QIN SHI HUANGDI
Um inimigo da história
A História registra muitos
casos de destruição de livros
por motivos políticos e/ou religiosos. Um muito
conhecido, e talvez o primeiro caso conhecido, foi ordenado
pelo primeiro
imperador da China, no século II a.C.
No tempo em
que Aníbal percorria a Itália (ou melhor, a partir de 221 a.C.), reinava na
China um imperador que, hostil à História, ordenou em 213 a.C. que fossem
queimados todos os livros de História, todos os documentos e testemunhos dos
tempos antigos, assim como todos os escritos de Confúcio e de Laozi. Enfim,
ordenou que se queimasse tudo o que, na opinião dele, era inútil. Os únicos
livros tolerados eram os que tratavam de agricultura ou de considerações
práticas. Ai daquele que era encontrado com alguma obra proibida! Era morto
imediatamente.
Esse
imperador, que se chamava Qin Shi Huangdi, foi um dos maiores heróis de guerra
que já existiram. Não era filho de imperador, mas filho de príncipe. Reinava,
portanto, sobre um reino que se chamava Qin, como sua
família. Provavelmente é de seu nome que vem o da China atual.
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Pintura do Primeiro Imperador Chinês, Qin-Shi Huangdi (259-210
aC.),
mostrando a queima de llivros.
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Não é por
acaso que o nome desse príncipe foi dado a toda a China. De conquista em
conquista, expulsando os príncipes de seus reinos, Huangdi tornou-se senhor de
todo o país e conseguiu unificá-lo, apesar de sua imensa extensão. Certamente,
você irá perguntar por que ele era tão hostil à História. Acontece que, para
unificar o país, era preciso, na opinião dele, deixar de lado antigos
particularismos, apagando qualquer lembrança
deles.
Ele queria
que o nascimento da China fosse sua obra pessoal. Para conseguir a unificação
daquele imenso país, ele mandou construir estradas através de todo o território
e empreendeu uma construção gigantesca: a Grande Muralha da China. Até hoje
podemos vê-la, imponente, com suas torres e suas ameias, escalando montanhas
escarpadas e colinas, por uma extensão de mais de dois mil quilômetros. Huangdi
mandou construí-la ao longo da fronteira de seu imenso império para proteger o
país e sua população laboriosa e tranquila das tribos das estepes, de seus
cavaleiros belicosos que passavam a vida percorrendo as vastas planícies da
Ásia central. Ele queria que aquela gigantesca muralha acabasse com as invasões
constantes daquelas hordas de cavaleiros que chegavam para pilhar e matar.
Portanto, era preciso que a Grande Muralha pudesse resistir a seus ataques.
Isso explica que ela tenha sobrevivido aos séculos, embora tenha sido
necessária restaurá-la várias vezes.
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A Grande Muralha sendo construída. |
Huangdi não
reinou sobre toda a China por muito tempo. Pouco depois de sua morte, uma outra
família subiu ao trono dos Filhos do Céu, a família Han. Esses conservaram os
princípios administrativos estabelecidos por Huangdi. Sob seu reinado a China
continuou sendo um Estado unificado. Mas, ao contrário da dinastia anterior, os
Han não eram inimigos da História. Lembraram-se daquilo que a China devia aos
ensinamentos de Confúcio. Mandaram procurar seus escritos por toda parte e
revelou-se que muita gente tinha tido a coragem de não queimá-los. De repente,
todos passaram a se empenhar em reencontrá-los e redobraram seu interesse por
eles.
É importante
notar que a China é o único país do mundo que, ao longo dos séculos, não foi
governado por nobres, militares ou sacerdotes, mas por letrados. Hoje diríamos:
por intelectuais. Para ser funcionário, pouco importava ser de origem modesta
ou nobre. O essencial era passar nos exames. A mais alta função era confiada ao
que se saía melhor entre os que tinham respondido às provas mais difíceis. É
preciso dizer que, de fato, esses exames não eram fáceis. Os candidatos tinham
que saber escrever muitos milhares de sinais. Ora, você lembra que a escrita
chinesa não é simples. Eles também precisavam saber de cor uma grande
quantidade de livros antigos e recitar sem errar os pensamentos e os preceitos
de Confúcio e de outros sábios.
Então, não
adiantou nada Huangdi mandar queimar os livros. Pode ser que algum aluno
ficasse satisfeito se ele tivesse conseguido. Mas ele precisa saber que é
inútil querer, de um modo ou de outro, proibir o acesso à História, pois não é
possível fazer nada de novo se não se conhece o que foi feito antes.
Adaptado de:
Gombrich, Ernest H. Breve
história do mundo. São Paulo:
Martins
Fontes, 2001. p.103-5.
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