COLONIZAÇÃO INGLESA OU
AS ORIGENS DOS ESTADOS UNIDOS
Portugal
e Espanha foram os primeiros, mas não foram os únicos a colonizar a América. Em
diferentes momentos, França, Holanda e Inglaterra também investiram na
exploração do novo continente, contestando a divisão do território entre
espanhóis e portugueses imposta pelo Tratado de Tordesilhas.
O primeiro dia de Ação de Graças [First
Thanksgiving], de Jean Louis Gerome Ferris (1863-1930). |
O
primeiro país a fazer isso foi a França, que no sul do continente encontrou
terreno propício para promover o contrabando de pau-brasil. No norte, os
franceses conquistaram a região que corresponde hoje ao Canadá, onde fundaram
Quebec, em 1607. Em seguida, dominaram a região chamada por eles de Louisiana,
em homenagem ao rei francês Luís XIV, hoje um estado no sul dos Estados Unidos.
Os
holandeses deixaram claro que seu principal interesse em terras americanas eram
os negócios relacionados à produção de açúcar. No século XVII, depois de
expulsos de Pernambuco, instalaram-se nas Antilhas e no atual Suriname. Os
ingleses, por sua vez, colonizaram algumas ilhas do Caribe, como Barbados e
Jamaica, tomadas aos espanhóis no século XVII. Seu maior empreendimento,
contudo, seria a conquista, a ocupação e a colonização de territórios na costa
atlântica da América do Norte, a partir de 1607. Nessa extensa faixa litorânea,
eles fundaram treze colônias, onde, como veremos, acabou se desenvolvendo uma
sociedade singular.
2. Povoar
é preciso
Ao
contrário do que ocorreu na parte da América colonizada por espanhóis e
portugueses, a colonização inglesa no norte do continente não foi feita pelo
Estado, mas por empresas privadas. O processo de ocupação também foi bem
diferente: as colônias inglesas na América do Norte receberam, desde o começo
do século XVII, enorme fluxo de ingleses em busca de oportunidades nas novas
terras.
Outra
razão importante que explica a transferência em massa de ingleses para o novo
continente foram as guerras e perseguições religiosas dos séculos XVI e XVII.
Na Inglaterra, os principais grupos perseguidos eram os puritanos, que em
grande número acabaram se refugiando na América.
As
razões para que tantos ingleses deixassem suas terras e decidissem viver no
novo continente não foram poucas. Vejamos algumas.
A
partir do século XV, a Inglaterra passou por um processo de mudanças na
organização do trabalho e na estrutura da propriedade rural, com consequências
desastrosas para a população camponesa.
A
valorização da lã como matéria-prima na fabricação de tecidos levou muitos
proprietários a cercar as terras comunais. Essas eram terras de uso comum, e
que eram antes utilizadas pelos camponeses para criar ovelhas.
“Cercar
as terras comunais” deu origem a um processo chamado cercamentos. E não
se limitou às terras comunais. Estendeu-se também a vastas áreas anteriormente
ocupadas pelos camponeses,
provocando
desemprego e migrações de trabalhadores do campo para a cidade, onde nem sempre
encontravam ocupação. Isso fez com que, no decorrer do século XVII, muitos
deles, ou seus descendentes, emigrassem para a América do Norte.
3. As
Treze Colônias
O
primeiro navegador a serviço da Inglaterra a explorar o continente americano foi
o genovês Giovanni Caboto (John Cabot), que esteve na região duas vezes, em
1497 e 1498. Cabot percorreu a Terra Nova, no atual Canadá, mas não deu início à
colonização do território. As primeiras tentativas de povoamento só seriam feitas
bem mais tarde. Entre 1584 e 1585, sir Walter Raleigh fundou na ilha de
Roanoke o primeiro núcleo de colonização inglesa na América do Norte. A
povoação, entretanto, desapareceu, possivelmente destruída pelos ameríndios.
Frustrado
o primeiro ensaio, a Inglaterra só se lançaria à colonização efetiva da América
do Norte em 1607, quando um grupo de colonos ingleses, agenciados pela london
company, fundou a Virgínia, assim chamada em homenagem a Elizabeth I,
chamada “rainha virgem”, por nunca ter se casado.
As colônias do Sul
Virgínia
contou com grande afluxo de colonos e logo se transformou em exportadora de
fumo. Esse produto, originário da América, foi introduzido na Europa e logo
passou a ter grande consumo.
Ao
sul da colônia, surgiram depois Carolina do Norte, Carolina do Sul e Geórgia.
Em sua fronteira norte, os ingleses fundaram Maryland.
Devido
à localização geográfica e ao clima, essas colônias se voltariam para o plantio
de produtos tropicais de exportação, como o fumo, o arroz e, mais tarde, o
algodão. O cultivo era feito em grandes propriedades sob regime de trabalho
escravo. Esse sistema, conhecido como plantation, era muito
semelhante ao da cana-de-açúcar na colônia portuguesa.
As colônias do Norte
Ao
norte da Virgínia, surgiu outro conjunto diferente de colônias. Em 1620, um
grupo de puritanos vindos da Inglaterra desembarcou do navio Mayflower e fundou
a colônia de Massachusetts.
Antes
do desembarque, eles firmaram um pacto de governabilidade, pelo qual assumiram
o compromisso de “se congregar num corpo político civil” e de se autogovernar
“para o bem geral da colônia”.
Algum
tempo depois, grupos de perseguidos religiosos estabeleceram, nas proximidades
de Massachusetts, as colônias de Nova Hampshire, Rhode Island e Connecticut. O
conjunto dessas quatro colônias formava a Nova Inglaterra.
Devido
à sua localização, não era possível cultivar ali produtos tropicais de
exportação. Além disso, a grande maioria dos colonos era pobre e não tinha
meios para administrar propriedades extensas como as do sistema de plantations,
característico das colônias do Sul.
Por
essa razão, acabou surgindo na Nova Inglaterra um sistema econômico baseado na
pequena propriedade familiar da terra, no trabalho livre e na produção de
subsistência. Os colonos da Nova Inglaterra também tiravam seu sustento do mar.
A atividade pesqueira, aliada à existência de madeira em profusão nas florestas
vizinhas, estimulou a construção de navios, ocupação que logo se tornaria uma
das fontes de renda das cidades da região.
Como
a Coroa inglesa estava mais interessada em explorar os produtos tropicais na
parte sul da colônia, não impôs na Nova Inglaterra, de modo rígido, a política
de monopólios, característica do mercantilismo. Por isso, os moradores dessas
colônias viram-se livres para comerciar e desenvolver certas atividades
industriais, como a própria construção naval.
As colônias centrais
Ao
sul e a oeste da Nova Inglaterra, as regiões de Nova York, Nova Jersey,
Pensilvânia e Delaware formavam outro bloco de colônias. Como situavam-se entre
as colônias do Norte e as do Sul, em geral são conhecidas como colônias
centrais. Nessa faixa de terra desenvolveu-se uma agricultura voltada, em
um primeiro momento, ao mercado interno.
Mais
tarde, o trigo transformou-se no principal produto agrícola e seus excedentes
passaram a ser exportados para as colônias inglesas das Antilhas. Assim como
nas colônias do Norte, as atividades comerciais e manufatureiras das colônias
centrais assumiram grande importância econômica.
POVOAMENTO DOS ESTADOS UNIDOS
O professor e historiador brasileiro
Leandro Karnal (1963-) é especialista em História da América e das Religiões.
No texto a seguir, ele apresenta as características das populações que povoaram
a América do Norte.
“O processo de êxodo rural na Inglaterra
acentuava-se no decorrer do século XVII e inundava as cidades inglesas de
homens sem recursos. A ideia de uma terra fértil e abundante, um mundo imenso e
a possibilidade de enriquecer a todos era um poderoso ímã sobre essas massas.
Naturalmente, as autoridades inglesas
também viam com simpatia a ida desses elementos para lugares distantes. A colônia
serviria, assim, como receptáculo de tudo o que a metrópole não desejasse (a
ideia de que para a América do Norte dirigiu-se um grupo seleto de colonos
altamente instruídos e com capitais abundantes é, como se vê, uma generalização
incorreta).
A própria Companhia de Londres declarara,
em 1624, que seu objetivo era: ‘a remoção da sobrecarga de pessoas
necessitadas, material ou combustível para perigosas insurreições e assim
deixar ficar maior fartura para sustentar os que ficam no país’. Ao contrário
de Portugal, nação de pequena população, a Inglaterra já vivia problemas com
seu crescimento demográfico no momento do início da colonização dos Estados
Unidos.
Portugal sofreu imensamente com o envio dos
contingentes de homens para o além-mar. A Inglaterra faria da colonização um
meio de descarregar no Novo Mundo tudo o que não fosse mais desejável no Velho.
Mas a ideias de ‘colônias de povoamento’ parece sobreviver a tudo [...].
Em 1620, a Companhia de Londres trazia cem
órfãos para a Virgínia. Da mesma maneira, mulheres eram transportadas para
serem leiloadas no Novo Mundo. É natural concluir que essas mulheres, dispostas
a atravessar o oceano e serem vendidas na América como esposas, não eram
integrantes da aristocracia intelectual ou financeira da Inglaterra.” (KARNAL,
Leandro. História dos Estados Unidos: das origens ao século XXI. 3. ed.
São Paulo: Contexto, 2008. p. 44-45.)
4. A
gênese da cidadania americana
Durante
boa parte do século XVII, a Inglaterra esteve envolvida em guerras civis, em
disputas entre o Parlamento e o rei e em conflitos na Europa. Isso de certa
forma impediu que o país exercesse um controle mercantilista mais rígido sobre
suas colônias. Só que, mesmo ocupada em resolver tantos problemas, a Coroa
inglesa não deixou de arregimentar colonos para o empreendimento de povoar e
explorar as novas terras na América. E, com o firme objetivo de atraí-los,
chegou a conceder-lhes o direito de se reunir em assembleias e de votar suas
próprias leis e impostos. A essas circunstâncias favoráveis acabaram se somando
as características peculiares dos colonos interessados em deixar a Inglaterra.
Muitos
deles eram adeptos de segmentos religiosos – como os puritanos e os quakers –,
que viviam em “rota de colisão” com o anglicanismo que era a religião oficial
da metrópole. Por isso, quase sempre suas decisões divergiam das determinações do
governo inglês.
Ao
chegar à nova terra, essas pessoas estabeleceram formas de poder político
coerentes com suas concepções e experiências.
Dessa
iniciativa, surgiu a prática do autogoverno (self-government).
O
governador de cada colônia geralmente era nomeado pelo rei, mas havia também,
como órgão de poder, uma assembleia de representantes eleitos pelos próprios
colonos. As assembleias desempenhavam funções legislativas e deliberativas.
Embora o governador detivesse o poder de veto, com o tempo os colonos impuseram
uma tradição de respeito às decisões da assembleia.
Conseguiram
essa vitória usando como meio de pressão a recusa em aprovar novos impostos ou em
votar iniciativas do governador.
Durante
certo tempo, os colonos de algumas colônias da Nova Inglaterra chegaram a eleger
seus governadores, além dos delegados que integravam as assembleias. Essa
experiência, totalmente nova em um mundo regido por monarcas e poderes
absolutistas, seria decisiva para a formação da concepção moderna de cidadania.
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