O GOVERNO PROVISÓRIO DE VARGAS
(1930-1934)
Em 1930, quando os
revolucionários chegaram ao poder, o mundo vivia as terríveis consequências da
Grande Crise, iniciada com a quebra da Bolsa de Nova York, no ano anterior. Por
toda a parte, a crise colocou em xeque a democracia liberal, no plano político,
e exigiu a intervenção estatal na economia, na busca de saídas alternativas.
Foi assim, por exemplo, nos Estados Unidos, onde o presidente Roosevelt
implantou o New Deal, ou na Alemanha,
onde Hitler impôs o Nazismo. Entre nós, as coisas não aconteceram de forma
diferente. A crise derrubou as vendas de nosso principal produto de exportação,
que se acumulou, invendável, nos depósitos. Era preciso inventar novas soluções, e essa era uma tarefa que
somente o Estado poderia assumir. Foi nesse cenário que Getúlio assumiu o papel
principal.
O político que iria chefiar o
governo brasileiro nos quinze anos seguintes à Revolução de 1930, sem
intervalo, Getúlio Dorneles Vargas (1883-1954), era filho de estancieiros
gaúchos. Embora tivesse se formado em Direito, desde cedo trocou o exercício da
advocacia pela atividade política, em que fez uma rápida carreira. Teve como
padrinho o todo-poderoso político gaúcho Borges de Medeiros. Elegeu-se deputado
estadual mais de uma vez e, em 1923, chegou à Câmara dos Deputados.
Com a eleição de Washington Luís
para a presidência, em 1926, Getúlio foi nomeado ministro da Fazenda. Ficou
pouco tempo no cargo, pois, em fins de 1927, foi indicado por Borges deMedeiros para sucedê-lo no cargo de governador. Sua eleição conduziria à
pacificação do Rio Grande do Sul, agitado por vários anos de lutas entre grupos
rivais. Derrotado nas eleições presidenciais de 1930, ele acabaria chegando ao
poder por outra via – como o chefe civil de uma revolução vitoriosa. Já era,
portanto, político experiente quando assumiu a presidência em novembro de 1930.
O Governo Provisório, chefiado
por Getúlio, tomou posse em meio a muitas incertezas. Havia a crise mundial,
que atingia o Brasil em vários sentidos, provocando a queda das exportações de
café, a ruína de fazendeiros, falências e desemprego. No plano político,
dava-se um novo arranjo entre as forças vencedoras, cada qual querendo ocupar
as novas posições criadas pela Revolução.
Como já sabemos, o novo Estado
iria ser dirigido por uma elite bastante heterogênea, e foi marcado por
disputas entre os elementos que o compunham. E era exatamente essa divergência
dentro do governo que acabaria fortalecendo o poder de Getúlio Vargas, uma vez
que ele desempenhava o papel de árbitro entre os vários grupos.
Uma vez instalado no Palácio do
Catete, no Rio de Janeiro, e munido de plenos poderes, Getúlio Vargas suspendeu
a Constituição em vigor e dissolveu o Poder Legislativo em todos os níveis
(federal, estadual e municipal). Portanto Getúlio centralizou os poderes
Executivo e Legislativo, cabendo-lhe, a partir de então, a prerrogativa de
governar por decretos-leis. Para governar os estados, nomeou interventores,
função para a qual aproveitou os “tenentes”. Essa situação excepcional deveria
perdurar até que fosse possível elaborar uma nova Constituição, que
normalizasse a vida institucional do país.
Foram criados dois novos
ministérios: o Ministério da Educação e Saúde, entregue ao mineiro FranciscoCampos; e o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, que ficou com o
gaúcho Lindolfo Collor, ambos pertencentes ao grupo dos “tenentes civis”.
O Ministério da Educação
preocupou-se, de imediato, com o ensino superior e secundário.
1.
No ensino
superior, decretou o Estatuto das Universidades Brasileiras, criando condições
para o surgimento de verdadeiras universidades, dedicadas ao ensino e à
pesquisa.
2.
Foi
reorganizada a Universidade do Rio de Janeiro, a única que havia até então.
3.
Em 1934, foi
criada, por iniciativa local, a Universidade de São Paulo (USP), que se
converteria com o tempo na maior universidade da América Latina.
4.
Quanto ao
ensino secundário, o que havia, até então, não passava de cursos preparatórios
para ingresso nas escolas superiores. E, por isso, foi necessário iniciar sua
implantação quase do zero.[1]
Por sua vez, a criação do
Ministério do Trabalho indicava a nova postura do Estado em relação à chamada
“questão social”, ou seja, a luta dos trabalhadores para conquistar melhores
condições, que na República Oligárquica constituía “caso de polícia”. Foram
concedidos vários direitos aos trabalhadores, tais como:
1.
a
regulamentação do trabalho das mulheres e dos menores, da jornada de trabalho
de oito horas no comércio e na indústria, das férias nos bancos e na indústria,
etc.
2.
a criação e
o funcionamento dos sindicatos, tanto de empregados, como de patrões,
subordinando todos eles ao Ministério do Trabalho. A política do governo
consistiu, portanto, em fazer concessões aos trabalhadores, mas procurando, ao
mesmo tempo, controlar seus movimentos. (A política trabalhista do governo
Vargas, como ainda veremos, vai ser gradativamente aperfeiçoada até se completar
no Estado Novo.)
2. Proteção
ao setor cafeeiro
A cafeicultura continuava sendo a
base da economia brasileira. Por isso, diante dos efeitos desastrosos da Crise
Mundial de 1929, o novo governo teve que tomar medidas para socorrer o setor
cafeeiro. Mas essa proteção ao setor cafeeiro iria ser, porém, diferente da
antiga política de valorização do café em muitos pontos.
1.
Fundamentalmente,
o governo continuaria comprando o café excedente. Mas agora não adiantava mais
mantê-lo estocado já que, com a crise econômica mundial, não havia perspectiva
de vendê-lo no futuro. A opção foi a destruição do produto. O governo emitia
dinheiro, comprava o café e o queimava. Dessa forma, entre 1930 e 1937, o fogo
destruiu quase setenta milhões de sacas do produto.
2.
Nesta nova
situação, os cafeicultores passaram a ter menos privilégios, e tiveram que
assumir uma parte maior dos prejuízos. Entregavam ao Estado uma parte da
produção para ser destruída e outra parte da safra vendiam ao governo, por um
preço mínimo. Foram proibidos novos plantios e introduziu-se um imposto sobre o
café exportado.
3.
Outra
diferença era que, antes, tomavam-se empréstimos no exterior para financiar a
compra e a estocagem do café excedente. Agora, com a retração do capitalismo em
todo o mundo, não havia onde obter novos empréstimos. Então, o governo se viu
obrigado a fazer emissão de dinheiro. A intenção dessa política era a defesa da
cafeicultura, mas teve consequências muito maiores do que se podia prever, pois
acabou estimulando o desenvolvimento industrial.
A proteção ao café e o desenvolvimento da indústria. O que aconteceu foi o seguinte: ao decidir comprar os café
excedente, o governo injetou dinheiro na economia. Esse dinheiro, ao circular
no mercado, manteve a procura por produtos. E dada a dificuldade de fazer
importações, por causa da crise, os fabricantes nacionais aumentaram e
diversificaram a produção para atender os compradores. E isso explica o rápido
crescimento da produção industrial, e explica também por que o Brasil foi um
dos primeiros países a sair da crise.
Como se vê, o governo mirou num alvo (o
café) e acertou em outro (a indústria). E não se tratava apenas de um surto
industrial, como já acontecera antes. Pode-se dizer que, a partir desse
momento, teve início o verdadeiro processo de industrialização do país, que
iria conduzir à superação da antiga economia colonial agrário-exportadora. Uma
indústria impulsionada pela ação estatal, e dirigida ao abastecimento do
mercado interno, substituindo as importações.
Em São Paulo, a Revolução Constitucionalista (1932)
Devemos estar lembrados de que a
Revolução de 1930 havia afastado do poder a oligarquia cafeeira de São Paulo,
que tinha, por isso, motivos de sobra para estar descontente com a nova
situação criada no país. De fato, esse grupo lançou, já a partir de 1931,
intensa campanha contra o governo federal, obtendo apoio em outros estados,
principalmente em Minas Gerais e no Rio Grande do Sul, cujas elites também
tinham motivos para estar descontentes com o governo revolucionário. Esse
descontentamento decorria da excessiva centralização do poder nas mãos do
governo federal e do intervencionismo nos estados através dos “interventores”.
Acusavam Getúlio de proteger os “tenentes” e preparar a instalação de uma
ditadura no país.
A oligarquia de São Paulo,
representada pelo velho Partido Republicano Paulista, aproximou-se do Partido
Democrático. Este havia apoiado a Revolução, mas agora já estava descontente
com o governo Vargas. E juntos lançaram uma campanha contra o interventor que o
presidente havia nomeado para São Paulo, o “tenente” pernambucano João Alberto
Lins de Barros. A oligarquia explorou o “bairrismo” dos paulistas, exigindo um
“interventor civil e paulista” e,
assim, conseguiu atrair apoios para uma grande campanha contra o governo.
Formação da Frente
Única Paulista (FUP
Getúlio procurou atender às
exigências. Em 24 de fevereiro de 1932, publicou um novo código eleitoral e
marcou as eleições para 3 de maio de 1933. E nomeou um interventor do agrado
dos paulistas, Pedro de Toledo. Mas isso não foi suficiente. A oposição já
estava muito adiantada e acabou levando à formação da Frente Única Paulista
(FUP), reunindo o PRP e o PD.
A continuidade da campanha contra
Getúlio deixa claro que a luta pela reconstitucionalização apenas encobria o
real objetivo da oligarquia paulista que era retomar o poder. Afinal, se Vargas
já vinha atendendo as reclamações dos paulistas, não havia mais motivo para
prosseguir na campanha contra o governo.
No Rio Grande do Sul e em Minas
Gerais, as elites políticas demonstraram simpatia pela causa paulista. Isso
fortalecia a mobilização em São Paulo, que recebia amplo apoio de setores da
classe média, e assumia grandes proporções, através de comícios e manifestações
públicas. O movimento atraia principalmente a juventude estudantil.
No dia 23 de maio de 1932, num
conflito em frente à sede da Legião Revolucionária (entidade tenentista),
morreram quatro estudantes. Das iniciais de seus nomes - Martins, Miragaia,
Dráusio e Camargo -, surgiu o movimento MMDC.
A morte dos estudantes era tudo o que os mais radicais queriam: a tensão chegou
ao máximo e o passo seguinte foi a luta armada.
O início da
luta armada
Esta teve início no dia 9 de
julho, na cidade de São Paulo, e ficou conhecida pelo nome de Revolução
Constitucionalista, que recebeu o apoio da elite, das forças militares do
estado e da classe média. De fato, os voluntários se apresentaram aos milhares.
A indústria se mobilizou para produzir armas. As mulheres ajudaram costurando
uniformes para os combatentes. As pessoas ofereciam doações para sustentar a
luta. De nada adiantou. Os paulistas lutaram bravamente durante três meses, mas
os paulistas tiveram de render-se.
E quais teriam sido as razões da
derrota paulista? A razão principal foi o isolamento. São Paulo sofreu o
bloqueio por terra e por mar, e teve de contar com seus próprios recursos, pois
Minas Gerais e Rio Grande do Sul, inicialmente comprometidos com a revolta,
preferiram ficar de fora. Não faltaram, na época, boatos de que o levante
paulista tinha intenções separatistas.
Outra causa importante foi a
desvantagem militar. Além da mediocridade do comando militar, seu exército era
menor e o armamento, insuficiente e de péssima qualidade. Um exemplo disso era
o uso das “matracas”, que apenas imitavam o ruído das metralhadoras
inexistentes.
Deve ser observado, por fim que o
movimento não contou com o apoio do operariado, para quem a vitória dos
“constitucionalistas” poderia significar a perda das vantagens trabalhistas já
obtidas do governo getulista.
4. A Constituição de 1934
Finalmente, em maio de 1933, foi
eleita a Assembléia Constituinte. Pela primeira vez, a eleição se fez pelo voto
secreto e incluiu as mulheres, que adquiriram, enfim, o direito à plena
cidadania. Mas os analfabetos continuaram excluídos do direito de votar. As
eleições ficaram a cargo de uma Justiça Eleitoral, encarregada fiscalizar o
processo, contar os votos e proclamar os resultados, o que diminuía as chances
de fraudes do tempo da República Velha.
Elegeram-se 214 deputados
constituintes pelo voto direto. No mês seguinte, foram eleitos mais 40
deputados, que formavam a representação
classista ou corporativa (de
onde provém a palavra corporativismo). Eram deputados eleitos por associações
profissionais e sindicais, de patrões e empregados. A ideia da representação
classista era uma exigência dos “tenentes” e visava a reduzir, na Constituinte,
o peso das oligarquias.
A Assembleia levou oito meses
para discutir e aprovar um projeto previamente elaborado por uma Comissão
Constitucional. Era mais democrática que a Constituição anterior (de 1891).
Além de confirmar o voto secreto e o voto feminino, apresentava importantes
inovações:
1.
Introduzia o
mandado de segurança e previa amplos direitos trabalhistas, tais como jornada
de oito horas, salários-mínimos regionais, férias remuneradas, etc.
2.
Por pressão
dos tenentes foi introduzida, na Constituição, a possibilidade de
nacionalização das riquezas do subsolo e de estatização de empresas
estrangeiras ou nacionais.
3.
A
Constituição estabelecia que a primeira eleição
presidencial seria feita, através do voto indireto, pelos membros da
Assembleia Constituinte. E o eleito foi o próprio Getúlio Vargas, para um
mandato de quatro anos.
5. O fim do Tenentismo
Depois de promulgada a
Constituição, o Tenentismo, movimento que tivera tanta importância nos últimos
anos, tendeu rapidamente para o desaparecimento. Que razões contribuíram para
que isso acontecesse? Primeiramente, o fato de que o Tenentismo não constituía
um grupo homogêneo, e não tinha um programa definido. Outra razão é que muitos
“tenentes” foram cooptados pelo Estado, isto é, passaram a integrar a
burocracia estatal. E também porque, na década de 1930, surgiram outras formas
de atuação política, que absorveram o que restava do Tenentismo.
Uma explicação anedótica do fato
diz que certa vez, perguntado como havia feito para se livrar dos “tenentes”,
Getúlio teria respondido: “Promovi-os a
capitães”.
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