quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

INGLATERRA:  REVOLUÇÃO  E  SUPREMACIA



  Durante quase dois séculos, as guerras entre as potências dominaram o cenário europeu como forma de afirmação dos Estados modernos. Pela força das armas, o Estado assegurava o domínio de seu território e de suas colônias, consolidava o controle de rotas comerciais, garantia sua influência em lutas dinásticas e disputava com outros Estados a hegemonia na Europa. Com tantos interesses em jogo, o continente europeu havia se transformado em um verdadeiro barril de pólvora. As explosões não tardariam. Entre 1618 e 1763, a Europa foi sacudida por um infindável número de conflitos, como a Guerra dos trinta anos (1618-1648), a Guerra de Sucessão da Espanha (1702-1714) e a Guerra dos Sete anos (1756-1763), para citar apenas alguns.

Oliver Cromwell
Seriam décadas de enfrentamentos, dos quais a Inglaterra emergiria como a grande potência europeia, pronta para conquistar a hegemonia mundial. Até que isso ocorresse, porém, a Inglaterra passou internamente por dois processos de transformação: a Revolução Puritana (1640-1660) e a Revolução Gloriosa (1688-1689).

2. A queda da monarquia inglesa
No século XVII, a Inglaterra foi atingida por acontecimentos que ficaram conhecidos como Revoluções Inglesas. Basicamente, elas refletiram o choque entre o rei (Poder Executivo) e o Parlamento (Poder Legislativo). O Parlamento compunha-se de dois órgãos: a Câmara dos Comuns, para os representantes do povo, e a Câmara dos Lordes, na qual a nobreza tinha assento.
É preciso não esquecer que na Inglaterra havia uma tradição, iniciada em 1215, com a Magna Carta: esse documento havia imposto limites ao poder real e estabelecido uma norma segundo a qual o rei não podia introduzir novos impostos sem a aprovação do Parlamento.
No século XVI, durante os reinados de Henrique VIII e de Elizabeth I, a relação entre os monarcas e o Parlamento havia sido relativamente pacífica. Os reis contentavam-se em exercer um “absolutismo de fato”, sem pretender passar por cima da autoridade do Parlamento. Era um tempo em que a economia inglesa passara por um período de grande desenvolvimento comercial. Por essa época, surgiram grandes empresas monopolistas, como a Companhia das Índias Orientais.
Essas companhias, entretanto, impediam a livre concorrência e barravam o acesso das pequenas e médias companhias de comércio ao mercado. Como consequência, a burguesia inglesa acabou se dividindo em relação à política econômica do governo: enquanto os grandes comerciantes apoiavam o monopólio, os pequenos e os médios empresários lutavam contra a exclusividade de mercado, reivindicando a liberdade de comércio.

3. A Revolução Puritana
A boa relação entre os monarcas e o Parlamento sofreu uma grande mudança a partir de 1603. Nesse ano, morreu a rainha Elizabeth I, deixando vago o trono da Inglaterra. Na ausência de herdeiros diretos – a rainha Elizabeth nunca se casou e não tinha filhos –, a coroa foi entregue a seu primo, Jaime Stuart, rei da Escócia.
Tão logo assumiu o trono, Jaime I, como se tornaria conhecido, entrou em rota de colisão com amplos setores da sociedade inglesa. Para começar, quis restaurar o “absolutismo de direito”, invocando a teoria da origem divina dos reis, e iniciou uma perseguição aos puritanos. Ao mesmo tempo, tentou estabelecer novos impostos. Foi o bastante para que sua política provocasse sérias divergências com o Parlamento.
Jaime I morreu em 1625 e foi substituído pelo filho, Carlos I, que continuou com as práticas absolutistas do pai. Tentou impor o anglicanismo em seu próprio país, a Escócia, de maioria calvinista. Para agravar as coisas, dissolveu o Parlamento e restaurou antigos impostos. Todas essas medidas criaram um clima de guerra entre o rei e o Parlamento.
Outro agravante foi o fato de, tanto Jaime I quanto seu filho, Carlos I, terem praticado uma política mercantilista que favorecia a grande burguesia e a nobreza em detrimento dos pequenos e médios empresários, ou seja, a pequena burguesia. Esses setores eram puritanos e tinham representantes na Câmara dos Comuns.
A política absolutista dos Stuart entrou em conflito com esses setores da pequena burguesia, pois exigia grandes recursos financeiros para o rei, o que só seria possível com o aumento da arrecadação e, consequentemente, com o aumento dos impostos.
Carlos I avaliou mal a correlação de forças políticas e se achou forte o bastante para dissolver o Parlamento. Era o que faltava para as tensões chegarem ao limite.
Em 1640, os calvinistas escoceses invadiram o território inglês, rebelando-se contra a tentativa de Carlos I de impor a religião anglicana. O rei foi obrigado a convocar o Parlamento, que não se reunia havia 12 anos.
O Parlamento tornou-se então a grande “caixa de ressonância” do ódio acumulado da burguesia puritana contra os Stuart. Em 1642 teve início a guerra civil: de um lado, as forças do rei, de outro, as do Parlamento, lideradas por Oliver Cromwell. Cromwell era um proprietário rural progressista, puritano, e que se destacou por sua personalidade forte e carismática. Ele criou um novo modelo para o exército do Parlamento, com comandos baseados no mérito (New Model Army).
Os membros do exército do rei, chamados cavaleiros, eram em sua maioria membros da antiga nobreza católica ou anglicana. No exército do Parlamento estavam os cabeças redondas (assim chamados porque usavam o cabelo curto), grupo formado pela pequena e média nobreza, pela burguesia e por boa parte da população ligada aos ofícios urbanos – em geral, calvinistas. No curso da luta, surgiram no exército de Cromwell setores mais radicais, como os niveladores, que lutavam pelo sufrágio universal.
Em 1648, o rei foi definitivamente derrotado. Preso pelos cabeças redondas, enfrentou um julgamento sumário e foi condenado à morte e decapitado em 1649. Na sequência, os vitoriosos tomaram medidas radicais: a monarquia, a Câmara dos Lordes e a Igreja Anglicana foram abolidas e a república instaurada sob o comando de Cromwell.

4. A ditadura de Cromwell
Formalmente, a monarquia foi extinta. Na prática, porém, os ingleses viveriam sob a ditadura exercida por Oliver Cromwell, apoiado no exército. Em 1653, ele ordenou o fechamento do Parlamento e declarou-se Lorde Protetor da Inglaterra, cargo vitalício e hereditário. Ele impôs seu poder também na Irlanda e na Escócia. Um novo Parlamento foi instalado em 1654 e outro em 1656.
Externamente, o governo de Cromwell caracterizou-se por adotar uma agressiva política de fortalecimento do comércio internacional da Inglaterra. Em 1651, o Parlamento aprovou o ato de Navegação, pelo qual somente embarcações inglesas ou dos países de origem das mercadorias podiam transportá-las até os portos da Inglaterra. A medida acabou provocando uma guerra com a Holanda (1652-1654). Vitoriosa, a Inglaterra saiu do conflito como a grande potência naval da Europa.
Internamente, Cromwell esmagou a facção dissidente dos niveladores, enforcando seus líderes, e estabeleceu a supremacia política da burguesia. Desprezando as reivindicações das camadas populares, Cromwell argumentava que a pobreza era uma punição divina para os pecados dos menos afortunados.
Oliver Cromwell morreu em 1658 e foi sucedido pelo filho, Richard, que ficou menos de um ano no poder. Sem habilidade para manter o apoio político dos grandes proprietários, Richard foi destituído do cargo pelo Parlamento, que restaurou a monarquia dos Stuart. Em 1660, o trono passou às mãos de Carlos II, filho de Carlos I, o rei decapitado.
Com o retorno dos Stuart ao poder, teve início a Restauração, que se estenderia pelos reinados de Carlos II (1660-1685) e de Jaime II (1685-1688).

5. A Revolução Gloriosa
Carlos II e, principalmente, seu sucessor, Jaime II, insistiram em adotar políticas semelhantes às de seus antecessores Stuart: centralizaram o poder, governaram de forma autoritária e favoreceram abertamente católicos e anglicanos em detrimento dos calvinistas. Além disso, feriram o brio e os interesses comerciais dos ingleses ao aproximar-se da França, que havia se tornado a maior concorrente do país no comércio internacional.
Diante disso, em 1688, o Parlamento decidiu depor o rei e oferecer o trono inglês ao príncipe holandês Guilherme de Orange, que era casado com uma filha de Jaime II. O novo monarca foi coroado em novembro de 1689 como Guilherme III.
Os acontecimentos de 1688 e 1689 constituíram a revolução Gloriosa, assim chamada porque se deu sem derramamento de sangue. Ela encerrou o ciclo das Revoluções Inglesas do século XVII.
Ao assumir o trono, o novo rei se comprometeu a respeitar e cumprir a Declaração de Direitos, votada pelo Parlamento. O documento, conhecido em inglês pelo nome de Bill of Rights, reafirmava e ampliava a lista de direitos da população inglesa que o soberano não podia violar.

6. A supremacia inglesa
A França, governada pela dinastia Bourbon, era na época a nação hegemônica da Europa. A nova posição do país no continente alimentou as pretensões do monarca francês, Luís XIV, de exercer o papel de árbitro entre as demais nações. Essa pretensão, nunca consumada, acabou envolvendo a França em vários conflitos. O primeiro deles consistiu em mais uma disputa entre os Bourbon e os Habsburgo. Devemos estar lembrados que os Habsburgos eram uma poderosa dinastia que governava a Áustria e também fornecia os imperadores do Sacro Império Romano-Germânico.

A origem da guerra: a sucessão do trono espanhol
Em 1700, morreu Carlos II da Espanha. Antes de morrer, como não tinha herdeiros diretos, o rei legou por testamento a Espanha e todos os seus domínios a um neto de Luís XIV, Filipe, duque de Anjou. A coroação de Filipe como rei da Espanha com o título de Filipe V foi reconhecida por todos os soberanos europeus – exceto pelo imperador da Áustria. Entretanto, a situação mudou completamente quando Luís XIV concedeu ao neto, também, direitos à Coroa francesa A possibilidade de que Espanha e França viessem a ser governadas pela mesma pessoa assustou os demais países europeus. Essa mudança de atitude permitiu que o imperador Habsburgo, da Áustria, atraísse a Inglaterra e a Holanda para uma aliança contra os Bourbon. Em 1702, os três Estados deram início às hostilidades contra a França e a Espanha, desencadeando a Guerra de Sucessão da Espanha.
A guerra prolongou-se por vários anos, levando ambos os lados ao esgotamento. A paz foi negociada a partir de 1713 pelos tratados de Utrecht e de Ramstadt.
Segundo os acordos, Filipe de Anjou foi confirmado no trono da Espanha, com a condição de que esse país e a França jamais se unissem. A Espanha saiu do conflito como a grande perdedora e viu declinar definitivamente seu prestígio como potência europeia e mundial.
Por outro lado, a Inglaterra foi, sem dúvida, a principal beneficiária do conflito. Ela tomou Gibraltar e Minorca da Espanha e recebeu da França os territórios da Terra Nova e da Nova Escócia, localizados na América do Norte.
Além dos territórios, os ingleses conquistaram o monopólio do tráfico de africanos escravizados para as colônias espanholas da América e o direito de enviar, anualmente, para essa região, um navio com mercadorias, o chamado navio de permissão. Esse direito abriria uma brecha por meio da qual a Inglaterra realizaria lucrativo contrabando nos domínios espanhóis.

A Guerra dos Sete Anos
A supremacia inglesa na Europa e no mundo seria confirmada pela Guerra dos Sete anos (1756-1763). Nesse conflito, os ingleses aliaram-se à Prússia, região do Sacro Império Romano-Germânico que havia se tornado reino em 1701. Mais uma vez, o inimigo era a França, aliada agora à Áustria, à Rússia e à Espanha.
O conflito estendeu-se para o Oriente e para a América do Norte, constituindo um primeiro ensaio de guerra mundial. Mais uma vez, a Inglaterra foi a grande vitoriosa. Pelo tratado de Paris (1763), arrebatou da França e da Espanha os territórios do Canadá e da Flórida e anexou a Índia a seu império em crescimento.

Essas conquistas coincidiram com o começo da revolução Industrial, processo que teve início na Inglaterra na segunda metade do século XVIII. Com as conquistas, os ingleses passaram a ter fácil acesso a fontes de matérias-primas, como o algodão indiano, do qual a nascente indústria têxtil do país tanto dependia. Além disso, estavam assegurados à Inglaterra os mercados de consumo para os tecidos de algodão (e outros artigos), produzidos a baixo custo pela indústria têxtil e lançados em quantidade cada vez maior no comércio internacional.

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