domingo, 20 de julho de 2014

A  CHEGADA  DOS  SERES  HUMANOS  À  AMÉRICA



Estudiosos acreditam que a América foi provavelmente o último dos continentes a ser ocupado pelo ser humano moderno (homo sapiens). A data em que isso teria ocorrido, entretanto, é motivo de controvérsia.
Podemos dizer, de maneira simplificada, que as discussões se concentram em duas questões: quando teriam chegado os primeiros povoadores e que caminhos teriam percorrido.
O debate é de extrema importância. Por muito tempo, todo o período anterior à chegada dos europeus à América foi considerado Pré-História. Essa concepção associava aos povos que aqui viviam a ideia de inferioridade e de ausência de civilização.
Para chegar a essas conclusões, historiadores europeus fizeram estudos desconsiderando a cultura dos povos que aqui viviam antes do século XVI. As novas investigações, privilegiando o estudo da história dos primeiros povoadores do continente e de seus descendentes, têm demonstrado que a história desses povos é bem mais rica, complexa e antiga do que os conquistadores europeus supunham.
Os novos estudos têm fornecido uma série de informações que questionam antigas teorias formuladas por europeus sobre a ocupação da América.

TEORIA CLÓVIS
Por muito tempo, a teoria mais aceita nos meios científicos foi a de que os primeiros povoadores teriam chegado à América há cerca de 11,5 mil anos. Vindos da Sibéria pelo extremo norte da Ásia, teriam atravessado o estreito de Bering e chegado ao Alasca. Naquela época, o planeta Terra estava sofrendo o efeito da última Glaciação, e o rebai­xamento dos oceanos facilitava o acesso entre os dois continentes.
(Devemos lembrar que, com o fim da glaciação e o aquecimento do clima, o nível dos mares voltou a subir, e o estreito de Bering voltou a ficar intransitável. Isso que impediu que novos grupos continuassem chegando ao continente. As populações que já haviam chegado foram condenadas a um total isolamento em relação ao que se passava nos outros continentes. Esse isolamento somente seria rompido a partir de 1492, com a chegada dos europeus.)
As imensas geleiras existentes na América do Norte impediram, durante longo tempo, que esses povos migrassem em direção ao sul. À medida, porém, que as massas geladas começaram a se desfazer, abriu-se um caminho por onde grupos humanos puderam passar e ir ocupando todo o continente.
Essa versão do povoamento é conhecida como teoria de Clóvis. Ela se originou das pesquisas realizadas no sítio arqueológico de Clóvis, no estado do Novo México, Estados Unidos, em 1937. Os vestígios deixados pelos grupos humanos que aí viveram, basicamente pontas de pedra lascada e ossadas dos animais que caçavam, constituíram a chamada cultura Clóvis.
As análises feitas pelo método do carbono-14 (C14) fixaram a data da cultura Clóvis entre 10 e 11 mil anos atrás. A partir daí determinou-se que o início da ocupação humana no continente deu-se em torno de 11,5 mil anos.
Descobertas recentes em outros sítios arqueológicos colocam em dúvida essa teoria. Alguns desses sítios são os de Meadowcroft, na Pensilvânia, Estados Unidos; o de Monte Verde, no Chile; e os de Lagoa Santa, em Minas Gerais, e Pedra Pintada, no Pará.
Com as novas pesquisas realizadas nesses locais, já se pode supor que os primeiros povoadores tenham chegado ao continente há pelo menos 50 mil anos.

VESTÍGIOS EM MONTE VERDE, CHILE
Entre os principais sítios arqueológicos a fornecer dados que permitem questionar a teoria de Clóvis está o de Monte Verde, no Chile.
Em 1976, presas de um mastodonte foram encontradas nesse sítio. A partir dessa descoberta, arqueólogos começaram o trabalho de pesquisa e encontraram pegadas de humanos, de 13 cm, gravadas na argila. Também foram localizados objetos feitos de pedra, artefatos de madeira, restos de plantas medicinais (que ainda hoje são cultivadas pelos nativos) e até uma estrutura de habitação, sustentada por toras e coberta por peles de ani­mais.
Inicialmente, as evidências foram datadas de 12,5 mil anos. Entretanto, em maio de 2008, a revista Nature divulgou um estudo feito por uma equipe de cientistas norte-americanos que concluiu ser Monte Verde o assentamento humano mais antigo do continente, com idade entre 14220 e 13980 anos.
As novas revelações sobre Monte Verde modificam consideravelmen­te as hipóteses sobre o povoamento das Américas. Afinal, o sítio de Clóvis ficava nos Estados Unidos e o de Monte Verde, no sul do continente. Sabe-se que os deslocamentos humanos em áreas despovoadas costumavam levar milhares de anos. Assim, para que seres humanos tenham chegado tão longe, numa época tão remota, seria preciso que tivessem atravessado o estreito de Bering muitos milênios antes. Dessa forma, já se começa a aceitar que a chegada do ser humano à América pode ter acontecido há 20 mil anos ou mais!

PEDRA PINTADA
A teoria de Clóvis encontra oposição também por parte de Anna Roosevelt, professora de antropologia da Universidade de Illinois, nos Estados Unidos. Ela coordenou, em 1996, uma equipe que pesquisou a caverna de Pedra Pintada, em Monte Alegre, Pará, na margem do rio Amazonas. Entre outros vestígios da presença humana foram encontradas pontas de lança e cacos de cerâmica datados de 6,8 a 10 mil anos.
Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo (15/6/1997), Anna Roosevelt declarou: “Levei o material coletado para 69 laboratórios de vários países. Os resultados foram parecidos e nos permitiram concluir que os paleoíndios (como são chamados os primeiros habitantes da América) viveram na região amazônica de 11,2 a 10 mil anos atrás”.
Para a pesquisadora, diversos sítios no Brasil constituem provas mais do que convincentes de que a ocupação humana na América se deu há mais de 20 mil anos.

SÍTIO DO BOQUEIRÃO DA PEDRA FURADA
O sítio do Boqueirão da Pedra Furada, localizado em São Raimundo Nonato, no Piauí, foi encontrado na década de 1960. Ele vem sendo estudado, desde o início dos anos 1970, por uma equipe de pesquisadores coordenada por Niède Guidon, arqueóloga franco-brasileira.
No local foram encontrados pedras lascadas e vestígios de fogueira. Segundo a equipe, esses vestígios podem ter 48 mil anos, o que faria de Pedra Furada o mais antigo sítio arqueológico do continente. Além disso, foram encontrados fósseis humanos que, estima-se, têm por volta de 11 mil anos.
Pesquisadores trabalhando no sítio do
Boqueirão da Pedra Furada.

Existem muitas dúvidas, entretanto, em relação aos vestígios de Pedra Furada. A ausência de fósseis humanos da mesma época ( ou seja, 48 mil anos) leva alguns críticos a alegar que as pedras lascadas e as fogueiras podem ter origens naturais (raios, por exemplo).
Caso se comprovem as estimativas sobre a antiguidade da presença humana nesse local, feitas pela equipe de Niède Guidon, vai ser preciso admitir que seres humanos habitavam o nordeste brasileiro há mais de 50 mil anos. Mas essa comprovação é muito improvável.


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