Cuidado com a cartomante!
Em tempos bem recuados, tive um
amigo com quem me encontrava sempre que ia ao Rio. Dada nossa velha amizade, eu o
tratava apenas por Machado. Era um homem de uns sessenta anos, aproximadamente;
muito elegante, cultivava uma bela barba e usava óculos pince-nez equilibrados
sobre o nariz. Era também muito culto e, sobretudo, um grande contador de
histórias. Geralmente, encontrávamo-nos no final da tarde na Confeitaria
Colombo. Ali, ficávamos horas conversando sobre assuntos os mais diversos, mas
a melhor parte eram as histórias que ele contava.
Numa dessas ocasiões, contou-me
a história da cartomante, de que tivera conhecimento uns poucos dias antes, e que
o deixara profundamente chocado. Machado começou falando do Vilela e do Camilo,
dois velhos conhecidos. O primeiro era advogado e o outro, funcionário público.
Acontece que o Vilela casou-se com uma bela moça que conhecera no interior, a
Rita, e foi morar lá para as bandas do Botafogo. Eram bons amigos e Camilo os visitava
com frequência. Quando Camilo ficou doente, Rita passou a cuidar do amigo do
marido, dedicando-lhe bastante tempo e muitos cuidados. Estreitaram os laços de
amizade, e da amizade chegaram ao amor. O fato é que Rita tornou-se amante de
Camilo.
Tudo corria às mil maravilhas,
até o dia em que Camilo recebeu uma carta anônima, fazendo-lhe ameaças. Nos
dias seguintes, chegaram outras com igual conteúdo. Camilo ficou desesperado e
contou tudo para amante, que procurou tranquilizá-lo dizendo que o Vilela de
nada desconfiava. Por precaução, Camilo reduziu as visitas à casa do casal, inventando
desculpas, até que não apareceu mais.
E o tempo foi passando, mas eis
que em dada ocasião Camilo recebeu um bilhete do Vilela que dizia: - Vem já,
já, à nossa casa; preciso falar-lhe sem demora.
Nesse ponto da narrativa, Machado
fez uma pequena pausa. Ele falava com certa dificuldade por ser gago. Depois de
tomar fôlego, bebeu mais um gole de café, e prosseguiu.
Disse que Camilo ficou
transtornado, com medo de que Vilela pudesse ter descoberto tudo. Mas Camilo
não podia deixar de atender o pedido do amigo, sob pena de trair-se. Não tendo
outra alternativa, tomou uma carruagem e partiu. No caminho, leu e releu o
bilhete, e o medo voltou a assombrá-lo. Lembrou-se, então, de que conhecia uma
cartomante que morava justamente no caminho para a casa do Vilela. Quando
passava em frente da casa, mandou o cocheiro parar e esperar, e entrou na casa
da cartomante em busca de um aconselhamento. Ela o mandou entrar e o fez sentar-se
junto a uma mesinha; pegou na gaveta um velho baralho, colocou as cartas na
mesa e foi direto ao ponto: - O senhor tem um grande susto, e quer saber se lhe
acontecerá alguma coisa ou não...
Machado fez uma nova pausa, pigarreou,
terminou de beber seu café e continuou:
Como era de esperar, Camilo
ficou assombrado com brilhante intuição da cartomante. Experimentou uma grata
sensação de alívio quando ela lhe disse: - Não tenha medo. A moça lhe quer
muito e o marido não desconfia de nada.
Era tudo que queria ouvir. Pagou
generosamente à cartomante, retornou à carruagem e pediu para o cocheiro
apressar-se. Não havia mais motivo para preocupação. Camilo sentiu-se com a
alma leve, e até chegou a pensar em retomar as antigas visitas ao Vilela.
Em mais alguns instantes chegou
à casa do amigo. Bateu à porta e foi recebido pelo próprio Vilela, que o levou
para uma saleta no interior da casa. Ao entrar, Camilo não pôde evitar um grito
de terror: Rita jazia morta e ensanguentada sobre um sofá. Antes que Camilo
pudesse esboçar qualquer reação, Vilela pegou-o pela gola do paletó e deu-lhe
dois tiros de revólver.
Era visível que Machado ainda estava
emocionado com a tragédia que envolvera seus amigos. Levantou-se com alguma
dificuldade, apoiando-se na bengala, consultou o relógio: - Ainda tenho que trabalhar
um pouco, hoje à noite, disse ele. E se despediu. Eu continuei sentado mais
algum tempo, pensando na história que acabara de ouvir, refletindo nas
tragédias do amor, na finitude da vida e outras questões dessa natureza. A
noite já havia descido sobre a cidade. Levantei-me no momento em que pensava
nos perigos de confiar em cartomantes.
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