quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

ESCRAVIDÃO   NO   BRASIL   COLONIAL


  Nos primeiros anos após a chegada de Cabral, portugueses e franceses utilizaram amplamente o trabalho dos indígenas na exploração comercial do pau-brasil. Havia interesse dos dois lados: os nativos trocavam o pau-brasil e várias especiarias por mercadorias que os colonizadores traziam de lugares distantes; já os europeus não lhes impunham obrigações, não estabeleciam limites à sua liberdade e, como os nativos esperavam, “pagavam” pelo trabalho com objetos de pouco valor.
“Pequeno engenho portátil”, de Jean-Baptiste Debret (1768-1848)

Já nesse período, porém, ocorriam episódios de apresamento de indígenas, que eram levados para trabalhar na Europa na condição de escravos.
Com a implantação da lavoura de cana-de-açúcar, tentou-se escravizar os nativos para trabalhar no cultivo da terra. Inicialmente, a prática mais comum era utilizar os prisioneiros de guerra dos indígenas. Essa forma de obter trabalhadores escravos, permitida por lei, chamava-se resgate e acabou incentivando as guerras entre os diferentes povos indígenas como meio de conseguir cada vez mais prisioneiros para trocá-los com os colonos. Mas o resgate, embora não tivesse desaparecido, foi logo superado por outra forma mais eficiente de obter mão de obra escrava: os ataques que os próprios colonos passaram a fazer contra os indígenas hostis, considerados inimigos dos portugueses; era a chamada guerra justa.
Entretanto, uma série de inconvenientes cercava o trabalho dos nativos escravizados na lavoura.
Para começar, em 1570 a Coroa proibiu a escravização dos indígenas. Uma das razões que levaram a essa decisão foi a oposição dos jesuítas à submissão forçada dos ameríndios. Os jesuítas defendiam a catequização, argumentando que eles precisavam ser conduzidos ao Senhor.
Na verdade, porém, existiam brechas na legislação que permitiam aos colonos romper a proibição da Coroa, como o resgate e a guerra justa Os indígenas também não aceitavam trabalhar na lavoura, opondo forte resistência ao trabalho sistemático imposto pelos colonos portugueses. Para eles, a disciplina que a atividade exigia violava sua cultura. Tentando escapar da opressão, muitos nativos migraram para outras regiões.
Os que já haviam sido escravizados resistiam de várias formas: negando-se a trabalhar no ritmo exigido pelos colonos, ou simplesmente fugindo das plantações.

1. O emprego de africanos escravizados
A partir de 1550, os colonos – pressionados pela expansão da produção açucareira – passaram a recorrer cada vez mais à mão de obra africana, oferecida nos portos brasileiros pelos traficantes. Isso permitia uma certa regularidade no abastecimento de trabalhadores escravizados, o que não ocorria com a mão de obra indígena, cada vez mais difícil de conseguir. Ademais, os africanos, ao serem deslocados para um lugar estranho, tinham mais dificuldade do que os indígenas de resistir à escravização ou de fugir dos engenhos.
Além disso, os africanos não contavam com a proteção dos jesuítas nem das leis decretadas a partir de 1570 pela Coroa portuguesa, que proibiam a escravização indígena. Ao contrário, a submissão dos povos da África era vista como uma forma de purgar seus pecados e de convertê-los ao reino de Deus. Afinal, muitos deles tinham entrado em contato com a religião muçulmana, e na América poderiam ser catequizados. A substituição de um tipo de trabalhador por outro se fez aos poucos. Somente depois de 1600 o número de africanos superou o número de indígenas escravizados.
A Igreja e a escravidão
Assim, enquanto os indígenas eram defendidos pela Igreja, os africanos não tiveram a mesma sorte. No caso da colonização espanhola, até mesmo um humanista como o frei dominicano Bartolomé de Las Casas recomendava a introdução de trabalhadores africanos como forma de preservar os indígenas. A mesma situação acabou ocorrendo no Brasil.
Depois da chegada dos africanos, porém, os indígenas continuaram a ser escravizados, embora em menor escala, principalmente nas áreas mais pobres ou em atividades menos lucrativas.
Os colonos que não eram grandes proprietários de terras não podiam pagar o custo da mão de obra africana, cujo preço chegava a ser cinco vezes maior que o do indígena escravizado. Por isso, recorriam ao emprego permanente dos nativos, o que gerava constantes conflitos com os jesuítas, contrários à escravização.

2. O africano escravizado
Não foi difícil para os portugueses fazer uso do trabalhador africano em larga escala. Afinal, desde 1443 eles já traficavam seres humanos da África para as ilhas do Atlântico e para a Europa.
Esses trabalhadores escravizados eram originários de várias partes da África. Pertenciam a diversas etnias, com formas de organização social e manifestações culturais diferentes. Algumas dessas sociedades apresentavam “notável progresso na agropecuária e no artesanato, principalmente no trabalho com metais, especialidade em que, sob alguns aspectos, se achavam mais adiantados que os europeus da época”, conforme assinala o historiador Jacob Gorender.
Sabe-se que a escravização já existia na África antes da chegada dos europeus, embora tivesse um significado diferente nas sociedades locais: só a guerra levava um povo a escravizar outro.
A exploração europeia provocou completa mudança nesse quadro. Alguns povos africanos passaram a se especializar na captura de prisioneiros e se fortaleceram recorrendo à guerra e à venda dos capturados aos traficantes. Exemplo disso foi a fundação do Estado de Daomé, no século XVII, para movimentar o comércio de escravos.

O tráfico de africanos escravizados
Em um primeiro momento, o comércio de africanos era feito por meio de escambo nas feitorias construídas em certos pontos do litoral da África. No entanto, com o início da colonização da América, no decorrer do século XVI, o tráfico tornou-se mais complexo e passou a mobilizar líderes locais, que trocavam seus prisioneiros de guerra por diversas mercadorias, como a aguardente e o fumo produzidos na América. Uma vez comprados, os africanos escravizados eram embarcados nos chamados navios negreiros ou tumbeiros e enviados ao continente americano.
As condições da viagem transoceânica justificavam o nome de tumbeiro (de “tumba” ou “túmulo”) dado aos barcos. Comprimidos nos porões das embarcações, entre 100 e 400 africanos viajavam quase nus, sufocados pela falta de ar e torturados pela fome e pela sede. A tortura era lenta e prolongada: saindo, por exemplo, de Angola, o navio levava em média 35 dias para chegar a Pernambuco e 40 para alcançar a Bahia. Muitos morriam durante a travessia do Atlântico (calcula-se que cerca de 15% do total).

3. A reação dos escravizados
Ao serem escravizados, os africanos tinham todos os seus laços sociais anteriores rompidos. Os escravizadores sabiam que a memória é uma poderosa arma de resistência e tratavam de apagá-la.
De que modo reagiram esses homens e mulheres ao peso da escravização? Alguns com resignação, adaptando-se à cultura dos senhores e aceitando pacificamente a discriminação racial. Outros, porém, se revoltavam, feriam ou matavam os feitores e provocavam incêndios nos canaviais.
Outros ainda entravam em depressão – conhecida como banzo – e se suicidavam. Mas havia outra forma de reagir que levava a ações coletivas e reafirmava os sentimentos de identidade étnica e cultural desses homens e mulheres. Por meio da fuga, os escravizados reconquistavam a liberdade e reconstruíam formas comunitárias semelhantes às da África, no interior das quais podiam preservar o que restava de sua cultura. Essas comunidades chamavam-se quilombos, e seus habitantes, quilombolas.
A vida econômica dos quilombos organizava-se basicamente em torno de atividades de subsistência e do trabalho artesanal. Em muitos casos, praticava-se também o comércio com os povoados mais próximos.

PALMARES

O mais famoso e duradouro quilombo do período colonial foi o de Palmares, localizado na Serra da Barriga, no sul da capitania de Pernambuco. Admite-se que os primeiros fugitivos a se fixar ali tenham chegado por volta de 1605. Aos poucos, o número de quilombolas foi crescendo, principalmente durante as invasões holandesas a Pernambuco (1630-1654).
Calcula-se que, por volta de 1670, os diversos aldeamentos que formavam Palmares abrigavam aproximadamente 20 mil pessoas, o que fazia desse quilombo um dos maiores núcleos de povoamento da colônia.
Enquanto existiu, e mesmo depois de sua destruição, Palmares foi um estímulo à luta dos escravizados pela liberdade. Por isso as autoridades da colônia lançaram contra ele diversas expedições militares. Em 1678, diante do insucesso das investidas, o governo de Pernambuco chegou a negociar uma trégua com o rei Ganga Zumba, principal líder dos quilombolas.
Insatisfeitos com o acordo, muitos negros se sublevaram, matando Ganga Zumba e colocando no poder seu sobrinho, um jovem líder guerrilheiro chamado Zumbi. Com a mudança, reacenderam-se as hostilidades entre Palmares e as autoridades portuguesas.
Em 1692, forças comandadas pelo bandeirante paulista Domingos Jorge Velho lançaram-se contra o quilombo. Após muita resistência, Palmares foi destruído e seu líder, Zumbi, morto em 20 de novembro de 1695.
Hoje, em homenagem a Zumbi, 20 de novembro é considerado o Dia Nacional da Consciência Negra, data comemorada com denúncias, resistência e celebração pelos movimentos negros.

Nenhum comentário:

Postar um comentário