PRIMEIRO GOVERNO DE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO (1995-1998)
Quando teve início a campanha eleitoral para
presidente da República, no começo de 1994, o nome mais forte era Luís Inácio
Lula da Silva, candidato do PT, que conseguia os mais altos índices nas
pesquisas de intenção de voto. Mas a introdução da nova moeda, o Real, no dia 1º.
de julho daquele ano, alterou dramaticamente o quadro eleitoral, colocando o PT
diante de um difícil dilema: apoiar ou criticar a nova moeda.
Os economistas do partido se dividiram. Houve os
que viram, no Real, a possibilidade de sucesso, e que haveria, portanto, um
fortalecimento da candidatura de Fernando Henrique Cardoso, o “pai” da nova
moeda. No entanto, a opinião que prevaleceu foi daqueles que previam o fracasso
do Real. Um destes foi Aloísio Mercadante, o principal assessor econômico de
Lula, que declarou: “O Real é uma ilusão e não precisamos nos incomodar com ele”.
Era, sem dúvida, um grave erro de avaliação.
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Fernando Henrique toma posse na presidência da República, sucedendo Itamar Franco. Atrás, aparece o vice-presidente Marco Maciel. |
1. As reformas constitucionais e
o processo de privatização
O Plano Real, na sua primeira fase, não foi mais do
que um “truque” inteligente para vencer a inflação, e sua implantação foi
relativamente fácil. A segunda fase, porém, seria mais difícil e teria uma
importância decisiva, pois dela dependeria a continuidade do sucesso inicial do
Real. Para executá-la, FHC intensificou dois processos já iniciados no governo
anterior.
O primeiro foi o das emendas constitucionais, que
pretendia fazer uma reforma do Estado brasileiro, no sentido de torná-lo menos
dispendioso e mais eficiente, e baixar o chamado “Custo Brasil”. Entre as reformas mais importantes estão a administrativa, a previdenciária, a tributária e a fiscal. O processo das reformas, entretanto, mostrou-se extremamente difícil e demorado, por algumas razões:
·
elas afetam setores importantes da sociedade (o funcionalismo público,
por exemplo) e alteram direitos tradicionais da população (como é caso da
aposentadoria);
·
são muitos os procedimentos legais necessários para a aprovação das
emendas: duas votações na Câmara dos Deputados e duas votações no Senado, e o
voto favorável, em cada votação, de três quintos dos parlamentares;
·
não houve ainda, por diferentes motivos, um consenso quanto à
necessidade das reformas. Muitos consideram que as reformas não são
indispensáveis. Outros, particularmente a oposição de esquerda, são contra as
reformas (ou são contra as reformas da forma
como são propostas pelo governo). Para estes últimos, o problema está no modelo
neoliberal, que tem que ser abandonado, como condição para a solução dos problemas.
Por essas razões (e por outras, provavelmente), o
governo Fernando Henrique, em seu primeiro mandato, pouco conseguiu avançar no
seu intento de fazer as pretendidas reformas.
O segundo processo foi o da continuidade da política
de privatizações, iniciado sob o governo anterior. Importantes empresas, nos
setores de siderurgia, eletricidade, telefonia, ferroviário, etc., foram
transferidas para o setor privado. Uma delas foi a Companhia Vale do Rio Doce,
uma das maiores mineradoras do mundo. A privatização dessa empresa exacerbou a
discussão entre os que são favoráveis e os que são contrários ao processo de
privatização, e representa uma continuidade no velho debate entre nacionalistas
e neoliberais.
2. Os
problemas do Real
O Plano Real foi bem sucedido em manter baixas as
taxas de inflação. Entretanto, o funcionamento do plano se apoiou em alguns
pressupostos, que têm sido muito criticados, pelas consequências que têm
apresentado:
·
os juros se mantiveram muito altos, reduzindo o consumo e onerando o
custo operacional das empresas brasileiras e, portanto, de seus produtos. O que,
por sua vez, dificulta a concorrência com os produtos estrangeiros; e, também,
eleva a dívida dos governos federal, estaduais e municipais;
·
a excessiva abertura para as importações, necessária para manter baixos
os preços internos, tem consequências importantes. De um lado, exige o
aperfeiçoamento das empresas nacionais, para competir no mercado; aquelas que
não conseguem competir acabam falindo, gerando desemprego. De outro, eleva o
volume de importações e gera déficit na balança comercial;
·
a valorização cambial, ou seja, a valorização do Real em relação ao
dólar, necessária para baratear as importações e impedir a elevação do custo de
vida, mas que tem o grave inconveniente de favorecer as importações e
dificultar as exportações;
·
a necessidade de constante entrada de dólares no país, em virtude da
obrigação de cobrir o déficit nas contas externas, que ocasiona a extrema
dependência ao mercado financeiro internacional, e coloca o país à mercê de
ataques especulativos ao Real e das
sucessivas crises internacionais, como a quebra do México (1994), dos países
emergentes da Ásia (1997) e, por último, da Rússia (1998).
O Plano Real foi bem sucedido ao reduzir a
inflação, mas não conseguiu impedir o crescimento do desemprego no país. Não se
pode, entretanto, atribuir apenas ao Real a causa do desemprego; o problema tem
muitas causas, destacando-se:
·
O baixo índice de crescimento da economia. É só atentar para os números:
entre 1980 e 1992, o crescimento per capita do PIB (Produto Interno Bruto) foi
de apenas 0,7%; entre 1993 e 1998, o índice melhorou e subiu para 2,7% anuais.
Isso é muito pouco para um país que precisa crescer a altas taxas para gerar
empregos.
·
O rápido desenvolvimento tecnológico, promovendo a automação e
eliminando muitos postos de trabalho.
·
As deficiências de escolarização e de formação técnica de grande parte
da população também contribuem para o desemprego, pois impedem que muitas
pessoas possam conseguir emprego, por não possuírem qualificação.
3. As crises internacionais e sua
repercussão no Brasil
Ultimamente, tem-se criado uma grande
interdependência entre as economias de todo o mundo. É o fenômeno da
globalização. Por causa disso, uma crise em qualquer ponto do planeta
imediatamente repercute no resto do mundo. Os países de economia mais frágil,
como é o caso do Brasil, são rapidamente afetados. A crise se manifesta, por
exemplo, na queda das bolsas de valores, na fuga do capital estrangeiro e na
desvalorização da moeda.
No final de 1994, ocorreu a crise do México,
provocando uma reação em cadeia (chamado “efeito tequila”), que se espalhou
pelo mundo, e evidentemente alcançou o Brasil. Três anos depois, uma crise
iniciada na Tailândia se espalhou pelos países vizinhos, afetando inclusive o
Japão, a Segunda economia mais forte do mundo. Foi a chamada “crise asiática”.
O Brasil, mais uma vez, sentiu os efeitos da crise
mundial. Na ocasião, o governo brasileiro reagiu prometendo executar o ajuste
fiscal, através do aumento da arrecadação e do corte de despesas. Mas as
medidas propostas não foram implementadas, o que manteve a economia brasileira
vulnerável a uma nova crise. Desta vez, ela começou na Rússia, em meados de 1998. Seus efeitos, no Brasil, foram tão
fortes que logo começaram a dizer que o Brasil seria o próximo estopim da
crise. Milhões de dólares começaram a deixar o Brasil. A situação se tornou tão
dramática que houve a possibilidade de quebra da economia nacional.
A quebra de uma economia do porte da do Brasil
acarretaria uma crise mundial de grandes proporções. Diante dessa
possibilidade, os organismos internacionais (FMI, BIRD) colocaram à disposição
do país um crédito de 41 bilhões de dólares, mas exigiram do governo brasileiro
medidas mais rigorosas para fortalecer a economia. A condição considerada
indispensável, do ponto de vista do FMI e dos monetaristas em geral, é o
equilíbrio das contas públicas.
Esse também é o entendimento do governo brasileiro.
Por isso, ele apresentou, em outubro de 1998, um segundo pacote, contendo as
medidas propostas pelo FMI, com a promessa de que desta vez seria executado.
Mas o que foi feito, contudo, foi insuficiente. Se, de um lado, o governo
conseguiu aumentar a carga tributária, que atingiu níveis insuportáveis, por
outro lado não conseguiu reduzir os gastos públicos, em virtude das
resistências por parte dos setores que se consideraram atingidos pelos cortes.
Consequentemente, a economia brasileira continuou vulnerável.
4 A criação do Mercosul
No mesmo dia em que Fernando Henrique iniciava seu
primeiro mandato presidencial, 1 de janeiro de 1995, era oficialmente instalado
o Mercosul (Mercado Comum do Sul), como uma União Aduaneira entre Brasil,
Argentina, Uruguai e Paraguai. A partir desse momento, desapareceram as tarifas
alfandegárias existentes, até então, no comércio entre esses países. Explicando
melhor, isso significa que
as tarifas no comércio intrazona desapareceram, enquanto as tarifas
para o comércio extrazona foram
equalizadas. Assim, por exemplo, uma camiseta exportada do Uruguai para o
Brasil está sujeita à tarifa zero, enquanto uma camiseta exportada da França
paga tarifa de 20% ao entrar tanto no Uruguai quanto no Brasil... Em suma,
tarifa intrazona é zero, tarifa extrazona é igual.
Deve-se ressalvar, entretanto, que tarifas alfandegárias
foram mantidas para alguns poucos produtos, representando algo como 5% do total
de intercâmbio, mas deverão desaparecer com o passar do tempo.
Vale lembrar que o Mercosul não nasceu de uma hora
para a outra. Na verdade, é o resultado de um processo de integração econômica
que teve início alguns anos antes, a partir de um acordo firmado entre Brasil e
Argentina, em julho de 1986. O passo seguinte foi a assinatura do Tratado de
Assunção, em 26 de março de 1991, com a adesão do Uruguai e do Paraguai (a
Venezuela tornou-se o 5º. membro a partir de 2012 e a adesão da Bolívia encontra-se em andamento). Esse tratado fixou
metas e prazos para levar a cabo o processo de integração econômica dos quatro
países formadores do bloco.
Apesar de tropeçar em constantes dificuldades, o Mercosul tem
trazido benefícios para o comércio dos quatro países. Basta considerar que em 20 anos, comércio entre os países do Mercosul foi
multiplicado por dez: passou de U$ 5,1 bilhões em 1991 para U$ 58,2 bilhões em
2012.
No futuro, espera-se que o Mercosul avance em
algumas direções, todas de difícil execução. Uma delas poderá ser a incorporação
outros países latino-americanos, tais como Chile e Peru, e a celebração de acordos com outros blocos. A outra
direção que o Mercosul poderá tomar será a construção de um Mercado Comum, mais
ou menos como se deu na Europa. O Mercado Comum é um intercâmbio mais amplo,
admitindo a livre circulação de serviços, mão-de-obra e capitais, além de
mercadorias.
A integração regional representada pela criação do
Mercosul faz parte do processo mais amplo de interação dos mercados em nível
mundial, que se chama globalização. Este é um fenômeno antigo, mas por causa do
avanço dos meios de comunicação, adquiriu uma importância dramática nos últimos
anos, como já ficou indicado algumas linhas atrás.
5. A campanha eleitoral de 1998
A campanha eleitoral desse ano apresentou uma
novidade, em relação às eleições anteriores. Pela primeira vez, um presidente
era candidato à reeleição. Isso era possível em virtude da aprovação de uma
reforma constitucional que autorizou a reeleição para um segundo mandato, dos
ocupantes de cargos executivos (presidente da República, governador e prefeito
municipal). O andamento dessa reforma, durante o ano de 1997, foi demorado e
causou um grande desgaste político ao presidente Fernando Henrique, acusado de
haver feito muitas trocas de favores para conseguir os votos necessários no
Congresso Nacional.
Os dois principais candidatos novamente foram
Fernando Henrique Cardoso e Luís Inácio Lula da Silva, que fez sua terceira tentativa
de se tornar presidente do Brasil. Lula centrou sua campanha na crítica aos
aspectos negativos do governo FHC, particularmente o desemprego. FHC, por sua
vez, fez da defesa do Plano Real seu grande argumento para pedir mais um
mandato ao eleitorado. Este preferiu acreditar em Fernando Henrique, que venceu
a eleição no primeiro turno, com 53,0 % dos votos. Lula ficou em segundo, com
31,7 %. O terceiro colocado foi Ciro Gomes, com 10,9 % dos votos.