quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018


COLONIZAÇÃO  INGLESA  OU  
AS  ORIGENS  DOS  ESTADOS  UNIDOS



    Portugal e Espanha foram os primeiros, mas não foram os únicos a colonizar a América. Em diferentes momentos, França, Holanda e Inglaterra também investiram na exploração do novo continente, contestando a divisão do território entre espanhóis e portugueses imposta pelo Tratado de Tordesilhas.

O primeiro dia de Ação de Graças [First Thanksgiving],
de
Jean Louis Gerome Ferris (1863-1930).
O primeiro país a fazer isso foi a França, que no sul do continente encontrou terreno propício para promover o contrabando de pau-brasil. No norte, os franceses conquistaram a região que corresponde hoje ao Canadá, onde fundaram Quebec, em 1607. Em seguida, dominaram a região chamada por eles de Louisiana, em homenagem ao rei francês Luís XIV, hoje um estado no sul dos Estados Unidos.
Os holandeses deixaram claro que seu principal interesse em terras americanas eram os negócios relacionados à produção de açúcar. No século XVII, depois de expulsos de Pernambuco, instalaram-se nas Antilhas e no atual Suriname. Os ingleses, por sua vez, colonizaram algumas ilhas do Caribe, como Barbados e Jamaica, tomadas aos espanhóis no século XVII. Seu maior empreendimento, contudo, seria a conquista, a ocupação e a colonização de territórios na costa atlântica da América do Norte, a partir de 1607. Nessa extensa faixa litorânea, eles fundaram treze colônias, onde, como veremos, acabou se desenvolvendo uma sociedade singular.

2. Povoar é preciso
Ao contrário do que ocorreu na parte da América colonizada por espanhóis e portugueses, a colonização inglesa no norte do continente não foi feita pelo Estado, mas por empresas privadas. O processo de ocupação também foi bem diferente: as colônias inglesas na América do Norte receberam, desde o começo do século XVII, enorme fluxo de ingleses em busca de oportunidades nas novas terras.
Outra razão importante que explica a transferência em massa de ingleses para o novo continente foram as guerras e perseguições religiosas dos séculos XVI e XVII. Na Inglaterra, os principais grupos perseguidos eram os puritanos, que em grande número acabaram se refugiando na América.
As razões para que tantos ingleses deixassem suas terras e decidissem viver no novo continente não foram poucas. Vejamos algumas.
A partir do século XV, a Inglaterra passou por um processo de mudanças na organização do trabalho e na estrutura da propriedade rural, com consequências desastrosas para a população camponesa.
A valorização da lã como matéria-prima na fabricação de tecidos levou muitos proprietários a cercar as terras comunais. Essas eram terras de uso comum, e que eram antes utilizadas pelos camponeses para criar ovelhas.
“Cercar as terras comunais” deu origem a um processo chamado cercamentos. E não se limitou às terras comunais. Estendeu-se também a vastas áreas anteriormente ocupadas pelos camponeses,
provocando desemprego e migrações de trabalhadores do campo para a cidade, onde nem sempre encontravam ocupação. Isso fez com que, no decorrer do século XVII, muitos deles, ou seus descendentes, emigrassem para a América do Norte.

3. As Treze Colônias
O primeiro navegador a serviço da Inglaterra a explorar o continente americano foi o genovês Giovanni Caboto (John Cabot), que esteve na região duas vezes, em 1497 e 1498. Cabot percorreu a Terra Nova, no atual Canadá, mas não deu início à colonização do território. As primeiras tentativas de povoamento só seriam feitas bem mais tarde. Entre 1584 e 1585, sir Walter Raleigh fundou na ilha de Roanoke o primeiro núcleo de colonização inglesa na América do Norte. A povoação, entretanto, desapareceu, possivelmente destruída pelos ameríndios.
Frustrado o primeiro ensaio, a Inglaterra só se lançaria à colonização efetiva da América do Norte em 1607, quando um grupo de colonos ingleses, agenciados pela london company, fundou a Virgínia, assim chamada em homenagem a Elizabeth I, chamada “rainha virgem”, por nunca ter se casado.

As colônias do Sul
Virgínia contou com grande afluxo de colonos e logo se transformou em exportadora de fumo. Esse produto, originário da América, foi introduzido na Europa e logo passou a ter grande consumo.
Ao sul da colônia, surgiram depois Carolina do Norte, Carolina do Sul e Geórgia. Em sua fronteira norte, os ingleses fundaram Maryland.
Devido à localização geográfica e ao clima, essas colônias se voltariam para o plantio de produtos tropicais de exportação, como o fumo, o arroz e, mais tarde, o algodão. O cultivo era feito em grandes propriedades sob regime de trabalho escravo. Esse sistema, conhecido como plantation, era muito semelhante ao da cana-de-açúcar na colônia portuguesa.

As colônias do Norte
Ao norte da Virgínia, surgiu outro conjunto diferente de colônias. Em 1620, um grupo de puritanos vindos da Inglaterra desembarcou do navio Mayflower e fundou a colônia de Massachusetts.
Antes do desembarque, eles firmaram um pacto de governabilidade, pelo qual assumiram o compromisso de “se congregar num corpo político civil” e de se autogovernar “para o bem geral da colônia”.
Algum tempo depois, grupos de perseguidos religiosos estabeleceram, nas proximidades de Massachusetts, as colônias de Nova Hampshire, Rhode Island e Connecticut. O conjunto dessas quatro colônias formava a Nova Inglaterra.
Devido à sua localização, não era possível cultivar ali produtos tropicais de exportação. Além disso, a grande maioria dos colonos era pobre e não tinha meios para administrar propriedades extensas como as do sistema de plantations, característico das colônias do Sul.
Por essa razão, acabou surgindo na Nova Inglaterra um sistema econômico baseado na pequena propriedade familiar da terra, no trabalho livre e na produção de subsistência. Os colonos da Nova Inglaterra também tiravam seu sustento do mar. A atividade pesqueira, aliada à existência de madeira em profusão nas florestas vizinhas, estimulou a construção de navios, ocupação que logo se tornaria uma das fontes de renda das cidades da região.
Como a Coroa inglesa estava mais interessada em explorar os produtos tropicais na parte sul da colônia, não impôs na Nova Inglaterra, de modo rígido, a política de monopólios, característica do mercantilismo. Por isso, os moradores dessas colônias viram-se livres para comerciar e desenvolver certas atividades industriais, como a própria construção naval.

As colônias centrais
Ao sul e a oeste da Nova Inglaterra, as regiões de Nova York, Nova Jersey, Pensilvânia e Delaware formavam outro bloco de colônias. Como situavam-se entre as colônias do Norte e as do Sul, em geral são conhecidas como colônias centrais. Nessa faixa de terra desenvolveu-se uma agricultura voltada, em um primeiro momento, ao mercado interno.
Mais tarde, o trigo transformou-se no principal produto agrícola e seus excedentes passaram a ser exportados para as colônias inglesas das Antilhas. Assim como nas colônias do Norte, as atividades comerciais e manufatureiras das colônias centrais assumiram grande importância econômica.

POVOAMENTO DOS ESTADOS UNIDOS

O professor e historiador brasileiro Leandro Karnal (1963-) é especialista em História da América e das Religiões. No texto a seguir, ele apresenta as características das populações que povoaram a América do Norte.

“O processo de êxodo rural na Inglaterra acentuava-se no decorrer do século XVII e inundava as cidades inglesas de homens sem recursos. A ideia de uma terra fértil e abundante, um mundo imenso e a possibilidade de enriquecer a todos era um poderoso ímã sobre essas massas.
Naturalmente, as autoridades inglesas também viam com simpatia a ida desses elementos para lugares distantes. A colônia serviria, assim, como receptáculo de tudo o que a metrópole não desejasse (a ideia de que para a América do Norte dirigiu-se um grupo seleto de colonos altamente instruídos e com capitais abundantes é, como se vê, uma generalização incorreta).
A própria Companhia de Londres declarara, em 1624, que seu objetivo era: ‘a remoção da sobrecarga de pessoas necessitadas, material ou combustível para perigosas insurreições e assim deixar ficar maior fartura para sustentar os que ficam no país’. Ao contrário de Portugal, nação de pequena população, a Inglaterra já vivia problemas com seu crescimento demográfico no momento do início da colonização dos Estados Unidos.
Portugal sofreu imensamente com o envio dos contingentes de homens para o além-mar. A Inglaterra faria da colonização um meio de descarregar no Novo Mundo tudo o que não fosse mais desejável no Velho. Mas a ideias de ‘colônias de povoamento’ parece sobreviver a tudo [...].
Em 1620, a Companhia de Londres trazia cem órfãos para a Virgínia. Da mesma maneira, mulheres eram transportadas para serem leiloadas no Novo Mundo. É natural concluir que essas mulheres, dispostas a atravessar o oceano e serem vendidas na América como esposas, não eram integrantes da aristocracia intelectual ou financeira da Inglaterra.” (KARNAL, Leandro. História dos Estados Unidos: das origens ao século XXI. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2008. p. 44-45.)


4. A gênese da cidadania americana
Durante boa parte do século XVII, a Inglaterra esteve envolvida em guerras civis, em disputas entre o Parlamento e o rei e em conflitos na Europa. Isso de certa forma impediu que o país exercesse um controle mercantilista mais rígido sobre suas colônias. Só que, mesmo ocupada em resolver tantos problemas, a Coroa inglesa não deixou de arregimentar colonos para o empreendimento de povoar e explorar as novas terras na América. E, com o firme objetivo de atraí-los, chegou a conceder-lhes o direito de se reunir em assembleias e de votar suas próprias leis e impostos. A essas circunstâncias favoráveis acabaram se somando as características peculiares dos colonos interessados em deixar a Inglaterra.
Muitos deles eram adeptos de segmentos religiosos – como os puritanos e os quakers –, que viviam em “rota de colisão” com o anglicanismo que era a religião oficial da metrópole. Por isso, quase sempre suas decisões divergiam das determinações do governo inglês.
Ao chegar à nova terra, essas pessoas estabeleceram formas de poder político coerentes com suas concepções e experiências.

Dessa iniciativa, surgiu a prática do autogoverno (self-government).

O governador de cada colônia geralmente era nomeado pelo rei, mas havia também, como órgão de poder, uma assembleia de representantes eleitos pelos próprios colonos. As assembleias desempenhavam funções legislativas e deliberativas. Embora o governador detivesse o poder de veto, com o tempo os colonos impuseram uma tradição de respeito às decisões da assembleia.
Conseguiram essa vitória usando como meio de pressão a recusa em aprovar novos impostos ou em votar iniciativas do governador.
Durante certo tempo, os colonos de algumas colônias da Nova Inglaterra chegaram a eleger seus governadores, além dos delegados que integravam as assembleias. Essa experiência, totalmente nova em um mundo regido por monarcas e poderes absolutistas, seria decisiva para a formação da concepção moderna de cidadania.

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