REGÊNCIA (1831-1840)
Quando se tornou herdeiro do trono
brasileiro, dom Pedro de Alcântara tinha
apenas 5 anos de idade. Conforme determinava a Constituição de 1824, para
governar o país, no dia 7 de abril de 1831, foi organizada uma Regência Trina
Provisória, constituída pelos senadores Nicolau Vergueiro e José Joaquim
Carneiro de Campos e pelo brigadeiro Francisco de Lima e Silva. Como a
Assembleia Geral estava em recesso, a medida teria efeito só até o reinício das
atividades parlamentares.
Confronto durante a Guerra dos Farrapos,,por José Wasth Rodrigues (1891-1957) |
Findo
o recesso, a Assembleia elegeu uma Regência Trina Permanente em 17 de junho de
1831.
Para
integrá-la, foram escolhidos José da Costa Carvalho, João Bráulio Muniz e,
novamente, o brigadeiro Francisco de Lima e Silva. Em primeiro lugar, ela
precisava restabelecer a ordem pública, desarticulada em várias partes do país,
sobretudo no Rio de Janeiro, onde a agitação popular ganhava força com o apoio de
militares.
Em
julho, soldados e oficiais sublevados da capital do Império uniram-se à
população no Campo de Santana e exigiram a exoneração dos funcionários
portugueses e a convocação de uma Assembleia Constituinte para ampliar as
liberdades democráticas.
O
ministro da Justiça, padre Diogo Antônio Feijó, respondeu à onda de
manifestações com repressão. Muitas pessoas foram presas nas províncias e no
Rio de Janeiro e diversos líderes exaltados tiveram de sair do país. Essas
medidas, porém, não foram sufi cientes para conter a agitação.
Um
dos focos de descontentamento era justamente o Exército, constituído por
pessoas das camadas médias e baixas da população.
Para
diminuir a extensão dos motins de origem militar, em agosto de 1831 o governo
ordenou a redução do efetivo de 30 mil para 10 mil soldados. No mesmo mês, criou
a Guarda Nacional, uma milícia formada por grandes proprietários de terras e
seus homens de confiança em todo o país.
Teoricamente,
a Guarda Nacional era uma força armada auxiliar do Exército, que deveria ser mobilizada
em caso de agressão externa ou de ameaça à ordem interna. Na prática, porém,
acabaria se tornando uma milícia a serviço das elites. Seus comandantes eram
sempre chefes políticos locais, fazendeiros ou grandes comerciantes, que
recebiam o título de coronel. Dela derivou o fenômeno do coronelismo, que
persistiria no Brasil mesmo depois de sua extinção, em 1922.
Outra
medida importante desse período foi a instituição do Código de Processo
Criminal de 1832, que, entre outras inovações, concedeu maior poder aos juízes
de paz – autoridades judiciárias eleitas nos municípios –, criou o júri e
estabeleceu o habeas corpus.
Em
agosto de 1834, depois de intensos debates, a Assembleia Geral aprovou uma
reforma na Constituição do Império. Conhecida como Ato Adicional, a medida
promovia relativa descentralização do poder, criando as Assembleias
Legislativas nas províncias, com mais poderes que os antigos Conselhos
Provinciais.
Além
disso, abolia o Conselho de Estado, órgão criado para assessorar o imperador no
exercício do Poder Moderador. O Conselho de Estado era, com o Senado, reduto
dos restauradores, por isso sua extinção representava uma vitória dos liberais
exaltados.
Outra
iniciativa da Assembleia Geral foi acabar com a Regência Trina, substituída por
uma Regência Una, que deveria ser eleita pelo voto direto dos cidadãos qualificados
para participar das eleições. Esse aspecto inovador – eleições diretas para
Regente – foi recebido com satisfação por farroupilhas e outros liberais, que
vislumbraram aí o que chamaram de “experiência republicana”.
O primeiro regente a ser eleito foi o padre Feijó, que
governaria de 1835 a 1837.
1. Forças
políticas
Logo
depois da abdicação de dom Pedro I, as forças políticas dividiram-se em três
grupos.
O
mais forte era o dos liberais moderados, que assumiram o poder com a Regência.
O programa desse grupo representava os interesses e as expectativas da
aristocracia rural, sobretudo das províncias do Rio de Janeiro, Minas Gerais e
São Paulo. Os liberais moderados tinham como principal objetivo pacificar o
país e consolidar o processo de independência.
Entre
seus líderes, destacavam-se o mineiro Bernardo Pereira de Vasconcelos, o
jornalista carioca Evaristo da Veiga e o padre paulista Feijó, ministro da
Justiça. Os moderados recebiam dos adversários o apelido de chimangos.
Um
segundo grupo era formado pelos liberais exaltados, apelidados de farroupilhas
ou jurujubas. Inimigos dos portugueses, esses políticos defendiam o
federalismo, ou seja, a concessão de maior autonomia às províncias. Os mais
radicais, como Cipriano Barata e Borges da Fonseca, lutavam pela instauração da
República.
Uma
terceira corrente era composta de restauradores, conhecidos como caramurus.
De tendência absolutista, esse grupo, integrado por ex-aliados de dom Pedro I,
iria lutar pela volta do imperador ao trono. Entretanto, com a morte de dom
Pedro, em 1834, sua luta perderia o sentido e o grupo seria extinto.
2. Rebeliões
provinciais
Apesar
das concessões liberais do Ato Adicional de 1834, os problemas sociais,
políticos e econômicos, herdados do período colonial, persistiam. Grande parte
deles era resultado da escravidão, do abandono em que viviam as populações do interior,
das profundas desigualdades entre ricos e pobres, da má distribuição da terra e
do crescimento da população urbana.
Alimentando
as tensões, a crise econômico-financeira – arrecadação insuficiente, exportações
em baixa e elevado custo de vida – deteriorava ainda mais as condições de vida
das classes populares, aumentando o descontentamento geral. A partir de 1835, a
insatisfação generalizada explodiu em numerosas revoltas e rebeliões provinciais,
uma das quais chegou a se transformar em guerra civil de longa duração: a
Guerra dos Farrapos (ou Revolução Farroupilha), no Rio Grande do Sul, que se
prolongou de 1835 a 1845.
Algumas
dessas revoltas surgidas no período regencial só teriam fim após a posse de dom
Pedro de Alcântara como imperador, em 1840.
1) A Cabanagem
(1835-1840)
Com
uma população de cerca de 100 mil habitantes, o Pará era um foco de tensões
desde o período da independência. Em 1834, o governador Bernardo Lobo de Sousa
tentou esmagar a oposição prendendo alguns de seus líderes. A resposta dos
oposicionistas foi dada entre 6 e 7 de janeiro de 1835, quando um grupo de
rebeldes ocupou Belém, depois de uma noite de tiroteios.
O
governador foi executado e o poder passou para as mãos dos cabanos, assim
chamados porque a maioria dos revoltosos era composta por trabalhadores rurais
que moravam em cabanas, à margem dos rios.
O
chefe do governo cabano, Félix Antônio Malcher, representava os proprietários
rurais e queria manter o Pará como província do Império. Outros líderes, como
Eduardo Angelim e Antônio Vinagre, porém, mais ligados às camadas populares,
pregavam a ruptura de todos os laços com o poder central.
Esses
líderes depuseram Malcher e, depois de algumas lutas contra forças da Regência,
foram obrigados a abandonar Belém em julho de 1835. No mês seguinte, à frente
de 3 mil cabanos, eles retomaram a capital e proclamaram a República,
desligando-se do Império.
Nove
meses depois, em maio de 1836, a Regência conseguiu esmagar a rebelião. Alguns
grupos de revoltosos esconderam-se no interior da província e conseguiram
resistir até 1840, quando foram definitivamente derrotados. Durante todo o
conflito, morreram cerca de 40 mil pessoas.
2) A Balaiada
(1838-1841)
No
Maranhão, as disputas entre grupos políticos liberais (os bem-te-vis) e
conservadores eram intensas.
Alimentadas
por líderes partidários, grandes fazendeiros e comerciantes, elas acabaram
envolvendo ampla parcela da população, calculada na época em cerca de 200 mil
habitantes, dos quais aproximadamente 90 mil eram escravizados.
A
revolta começou quando o vaqueiro Raimundo Gomes, que trabalhava para um
fazendeiro liberal, teve um irmão presso. Agindo por conta própria, o vaqueiro atacou a cadeia da vila, libertou o irmão e outros prisioneiros e fugiu
para o sertão, onde recebeu apoio e guarida da população pobre.
Estimulados
pelo exemplo, grupos de sertanejos passaram a atacar fazendas. Em meio a essas
ações, foram surgindo líderes rebeldes, como o artesão Manuel Francisco dos
Anjos Ferreira, que vivia de fazer e vender
cestos e cujo apelido era Balaio – termo que acabou inspirando o nome dos
revoltosos (balaios) e do movimento (Balaiada).
A participação dos trabalhadores escraviza
A rebelião sertaneja estimulou os trabalhadores escravizados a fugir em massa das fazendas. Com isso, surgiram diversos quilombos na região, um dos quais formado por 3 mil desses trabalhadores e chefiado por Cosme Bento das Chagas. Em alguns momentos, o movimento ultrapassou as fronteiras do Maranhão, chegando o Piauí. Em maio de 1839, os balaios tomaram Caxias, segunda cidade mais importante do Maranhão, onde instalaram um governo provisório, que exigiu a extinção da Guarda Nacional e jurou fidelidade ao Império.
A falta de objetivos claros e as divergências entre as lideranças enfraqueceram os revoltosos, que não resistiram às tropas do Exército enviadas do Rio de Janeiro. Em janeiro de 1841, toda a região estava pacificada. O último líder a cair foi o negro Cosme, condenado à morte e enforcado em 1842. No comando das tropas imperiais, estava o coronel Luís Alves de Lima e Silva, futuro duque de Caxias.
Com a Balaiada, as camadas populares do Maranhão deixaram clara sua vontade de acabar com as condições de submissão e desigualdade social em que viviam.
3) Malês e sabinos na
Bahia
Em
1835, a capital da Bahia, Salvador, foi sacudida por uma rebelião de 1 500
negros, que tentaram tomar um quartel e semearam o pânico entre os senhores de
terras, exigindo o fim da escravidão. Conhecido como revolta dos Malês,
o movimento acabou sufocado sob violenta repressão. Dois anos depois, no
entanto, a cidade seria sacudida por nova rebelião.
Em
Salvador, os liberais exaltados que divulgavam suas ideias no jornal Novo
Diário da Bahia, de Francisco Sabino Álvares da Rocha Vieira, contavam com
forte apoio de oficiais e soldados do Exército. Estimulados pela cabanagem do
Pará e pela revolução Farroupilha, que já havia começado no Rio Grande
do Sul, eles atacavam o despotismo do poder central e pregavam abertamente a
separação da província. Em novembro de 1837, tropas do forte de São Pedro e de
outras unidades sublevaram-se, pondo as autoridades em fuga.
Sob
a liderança de Sabino, de cujo nome derivaria o nome do movimento, Sabinada,
os rebeldes formaram um governo autônomo, que anunciou a separação da Bahia até
que o príncipe dom Pedro chegasse à maioridade e exigiu a convocação de uma
Assembleia Constituinte. Em março de 1838, contudo, tropas legalistas invadiram
a capital rebelde. Após dois dias de intensos combates, Sabino e seus homens se
renderam.
4) A Guerra dos
Farrapos (1835-1845)
Ocorrida
no extremo sul do país, a Guerra dos Farrapos, também chamada de revolução
Farroupilha, foi uma das mais importantes revoltas do período pelo fato de
os rebeldes terem constituído e conservado por dez anos um Estado republicano.
As condições para que isso acontecesse eram favoráveis: nessa região, o
espírito republicano já estava consolidado entre amplos setores das elites e da
população devido à proximidade das repúblicas do Prata (Uruguai, Paraguai e
Argentina).
Ao
mesmo tempo, o preparo militar dos gaúchos, habituados às lutas nas fronteiras
desde o período colonial, garantiu a sustentação do conflito durante anos.
Antes
da guerra, os fazendeiros do Rio Grande do Sul (ou estancieiros)
dedicavam-se, entre outras atividades, à criação de gado e à produção de
charque, carne-seca conservada com sal. Esse produto era consumido em todo o
país, principalmente pelos trabalhadores escravizados. Entretanto, em várias províncias,
os senhores de terras e de trabalhadores escravizados preferiam comprar charque
proveniente da Argentina e do Uruguai, vendido a preços mais baixos.
Sentindo-se
prejudicados, os donos de charqueadas do Rio Grande do Sul exigiam que o
governo central elevasse os impostos sobre o produto importado dos países
platinos. Para os compradores de charque, porém, era mais interessante
continuar comprando o produto importado. O governo acabou satisfazendo os
interesses dos proprietários das outras regiões, taxando o charque gaúcho nos
portos do Sudeste e do Nordeste. A medida provocou o descontentamento dos estancieiros
do Rio Grande do Sul e acabou fortalecendo a propaganda dos farroupilhas, que pregavam
o separatismo e a criação de uma República.
A
insatisfação das elites gaúchas atingiu o auge quando o presidente da
província, Antônio Rodrigues Braga, nomeado pela Regência, fixou um imposto
sobre as propriedades rurais. Como consequência, em setembro de 1835, o coronel
farroupilha Bento Gonçalves e seus homens ocuparam Porto Alegre e depuseram
Rodrigues Braga. No ano seguinte, proclamaram a República Rio-Grandense, com
sede na cidade de Piratini. Começava assim a Guerra dos Farrapos.
Em
outubro de 1836, Bento Gonçalves foi capturado por tropas da Regência e enviado
para uma prisão na Bahia, de onde fugiria no ano seguinte com o auxílio de
membros da maçonaria. Enquanto isso, a luta prosseguia no Rio Grande do Sul. De
volta à província, Bento Gonçalves retomou a liderança do movimento, que
contava agora com a participação do italiano Giuseppe Garibaldi, que se
destacaria anos depois no processo de unificação da Itália. Em julho de 1839,
os revoltosos ocuparam Laguna, em Santa Catarina, onde proclamaram a República
Juliana, nome derivado do mês de julho.
No
mês de novembro de 1842, chegava ao Rio Grande do Sul Luís Alves de Lima e
Silva, futuro duque de Caxias, nomeado presidente e comandante de armas da
província. Combinando ações militares com medidas políticas, ele conseguiu
encerrar a luta. Por proposta sua, por exemplo, os rebeldes foram anistiados e
os oficiais do exército farroupilha, integrados ao exército brasileiro, na
mesma patente que ocupavam nas tropas rebeldes. Além disso, o governo central
manteve um imposto, introduzido em 1840 para tentar apaziguar os ânimos na
província, de 25 por cento sobre a importação do charque proveniente dos países
da região do Rio da Prata.
3. O
“Regresso”
Toda
essa agitação, criada pelas revoltas nas províncias, assustava o grupo
dominante, que passou a atribuir a responsabilidade pelas revoltas à falta de
autoridade do governo central, enfraquecido pela descentralização decorrente do
Ato Adicional de 1834. Na Assembleia Geral,
a
maioria dos líderes políticos assumia cada vez mais posições conservadoras e
contrárias às medidas de 1834. Para aumentar os temores dessa corrente
conservadora, o regente Feijó entrou em choque com a aristocracia agrária ao
propor a substituição gradual do trabalho escravo pelo trabalho assalariado.
Pressionado
pela maioria conservadora do Parlamento, Feijó renunciou à Regência em setembro
de 1837, transmitindo o governo ao líder conservador Pedro de Araújo Lima. Em
abril do ano seguinte, Araújo Lima, futuro marquês de Olinda, seria confirmado
no cargo de regente por meio de eleições diretas, com 4 308 votos. Recebia,
assim, todo o apoio da aristocracia agrária, receosa de que a extinção gradual
do trabalho escravo proposta por Feijó começasse a ganhar adeptos.
Com
Araújo Lima teve início o “Regresso”, período de reação conservadora, durante o
qual foram adotadas diversas medidas de fortalecimento do poder central. O Ato
Adicional de 1834 foi definido como “código da anarquia” e a ele se contrapôs
um projeto de lei que restringia as atribuições das Assembleias Provinciais.
Depois de três anos de debates, em maio de 1840, o projeto foi aprovado com o
nome de lei Interpretativa. No mesmo ano, foi restaurado o Conselho de
Estado.
4. O “Golpe”
da Maioridade
As
medidas adotadas durante a reação conservadora, contudo, não foram sufiientes
para estancar a agitação que tomava conta de várias províncias. Entre os
liberais, generalizou-se a opinião de que os problemas só seriam resolvidos com
a ascensão de dom Pedro de Alcântara ao trono. Porém, a Constituição
estabelecia que só aos 18 anos, ao atingir a maioridade, ele poderia ser
sagrado imperador. Como isso só aconteceria no final de 1843, os liberais
criaram o Clube da Maioridade, em abril de 1840, e passaram a apresentar na
Câmara projetos de antecipação da maioridade.
Os
conservadores opunham-se à ideia, pois viam nessa iniciativa uma manobra para
afastá-los do poder. Em meados de 1840, consultado sobre a questão, o próprio
dom Pedro, então com 14 anos, manifestou seu apoio à reforma. Somada a uma
opinião pública favorável, a manifestação do príncipe quebrava as últimas
resistências no Parlamento, que, em 23 de julho, declarou sua maioridade. Nesse
mesmo dia, o jovem foi coroado imperador com o título de dom Pedro II. No dia
seguinte, compôs seu ministério com os liberais.
O
episódio seria chamado mais tarde de Golpe da Maioridade.
Momentaneamente fora do governo, os conservadores passavam para a oposição. Era
o fim da Regência e o começo do Segundo Reinado.