O BREVE GOVERNO DE JÂNIO QUADROS
(JANEIRO-AGOSTO DE 1961)
Para as eleições presidenciais de 1960,
nenhum dos três grandes partidos tinha o seu candidato natural. Por isso, o PSD
e o PTB, mantendo sua aliança tradicional, foram buscar nas Forças Armadas um
nome respeitável: o general Lott. E para vice-presidente, João Goulart. A UDN
viu-se na contingência de apoiar o nome de Jânio Quadros, que surgia como
candidato de oposição aos herdeiros do getulismo.
O general Lott havia se destacado no episódio
de 11 de novembro de 1955, quando frustrou um golpe que visava a impedir a
posse de JK. Havia, também, apoiado a concessão do voto ao analfabeto e a
restrição da remessa de lucros para o Exterior. Era, por isso, bem visto pela
esquerda e se enquadrava na moldura do nacionalismo-desenvolvimentista.
Jânio Quadros, por sua vez, era um político
conservador, personalista, sem compromissos com partidos políticos. Havia feito
uma rápida carreira política em São Paulo, onde fora vereador, prefeito e
governador. Prometia um governo moralizador e austero. O símbolo de sua
campanha era uma vassoura, tomada como símbolo da luta contra a corrupção. Era
um político contraditório. Em matéria de economia, ele se filiava ao modelo
neoliberal. Mas como candidato, visitou Fidel Castro, dando a entender que era
simpático à revolução cubana.
Diferentemente de Lott, um candidato sem
nenhum carisma, Jânio despertava grande entusiasmo. E a frase “Jânio vem aí!”, que se tornou popular em
todo o Brasil, revelava a grande esperança nele depositada.
Jânio ao lado da espsa durante um comício na campanha de 1960. |
E aconteceu o esperado. Jânio foi eleito com
48% dos votos. Não obteve a maioria absoluta, mas desta vez a UDN não
protestou. Quanto aos outros candidatos: Lott obteve 28% dos votos; Ademar de Barros,
23%. Curiosamente, Jango foi reeleito vice-presidente.
Não deve passar despercebido o fato de que o
eleitor votou para presidente num candidato da linha conservadora, e, para
vice-presidente, num candidato nacionalista. Esse fato não teria maiores consequências
se Jânio tivesse governado até o final do seu mandato. Mas como iremos ver não
foi isso o que aconteceu.
1. A política econômica
conservadora
Jânio foi o primeiro presidente a tomar posse
em Brasília, a nova capital, que fora inaugurada no dia 21 de abril do ano
anterior. Em seu discurso de posse, criticou seu antecessor e apontou os dois
problemas que teria de enfrentar: a inflação e a dívida externa,
respectivamente, 30,5% (ao ano) e 3,8 bilhões de dólares.
Jânio toma posse na presidência da República, em Brasília, ao lado de Juscelino. |
Formou um ministério apenas com os partidos
que o haviam apoiado. Era fácil de prever que ele teria dificuldades no
relacionamento com o Congresso Nacional, já que os partidos de oposição tinham
ampla maioria. Coerente com a sua promessa de campanha, Jânio adotou um
programa econômico ortodoxo, monetarista, de combate à inflação:
·
desvalorização
cambial,
·
restrição do
crédito,
·
redução dos
subsídios ao trigo e ao petróleo.
Com isso, ele ganhou a simpatia do FMI para
negociar a dívida externa e obter novos créditos. Mas os efeitos recessivos
dessas medidas, como era de esperar, causaram grande descontentamento, e Jânio
já ensaiava uma mudança, quando sobreveio a renúncia.
2. A política externa
independente
Foi na política externa, que Jânio se revelou
mais polêmico e mais audacioso. Ainda como candidato, havia feito uma
surpreendente visita a Fidel Castro, em Cuba. Depois, entre a eleição e a
posse, fizera uma viagem pelo mundo, e ficara impressionado com a chamada
“terceira via” (política de não alinhamento nas disputas da Guerra Fria), que
alguns países vinham adotando.
Uma vez no governo, juntamente com seu
ministro das Relações Exteriores, Afonso Arinos, desenvolveu aquela que ficou
conhecida como a “política externa independente”. Isso quer dizer que o Brasil,
no governo Jânio, iria agir independentemente dos EUA, nas questões
internacionais. Em função dessa posição, Jânio iniciou uma abertura para os
países comunistas, anunciou o reatamento de relações com a URSS, rompidas desde
1947, e deixou de apoiar os EUA no bloqueio contra Cuba.
Tudo isso, num momento em que a Guerra Fria
se agravava com a crise cubana. A política externa, evidentemente, não agradou
aos EUA, nem aos conservadores internos, civis e militares, que haviam apoiado
Jânio.
3. A renúncia e a crise
Internamente, Jânio se desgastava com medidas
antipáticas como a proibição do lança-perfume no Carnaval e do uso de biquíni
nas praias. Sem procurar o apoio do Congresso Nacional, ao mesmo tempo em que
perdia o apoio da própria UDN, Jânio tendeu para o isolamento político, o que é
fatal para qualquer governante.
Como se isso não bastasse, Jânio resolveu
condecorar Che Guevara, um dos principais líderes da Revolução Cubana, e arqui-inimigo
dos EUA. Guevara fez uma escala em Brasília, quando voltava de uma reunião da
OEA, que se realizara no Uruguai. Para espanto de todos, até do homenageado,
Jânio conferiu-lhe a medalha da Ordem do Cruzeiro do Sul, a mais alta distinção
da heráldica brasileira.
Para os conservadores, Jânio havia ido longe
demais. Na noite de 24 de agosto, Carlos Lacerda fez um violento discurso pelo
rádio, e acusou o presidente de estar tramando um golpe de Estado.
No dia seguinte, numa atitude que pegou de surpresa
toda a nação, Jânio Quadros encaminhou ao Congresso sua carta de renúncia. Em
seguida, Jânio viajou para São Paulo, e daqui partiu para o Exterior. Seu
governo durara apenas sete meses.
Justificando a renúncia, Jânio alegava estar
sendo impedido de governar, “esmagado por forças terríveis”. Mas a explicação
que, em geral, tem sido dada para sua atitude tresloucada é diferente.
Como explicar a surpreendente renúncia de Jânio
Quadros?
Tudo indica que o gesto de Jânio foi uma
tentativa de golpe de Estado. Provavelmente, ele esperava que o Congresso
Nacional não aceitasse sua renúncia, pelos problemas que isso causaria. Porém,
ao contrário, a renúncia foi aceita prontamente e Ranieri Mazzili, presidente
da Câmara dos Deputados, assumiu provisoriamente a presidência da República,
pois o vice-presidente estava no Exterior, em viagem oficial.
Jânio contava com o apoio do povo paulista, que,
na sua avaliação, sairia às ruas para pedir sua volta, mas isso também não
aconteceu. Outra suposição de Jânio era que os militares, que temiam o
populismo do vice-presidente, iriam pedir-lhe para ficar.
Se seus cálculos dessem certo, ele então
aceitaria voltar à presidência, porém, com mais poderes. Mas o golpe fracassou
completamente. E com seu gesto inesperado, Jânio lançou o Brasil numa terrível
crise política.
4. A solução parlamentarista
Em agosto de 1961, ocorreram, na verdade,
duas tentativas sucessivas de golpe de Estado. A primeira, foi a própria
renúncia de Jânio Quadros. A segunda foi o veto que os militares impuseram à
posse do vice-presidente, como veremos a seguir.
No momento da renúncia, João Goulart estava
fora do Brasil, porque Jânio, interessado em estabelecer relações comerciais
com os países socialistas, enviara-o em missão oficial à República Popular da
China. Ao ficar sabendo da renúncia, o vice-presidente iniciou uma demorada
viagem de volta ao Brasil, realizando várias escalas. Finalmente, chegou ao
Uruguai, e ali ficou aguardando o desfecho da crise criada pelo veto militar.
O veto militar caracterizava claramente uma
violência contra a Constituição, já que Goulart era o vice-presidente
constitucional, democraticamente eleito.
Mas o povo tinha uma opinião diferente dos
militares. Desencadeou-se um amplo movimento popular de apoio à posse,
destacando-se a participação de Leonel Brizola, cunhado de Jango, que era
governador do Rio Grande Sul. Os militares se dividiram. O país esteve à beira
de uma guerra civil.
Foi então que partiu do Congresso Nacional
uma solução conciliatória, uma “solução de compromisso”, como foi chamada. Era
a proposta parlamentarista. De acordo com ela, Jango assumiria a presidência,
mas dividiria os poderes com um primeiro-ministro, indicado pelo próprio
Congresso. Ficava previsto que, em 1965, haveria um plebiscito para decidir
pela continuidade do parlamentarismo ou pela volta do presidencialismo.
João Goulart
aceitou, retornou ao Brasil e tomou posse no dia 7 de setembro; no cargo de
primeiro-ministro, assumiu Tancredo Neves.
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