: Venezuela, Equador,
Colômbia e Panamá.
O sonho da unidade
O colombiano Gabriel José García Márquez
(1927-2014), ganhador do prêmio Nobel de Literatura de 1982, foi um dos escritores
mais importantes do século XX. Representante do chamado “realismo fantástico”,
o escritor publicou, em 1989, o romance O general em seu labirinto, que remonta
à última viagem de Simón Bolívar, interrompida por sua morte. Leia, a seguir,
um trecho dessa obra, em que o autor descreve um suposto encontro entre Bolívar
e os ex-combatentes pela independência da América espanhola, nas margens do Rio
Magdalena, o maior rio da atual Colômbia.
O general ficou a bordo até a noite, quando
desembarcou para dormir num acampamento improvisado.
Recebeu no barco as filas de viúvas, os
desvalidos, os desamparados de todas as guerras que queriam vê-lo. Lembrava-se
de quase todos com uma nitidez assombrosa. Os que permaneciam ali agonizavam de
miséria, outros tinham partido em busca de novas guerras para sobreviver, ou se
tornaram salteadores de estrada, como incontáveis licenciados do exército
libertador em todo o território nacional. Um deles resumiu numa frase o
sentimento de todos: “Já temos a independência, general, agora nos diga o que fazer
com ela”. Na euforia do triunfo ele lhes ensinara a falar assim, com a verdade
na boca. Só que agora a verdade havia mudado de dono.
— A independência era uma simples questão
de ganhar a guerra – dizia-lhes. – Os grandes sacrifícios viriam depois, para
fazer destes povos uma só pátria.
— Não temos feito outra coisa senão
sacrifícios, general – diziam eles.
Ele não cedia um ponto:
— Faltam mais – dizia. – A unidade não tem
preço.
(MARQUEZ, Gabriel J. García. O general em seu labirinto.
10 ed. Rio de Janeiro: Record, 2011. p. 103-104.)
5. Encontro de Guaiaquil
Os
dois libertadores, como se tornaram conhecidos, reuniram-se, em 25 de julho de
1822, no Encontro de Guaiaquil (atual
Equador). Porém, longe de chegarem a um acordo quanto ao futuro político das
regiões que ambos ajudaram a libertar, fi cou claro que havia profundas
divergências entre eles.
San
Martín, federalista e defensor da ideia de uma América do Sul composta de
nações independentes, acreditava que os novos países deveriam ser controlados
por príncipes europeus, convidados para assumir o governo.
Já
Bolívar esperava que os novos países se organizassem numa República,
mantendo-se unidos numa grande federação sob um governo único.
As
divergências levaram San Martín a se afastar do movimento libertador. Bolívar
assumiu a liderança isolada dos movimentos emancipadores. Em julho de 1823, à
frente de um grande exército, ocupou a cidade de Lima, ainda um forte reduto
espanhol. De lá enviou tropas comandadas pelo militar venezuelano Antonio José
de Sucre para derrotar os espanhóis na Batalha de Ayacucho (1824), no
território da atual Bolívia, cuja independência foi proclamada em 1825.
6. A
emancipação do México
No
México, como vimos, houve uma tentativa de independência por meio de amplo
movimento iniciado em 1810, liderado pelos padres Miguel Hidalgo (morto em
1811) e José María Morelos.
Esse
primeiro esforço, considerado radical pelos criollos mexicanos, não teve
êxito. A luta pela independência só seria retomada a partir de 1820, dessa vez
sob a liderança dos conservadores.
Em
1821, foi assinado o Plano de Iguala, que declarava o México separado da
Espanha, mas ainda reconhecia fidelidade ao rei espanhol, Fernando VII. O
controle do governo mexicano coube ao general Agustín de Iturbide, leal
servidor do rei da Espanha. Dois anos depois, em 1823,
como
resultado de seu discurso inflamado em defesa da diminuição do poder da Igreja
e dos proprietários de terras e contra a escravidão, Iturbide ganhou a confiança
da população e proclamou-se imperador. Mas seu reinado durou pouco: uma rebelião
conduzida por criollos liberais forçou Iturbide a abdicar, e a República
foi proclamada em 1824.
7. A
impotência espanhola
A
Espanha reconheceu ser impotente para conter o movimento de independência em
suas colônias americanas. Diante disso, recorreu às forças da Santa Aliança,
que havia se formado após a queda de Napoleão, reunindo Rússia, Áustria,
Prússia e até Inglaterra. Seu objetivo era combater movimentos revolucionários
tanto na Europa como nas regiões de domínio colonial. A intervenção chegou a
ser cogitada pelas potências europeias, que desistiram da ideia em virtude da
forte oposição da Inglaterra. Sem o apoio britânico os outros países não
ousaram ajudar a Espanha.
A
posição britânica tinha razões muito lógicas. Aos britânicos, o exclusivo
metropolitano entre a Espanha e suas colônias não interessava mais. Nesse momento, o interesse era incentivar a liberdade comercial para a expansão
de seu mercado consumidor. Portanto, para a Inglaterra, interessava a independência das
colônias hispânicas da América.
8. Um
continente fragmentado
Em
1826, realizou-se no Panamá um congresso convocado por Bolívar, com a finalidade
de reunir, em uma grande federação, as diversas repúblicas em que se tinha
dividido a América espanhola para fazer frente à Europa monarquista. Todos os
Estados americanos foram convidados, mas poucos compareceram, entre eles
Grã-Colômbia, México e Peru. As diferenças entre os próprios Estados
recém-constituídos, separados por interesses locais e regionais, contribuíram para
o fracasso do Congresso. Assim, acabou mesmo prevalecendo a formação de vários
países.
No
processo de independência dos países americanos, apenas os Estados Unidos
conseguiram a ruptura dos laços coloniais. Nos demais países, a
independência teve caráter político, conservando-se a estrutura colonial, ou
seja, a produção agrícola tropical para exportação, baseada na grande
propriedade, no trabalho escravo e na monocultura, bem como a importação de
produtos manufaturados.
Com isso, perpetuou-se a relação de dependência existente nos tempos coloniais. Do ponto de vista social, ocorreram poucas mudanças. Sem distribuição de terras nem abolição do trabalho escravo, a sorte da população pobre não melhorou. A elite criolla também acabou empregando os ideais iluministas somente a seu favor, evidenciando que desejava a igualdade, mas não para todos.
Com isso, perpetuou-se a relação de dependência existente nos tempos coloniais. Do ponto de vista social, ocorreram poucas mudanças. Sem distribuição de terras nem abolição do trabalho escravo, a sorte da população pobre não melhorou. A elite criolla também acabou empregando os ideais iluministas somente a seu favor, evidenciando que desejava a igualdade, mas não para todos.
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