quarta-feira, 30 de julho de 2014



TEODORO GARCIA


Um filho da Andaluzia no Brasil


Essa é uma foto do meu pai, Teodoro, quando ele tinha aproximadamente 25 anos. Ele fazia aniversário em maio e, estivesse vivo, em 2014,  ele estaria completando 115 anos . Em sua homenagem, hoje, resolvi compartilhar, neste blog, algumas lembranças que dele guardo.


Infelizmente, não são muitas. Lembro que era uma pessoa simples, de poucos hábitos, e que gostava de pitar seu cigarro de palha, que eu muitas vezes preparei para ele. Era um homem honesto e apegado à casa e à família. De seu casamento com minha mãe nasceram onze filhos.

Não tinha medo do desconhecido. Tanto que saíra da Espanha, sozinho, quando tinha apenas de 20 anos para vir para o Brasil. Do porto de Santos, foi diretamente para o interior do estado de São Paulo, e ali passou a maior parte de sua vida, ocupando-se dos mais diversos afazeres. Entre outros, foi cortador de lenha para ferrovias, cultivou a terra, plantou roça e trabalhou em engenho de açúcar. Era o que se pode chamar de um “homem trabalhador”. Para ele, todos os dias eram dias de trabalho. Não tinha exceção.

Por volta dos 50 anos de idade, mudou-se com a família para o estado do Paraná e se estabeleceu como pequeno comerciante. Na casa que ele mesmo ajudou a construir, edificou, na frente, um pequeno salão e ali montou um empório, onde se vendia de tudo, de fumo de corda a sabonete. Com esse pequeno armazém, ele alimentou a numerosa família, mesmo que nessa época alguns dos filhos já tivessem saído de casa para cuidar da própria vida.

O curioso é que se dedicasse ao comércio mesmo não sabendo ler nem escrever. Apesar dessa limitação, ele identificava as mercadorias, fazia contas e era suficientemente esperto para não se deixar enganar. Nunca foi capaz de ler um livro, mas reconhecia a importância do saber e fez questão que os filhos frequentassem a escola.

O pai não tinha religião, não frequentava nenhuma igreja e não revelava nenhum interesse por esse assunto. O máximo que se podia ouvir dele era a máxima “Yo no creo en brujas, pero que las hay las hay”. Mas não era ateu, não. Na verdade, ele tinha lá sua própria maneira de se relacionar com o sagrado. Me lembro de haver entrado no armazém uma ou outra noite, já quase na hora de dormir, e vê-lo com os cotovelos apoiados no balcão e o rosto enfiado nas mãos, mantendo um monólogo de cunho religioso. Nessas ocasiões, dava para perceber, na sua fala (misturando espanhol e português como era o seu costume), que fazia agradecimentos a Deus pelas graças recebidas.

Portanto, para ele, a morada de Deus estava em todas as partes, mesmo ali, cercado de mercadorias, iluminado pela luz bruxuleante de uma lamparina a querosene (a luz elétrica só chegou mais tarde). Não necessitava de templos nem de uma religião organizada. Nem de intermediários: a relação que ele mantinha com o divino era uma coisa pessoal. Creio que ele podia fazer isso porque era uma pessoa de coração puro, absolutamente em paz com sua consciência. Acho que essa maneira de encarar a religião foi uma influência importante que dele recebi.

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