INGLATERRA: REVOLUÇÃO E SUPREMACIA
Durante quase dois séculos, as guerras entre
as potências dominaram o cenário europeu como forma de afirmação dos Estados
modernos. Pela força das armas, o Estado assegurava o domínio de seu território
e de suas colônias, consolidava o controle de rotas comerciais, garantia sua
influência em lutas dinásticas e disputava com outros Estados a hegemonia na
Europa. Com tantos interesses em jogo, o continente europeu havia se
transformado em um verdadeiro barril de pólvora. As explosões não tardariam.
Entre 1618 e 1763, a Europa foi sacudida por um infindável número de conflitos,
como a Guerra dos trinta anos (1618-1648), a Guerra de Sucessão da Espanha
(1702-1714) e a Guerra dos Sete anos (1756-1763), para citar apenas alguns.
![]() |
Oliver Cromwell |
Seriam
décadas de enfrentamentos, dos quais a Inglaterra emergiria como a grande
potência europeia, pronta para conquistar a hegemonia mundial. Até que isso
ocorresse, porém, a Inglaterra passou internamente por dois processos de
transformação: a Revolução Puritana (1640-1660) e a Revolução Gloriosa
(1688-1689).
2. A
queda da monarquia inglesa
No
século XVII, a Inglaterra foi atingida por acontecimentos que ficaram
conhecidos como Revoluções Inglesas. Basicamente, elas refletiram o choque
entre o rei (Poder Executivo) e o Parlamento (Poder Legislativo). O Parlamento
compunha-se de dois órgãos: a Câmara dos Comuns, para os representantes do
povo, e a Câmara dos Lordes, na qual a nobreza tinha assento.
É
preciso não esquecer que na Inglaterra havia uma tradição, iniciada em 1215,
com a Magna Carta: esse documento havia imposto limites ao poder real e
estabelecido uma norma segundo a qual o rei não podia introduzir novos impostos
sem a aprovação do Parlamento.
No
século XVI, durante os reinados de Henrique VIII e de Elizabeth I, a relação
entre os monarcas e o Parlamento havia sido relativamente pacífica. Os reis
contentavam-se em exercer um “absolutismo de fato”, sem pretender passar por
cima da autoridade do Parlamento. Era um tempo em que a economia inglesa
passara por um período de grande desenvolvimento comercial. Por essa época,
surgiram grandes empresas monopolistas, como a Companhia das Índias Orientais.
Essas
companhias, entretanto, impediam a livre concorrência e barravam o acesso das
pequenas e médias companhias de comércio ao mercado. Como consequência, a
burguesia inglesa acabou se dividindo em relação à política econômica do
governo: enquanto os grandes comerciantes apoiavam o monopólio, os pequenos e
os médios empresários lutavam contra a exclusividade de mercado, reivindicando
a liberdade de comércio.
3. A
Revolução Puritana
A
boa relação entre os monarcas e o Parlamento sofreu uma grande mudança a partir
de 1603. Nesse ano, morreu a rainha Elizabeth I, deixando vago o trono da
Inglaterra. Na ausência de herdeiros diretos – a rainha Elizabeth nunca se
casou e não tinha filhos –, a coroa foi entregue a seu primo, Jaime Stuart, rei
da Escócia.
Tão
logo assumiu o trono, Jaime I, como se tornaria conhecido, entrou em rota de
colisão com amplos setores da sociedade inglesa. Para começar, quis restaurar o
“absolutismo de direito”, invocando a teoria da origem divina dos reis, e
iniciou uma perseguição aos puritanos. Ao mesmo tempo, tentou estabelecer novos
impostos. Foi o bastante para que sua política provocasse sérias divergências
com o Parlamento.
Jaime
I morreu em 1625 e foi substituído pelo filho, Carlos I, que continuou com as
práticas absolutistas do pai. Tentou impor o anglicanismo em seu próprio país,
a Escócia, de maioria calvinista. Para agravar as coisas, dissolveu o
Parlamento e restaurou antigos impostos. Todas essas medidas criaram um clima
de guerra entre o rei e o Parlamento.
Outro
agravante foi o fato de, tanto Jaime I quanto seu filho, Carlos I, terem
praticado uma política mercantilista que favorecia a grande burguesia e a
nobreza em detrimento dos pequenos e médios empresários, ou seja, a pequena
burguesia. Esses setores eram puritanos e tinham representantes na Câmara dos
Comuns.
A
política absolutista dos Stuart entrou em conflito com esses setores da pequena
burguesia, pois exigia grandes recursos financeiros para o rei, o que só seria
possível com o aumento da arrecadação e, consequentemente, com o aumento dos
impostos.
Carlos
I avaliou mal a correlação de forças políticas e se achou forte o bastante para
dissolver o Parlamento. Era o que faltava para as tensões chegarem ao limite.
Em
1640, os calvinistas escoceses invadiram o território inglês, rebelando-se
contra a tentativa de Carlos I de impor a religião anglicana. O rei foi
obrigado a convocar o Parlamento, que não se reunia havia 12 anos.
O
Parlamento tornou-se então a grande “caixa de ressonância” do ódio acumulado da
burguesia puritana contra os Stuart. Em 1642 teve início a guerra civil: de um
lado, as forças do rei, de outro, as do Parlamento, lideradas por Oliver
Cromwell. Cromwell era um proprietário rural progressista, puritano, e que se
destacou por sua personalidade forte e carismática. Ele criou um novo modelo
para o exército do Parlamento, com comandos baseados no mérito (New Model
Army).
Os
membros do exército do rei, chamados cavaleiros, eram em sua maioria
membros da antiga nobreza católica ou anglicana. No exército do Parlamento
estavam os cabeças redondas (assim chamados porque usavam o cabelo
curto), grupo formado pela pequena e média nobreza, pela burguesia e por boa
parte da população ligada aos ofícios urbanos – em geral, calvinistas. No curso
da luta, surgiram no exército de Cromwell setores mais radicais, como os niveladores,
que lutavam pelo sufrágio universal.
Em
1648, o rei foi definitivamente derrotado. Preso pelos cabeças redondas,
enfrentou um julgamento sumário e foi condenado à morte e decapitado em 1649.
Na sequência, os vitoriosos tomaram medidas radicais: a monarquia, a Câmara dos
Lordes e a Igreja Anglicana foram abolidas e a república instaurada sob o
comando de Cromwell.
4. A
ditadura de Cromwell
Formalmente,
a monarquia foi extinta. Na prática, porém, os ingleses viveriam sob a ditadura
exercida por Oliver Cromwell, apoiado no exército. Em 1653, ele ordenou o
fechamento do Parlamento e declarou-se Lorde Protetor da Inglaterra, cargo
vitalício e hereditário. Ele impôs seu poder também na Irlanda e na Escócia. Um
novo Parlamento foi instalado em 1654 e outro em 1656.
Externamente,
o governo de Cromwell caracterizou-se por adotar uma agressiva política de fortalecimento
do comércio internacional da Inglaterra. Em 1651, o Parlamento aprovou o ato
de Navegação, pelo qual somente embarcações inglesas ou dos países de
origem das mercadorias podiam transportá-las até os portos da Inglaterra. A
medida acabou provocando uma guerra com a Holanda (1652-1654). Vitoriosa, a
Inglaterra saiu do conflito como a grande potência naval da Europa.
Internamente,
Cromwell esmagou a facção dissidente dos niveladores, enforcando seus
líderes, e estabeleceu a supremacia política da burguesia. Desprezando as
reivindicações das camadas populares, Cromwell argumentava que a pobreza era
uma punição divina para os pecados dos menos afortunados.
Oliver
Cromwell morreu em 1658 e foi sucedido pelo filho, Richard, que ficou menos de
um ano no poder. Sem habilidade para manter o apoio político dos grandes
proprietários, Richard foi destituído do cargo pelo Parlamento, que restaurou a
monarquia dos Stuart. Em 1660, o trono passou às mãos de Carlos II, filho de
Carlos I, o rei decapitado.
Com
o retorno dos Stuart ao poder, teve início a Restauração, que se estenderia
pelos reinados de Carlos II (1660-1685) e de Jaime II (1685-1688).
5. A
Revolução Gloriosa
Carlos
II e, principalmente, seu sucessor, Jaime II, insistiram em adotar políticas
semelhantes às de seus antecessores Stuart: centralizaram o poder, governaram
de forma autoritária e favoreceram abertamente católicos e anglicanos em
detrimento dos calvinistas. Além disso, feriram o brio e os interesses
comerciais dos ingleses ao aproximar-se da França, que havia se tornado a maior
concorrente do país no comércio internacional.
Diante
disso, em 1688, o Parlamento decidiu depor o rei e oferecer o trono inglês ao
príncipe holandês Guilherme de Orange, que era casado com uma filha de Jaime II.
O novo monarca foi coroado em novembro de 1689 como Guilherme III.
Os
acontecimentos de 1688 e 1689 constituíram a revolução Gloriosa, assim
chamada porque se deu sem derramamento de sangue. Ela encerrou o ciclo das Revoluções
Inglesas do século XVII.
Ao
assumir o trono, o novo rei se comprometeu a respeitar e cumprir a Declaração
de Direitos, votada pelo Parlamento. O documento, conhecido em inglês pelo
nome de Bill of Rights, reafirmava e ampliava a lista de direitos
da população inglesa que o soberano não podia violar.
6. A
supremacia inglesa
A
França, governada pela dinastia Bourbon, era na época a nação hegemônica da
Europa. A nova posição do país no continente alimentou as pretensões do monarca
francês, Luís XIV, de exercer o papel de árbitro entre as demais nações. Essa
pretensão, nunca consumada, acabou envolvendo a França em vários conflitos. O
primeiro deles consistiu em mais uma disputa entre os Bourbon e os Habsburgo.
Devemos estar lembrados que os Habsburgos eram uma poderosa dinastia que governava
a Áustria e também fornecia os imperadores do Sacro Império Romano-Germânico.
A origem da guerra: a
sucessão do trono espanhol
Em
1700, morreu Carlos II da Espanha. Antes de morrer, como não tinha herdeiros
diretos, o rei legou por testamento a Espanha e todos os seus domínios a um
neto de Luís XIV, Filipe, duque de Anjou. A coroação de Filipe como rei da
Espanha com o título de Filipe V foi reconhecida por todos os soberanos
europeus – exceto pelo imperador da Áustria. Entretanto, a situação mudou completamente
quando Luís XIV concedeu ao neto, também, direitos à Coroa francesa A
possibilidade de que Espanha e França viessem a ser governadas pela mesma
pessoa assustou os demais países europeus. Essa mudança de atitude permitiu que
o imperador Habsburgo, da Áustria, atraísse a Inglaterra e a Holanda para uma
aliança contra os Bourbon. Em 1702, os três Estados deram início às hostilidades
contra a França e a Espanha, desencadeando a Guerra de Sucessão da Espanha.
A
guerra prolongou-se por vários anos, levando ambos os lados ao esgotamento. A
paz foi negociada a partir de 1713 pelos tratados de Utrecht e de Ramstadt.
Segundo
os acordos, Filipe de Anjou foi confirmado no trono da Espanha, com a condição
de que esse país e a França jamais se unissem. A Espanha saiu do conflito como
a grande perdedora e viu declinar definitivamente seu prestígio como potência
europeia e mundial.
Por
outro lado, a Inglaterra foi, sem dúvida, a principal beneficiária do conflito.
Ela tomou Gibraltar e Minorca da Espanha e recebeu da França os territórios da
Terra Nova e da Nova Escócia, localizados na América do Norte.
Além
dos territórios, os ingleses conquistaram o monopólio do tráfico de africanos
escravizados para as colônias espanholas da América e o direito de enviar,
anualmente, para essa região, um navio com mercadorias, o chamado navio de
permissão. Esse direito abriria uma brecha por meio da qual a Inglaterra
realizaria lucrativo contrabando nos domínios espanhóis.
A Guerra dos Sete
Anos
A
supremacia inglesa na Europa e no mundo seria confirmada pela Guerra dos
Sete anos (1756-1763). Nesse conflito, os ingleses aliaram-se à Prússia, região
do Sacro Império Romano-Germânico que havia se tornado reino em 1701. Mais uma
vez, o inimigo era a França, aliada agora à Áustria, à Rússia e à Espanha.
O
conflito estendeu-se para o Oriente e para a América do Norte, constituindo um
primeiro ensaio de guerra mundial. Mais uma vez, a Inglaterra foi a grande
vitoriosa. Pelo tratado de Paris (1763), arrebatou da França e da
Espanha os territórios do Canadá e da Flórida e anexou a Índia a seu império em
crescimento.
Essas
conquistas coincidiram com o começo da revolução Industrial, processo
que teve início na Inglaterra na segunda metade do século XVIII. Com as
conquistas, os ingleses passaram a ter fácil acesso a fontes de
matérias-primas, como o algodão indiano, do qual a nascente indústria têxtil do
país tanto dependia. Além disso, estavam assegurados à Inglaterra os mercados
de consumo para os tecidos de algodão (e outros artigos), produzidos a baixo
custo pela indústria têxtil e lançados em quantidade cada vez maior no comércio
internacional.
Nenhum comentário:
Postar um comentário