O SÉCULO DA MINERAÇÃO NO BRASIL
Minas Gerais, a síntese da colônia
Durante
o século XVIII, a produção de ouro no Brasil alcançou quase
mil
toneladas, um volume maior do que aquele que a Espanha tinha
retirado
de suas colônias nos dois séculos anteriores. A maior parte dessa produção saiu
das Minas Gerais, e seus benefícios se distribuíram
de
maneira muito desigual, fazendo com que a riqueza de alguns
convivesse
com a pobreza de muitos.
Os
viajantes que, como John Mawe, estiveram na capitania na fase da estagnação
presenciaram a enorme pobreza em que viviam os habitantes, sendo muito poucas
as possibilidades de trabalho para a gente livre destituída de recursos.
Entretanto, é menos chocante a constatação da pobreza num período de decadência
do que a sua existência num momento em que o ouro era abundante. Quando a
capitania das Minas Gerais conhecia o seu apogeu, milhares de homens viviam na
miséria, passavam fome, vagavam sem destino pelos arraiais, tristes frutos
deteriorados de um sistema econômico doente e de uma estrutura de poder
violenta.
Da
riqueza extraída das Minas, quase tudo ia para a Metrópole, onde se consumia em
gastos suntuários, em construções monumentais, como o convento de Mafra, no
pagamento das importações de que Portugal necessitava. Poucos foram os privilegiados
que enriqueceram na capitania do ouro, e insignificantes os efeitos produtivos
gerados pela mineração, de um lado e do outro do Atlântico. Por isso, muitos
economistas da época não se cansavam de apontar o caráter ilusório da riqueza
gerada pela extração do ouro, aconselhando como a medida mais certa a volta às
atividades agrícolas.
Parte do ouro encontrado foi usado para a construção de suntuosas igrejas barrocas. |
Tendo
as Minas como um quinhão do qual deveria extrair o máximo possível, Portugal
nunca se conformou com o decréscimo da produção aurífera, atribuindo a queda da
arrecadação com o quinto ao extravio e ao contrabando, e, uma ou outra vez, a
técnicas inadequadas de exploração dos aluviões e das lavras. Não se colocava
em questão a pobreza crescente dos habitantes das Minas, nem tampouco a
situação periférica de Portugal no continente europeu, que tornava essa nação
econômica e politicamente dependente dos centros dinâmicos, como a Holanda, a
Inglaterra e a França.
Santo do pau oco. Imagens como essa era usadas para contrabandear ouro e pedras preciosas. |
Para os colonos mineiros, sempre esteve difusa a
percepção da pobreza e da dependência ante a Metrópole; com a situação de penúria
extrema que caracterizou os últimos anos do século XVIII, essa percepção
adquiriu a forma de uma verdadeira tomada de consciência, que os inconfidentes
exprimiram de modo acabado.
Foi
também nas Minas que a articulação do poder metropolitano assumiu maior
complexidade. Cumpria arrecadar ouro, fiscalizar os quintos e o extravio,
sufocar rebeliões de negros, mestiços e brancos, enforcar escravos, aparar as
asas de potentados que tentassem voo mais atrevido. Ao mesmo tempo, o arbítrio
deveria ser bem temperado, recorrendo-se à moderação sempre que estivesse em
risco a integridade do território mineiro e sua sujeição ao poder
metropolitano. Nas Minas [...] mais do que em outros pontos da Colônia, a
Metrópole deveria procurar suprir as deficiências que a distância impunha ao
funcionamento da máquina administrativa, tornando-a mais presente e atuante;
mas muitas vezes não se conseguia contornar o desleixo e a pouca capacidade da
burocracia colonial, todo o sistema sendo, então, entregue à maior desordem.
Foi assim que, naquela capitania, o poder esteve presente e distante,
constituindo como que uma síntese privilegiada das diversas formas assumidas
pela articulação entre Portugal e Brasil durante o período colonial.
A
extrema fluidez da formação social nas Minas também constituiu amostragem do
que acontecia em outros pontos da Colônia. A sociedade mineira se apresentou
bem definida nos extremos, na camada dos senhores e na dos escravos; entre uma
e outra, a camada intermediária se caracterizou pela instabilidade de seus
elementos, pelo contato estreito que muitas vezes estes estabeleceram com a
camada servil. Mas foi do seio dessa camada que surgiu um grupo definido,
composto por artesãos, pequenos negociantes, mineiros de pequeno porte: enfim,
o embrião de uma burguesia urbana.
A efervescência que conheceram nas Minas as artes e as
letras também teve feição peculiar. Pela primeira vez na Colônia buscava-se
solução própria para a expressão artística. Na arquitetura, o barroco se
desenvolveu sem a grandiloquência que o caracterizou na Europa: nas Minas, o
gênero foi mais recatado, despojado, quase pobre, a não ser por alguns
interiores suntuosos. [...] Os músicos, ativos desde os primeiros decênios do
século XVIII, criaram nas serranias mineiras uma escola musical cuja
importância e alcance foram além dos limites da Colônia, constituindo a
manifestação mais rica e original que as Américas conheceram no campo da música
durante o século XVIII.
Prisioneiros envolvidos na Inconfidência Mineira são levados de Ouro Preto para o Rio de Janeiro, onde seriam julgados. |
Por
fim, as poesias dos árcades representaram ruptura com os padrões europeus e
retrataram admiravelmente a realidade das Minas, a sua paisagem áspera, a pedra
presente em toda parte. Em vários níveis, surge a percepção do “viver em
colônias”, a apreensão da natureza mineira, tão diferente da metropolitana.
Por
tudo isso, não é de estranhar que as Minas presenciassem a primeira
manifestação de independência ante a Metrópole.
Vergueiro, Laura. Opulência e miséria nas Minas
Gerais. 2. ed.
São
Paulo: Brasiliense, 1983. p. 73-9.
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