ESCRAVIDÃO NO BRASIL COLONIAL
Nos
primeiros anos após a chegada de Cabral, portugueses e franceses utilizaram
amplamente o trabalho dos indígenas na exploração comercial do pau-brasil.
Havia interesse dos dois lados: os nativos trocavam o pau-brasil e várias
especiarias por mercadorias que os colonizadores traziam de lugares distantes;
já os europeus não lhes impunham obrigações, não estabeleciam limites à sua
liberdade e, como os nativos esperavam, “pagavam” pelo trabalho com objetos de
pouco valor.
Já
nesse período, porém, ocorriam episódios de apresamento de indígenas, que eram
levados para trabalhar na Europa na condição de escravos.
Com
a implantação da lavoura de cana-de-açúcar, tentou-se escravizar os nativos
para trabalhar no cultivo da terra. Inicialmente, a prática mais comum era
utilizar os prisioneiros de guerra dos indígenas. Essa forma de obter
trabalhadores escravos, permitida por lei, chamava-se resgate e acabou
incentivando as guerras entre os diferentes povos indígenas como meio de
conseguir cada vez mais prisioneiros para trocá-los com os colonos. Mas o
resgate, embora não tivesse desaparecido, foi logo superado por outra forma
mais eficiente de obter mão de obra escrava: os ataques que os próprios colonos
passaram a fazer contra os indígenas hostis, considerados inimigos dos
portugueses; era a chamada guerra justa.
Entretanto,
uma série de inconvenientes cercava o trabalho dos nativos escravizados na
lavoura.
Para
começar, em 1570 a Coroa proibiu a escravização dos indígenas. Uma das razões
que levaram a essa decisão foi a oposição dos jesuítas à submissão forçada dos
ameríndios. Os jesuítas defendiam a catequização, argumentando que eles
precisavam ser conduzidos ao Senhor.
Na
verdade, porém, existiam brechas na legislação que permitiam aos colonos romper
a proibição da Coroa, como o resgate e a guerra justa Os indígenas também não
aceitavam trabalhar na lavoura, opondo forte resistência ao trabalho sistemático
imposto pelos colonos portugueses. Para eles, a disciplina que a atividade
exigia violava sua cultura. Tentando escapar da opressão, muitos nativos
migraram para outras regiões.
Os
que já haviam sido escravizados resistiam de várias formas: negando-se a
trabalhar no ritmo exigido pelos colonos, ou simplesmente fugindo das
plantações.
1. O
emprego de africanos escravizados
A
partir de 1550, os colonos – pressionados pela expansão da produção açucareira
– passaram a recorrer cada vez mais à mão de obra africana, oferecida nos
portos brasileiros pelos traficantes. Isso permitia uma certa regularidade no
abastecimento de trabalhadores escravizados, o que não ocorria com a mão de
obra indígena, cada vez mais difícil de conseguir. Ademais, os africanos, ao
serem deslocados para um lugar estranho, tinham mais dificuldade do que os
indígenas de resistir à escravização ou de fugir dos engenhos.
Além
disso, os africanos não contavam com a proteção dos jesuítas nem das leis
decretadas a partir de 1570 pela Coroa portuguesa, que proibiam a escravização
indígena. Ao contrário, a submissão dos povos da África era vista como uma
forma de purgar seus pecados e de convertê-los ao reino de Deus. Afinal, muitos
deles tinham entrado em contato com a religião muçulmana, e na América poderiam
ser catequizados. A substituição de um tipo de trabalhador por outro se fez aos
poucos. Somente depois de 1600 o número de africanos superou o número de
indígenas escravizados.
A Igreja e a
escravidão
Assim,
enquanto os indígenas eram defendidos pela Igreja, os africanos não tiveram a
mesma sorte. No caso da colonização espanhola, até mesmo um humanista como o
frei dominicano Bartolomé de Las Casas recomendava a introdução de
trabalhadores africanos como forma de preservar os indígenas. A mesma situação
acabou ocorrendo no Brasil.
Depois
da chegada dos africanos, porém, os indígenas continuaram a ser escravizados,
embora em menor escala, principalmente nas áreas mais pobres ou em atividades
menos lucrativas.
Os
colonos que não eram grandes proprietários de terras não podiam pagar o custo
da mão de obra africana, cujo preço chegava a ser cinco vezes maior que o do
indígena escravizado. Por isso, recorriam ao emprego permanente dos nativos, o
que gerava constantes conflitos com os jesuítas, contrários à escravização.
2. O
africano escravizado
Não
foi difícil para os portugueses fazer uso do trabalhador africano em larga
escala. Afinal, desde 1443 eles já traficavam seres humanos da África para as
ilhas do Atlântico e para a Europa.
Esses
trabalhadores escravizados eram originários de várias partes da África.
Pertenciam a diversas etnias, com formas de organização social e manifestações
culturais diferentes. Algumas dessas sociedades apresentavam “notável progresso
na agropecuária e no artesanato, principalmente no trabalho com metais,
especialidade em que, sob alguns aspectos, se achavam mais adiantados que os
europeus da época”, conforme assinala o historiador Jacob Gorender.
Sabe-se
que a escravização já existia na África antes da chegada dos europeus, embora
tivesse um significado diferente nas sociedades locais: só a guerra levava um
povo a escravizar outro.
A
exploração europeia provocou completa mudança nesse quadro. Alguns povos
africanos passaram a se especializar na captura de prisioneiros e se
fortaleceram recorrendo à guerra e à venda dos capturados aos traficantes.
Exemplo disso foi a fundação do Estado de Daomé, no século XVII, para
movimentar o comércio de escravos.
O tráfico de
africanos escravizados
Em
um primeiro momento, o comércio de africanos era feito por meio de escambo nas
feitorias construídas em certos pontos do litoral da África. No entanto, com o
início da colonização da América, no decorrer do século XVI, o tráfico
tornou-se mais complexo e passou a mobilizar líderes locais, que trocavam seus
prisioneiros de guerra por diversas mercadorias, como a aguardente e o fumo
produzidos na América. Uma vez comprados, os africanos escravizados eram
embarcados nos chamados navios negreiros ou tumbeiros e enviados
ao continente americano.
As
condições da viagem transoceânica justificavam o nome de tumbeiro (de “tumba”
ou “túmulo”) dado aos barcos. Comprimidos nos porões das embarcações, entre 100
e 400 africanos viajavam quase nus, sufocados pela falta de ar e torturados
pela fome e pela sede. A tortura era lenta e prolongada: saindo, por exemplo,
de Angola, o navio levava em média 35 dias para chegar a Pernambuco e 40 para
alcançar a Bahia. Muitos morriam durante a travessia do Atlântico (calcula-se
que cerca de 15% do total).
3. A
reação dos escravizados
Ao
serem escravizados, os africanos tinham todos os seus laços sociais anteriores
rompidos. Os escravizadores sabiam que a memória é uma poderosa arma de
resistência e tratavam de apagá-la.
De
que modo reagiram esses homens e mulheres ao peso da escravização? Alguns com
resignação, adaptando-se à cultura dos senhores e aceitando pacificamente a
discriminação racial. Outros, porém, se revoltavam, feriam ou matavam os
feitores e provocavam incêndios nos canaviais.
Outros
ainda entravam em depressão – conhecida como banzo – e se suicidavam. Mas
havia outra forma de reagir que levava a ações coletivas e reafirmava os
sentimentos de identidade étnica e cultural desses homens e mulheres. Por meio
da fuga, os escravizados reconquistavam a liberdade e reconstruíam formas
comunitárias semelhantes às da África, no interior das quais podiam preservar o
que restava de sua cultura. Essas comunidades chamavam-se quilombos, e
seus habitantes, quilombolas.
A
vida econômica dos quilombos organizava-se basicamente em torno de atividades
de subsistência e do trabalho artesanal. Em muitos casos, praticava-se também o
comércio com os povoados mais próximos.
PALMARES
O mais famoso e duradouro quilombo do
período colonial foi o de Palmares, localizado na Serra da Barriga, no
sul da capitania de Pernambuco. Admite-se que os primeiros fugitivos a se fixar
ali tenham chegado por volta de 1605. Aos poucos, o número de quilombolas foi
crescendo, principalmente durante as invasões holandesas a Pernambuco (1630-1654).
Calcula-se que, por volta de 1670, os
diversos aldeamentos que formavam Palmares abrigavam aproximadamente 20 mil
pessoas, o que fazia desse quilombo um dos maiores núcleos de povoamento da
colônia.
Enquanto existiu, e mesmo depois de sua
destruição, Palmares foi um estímulo à luta dos escravizados pela liberdade.
Por isso as autoridades da colônia lançaram contra ele diversas expedições
militares. Em 1678, diante do insucesso das investidas, o governo de Pernambuco
chegou a negociar uma trégua com o rei Ganga Zumba, principal líder dos
quilombolas.
Insatisfeitos com o acordo, muitos negros
se sublevaram, matando Ganga Zumba e colocando no poder seu sobrinho, um jovem
líder guerrilheiro chamado Zumbi. Com a mudança, reacenderam-se as hostilidades
entre Palmares e as autoridades portuguesas.
Em 1692, forças comandadas pelo bandeirante
paulista Domingos Jorge Velho lançaram-se contra o quilombo. Após muita resistência,
Palmares foi destruído e seu líder, Zumbi, morto em 20 de novembro de 1695.
Hoje, em homenagem a Zumbi, 20 de novembro
é considerado o Dia Nacional da Consciência Negra, data comemorada com denúncias,
resistência e celebração pelos movimentos negros.
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