sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018


REVOLUÇÃO  FRANCESA


  No  século  XVIII,  a  economia francesa se conservava predominantemente agrícola e estima-se que 80% da população do país vivia no campo. Isso não impediu que a França vivesse um longo período de ande prosperidade.
A prosperidade, porém, chegou ao fim por volta de 1778, quando uma crise começou a tornar evidente a precariedade da organização administrativa, política, financeira, econômica e social do país.

Enfim, ficou claro que a França encontrava-se em um impasse decorrente de tudo o que constituía o Antigo Regime representado pela monarquia absolutista de direito divino, governada pela dinastia dos Bourbon.
Desde 1774, a França era governada por Luís XVI. Distante dos interesses da maioria da população, que vivia na miséria, o rei governava o país de longe, do Palácio de Versalhes, nos arredores de Paris. Para sustentar o luxo de sua corte – formada por numeroso séquito de nobres ociosos –, Luís XVI dependia dos tributos pagos pela população mais pobre. Para essa camada menos favorecida, a situação era insustentável e a insatisfação, crescente.
A desorganização do governo era total. Proliferavam leis e instituições diversas em várias províncias, as contas do rei se confundiam com as contas do governo e constantes déficits eram provocados por gastos excessivos.

1. As desigualdades
As desigualdades sociais e políticas tinham como causa um conjunto de fatores. Primeiro, a sociedade estava dividida em três estados: o clero, a nobreza e o povo.
Os dois primeiros estados ainda mantinham vários privilégios do que sobreviveram do sistema feudal, como o direito de cobrar impostos. Além disso, eram isentos do pagamento de diversos tributos, ao contrário do que ocorria com o povo, que não possuía direito algum.
Outro fator que aprofundava as diferenças era a grande dificuldade de romper com a economia agrária e de implementar o desenvolvimento industrial no país.
Essa situação causava enorme descontentamento à maioria da população, que formava o terceiro estado. Desse estamento também fazia parte a burguesia (formada por comerciantes, banqueiros, industriais), que enriquecera na época da prosperidade. Tendo consciência de sua força, a burguesia passou a lutar por mudanças que lhe permitissem exercer maior controle sobre o governo e o Estado.
As dificuldades do país intensificaram-se a partir de 1785, em razão de problemas que podem ser considerados as causas imediatas da revolução.
O primeiro deles foi a falência financeira do governo, principalmente depois dos gastos realizados com a participação francesa na guerra de independência das Treze Colônias inglesas da América do Norte. Outro aspecto que acabou agravando a situação foi o tratado de comércio estabelecido com a Inglaterra, em 1786. A medida favorecia a importação de manufaturados, o que provocou o fechamento de empresas francesas, gerando uma onda de desemprego.
Além disso, um rigoroso inverno prejudicou as colheitas de 1788, causando escassez de alimentos e alta de preços. A população, que já enfrentava sérias dificuldades de subsistência, não tinha como comprar pão, produto que constituía a base da alimentação. Faminta e revoltada, estava prestes a se sublevar.

Tentativas de reformas

Algumas tentativas de reformas foram feitas pelos ministros de Luís XVI para alterar esse estado de coisas. Vejamos os principais entre eles:
Jacques Turgot era um economista fisiocrata que procurou controlar as finanças cortando gastos públicos e propondo a redução de privilégios da nobreza e do clero. Suas medidas, porém, atraíram contra si a ira desses setores e ele acabou demitido.
Jacques Necker, banqueiro, influenciado pelos filósofos iluministas, deu continuidade ao processo reformista. Embora menos radical que Turgot, o ministro Necker, na tentativa de sanear as dívidas do Estado francês, colecionou inúmeros desafetos e também foi demitido pelo rei Luís XVI.
Charles de Calonne, nomeado ministro em 1781 e afastado do cargo, em 1787, após levar a público a relação das despesas da corte, que escandalizou e agitou a população.
Jacques Necker foi chamado de volta para o cargo. Diante da gravidade da crise, Necker convenceu Luís XVI a convocar a Assembleia dos Estados Gerais, ou seja, a reunião dos representantes dos três estados (clero, nobreza e povo), o que não acontecia desde 1614.

O terceiro estado

No período imediatamente anterior à revolução, circulou entre os franceses um folheto escrito pelo abade Sieyés, que, embora do clero, era simpatizante do terceiro estado e acabou participando das grandes decisões de 1789. No folheto, assim Sieyés sintetizou os anseios e a importância desse grupo social:
“O que é o terceiro estado? Tudo. O que ele tem sido na política francesa até hoje? Nada. O que pede ele? Tornar-se alguma coisa.”

2. Antes da tempestade
Os Estados Gerais reuniram-se no Palácio de Versalhes em maio de 1789. O terceiro estado era representado em sua maioria por burgueses. De imediato, porém, surgiu o problema de como se fariam as votações. Isso porque, de acordo com a tradição, cada estado tinha direito a um voto.
Se as votações continuassem a ser feitas dessa forma, o clero e a nobreza votariam juntos e nada mudaria – ainda que alguns nobres e clérigos apoiassem as reformas.
O que fez toda a diferença, entretanto, foi que o terceiro estado teve o número de representantes duplicado por imposição de Necker e acatado pela nobreza. Sendo a maioria, exigiu que a votação fosse realizada por representantes, e não por estado. Mesmo assim, as discussões se arrastaram por um mês, e não se chegou a acordo algum.
Foi então que o terceiro estado decidiu separar-se dos Estados Gerais e proclamar-se Assembleia Nacional, com o objetivo de extinguir os privilégios da nobreza e do clero e dar à França uma Constituição conforme os ideais do Iluminismo.
Luís XVI tentou impedir a iniciativa, proibindo o encontro. Mesmo assim, os representantes se reuniram e, por fim, os outros dois estados se aliaram ao terceiro estado para formar a assembleia nacional Constituinte. O terceiro estado havia triunfado.

3. O início da revolução
Enquanto a Assembleia estava reunida, uma agitação crescente tomava conta das ruas. Luís XVI, temeroso da revolta popular, concentrou tropas às portas de Paris e de Versalhes.
A população, por sua vez, procurava se armar a fim de defender a Assembleia Nacional Constituinte de uma possível agressão. Nesse clima, começaram a ocorrer os primeiros conflitos nas ruas de Paris. A revolução tinha começado.
Em 14 de julho de 1789, uma grande massa popular tomou de assalto a Bastilha, uma fortaleza utilizada como depósito e presídio, em busca de armas e munição. A Bastilha era um símbolo da opressão, pois em seu interior ficavam trancafiados os prisioneiros políticos.
A revolução espalhou-se por todo o país. Os sangrentos episódios que se seguiram forçaram o rei a retirar as tropas, mostraram a força da população e levaram à formação de um conselho de cidadãos para administrar Paris. Conduziram, finalmente, à organização de um corpo de voluntários armados que se intitulou Guarda nacional, cuja chefia foi entregue ao marquês La Fayette, o mesmo que havia lutado pela independência nas Treze Colônias inglesas da América do Norte.
As mudanças estavam em curso. Numerosos nobres começaram a deixar a França, temendo as represálias dos revolucionários. Refugiados nos países vizinhos, procuravam convencer os governantes europeus do perigo que o movimento revolucionário francês representava para as demais monarquias absolutistas da Europa.
Na França, as antigas estruturas começaram a ser alteradas pela ação dos revolucionários.
Na reunião de 4 de agosto de 1789, a Assembleia Nacional Constituinte decidiu extinguir todo o ordenamento jurídico do Antigo Regime. Isso levou a nobreza e o clero a perder muitos de seus privilégios, por exemplo, o de não pagarem impostos.
Inspirada nos ideais iluministas, nesse mesmo ano foi proclamada a declaração dos direitos do Homem e do Cidadão.
Em 1790, com a aprovação da Constituição Civil do Clero, os bens da Igreja foram confiscados e os membros do clero passaram a ser funcionários do governo.
Ainda em 1791, passou a vigorar a nova Constituição, que transformava a França em monarquia constitucional e a reorganizava, de acordo com a teoria da tríplice divisão dos poderes do Estado.

A fuga do rei

Percebendo que a situação ficava cada vez mais difícil para a monarquia, o rei Luís XVI tentou fugir da França. Pretendia juntar-se a simpatizantes na Áustria, que se preparavam para invadir a França. Na noite de 20 de junho de 1791, disfarçado de criado, deixou o palácio ao lado da família. Infelizmente, para ele, a tentativa fracassou. Foi reconhecido na cocheira de uma localidade ao parar para a troca de cavalos. Foi dado o alarme. Na noite seguinte, quando sua carruagem encontrava-se em Varennes, na divisa com a Áustria, o rei foi impedido de seguir viagem.
Luís XVI foi obrigado a voltar a Paris. A partir desse momento, o monarca foi ficando cada vez mais desmoralizado e passou a ser mantido sob vigilância.

4. O rei e a revolução
Apesar da tentativa de fuga, o rei continuou no governo, embora fosse tratado como prisioneiro. Em setembro, o rei aceitou a Constituição Francesa, mesmo porque não tinha alternativa.
Segundo a Constituição, os novos deputados seriam eleitos pelo voto censitário (segundo a renda de cada um) e eles constituiriam a Assembleia Legislativa, ou seja, o Poder Legislativo. Por sua vez, o Poder Executivo ficou nas mãos do rei, responsável pela nomeação dos ministros. O terceiro poder – o Judiciário – foi formado por juízes eleitos.
Vários problemas, entretanto, já ameaçavam a estabilidade do novo governo. Em certas regiões, o clero insuflava os camponeses contra a revolução.
Em abril de 1792, o governo francês, receando que os exilados organizassem a contrarrevolução, declarou guerra à Áustria e à Prússia, países que abrigavam a maioria desses refugiados.
Os austríacos, com o apoio da Prússia, iniciaram a invasão da França. A Assembleia Legislativa, então, convocou todos os franceses a pegar em armas e defender o país.

5. A revolução radicaliza
A partir de então, as ações revolucionárias tornaram-se mais radicais. Luís XVI foi considerado suspeito de traição com base em correspondência que ele tinha trocado com os invasores. Teve seus poderes suspensos pela Assembleia e foi recolhido prisioneiro. Foram convocadas eleições para uma nova assembleia, que adotou o nome de Convenção – dessa vez, os deputados foram eleitos por sufrágio universal masculino, isto é, os homens puderam voltar, sem exigência de renda.
Na Convenção, os grupos políticos ficariam assim posicionados: do lado direito da sala de sessões, sentavam-se os girondinos, políticos moderados que defendiam uma República liberal que garantisse a propriedade privada; do lado esquerdo, ficavam os deputados mais radicais, que lutavam por uma República democrática e igualitária – entre estes, destacavam-se os jacobinos (liderados por Maximilien Robespierre) e os cordeliers (chefiados por Georges Danton e Jean-Paul Marat). No meio dos dois grupos, sentavam- se os centristas (também chamados de
pântano), políticos indecisos que votavam ora com os girondinos, ora com os jacobinos.

Jacobinos e Girondinos
Com a Queda da Bastilha, surgiram em Paris inúmeros clubes revolucionários. Parte desses clubes reunia-se no convento dos monges jacobinos. Daí se originou a expressão “clube dos jacobinos” para designar um dos grupos mais radicais da Convenção.
O termo “girondino”, por sua vez, era aplicado inicialmente a alguns deputados eleitos pela província de Gironda, localizada no sudoeste da França. Depois, a palavra passou a ser empregada para designar um grupo político mais amplo, que incluía a burguesia.

6. A época do Terror
A Convenção tomou posse no mesmo dia em que os franceses venceram os exércitos austríaco e prussiano e detiveram a invasão do território. Seu primeiro ato foi a proclamação da República, seguido da adoção de um novo calendário e de uma nova contagem do tempo: o ano de 1792 passava a ser considerado o Ano I da Revolução. Com isso, os revolucionários queriam marcar o início de um novo tempo, diferente do passado.
Os partidos se reorganizaram. A direita continuava sendo representada pelos girondinos, grupo mais conservador e identificado com os interesses da alta burguesia.
A esquerda seguia reunindo os jacobinos e outros grupos políticos radicais, representando a pequena burguesia e os sans-culottes – pessoas pertencentes às camadas populares. Ambas as tendências eram republicanas e revolucionárias, mas os jacobinos pregavam a radicalização e queriam aprofundar as mudanças revolucionárias.
Confirmadas as suspeitas de traição de Luís XVI, ele foi condenado à morte e guilhotinado em janeiro de 1793. Sua execução só fez aumentar a oposição interna e externa ao regime revolucionário e levou à formação da Primeira Coalizão contra a França, na qual Áustria, Prússia, Inglaterra, Rússia, Espanha e Portugal investiam contra a revolução.
Diante de tantas dificuldades, a Convenção teve de tomar medidas mais duras. Convocou a população para a defesa do país e instituiu a Lei dos suspeitos, pela qual qualquer pessoa denunciada como contrarrevolucionária podia ser condenada à guilhotina.
 A cada dia aumentavam as divergências entre girondinos e jacobinos sobre o encaminhamento da revolução. Em junho de 1793, os jacobinos, o grupo mais forte da Convenção, fizeram uma demonstração de força: com o apoio de aproximadamente 80 mil homens e sessenta canhões, obrigaram a Convenção a decretar a prisão dos principais líderes girondinos. A partir desse momento, os jacobinos instalaram a ditadura na França e estabeleceram o regime do Terror.

7. Sob a tirania de Robespierre
À frente desse movimento estava o jacobino Robespierre, que levou ao extremo os ideais de Rousseau. Para se fortalecer, a Convenção reuniu um grupo de ferrenhos defensores da revolução e formou o Comitê de salvação Pública, que tinha como atribuições cuidar da administração do país e promover a defesa externa. O novo órgão era dirigido por Robespierre.
Após se voltar contra os girondinos, Robespierre perseguiu os mais exaltados e os políticos moderados, como o ex-aliado Danton, condenado por ele à morte na guilhotina. Com essa política radical, Robespierre acabou perdendo o apoio de setores importantes para manter seu poder. Em julho de 1794, foi destituído e, a exemplo de muitos de seus adversários, também morreu na guilhotina. O Terror ameaçava tantas pessoas que não foi difícil formar-se uma aliança dos oposicionistas ao regime.
Com a queda de Robespierre, os girondinos voltaram ao poder e deram início à Reação Termidoriana, como ficou conhecida a perseguição aos jacobinos. O retorno dos girondinos significava a retomada de um caráter mais moderado no processo revolucionário. Em 1795, a Convenção finalmente concluiu a nova Constituição, conhecida como Constituição do Ano III, por ser o terceiro ano no novo calendário criado pela Convenção.

8. O Diretório (1795-1799)
Com a nova Constituição, o país passou a ser governado pelo diretório, controlado pelos girondinos.
Entre os principais acontecimentos dessa fase, destacam-se o cancelamento de muitas das medidas aprovadas no tempo da Convenção, como o sufrágio universal masculino; a continuidade da guerra contra diversos países, liderados pela Inglaterra; e o agravamento da crise interna, em virtude da desorganização da economia, da inflação e da corrupção por parte de setores do governo.
Em meio a essa crise generalizada, os líderes burgueses recorreram a Napoleão Bonaparte, na época um general de prestígio. Apoiado pelo exército e pela burguesia, Bonaparte deu um golpe de Estado contra o Diretório e assumiu o poder.
Esse fato, conhecido como Golpe do 18 Brumário de 1799, assinala o início de uma nova etapa da Revolução Francesa, na qual seus princípios se expandiriam por toda a Europa e várias regiões do mundo.

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