A UNIVERSIDADE
Uma invenção medieval
Algumas
grandes instituições medievais estão ainda conosco:
a
monarquia constitucional, os parlamentos, o tribunal do júri, a
Igreja
Católica Romana e, sobretudo, a universidade.
A universidade foi uma criação totalmente original
da Idade Média. Formou-se a partir do desenvolvimento interno das antigas
escolas monásticas e catedralícias ou dos Estudos Gerais, “escolas comuns” onde
todos se podiam instruir e que conferiam graus acadêmicos reconhecidos
internacionalmente. Contou ainda com a valiosa contribuição do aumento do saber
em virtude das traduções de obras gregas e árabes, dos novos métodos didáticos
e da proteção ao ensino dispensada por papas e príncipes, fatores que geraram
um impulso que tornava necessária a criação de instituições capazes de
ministrar um ensino mais apropriado.
O termo universidade
significava, inicialmente, apenas uma associação ou corporação de ofícios.
Quando apareceu escrito pela primeira vez designava uma corporação ou guilda de
professores e alunos que se consagravam, de modo organizado, ao estudo das
artes liberais (trivium e quadrivium), do direito, da medicina
e da teologia.
Aula numa universidade medieval |
Dessa maneira, expressando o caráter gremial a que
tendia a sociedade da época, os mestres e estudantes de diferentes procedências,
virtualmente indefesos no novo meio, reuniram-se em busca de proteção,
segurança e privilégios. Foi só posteriormente que o termo “universidade”
passou também a significar uma associação de escolas ou faculdades como hoje o
compreendemos, pois nos seus primórdios elas não eram locais de saber
universal, mas institutos especializados em determinadas áreas do conhecimento
[...].
Nas
universidades encontramos os fundamentos da cultura científica de nosso mundo
moderno; nelas cresceu o hábito do pensamento disciplinado, seguido pela
investigação sistemática, que tornou possível o surgimento das ciências
naturais e a civilização técnica necessária para as sociedades industriais. A
vida do intelecto concentrava--se então em lugares determinados.
[...] a universidade possuía simultaneamente uma
influência limitadora e libertadora. Como aspecto limitador, ela era baluarte
da fé e da Igreja, o instrumento dos papas, reis, bispos e das ordens
religiosas, que dela obtinham um novo estamento clerical formado por
especialistas e oficiais academicamente treinados. Instruídos no cânone
[direito religioso] e nas leis civis, tais homens tornaram-se auxiliares
valiosos para o ascendente poder da Igreja e das monarquias.
A primeira Universidade do mundo Ocidental foi a
de Bolonha (1158), na Itália |
Mas as universidades eram também oásis de liberdade
onde todas as questões cuja discussão estava proibida em outras partes eram
debatidas com o que críticos hostis consideravam “descarado atrevimento”. Seria
difícil pensar qualquer problema espinhoso relativo a Deus, o mundo, a Igreja,
o cristianismo, o dogma que não tenha sido discutido em tais bases nas
universidades dos séculos XIII e XIV. Paris foi o campo de batalha de todos os
mais importantes conflitos intelectuais da época; foi também, ao lado de
Oxford, onde os pensadores da assim chamada Baixa Idade Média começavam a
estabelecer alguns dos mais significativos fundamentos do pensamento científico
moderno. [...]
Leitura de uma lição na Universidade de Paris. |
Rapidamente as faculdades “filosóficas” (de artes)
começaram a dominar a cena universitária: por volta de 1362 havia 441 mestres
na Faculdade de Artes de Paris contra apenas 25 em teologia, 25 em medicina e
11 em lei canônica. Esse predomínio pode ser em parte explicado pelo fato de as
faculdades de artes representarem um preliminar obrigatório para aqueles que
pretendiam seguir as demais carreiras. O currículo era baseado nas sete artes
liberais (trivium e quadrivium). No século
XIII o interesse concentrava-se nos objetos do trivium,
isto é, na filosofia e suas disciplinas auxiliares; no século XIV, porém, mudou
para os objetos mais “científicos” do quadrivium,
principalmente em virtude das sanções
eclesiásticas ao “livre-pensar” filosófico dos “artistas”.
Como palco dos
debates científicos, políticos e religiosos, as universidades tiveram um papel
relevante na difusão do gosto pelos estudos superiores, reunindo milhares de
estudantes e beneficiando também as escolas médias e elementares que puderam
contar com mestres mais capacitados.
A organização universitária, com as frequentes
assembleias, o exercício do voto, as constantes
discussões e o caráter crítico do ensino, estimulavam os indivíduos a formar e
sustentar opiniões próprias e a mostrarem-se hostis à obediência pacífica. Foi
por isso o terreno mais fértil para que as transformações intelectuais se
concretizassem, o que pode ser percebido até mesmo no processo utilizado pelos
mestres para elaborar suas reflexões.
Inácio,
Inês C.; Luca, Tânia Regina de. O
pensamento medieval. 3. ed. São Paulo: Ática, 1994. p. 54-7.
Muito interessante!! O saber sempre foi usado pela Igreja como poder para ascensão, preparando os filhos da casa, que trarão outros filhos fieis. Não é a toa que a primeira universidade surgiu na Itália onde ainda impera a igreja católica.
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