CANGAÇO E CANGACEIROS NO BRASIL
O Brasil da República Velha era um país dominado pelo
atraso, pelo analfabetismo, pela miséria de uma grande parte da população e por
uma desigualdade social monstruosa. Para as vítimas dessa situação uma saída
era procurar refúgio na religião; outra revoltar-se, sabendo de antemão que a
derrota era inevitável. Havia ainda outra saída para esses desamparados de
qualquer proteção pelo poder público. E qual era? Essa alternativa era o cangaço,
que foi um fenômeno típico do Nordeste brasileiro.
Canga, cangaço, cangaceiro - comecemos pelas palavras.
“Canga” é a peça que, passando pelo pescoço do boi, prende-o ao carro ou arado.
Por analogia, designa o armamento passado sobre os ombros do indivíduo. Este,
que vive “sob a canga” ou “debaixo do cangaço, é o “cangaceiro”.
Não se deve, porém, confundir o cangaceiro com o
“jagunço”. A diferença entre eles é bem clara. O jagunço, ou capanga, era um
dependente do “coronel”, a quem prestava serviço militar, em troca de algum
benefício.
Ao contrário, o cangaceiro, ou “cabra”, era
independente. Eventualmente, o cangaceiro, mediante um acordo, podia pôr-se a
serviço de um “coronel”, mas, nem por isso, perdia sua independência de ação.
Certos “coronéis” (espontaneamente ou não) ofereciam refúgio aos cangaceiros em
suas terras. Esses locais eram chamados de “coutos” ou “valhacoutos”, e o dono
da terra era o “coiteiro”.
Embora se possam encontrar descrições de cangaceiros
desde o início do século XIX, o certo é que o ciclo do cangaço teve início por
volta de 1870, num momento em que o Nordeste vivia as consequências da grande
seca de 1866-1868. E se prolongou até 1940, tendo atuado em praticamente todos
os estados nordestinos. Mas os cangaceiros agiram de preferência nas áreas mais
pobres do sertão, controladas por “coronéis” mais fracos e decadentes.
Os cangaceiros inventaram uma maneira típica de se vestir. Esse da foto era Corisco, o principal cangaceiro do bando de Lampião. |
1. Antônio
Silvino
Os mais famosos cangaceiros foram Antônio Silvino e
Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião. O primeiro, cujo nome verdadeiro era
Manoel Batista de Moraes, dominou os sertões por dezoito anos (1896-1914).
Tinha 21 anos quando o pai foi assassinado. Resolvido a fazer justiça com as
próprias mãos, foi autor de alguns crimes antes de ingressar no grupo do
cangaceiro Luís Mansidão. Com a morte deste, Silvino torna-se o chefe do bando,
que chegou a contar com 60 homens. Adota um estilo próprio de cangaço. “Quando assaltava uma localidade, em geral
dava um passeio de braço dado com o prefeito ou delegado de polícia. Em seguida
fazia a bolsa, isto é, coletava o dinheiro no comércio e distribuía entre os
pobres e os componentes do bando”.[1]
A carreira de Antônio Silvino acabou em 1914,quando
ele foi ferido e preso. Julgado, foi condenado a 30 anos de prisão. Faleceu em
1944, aos 79 anos de idade.
2. Virgulino
Ferreira da Silva
O mais famoso dos cangaceiros nasceu em 1900, no
interior de Pernambuco, numa família de pequenos proprietários rurais. Disputas
entre famílias adversárias resultaram na morte do pai. Virgulino, então com 20
anos, acompanhado de três irmãos ingressaram no cangaço, e dois anos depois já
era o chefe do bando.
Em 1926, ele foi chamado a Juazeiro, a cidade do PadreCícero. O objetivo era armá-lo para dar combate à Coluna Prestes. Ele entrou em Juazeiro, acompanhado de 40 homens,
recebeu uma falsa patente de capitão do exército, armas e munição. Depois de
receber a bênção do padre, retirou-se, prometendo regenerar-se.
Mas ele nunca se defrontou com a Coluna. Certa vez,
quando os homens da Coluna passavam perto do local onde ele se ocultava, um de
seus homens lhe perguntou por que não atirava contra a Coluna, conforme
prometera aos chefes políticos de Juazeiro. Lampião teria respondido: “Ah! menino. Isto aqui é meio de vida. Se eu
fosse atirar em todos os macacos que eu vejo, já teria desaparecido”.[2] Macaco
era o termo utilizado pelos cangaceiros para referir-se aos soldados.
Lmpião e sua companheira, Maria Bonita |
Vale a pena registrar a grande a presença de mulheres
no bando de Lampião. Mas nem por isso sua atuação deixou de se caracterizar
pela extrema crueldade, como ficou registrado na literatura de cordel. “Lampião é um bandido/ de muita perversidade/
no lugar onde ele passa/ vai deixando orfandade...”, escreveu o poeta João
Martins Athayde.[3]
Depois da Revolução de 1930, inauguraram-se novos
tempos no Brasil. O fortalecimento do Estado levou-o a intensificar o combate
aos grupos armados, que insistiam em desafiar o “monopólio da violência”
inerente ao poder estatal. Os interventores nomeados por Getúlio Vargas
iniciaram um processo de desarmamento dos “coronéis” e de combate aos
cangaceiros. Com isso, para Lampião, o “Rei do Cangaço”, os dias de estavam
contados. De fato, em junho de 1938, ele foi surpreendido e morto, e seu bando
quase desapareceu. Seu lugar-tenente, Corisco, teve o mesmo fim dois anos
depois. Esse fato encerrou o ciclo do cangaço.
Nenhum comentário:
Postar um comentário