quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018


REGÊNCIA (1831-1840)


 Quando se tornou  herdeiro  do  trono  brasileiro, dom Pedro de Alcântara tinha apenas 5 anos de idade. Conforme determinava a Constituição de 1824, para governar o país, no dia 7 de abril de 1831, foi organizada uma Regência Trina Provisória, constituída pelos senadores Nicolau Vergueiro e José Joaquim Carneiro de Campos e pelo brigadeiro Francisco de Lima e Silva. Como a Assembleia Geral estava em recesso, a medida teria efeito só até o reinício das atividades parlamentares.
Confronto durante a Guerra dos Farrapos,,por
José Wasth Rodrigues (1891-1957)
Findo o recesso, a Assembleia elegeu uma Regência Trina Permanente em 17 de junho de 1831.
Para integrá-la, foram escolhidos José da Costa Carvalho, João Bráulio Muniz e, novamente, o brigadeiro Francisco de Lima e Silva. Em primeiro lugar, ela precisava restabelecer a ordem pública, desarticulada em várias partes do país, sobretudo no Rio de Janeiro, onde a agitação popular ganhava força com o apoio de militares.
Em julho, soldados e oficiais sublevados da capital do Império uniram-se à população no Campo de Santana e exigiram a exoneração dos funcionários portugueses e a convocação de uma Assembleia Constituinte para ampliar as liberdades democráticas.
O ministro da Justiça, padre Diogo Antônio Feijó, respondeu à onda de manifestações com repressão. Muitas pessoas foram presas nas províncias e no Rio de Janeiro e diversos líderes exaltados tiveram de sair do país. Essas medidas, porém, não foram sufi cientes para conter a agitação.
Um dos focos de descontentamento era justamente o Exército, constituído por pessoas das camadas médias e baixas da população.
Para diminuir a extensão dos motins de origem militar, em agosto de 1831 o governo ordenou a redução do efetivo de 30 mil para 10 mil soldados. No mesmo mês, criou a Guarda Nacional, uma milícia formada por grandes proprietários de terras e seus homens de confiança em todo o país.
Teoricamente, a Guarda Nacional era uma força armada auxiliar do Exército, que deveria ser mobilizada em caso de agressão externa ou de ameaça à ordem interna. Na prática, porém, acabaria se tornando uma milícia a serviço das elites. Seus comandantes eram sempre chefes políticos locais, fazendeiros ou grandes comerciantes, que recebiam o título de coronel. Dela derivou o fenômeno do coronelismo, que persistiria no Brasil mesmo depois de sua extinção, em 1922.
Outra medida importante desse período foi a instituição do Código de Processo Criminal de 1832, que, entre outras inovações, concedeu maior poder aos juízes de paz – autoridades judiciárias eleitas nos municípios –, criou o júri e estabeleceu o habeas corpus.
Em agosto de 1834, depois de intensos debates, a Assembleia Geral aprovou uma reforma na Constituição do Império. Conhecida como Ato Adicional, a medida promovia relativa descentralização do poder, criando as Assembleias Legislativas nas províncias, com mais poderes que os antigos Conselhos Provinciais.
Além disso, abolia o Conselho de Estado, órgão criado para assessorar o imperador no exercício do Poder Moderador. O Conselho de Estado era, com o Senado, reduto dos restauradores, por isso sua extinção representava uma vitória dos liberais exaltados.
Outra iniciativa da Assembleia Geral foi acabar com a Regência Trina, substituída por uma Regência Una, que deveria ser eleita pelo voto direto dos cidadãos qualificados para participar das eleições. Esse aspecto inovador – eleições diretas para Regente – foi recebido com satisfação por farroupilhas e outros liberais, que vislumbraram aí o que chamaram de “experiência republicana”.
O primeiro regente a ser eleito foi o padre Feijó, que governaria de 1835 a 1837.

1. Forças políticas
Logo depois da abdicação de dom Pedro I, as forças políticas dividiram-se em três grupos.
O mais forte era o dos liberais moderados, que assumiram o poder com a Regência. O programa desse grupo representava os interesses e as expectativas da aristocracia rural, sobretudo das províncias do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo. Os liberais moderados tinham como principal objetivo pacificar o país e consolidar o processo de independência.
Entre seus líderes, destacavam-se o mineiro Bernardo Pereira de Vasconcelos, o jornalista carioca Evaristo da Veiga e o padre paulista Feijó, ministro da Justiça. Os moderados recebiam dos adversários o apelido de chimangos.
Um segundo grupo era formado pelos liberais exaltados, apelidados de farroupilhas ou jurujubas. Inimigos dos portugueses, esses políticos defendiam o federalismo, ou seja, a concessão de maior autonomia às províncias. Os mais radicais, como Cipriano Barata e Borges da Fonseca, lutavam pela instauração da República.
Uma terceira corrente era composta de restauradores, conhecidos como caramurus. De tendência absolutista, esse grupo, integrado por ex-aliados de dom Pedro I, iria lutar pela volta do imperador ao trono. Entretanto, com a morte de dom Pedro, em 1834, sua luta perderia o sentido e o grupo seria extinto.

2. Rebeliões provinciais
Apesar das concessões liberais do Ato Adicional de 1834, os problemas sociais, políticos e econômicos, herdados do período colonial, persistiam. Grande parte deles era resultado da escravidão, do abandono em que viviam as populações do interior, das profundas desigualdades entre ricos e pobres, da má distribuição da terra e do crescimento da população urbana.
Alimentando as tensões, a crise econômico-financeira – arrecadação insuficiente, exportações em baixa e elevado custo de vida – deteriorava ainda mais as condições de vida das classes populares, aumentando o descontentamento geral. A partir de 1835, a insatisfação generalizada explodiu em numerosas revoltas e rebeliões provinciais, uma das quais chegou a se transformar em guerra civil de longa duração: a Guerra dos Farrapos (ou Revolução Farroupilha), no Rio Grande do Sul, que se prolongou de 1835 a 1845.
Algumas dessas revoltas surgidas no período regencial só teriam fim após a posse de dom Pedro de Alcântara como imperador, em 1840.

1) A Cabanagem (1835-1840)
Com uma população de cerca de 100 mil habitantes, o Pará era um foco de tensões desde o período da independência. Em 1834, o governador Bernardo Lobo de Sousa tentou esmagar a oposição prendendo alguns de seus líderes. A resposta dos oposicionistas foi dada entre 6 e 7 de janeiro de 1835, quando um grupo de rebeldes ocupou Belém, depois de uma noite de tiroteios.
O governador foi executado e o poder passou para as mãos dos cabanos, assim chamados porque a maioria dos revoltosos era composta por trabalhadores rurais que moravam em cabanas, à margem dos rios.
O chefe do governo cabano, Félix Antônio Malcher, representava os proprietários rurais e queria manter o Pará como província do Império. Outros líderes, como Eduardo Angelim e Antônio Vinagre, porém, mais ligados às camadas populares, pregavam a ruptura de todos os laços com o poder central.
Esses líderes depuseram Malcher e, depois de algumas lutas contra forças da Regência, foram obrigados a abandonar Belém em julho de 1835. No mês seguinte, à frente de 3 mil cabanos, eles retomaram a capital e proclamaram a República, desligando-se do Império.
Nove meses depois, em maio de 1836, a Regência conseguiu esmagar a rebelião. Alguns grupos de revoltosos esconderam-se no interior da província e conseguiram resistir até 1840, quando foram definitivamente derrotados. Durante todo o conflito, morreram cerca de 40 mil pessoas.

2) A Balaiada (1838-1841)
No Maranhão, as disputas entre grupos políticos liberais (os bem-te-vis) e conservadores eram intensas.
Alimentadas por líderes partidários, grandes fazendeiros e comerciantes, elas acabaram envolvendo ampla parcela da população, calculada na época em cerca de 200 mil habitantes, dos quais aproximadamente 90 mil eram escravizados.
A revolta começou quando o vaqueiro Raimundo Gomes, que trabalhava para um fazendeiro liberal, teve um irmão presso. Agindo por conta própria, o vaqueiro atacou a cadeia da vila, libertou o irmão e outros prisioneiros e fugiu para o sertão, onde recebeu apoio e guarida da população pobre.
Estimulados pelo exemplo, grupos de sertanejos passaram a atacar fazendas. Em meio a essas ações, foram surgindo líderes rebeldes, como o artesão Manuel Francisco dos Anjos Ferreira, que  vivia de fazer e vender cestos e cujo apelido era Balaio – termo que acabou inspirando o nome dos revoltosos (balaios) e do movimento (Balaiada).

A participação dos trabalhadores escraviza
A rebelião sertaneja estimulou os trabalhadores escravizados a fugir em massa das fazendas. Com isso, surgiram diversos quilombos na região, um dos quais formado por 3 mil desses trabalhadores e chefiado por Cosme Bento das Chagas. Em alguns momentos, o movimento ultrapassou as fronteiras do Maranhão, chegando o Piauí. Em maio de 1839, os balaios tomaram Caxias, segunda cidade mais importante do Maranhão, onde instalaram um governo provisório, que exigiu a extinção da Guarda Nacional e jurou fidelidade ao Império.
A falta de objetivos claros e as divergências entre as lideranças enfraqueceram os revoltosos, que não resistiram às tropas do Exército enviadas do Rio de Janeiro. Em janeiro de 1841, toda a região estava pacificada. O último líder a cair foi o negro Cosme, condenado à morte e enforcado em 1842. No comando das tropas imperiais, estava o coronel Luís Alves de Lima e Silva, futuro duque de Caxias.

Com a Balaiada, as camadas populares do Maranhão deixaram clara sua vontade de acabar com as condições de submissão e desigualdade social em que viviam.

3) Malês e sabinos na Bahia
Em 1835, a capital da Bahia, Salvador, foi sacudida por uma rebelião de 1 500 negros, que tentaram tomar um quartel e semearam o pânico entre os senhores de terras, exigindo o fim da escravidão. Conhecido como revolta dos Malês, o movimento acabou sufocado sob violenta repressão. Dois anos depois, no entanto, a cidade seria sacudida por nova rebelião.
Em Salvador, os liberais exaltados que divulgavam suas ideias no jornal Novo Diário da Bahia, de Francisco Sabino Álvares da Rocha Vieira, contavam com forte apoio de oficiais e soldados do Exército. Estimulados pela cabanagem do Pará e pela revolução Farroupilha, que já havia começado no Rio Grande do Sul, eles atacavam o despotismo do poder central e pregavam abertamente a separação da província. Em novembro de 1837, tropas do forte de São Pedro e de outras unidades sublevaram-se, pondo as autoridades em fuga.
Sob a liderança de Sabino, de cujo nome derivaria o nome do movimento, Sabinada, os rebeldes formaram um governo autônomo, que anunciou a separação da Bahia até que o príncipe dom Pedro chegasse à maioridade e exigiu a convocação de uma Assembleia Constituinte. Em março de 1838, contudo, tropas legalistas invadiram a capital rebelde. Após dois dias de intensos combates, Sabino e seus homens se renderam.

4) A Guerra dos Farrapos (1835-1845)
Ocorrida no extremo sul do país, a Guerra dos Farrapos, também chamada de revolução Farroupilha, foi uma das mais importantes revoltas do período pelo fato de os rebeldes terem constituído e conservado por dez anos um Estado republicano. As condições para que isso acontecesse eram favoráveis: nessa região, o espírito republicano já estava consolidado entre amplos setores das elites e da população devido à proximidade das repúblicas do Prata (Uruguai, Paraguai e Argentina).
Ao mesmo tempo, o preparo militar dos gaúchos, habituados às lutas nas fronteiras desde o período colonial, garantiu a sustentação do conflito durante anos.
Antes da guerra, os fazendeiros do Rio Grande do Sul (ou estancieiros) dedicavam-se, entre outras atividades, à criação de gado e à produção de charque, carne-seca conservada com sal. Esse produto era consumido em todo o país, principalmente pelos trabalhadores escravizados. Entretanto, em várias províncias, os senhores de terras e de trabalhadores escravizados preferiam comprar charque proveniente da Argentina e do Uruguai, vendido a preços mais baixos.
Sentindo-se prejudicados, os donos de charqueadas do Rio Grande do Sul exigiam que o governo central elevasse os impostos sobre o produto importado dos países platinos. Para os compradores de charque, porém, era mais interessante continuar comprando o produto importado. O governo acabou satisfazendo os interesses dos proprietários das outras regiões, taxando o charque gaúcho nos portos do Sudeste e do Nordeste. A medida provocou o descontentamento dos estancieiros do Rio Grande do Sul e acabou fortalecendo a propaganda dos farroupilhas, que pregavam o separatismo e a criação de uma República.
A insatisfação das elites gaúchas atingiu o auge quando o presidente da província, Antônio Rodrigues Braga, nomeado pela Regência, fixou um imposto sobre as propriedades rurais. Como consequência, em setembro de 1835, o coronel farroupilha Bento Gonçalves e seus homens ocuparam Porto Alegre e depuseram Rodrigues Braga. No ano seguinte, proclamaram a República Rio-Grandense, com sede na cidade de Piratini. Começava assim a Guerra dos Farrapos.
Em outubro de 1836, Bento Gonçalves foi capturado por tropas da Regência e enviado para uma prisão na Bahia, de onde fugiria no ano seguinte com o auxílio de membros da maçonaria. Enquanto isso, a luta prosseguia no Rio Grande do Sul. De volta à província, Bento Gonçalves retomou a liderança do movimento, que contava agora com a participação do italiano Giuseppe Garibaldi, que se destacaria anos depois no processo de unificação da Itália. Em julho de 1839, os revoltosos ocuparam Laguna, em Santa Catarina, onde proclamaram a República Juliana, nome derivado do mês de julho.
No mês de novembro de 1842, chegava ao Rio Grande do Sul Luís Alves de Lima e Silva, futuro duque de Caxias, nomeado presidente e comandante de armas da província. Combinando ações militares com medidas políticas, ele conseguiu encerrar a luta. Por proposta sua, por exemplo, os rebeldes foram anistiados e os oficiais do exército farroupilha, integrados ao exército brasileiro, na mesma patente que ocupavam nas tropas rebeldes. Além disso, o governo central manteve um imposto, introduzido em 1840 para tentar apaziguar os ânimos na província, de 25 por cento sobre a importação do charque proveniente dos países da região do Rio da Prata.

3. O “Regresso”
Toda essa agitação, criada pelas revoltas nas províncias, assustava o grupo dominante, que passou a atribuir a responsabilidade pelas revoltas à falta de autoridade do governo central, enfraquecido pela descentralização decorrente do Ato Adicional de 1834. Na Assembleia Geral,
a maioria dos líderes políticos assumia cada vez mais posições conservadoras e contrárias às medidas de 1834. Para aumentar os temores dessa corrente conservadora, o regente Feijó entrou em choque com a aristocracia agrária ao propor a substituição gradual do trabalho escravo pelo trabalho assalariado.
Pressionado pela maioria conservadora do Parlamento, Feijó renunciou à Regência em setembro de 1837, transmitindo o governo ao líder conservador Pedro de Araújo Lima. Em abril do ano seguinte, Araújo Lima, futuro marquês de Olinda, seria confirmado no cargo de regente por meio de eleições diretas, com 4 308 votos. Recebia, assim, todo o apoio da aristocracia agrária, receosa de que a extinção gradual do trabalho escravo proposta por Feijó começasse a ganhar adeptos.
Com Araújo Lima teve início o “Regresso”, período de reação conservadora, durante o qual foram adotadas diversas medidas de fortalecimento do poder central. O Ato Adicional de 1834 foi definido como “código da anarquia” e a ele se contrapôs um projeto de lei que restringia as atribuições das Assembleias Provinciais. Depois de três anos de debates, em maio de 1840, o projeto foi aprovado com o nome de lei Interpretativa. No mesmo ano, foi restaurado o Conselho de Estado.

4. O “Golpe” da Maioridade
As medidas adotadas durante a reação conservadora, contudo, não foram sufiientes para estancar a agitação que tomava conta de várias províncias. Entre os liberais, generalizou-se a opinião de que os problemas só seriam resolvidos com a ascensão de dom Pedro de Alcântara ao trono. Porém, a Constituição estabelecia que só aos 18 anos, ao atingir a maioridade, ele poderia ser sagrado imperador. Como isso só aconteceria no final de 1843, os liberais criaram o Clube da Maioridade, em abril de 1840, e passaram a apresentar na Câmara projetos de antecipação da maioridade.
Os conservadores opunham-se à ideia, pois viam nessa iniciativa uma manobra para afastá-los do poder. Em meados de 1840, consultado sobre a questão, o próprio dom Pedro, então com 14 anos, manifestou seu apoio à reforma. Somada a uma opinião pública favorável, a manifestação do príncipe quebrava as últimas resistências no Parlamento, que, em 23 de julho, declarou sua maioridade. Nesse mesmo dia, o jovem foi coroado imperador com o título de dom Pedro II. No dia seguinte, compôs seu ministério com os liberais.
O episódio seria chamado mais tarde de Golpe da Maioridade. Momentaneamente fora do governo, os conservadores passavam para a oposição. Era o fim da Regência e o começo do Segundo Reinado.

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