ENTRE NAPOLEÃO E A GRÃ-BRETANHA
Família real portuguesa prefere fugir para o Brasil
Compreender
a trama de interesses contraditórios em jogo na Europa
no momento em que dom
João VI resolve transferir a Corte portuguesa
para o Brasil é fundamental para
não simplificarmos esta ação. Não se tratava de um “rei fujão”, mas de um amplo
projeto de preservação
de
um sistema imperial fragilizado.
O período
1807-1808 marca efetivamente um ponto de confluência. Ao príncipe regente dom
João migrar para a América, em razão da invasão francesa, significa preservar a
dinastia à espera de melhores dias; à Grã--Bretanha interessava não só proteger
o aliado valioso na pugna com Napoleão, mas também aproveitar a oportunidade de
penetrar mais abertamente nos mercados brasileiros, pois, ocupada a metrópole,
tornava-se imperioso suspender o exclusivo do comércio da colônia.
Mais ainda,
na decisão da transferência da Corte, aparentemente desconcertante, pesavam
imperativos mais profundos de situação. É que, dada a posição que Portugal fora
assumindo a partir do século XVII (a partir da Restauração de 1640, quando se
liberta da União Ibérica), sua existência dependia mais e mais da colônia: era
com esta que jogava, ou melhor, com as vantagens da exploração colonial, no
sistema de alianças das relações internacionais.
Cada vez mais,
aproximar-se da França, contra a Grã-Bretanha, significava pôr em risco a
colônia, devido à supremacia naval britânica; por sua vez, aliar-se à
Grã-Bretanha punha em risco a metrópole, devido à supremacia continental
francesa (a França alia-se à Espanha depois de 1715). A diplomacia portuguesa
procura continuamente a neutralidade, hesita, para finalmente aliar-se à
Grã-Bretanha, potência ascendente; e, em 1807, essa opção chega ao limite, com
a migração da Corte e “inversão colonial”.
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Dia
29 de novembro de 1807, a Família Real
embarca apressadamente para o Brasil, pois as
tropas francesas já se aproximavam de Lisboa.
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Do ponto de vista
da classe dominante dos colonos — os proprietários de terras e escravos — nessa
conjuntura, essa opção vinha ao encontro de seus interesses e, pouco a pouco,
dessa convergência vai-se delineando um projeto de “império” com sede na América.
A política de dom João VI no Brasil pôs em andamento esse projeto: mal chegado,
ainda na Bahia, edita o famoso alvará de abertura dos portos às nações amigas
(janeiro de 1808).
[...] Ao longo de toda uma década, ou
seja, até a eclosão da revolução liberal portuguesa em 1820, implementa-se essa
linha política, em que se casam os interesses do senhoriato brasileiro com a
perspectiva do Estado metropolitano, agora assimilado e instalado na colônia. À
abertura dos portos, segue-se o levantamento das proibições às manufaturas;
mais do que isso, passa-se a uma política de incentivo direto às indústrias, e
uma série de medidas de política econômica se decreta nesse sentido.
Ao mesmo tempo, a Corte se instalava,
centralizando um complexo aparelho de Estado, numa espécie de “naturalização”
do governo português no Brasil. Ao lado dos vários departamentos de
administração, organizam-se as forças armadas, criam-se as primeiras escolas
superiores. A política externa se orienta na mesma linha, com a expedição à
Guiana Francesa e reivindicações no Prata. Assim, em 1815, eleva--se a antiga
colônia à condição de Reino Unido.
Mota, Carlos Guilherme; Novais,
Fernando A.
A independência
política do Brasil. 2. ed.
São Paulo: Hucitec,
1996. p. 32-4.
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