GOVERNO DO PRESIDENTE MÉDICI
(1969-1974)
O terceiro presidente da República, após o início do regime militar, foi o gaúcho Emílio Garrastazu
Médici. Seu período de governo coincidiu com a fase mais dura da repressão. São
os chamados “anos de chumbo”. Coincidiu também com os melhores índices de crescimento
da economia obtidos pelo governo militar.
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Uma promessa não cumprida.
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1. Começo e fim da luta armada
Um fato marcante do governo Médici foi
a vitória do regime sobre a luta armada. Não é difícil apontar as razões dessa
vitória, e algumas delas já foram adiantadas.
Uma foi o aperfeiçoamento dos órgãos
encarregados da repressão, que, protegidos pelo caráter ditatorial do regime,
puderam recorrer aos métodos mais violentos. Outra foi o sucesso que o governo
vinha obtendo na política econômica, dando origem ao chamado “Milagre
Brasileiro”, que lhe garantiu o apoio popular, pelo menos por alguns anos.
Essas e outras razões levaram os grupos
armados a se distanciarem dos anseios da população e, à medida que se isolavam,
iam sendo liquidados.
Já em novembro de 1969, caiu o mais
importante líder da luta armada, Carlos Marighella. Ele foi atraído para uma
emboscada, montada pelos policiais no centro da capital paulista, e ali morreu
fuzilado dentro de um fusca. O segundo nome mais importante foi Carlos Lamarca.
Perseguido implacavelmente, Lamarca fugiu para o mais longe que pôde, e foi
parar no sertão da Bahia, e ali foi alcançado e liquidado.
A partir desse momento, restaria apenas
um grupo político importante ainda tentando a luta armada. Tratava-se de um
foco guerrilheiro montado na região do rio Araguaia, no estado do Pará, pelo
Partido Comunista do Brasil (PC do B). Combatidos por forças militares, os
guerrilheiros comunistas foram liquidados, e em 1975 a luta estava encerrada.
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Cartaz utilizado pelo regime militar no combate à luta armada |
2. O “Milagre Brasileiro”
O período que vai de 1968 a 1973 ficou
conhecido como o “milagre brasileiro”. Nesses anos, combinaram-se duas coisas
positivas. De um lado, a inflação se manteve baixa, ficando na média anual de
17%; de outro lado, houve um grande crescimento da economia, puxada pelo avanço
acelerado do setor industrial.
A evolução do Produto Interno Bruto
(PIB) alcançou taxas elevadas, registrando, no período, a média anual de 10%.
Esses números espetaculares fizeram a fama de Delfim Netto, o todo-poderoso
ministro da Fazenda. Vários fatores contribuíram para o “milagre”:
- Um deles foram as medidas
tomadas anteriormente no governo Castello Branco, que prepararam o terreno
para que Delfim Netto aplicasse sua receita “milagrosa”.
- A grande oferta de capital
nos países desenvolvidos. O Brasil, cuja economia estava em crescimento,
se tornou um mercado atrativo, e os capitais afluíram em grande
quantidade, tanto na forma de empréstimos públicos, como na forma de
investimentos diretos.
- A expansão das exportações,
setor que recebeu muitos incentivos governamentais. Nessa perspectiva, até
um slogan foi criado, e dizia: “Exportar é o que importa”. As exportações
não apenas cresceram, mas também se diversificaram.
Um bom exemplo disso foi o que
aconteceu com o café. A exportação desse produto, que havia representado mais
da metade de todas as exportações brasileiras antes de 1964, havia caído para
37%, no período 1965-67, e para 15%, nos anos 1972-75.[1] A
diversificação das exportações incluía cada vez mais produtos manufaturados,
refletindo a crescente industrialização do país.
Mas os números positivos – divulgados
pela imprensa e explorados pela propaganda do governo – constituíam apenas um
lado do “milagre”. Havia, porém, o outro lado, o lado negativo, representado
- pela crescente concentração
da renda, reforçando uma das mais cruéis características da sociedade
brasileira,
- pela contínua queda no poder
de compra do salário mínimo, que atingiu seu ponto mais baixo justamente
no último ano do governo Médici. Para se ter uma ideia do real significado
desse problema, eis alguns dados fornecidos pelo DIEESE: dando-se um
índice 100 para o salário mínimo de 1940 (quando foi criado), esse índice
passou a ser o seguinte, durante o governo Médici: 1969: 68; 1970: 69;
1971: 66; 1972: 65; 1973: 59; 1974: 54.[2]
Essa situação era consequência da
política econômica do regime militar, que teve no ministro Delfim Netto um de
seus principais executores. Ele comparava a distribuição da riqueza a um bolo,
e dizia que primeiro, era preciso fazer o bolo crescer, para depois pensar em
distribuí-lo. O problema é que o bolo cresceu (e continua crescendo), mas ele
nunca é distribuído. Aos pobres sempre sobram apenas as migalhas.
A economia brasileira tornou-se a
oitava ou a nona maior economia do mundo, mas a riqueza continuava extremamente
concentrada. É por isso que o Brasil conseguiu tornar-se um país
industrializado, conservando, no plano social, as piores características de um
país subdesenvolvido. O próprio presidente Médici, em plena era do “milagre”,
numa visita ao Nordeste, vendo o grande número de miseráveis, declarou: “A
economia vai bem, mas o povo vai mal.”
3. O apogeu do regime militar
Ao mesmo tempo em que intensificava a
repressão aos grupos armados de esquerda, o regime militar, no tempo do
presidente Médici, procurou ganhar a simpatia popular através da propaganda.
Esta era feita através dos meios de comunicação, principalmente através da
televisão.
Nesse tempo, muitas famílias já
possuíam um aparelho de TV, cuja aquisição fora facilitado pela ampliação do
sistema de crediário. Mas também o rádio, os jornais e o cinema foram
utilizados. Os símbolos nacionais, a música e o cinema foram largamente
explorados para difundir uma ideologia que associava o regime militar a valores
positivos como patriotismo, segurança nacional e desenvolvimento.
Procurava-se por todos os meios
difundir a mística do Brasil como grande potência. E até o esporte ajudou nesse
esforço. Em 1970, a seleção brasileira conquistou o tricampeonato mundial de
futebol, disputado no México. O povo comemorava cantando uma marchinha que fez
grande sucesso, Pra frente Brasil.
Era a época em que os brasileiros que
haviam conseguido comprar um carro, e estavam satisfeitos com o regime, colavam
no vidro traseiro um adesivo com os dizeres: “Brasil, ame-o ou deixe-o”. Nas
eleições que se realizaram nesse ano (1970) para o Congresso Nacional, o
partido do governo, a ARENA, obteve uma ampla vitória. Elegeu 40 senadores,
contra apenas 6 do MDB, e para a Câmara o governo conseguiu eleger 220
deputados e a oposição, apenas 90. Mas houve muitas abstenções e um número
muito grande de votos nulos.
4. A resistência legal ao regime
Havia, contudo, os que denunciavam as
violências praticadas pelo regime militar. Um dos principais focos de
resistência e de denúncia era a Igreja, através da Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil (CNBB). O próprio papa, falando no dia 21 de outubro de 1970,
referindo-se ao Brasil, disse: “As torturas, isto é, os métodos policiais
cruéis e desumanos para extorquir confissões dos lábios dos prisioneiros, devem
ser condenadas totalmente”. [3]
Também o MDB, a Ordem dos Advogados do
Brasil (OAB) e a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) deram importante
contribuição, através da denúncia e do protesto. Mas o alcance era pequeno, em
virtude da censura imposta a toda a imprensa. Os jornais O Estado de
São Paulo e Jornal da Tarde, submetidos à censura prévia,
entre 1972 e 1975, substituíam as notícias censuradas por versos de Camões e
por receitas de bolo. Alguns músicos populares fizeram sua parte, destacando-se
Geraldo Vandré (Pra não dizer que não falei de flores) e,
principalmente, Chico Buarque (Apesar de Você, Acorda amor e tantas
outras), compondo canções que tiveram grande aceitação popular.
A propósito, depois do sucesso da canção Apesar de você, que
foi posteriormente proibida, a censura passou a proibir qualquer canção que
fosse do Chico Buarque. O compositor, então, inventou um autor, Julinho da
Adelaide, e passou a atribuir-lhe a autoria de várias músicas. Uma delas foi Acorda
amor. E assim driblou a censura.
Se, internamente, a imprensa estava sob
censura e não podia publicar notícias desfavoráveis ao governo, no Exterior, jornais
e publicações especializadas relatavam com detalhes as notícias das violências
praticadas pelo regime militar. Em 1970, a Comissão Internacional de Juristas
denunciou o Brasil pela violação dos direitos humanos no tratamento que dava
aos presos políticos.
5. A sucessão de Médici
Para a sucessão de Médici, o “partido
fardado” indicou o nome do general Ernesto Geisel. O MDB, desta vez, atreveu-se
a lançar uma candidatura de oposição. O MDB sabia que ela não tinha nenhuma
chance, mas serviria para a oposição fazer uma campanha nacional e denunciar a
falta de democracia e os problemas decorrentes do modelo econômico. Como
candidatos, o MDB lançou os nomes de Ulisses Guimarães e do jornalista Barbosa
Lima Sobrinho, para os cargos de presidente e vice-presidente, respectivamente.
A eleição, indireta, realizada em janeiro de 1974, não apresentou surpresas,
confirmando o nome do general Ernesto Geisel para a presidência da República.
[2] Apud Mendonça,
Sonia R. e Fontes, Virginia Maria. História recente do Brasil.
1964-1980. São Paulo, Ática, 1991, p. 67.
[3] Silva, Hélio. Os
presidentes. Emílio Médici. São Paulo: Grupo de Comunica’~ao Três, 1983, p.
41.
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