O GOVERNO DE COSTA
E SILVA
(1967-1969)
O marechal Arthur da Costa e
Silva tomou posse no dia 15 de março de 1967 e seu governo não incluiu nenhum
ministro do governo anterior. Notava-se uma maior presença de militares nos
postos importantes. E, para o Ministério da Fazenda, foi nomeado Antônio Delfim
Netto, que ganharia grande notoriedade nos anos seguintes. A composição do
ministério indicava que o governo Costa e Silva, em matéria de economia,
estaria menos preso à cartilha do monetarismo e adotaria uma linha mais
nacionalista.
Embora o presidente tivesse
procurado projetar uma imagem conciliadora, havia muitas incertezas quanto ao
que realmente faria o governo Costa e Silva, diante das dificuldades do
momento. De um lado, as medidas econômicas adotadas pelo governo anterior
estavam demorando para surtir efeito, o que provocava um certo descontentamento
da classe média, que no princípio tinha visto com simpatia o golpe militar. E,
de outro, a oposição vinha se manifestando com mais força.
1. A Frente
Ampla: Carlos Lacerda volta à cena
Apesar de haver sido um do
patrocinadores do golpe de 1964, Carlos Lacerda passou para a oposição, quando
percebeu que o regime militar não lhe dar chance de chegar à presidência da
República. Partiu, então, para a formação de um movimento de oposição, que
batizou com o nome de Frente Ampla.
O objetivo imediato do movimento era forçar a redemocratização do país.
Durante o ano de 1967, ele buscou
apoios para seu movimento e conseguiu a adesão dos ex-presidentes Juscelino
Kubitschek e João Goulart, dos quais Lacerda havia sido adversário ferrenho nos
anos anteriores. Mas a Frente Ampla nunca conseguiu a necessária unidade nem
suficiente apoio popular. E desapareceu, em abril de 1968, quando o governo
decretou sua proibição.
2. A
agitação de 1968
A grande mobilização popular
contra o regime militar veio dos estudantes, no ano de 1968. Nesse ano, a
agitação ocorreu não só no Brasil, mas em quase todo o mundo. Foi,
principalmente, um movimento dos jovens que se rebelaram exigindo mudanças. As
formas tradicionais de ensino, o racismo, a Guerra do Vietnã, a repressão
sexual, por exemplo, foram temas mobilizadores dos protestos. Lutava-se por um
“mundo melhor”, embora houvesse diferentes opiniões de como seria esse mundo.
No Brasil, o elemento catalizador
do descontentamento foram os estudantes universitários, que protestavam contra
o arcaico sistema de ensino que havia no país. Naquele tempo, as universidades
públicas ofereciam poucas vagas, dando origem ao problema dos “excedentes”.
Estes eram alunos que conseguiam nota suficiente nos vestibulares, mas ficavam
de fora das universidades por falta de vagas.
Os estudantes exigiam reformas no
ensino, mais vagas e mais verbas para a educação, mobilizados por algumas
entidades muito fortes. A principal delas era a União Nacional dos Estudantes,
a UNE, que, embora proibida, conheceu naquela época seus dias mais gloriosos.
O fato que disparou a
radicalização dos estudantes ocorreu no dia 28 de março de 1968. Nesse dia
realizava-se um protesto contra a qualidade da comida servida no restaurante
“Calabouço”, muito utilizado pelos estudantes do Rio de Janeiro. A polícia
chegou atirando, e um tiro atingiu Edson Luis, um jovem estudante secundarista.
A partir daí, os atos de protesto dos estudantes contra a “ditadura militar” se
repetiram por todo o Brasil.
Também se repetiam os choques com
a polícia, que era enviada para reprimir os estudantes. O ponto alto da
mobilização popular contra a violência do regime foi a “passeata dos Cem Mil”,
que se realizou no Rio de Janeiro, no dia 25 de junho. Mas essa mobilização não
durou muito, e começou declinar. O golpe definitivo foi a queda do XXX
Congresso da UNE, que se realizava clandestinamente num sítio, nos arredores de
Ibiúna (SP), resultando na prisão de mais de setecentos estudantes.
Também os operários se
mobilizaram, protestando contra o arrocho salarial e fizeram algumas greves
importantes. As mais expressivas se realizaram em Contagem (MG), que mobilizou
1.700 trabalhadores da Siderúrgica Belgo-Mineira, e terminou através de um
acordo; e em Osasco (SP), com a ocupação pelos operários de uma grande
indústria, a Cobrasma, que resultou em intervenção policial.
Ainda em 1968, um outro grupo
entrou em ação. Tratava-se da esquerda mais radical, que achou que só a luta
política não seria suficiente para derrubar o regime, e partiu para a luta
armada.
A agitação estudantil, as greves
operárias e as ações dos grupos armados reforçavam a linha-dura dentro das
Forças Armadas, que propunha a ditadura, como forma de acabar com os
adversários do regime. Mas faltava um argumento definitivo para convencer os
chefes militares, que ainda eram favoráveis à manutenção da legalidade.
O fato que iria propiciar esse
“argumento” ocorreu em setembro de 1968. Foi um discurso pronunciado, na
tribuna do Congresso Nacional, pelo deputado Márcio Moreira Alves. Nesse
discurso, ele conclamava a população do país a boicotar os desfiles de 7 de
setembro. Era um discurso que, como tantos outros, poderia ter ficado esquecido
nos anais do Congresso. Mas os elementos da linha-dura resolveram explorá-lo
politicamente e distribuíram cópias do discurso nos quartéis. O efeito foi o
esperado: a indignação e a revolta. Os ministros militares resolveram processar
o deputado. Mas o processo dependia de autorização da Câmara e esta negou a
autorização.
3. O Ato
Institucional nº 5. Começa a ditadura
Diante dessa derrota na Câmara, o
regime militar muniu-se novamente de poderes excepcionais e, passando por cima
da Constituição que ele próprio instituíra, editou o Ato Institucional número
5. Esse documento - o AI-5, como ficou tristemente conhecido - devolveu ao
presidente da República, por tempo
indeterminado, os poderes para cassar mandatos e suspender direitos
políticos; demitir ou aposentar funcionários públicos, intervir nos estados e
municípios; e fechar provisoriamente o Congresso Nacional.
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Reunião do Conselho de Segurança Nacional que aprovou o AI-5, em 13 de dezembro de 1968. |
Inaugurou-se, assim, um novo
ciclo de cassações e demissões, incluindo muitos professores universitários. Entre
estes, Fernando Henrique Cardoso, afastado da Universidade de São Paulo. A
imprensa e todos os meios de comunicação passaram a sofrer uma censura rigorosa
e a tortura passou a fazer parte da rotina dos órgãos repressivos. O regime
assumiu, enfim, o caráter de ditadura
militar.
Um dos primeiros atos do governo
foi enviar o Exército para ocupar o CRUSP, o conjunto residencial da USP, uma
espécie de quartel-general do movimento estudantil. Todos os moradores foram
presos.
O endurecimento do governo reforçava
o argumento dos que defendiam a tese de que apenas a luta armada poderia
derrubar o regime, o que levou muitos elementos de esquerda, principalmente
estudantes, a pegarem em armas.
4. A luta
armada
A luta armada teve início quando
Carlos Marighella, um veterano comunista, se afastou do velho Partido Comunista
Brasileiro e formou a Aliança Libertadora Nacional (ALN).[1]
Em seguida, formaram-se outros
grupos, que também adotaram a luta armada: a Ação Popular (AP), o MovimentoRevolucionário 8 de Outubro (MR-8) e a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR),
para citar apenas os mais importantes. A luta se concentrou nas cidades, onde
era mais fácil enfrentar a repressão. Daí a expressão “guerrilha urbana”, dada
a essa forma de luta. Apenas o PC do B optou pela luta armada no campo e montou
um núcleo guerrilheiro na região do Araguaia, no Sul do Pará.[2]
No começo de 1969, a esquerda
armada ganhou um reforço importante, com a adesão de Carlos Lamarca, um capitão
do Exército. Lamarca, que era membro do clandestino VPR, fugiu do quartel de
Quitaúna, em Osasco (SP), onde servia, levando consigo uma grande quantidade de
armas. As ações mais comuns foram os assaltos a bancos, chamadas
“expropriações”, que visavam a obter recursos para financiar a luta e a
sobrevivência dos grupos.
5. A Junta
Militar
Para complicar ainda mais a
política nacional, no dia 28 de agosto de 1969, o presidente Costa e Silva foi
vitimado por uma trombose cerebral e não pôde mais continuar governando.
Deveria ter sido substituído por Pedro Aleixo, um civil que era o
vice-presidente. Mas sua posse foi vetada pelo “partido fardado”. No dia 31 de
agosto, mais um ato institucional – o de número 12 - foi decretado,
determinando que uma Junta Militar, formada pelos três ministros militares,
assumisse o governo provisoriamente.
Nessa época, os grupos armados de
esquerda intensificaram as ações políticas mais audaciosas. Apenas quatro dias
depois da posse da Junta, dois grupos de esquerda (ALN e MR-8) sequestraram o
embaixador dos Estados Unidos, e em troca da vida dele exigiram a libertação de
15 presos políticos.[3]
Os guerrilheiros esperavam ganhar a simpatia do povo e consequentemente
fortalecer-se para derrotar o regime militar.
Mas aconteceu o contrário: o regime
militar se fortaleceu ainda mais. Com base no AI-5, baixou leis ainda mais
duras. Um exemplo foi a pena de banimento, que seria aplicada a todos aqueles
que, no entendimento do regime militar, representassem um perigo à segurança
nacional. Os primeiros banidos foram justamente os presos trocados pelo
embaixador norte-americano. Outro exemplo foi a introdução da pena de morte
para ser aplicada em certos casos envolvendo a segurança nacional.
Junto com as leis mais duras, o
regime recorreu aos órgãos de repressão. Uns já existiam, outros foram criados
naquela época. Alguns órgãos se tornaram conhecidos pelas siglas, que ganharam
fama pelo terror que inspiravam. Entre eles, destacaram-se o DOPS, a OBAN e o
DOI-CODI, responsáveis por prisões, torturas, mortes e desaparecimentos de
presos políticos.
A vitória do regime militar foi
favorecida também pelo bom desempenho na área econômica. A inflação havia caído
drasticamente, ao mesmo tempo em que a economia retomava o crescimento, puxado
pelo setor industrial e pela construção civil. Essa fase da economia, que se
iniciou em 1968, foi denominada de “milagre brasileiro”.
Em outubro, Costa e Silva ainda
estava vivo, mas já estava claro que ele não poderia mais voltar ao governo.
(Ele faleceu no dia 17 de dezembro de 1969.) Diante dessa situação, a Junta
Militar declarou vagos os cargos de presidente e vice-presidente da República.
E providenciou a eleição de novos governantes.
Nesse momento, o assunto já vinha
sendo debatido no interior das Forças Armadas, e alguns nomes eram cogitados.
No fim prevaleceram os nomes do general Emílio Garrastazu Médici e do almirante
Augusto Rademaker, para os cargos de presidente e vice-presidente,
respectivamente. Esse mandato deveria durar de 30 de outubro de 1969 a 15 de
março de 1974.
Mas era preciso revestir essa
escolha de um mínimo de legitimidade, e para isso os nomes dos dois militares
foram formalmente confirmados pelo Congresso Nacional, especialmente reaberto
para essa finalidade (pois estava fechado desde dezembro de 1968). Oito dias
antes da reunião do Congresso, a Junta Militar decretou, sob o título de Emenda
Constitucional, uma nova Constituição.
No dia marcado para a eleição, o
MDB compareceu ao Congresso Nacional, mas em protesto não tomou parte na
votação, e isso era o máximo que o único partido de oposição podia fazer.
[1] Não confundir com a Aliança
Nacional Libertadora (ALN), que existiu em 1935, à qual pertenceu o líder
tenentista e (depois) comunista, Luís Carlos Prestes.
[2] Um guerrilheiro que
participou da luta no Araguaia é José Genuíno, conhecido líder do Partido dos
Trabalhadores (PT)..
[3] O sequestro do embaixador dos
Estados Unidos, Charles Elbrick, foi narrado no livro O que é isso companheiro, escrito por um dos sequestradores,
Fernando Gabeira. Posteriormente, foi tema de um filme, com o mesmo título,
dirigido pelo cineasta Bruno Barreto.
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