O GOVERNO
DE JUSCELINO KUBITSCHEK
(1956-1961)
Juscelino era formado em medicina, mas
encontrou na política sua verdadeira vocação. Trazia a experiência de prefeito
de Belo Horizonte e de governador de Minas Gerais. Tinha um estilo dinâmico e
sua administração se caracterizou sempre pelas grandes realizações.
O governo de Juscelino, ou JK, como
ficou conhecido, é lembrado, nos dias de hoje, como um dos poucos que deu certo
no Brasil. Em seu governo, diz-se, a democracia funcionou, a economia cresceu,
a vida cultural foi intensa, e até no futebol o Brasil foi campeão mundial.
Deixou uma imagem tão positiva que, até hoje, quando um político quer parecer
moderno e progressista, toma JK como modelo.
1. O Programa de Metas
Juscelino aproveitou estudos que já
vinham sendo desenvolvidos, desde anos anteriores, na elaboração do seu
programa de governo, que foi batizado com o sugestivo nome de Plano de Metas.
De fato, reunia uma série de “metas” - trinta e uma, ao todo -, que
privilegiava o setor industrial (os setores de energia, transportes e
indústrias de base), apenas mencionava a agricultura e a educação, e ignorava a
saúde. Era tipicamente um programa desenvolvimentista, e ia permitir um esforço
bem sucedido, sob a tutela estatal, para promover um crescimento acelerado da
indústria nacional.
2. A construção de Brasília
A meta-símbolo do programa de Juscelino
era a construção de Brasília, a nova capital. A obra se justificava tendo em
vista o que ela representaria como instrumento de integração territorial e de
ocupação do interior despovoado. Não é por outro motivo que a transferência da
capital para o interior do país já era, na verdade, uma ideia muito antiga. Já
havia sido proposta, na época da Independência, por José Bonifácio e depois
figurou no texto da primeira Constituição republicana (1891). JK soube perceber
a força propagandística que teria a construção de uma nova capital.
O projeto foi rapidamente aprovado pelo
Congresso Nacional, que, todavia, parecia não acreditar que a ideia fosse
levada à frente. Mas houve aqueles que discordaram da ideia da nova capital. Em
primeiro lugar, os funcionários públicos federais, que teriam de deixar o
conforto do Rio de Janeiro, e transferir-se para um local distante, no interior
do país. A UDN também não gostou. Segundo Boris Fausto, os udenistas alegavam “que
a iniciativa era demagógica, resultando em mais inflação e no isolamento da
sede do governo”.[1] Brasília, porém, não só foi
construída, como o foi em ritmo acelerado, com projetos do arquiteto OscarNiemeyer e do urbanista Lúcio Costa. Como se fora “uma flor solitária”, em
pleno planalto central brasileiro, Brasília foi inaugurada no dia 21 de abril
de 1960.
3. A política de industrialização
Juscelino havia feito sua campanha
prometendo “Cinquenta anos em cinco”. Quer dizer: “Cinquenta anos de progresso
em cinco anos de governo”. A rigor, ele não cumpriu a promessa. Nem poderia.
Mas ninguém discorda que seu governo promoveu um rápido crescimento da economia
brasileira, principalmente da indústria, cuja produção, como um todo, cresceu
em 80%. Os resultados mais significativos ocorreram nos ramos da indústria de
aço (100%), mecânica (125%), de eletricidade e comunicações (380%) e de
material de transporte (600%)...
Outra
importante realização do governo JK foi a instalação da indústria
automobilística no país, pois até então, essa indústria era de pequena
importância no Brasil. Para conseguir esses resultados, Juscelino contou com a
boa vontade dos investidores, aos quais ofereceu, além do mercado consumidor e
da facilidade para a importação de maquinarias, outras vantagens: aos
nacionais, créditos, e aos estrangeiros, possibilidade de remessa de lucros.
Juscelino deu início a um programa de
investimentos públicos, procurando modernizar e ampliar adequadamente a
infraestrutura de transporte e energia. Fez uma clara opção pelo transporte
rodoviário (20 mil km de rodovias e apenas 826 km de ferrovias). Construiu
várias usinas hidrelétricas e siderúrgicas, deixando outras em construção. Com
isso, JK criou condições necessárias para o estabelecimento das grandes
empresas estrangeiras, principalmente as automobilísticas.
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Em pé no fusca conversível, sorridente como era de seu estilo, Juscelino acena para a multidão, inaugurando a fábrica da VW em São Bernardo do Campo, em 1955. |
Coincidentemente, nessa época,
combinavam-se duas tendências que vinham favorecer o desenvolvimentismo de
Juscelino. De um lado, começava a expansão de um novo setor de consumo no
mercado brasileiro, o setor de bens de consumo duráveis (automóveis, eletrodomésticos);
de outro, iniciava-se uma nova fase de expansão do capitalismo internacional,
dirigindo investimentos aos países subdesenvolvidos. E o Brasil apresentava
boas perspectivas, pois já era um grande mercado e oferecia, a preços
baixos, matéria-prima e mão-de-obra.
4. O nacionalismo-desenvolvimentista
O governo JK se enquadrava no modelo
nacionalista-desenvolvimentista, já estudado anteriormente. Seu nacionalismo,
porém, diferia, em vários aspectos, daquele de Getúlio: era mais
desenvolvimentista do que nacionalista: não fazia críticas aos EUA, nem criava
restrições ao capital estrangeiro. Ao contrário, facilitou a vinda de capitais
estrangeiros para o Brasil. Juscelino parecia acreditar que a relação entre
país desenvolvido e país subdesenvolvido era uma relação de inferioridade e não
de exploração.
A ideologia nacionalista de JK insistia
na ideia de que era “destino do Brasil tomar o caminho do desenvolvimento” e
adotava a proposta da CEPAL de que a industrialização era necessária para
superar o subdesenvolvimento. Brasília aparecia, simbolicamente, como a
“capital da esperança”, emoldurando o quadro ideológico do discurso
nacionalista.
O nacionalismo de Juscelino não o
impedia de abrindo o país ao capital estrangeiro. Essa nova posição refletia o
esgotamento da capacidade interna de financiamento da industrialização, que
vinha sendo feita, sobretudo com capitais nacionais. À ação estatal e à empresa
nacional, JK acrescentou o capital privado estrangeiro. Em outras palavras, com
JK, o nacionalismo-desenvolvimentista reuniu três elementos fundamentais: a
ação estatal, a empresa privada nacional e o capital estrangeiro.
JK inaugurou, assim, uma nova fase no
modelo brasileiro de industrialização, a fase do “desenvolvimento associado”
(quer dizer, associado ao capital estrangeiro). Essa nova fase, que
representava um passo em direção à internacionalização da economia e seria
largamente implementado durante o regime militar, iniciado em 1964.
5. Habilidade para obter apoio e lidar com a
oposição
Juscelino era um típico político do PSD
de Minas Gerais - o “PSD mineiro” era conhecido por sua linha conciliadora - e
tinha uma natural habilidade para obter apoio de todas as classes. Tinha
atrativos para oferecer a cada uma:
·
para a burguesia nacional, oferecia crédito fácil e
garantia o mercado interno, com medidas restritivas às importações;
·
para os produtores rurais, oferecia apoio
financeiro e garantia de preços, e não os ameaçava com “reforma agrária”;
·
para os trabalhadores, oferecia reajustes salariais
e oferta de empregos.
O setor mais difícil de agradar era a
classe média, por causa dos aspectos censuráveis que acompanhavam o
desenvolvimentismo, em particular a corrupção e o favoritismo político, denunciados
pela oposição. Entretanto, a classe média não se sentia ameaçada em seu status social.
JK não misturava seu nacionalismo-desenvolvimentista com o populismo de
esquerda, que anteriormente servira de motivo para aproximar a classe média aos
militares antigetulistas.
Juscelino fez um apelo especial aos
intelectuais, especialmente àqueles mais sensíveis aos argumentos
nacionalistas. Nesse sentido, deve destacar-se o papel do ISEB (Instituto
Superior de Estudos Brasileiros), um centro de pesquisa e ensino voltado para
os problemas brasileiros, sediado no Rio de Janeiro.
JK demonstrou também grande habilidade
para lidar com os militares, que tanto trabalho haviam dado a Getúlio Vargas.
Atendeu aos pedidos de aumento de salários e de recursos para a compra de
equipamentos. Além disso, adotou uma postura anticomunista e de alinhamento com
os aliados tradicionais do Brasil. Seu nacionalismo era, portanto, centrista e
não incluía ataques aos EUA, nem ao imperialismo.
No Congresso Nacional, JK contava com o
importante apoio da coligação PSD-PTB, o que lhe garantia ampla maioria. Aos
políticos recalcitrantes, o presidente tinha muito que oferecer nas barganhas.
A tradicional oposição antigetulista, formada pela UDN e pela grande imprensa,
não chegava a criar problemas.
6. Relações de JK com os EUA
Desde o início, Juscelino Kubitschek se
esforçou para manter boas relações com as autoridades e os investidores
privados americanos, já que isso era importante para seu programa de
industrialização. Na área da Guerra Fria, não ocorreu nenhum fato novo que
criasse situações diplomáticas delicadas. Convém lembrar que a Revolução Cubana
não produziu efeitos durante seu governo.
Juscelino chegou a propor ao governo
americano a formulação de um programa de desenvolvimento para a América Latina,
envolvendo questões tais como acordos de preços de produtos primários e
empréstimos públicos de longo prazo. Esse programa, batizado de OperaçãoPan-Americana, não chegou a ser implementado, mas serviu de inspiração para os
EUA lançarem, mais tarde, com idênticos propósitos, a Aliança para o Progresso,
que, todavia, não teve vida longa.
7. O retorno da inflação
O ponto fraco do programa econômico de
JK era o financiamento. No início, esperava-se obter recursos das exportações.
Porém, a deterioração da balança de pagamentos comprometeu essa fonte e foi
preciso recorrer à emissão de moeda. A inflação voltou a crescer no primeiro
semestre de 1958. Começaram as pressões dos credores externos e do FMI.
Fundo Monetário Internacional (FMI) foi
criado no final da Segunda Guerra Mundial, com a finalidade de auxiliar a
expansão do comércio mundial, assegurar a cooperação financeira
internacional e a estabilização das taxas de câmbio.
Os países-membros fornecem uma reserva
da qual, em determinadas condições, podem sacar para cumprir compromissos
externos durante períodos de dificuldades. Nestes casos, o FMI exige, dos
países que solicitam ajuda, a adoção de certas medidas de caráter monetaristas,
típicas do modelo neoliberal.
Era, portanto, necessário tomar medidas
antiinflacionárias. Mas, Juscelino, espertamente, esperou passar as eleições
parlamentares daquele ano para iniciar entendimentos com o Fundo Monetário
Internacional (FMI) e adotar um programa de estabilização da moeda.
As medidas de estabilização propostas
pelo FMI são sempre medidas monetaristas. E, como já ficou dito anteriormente,
essas medidas têm o inconveniente de provocar a redução do crescimento
econômico e o aumento do desemprego. O plano ficou a cargo de Lucas Lopes
(ministro da Fazenda) e Roberto Campos (BNDE). O acordo com o FMI era
importante, pois dele dependia a liberação de um empréstimo pelo governo
americano.
Nos primeiros meses de 1959, o governo
começou a aplicar medidas de austeridade, com as conhecidas consequências:
·
redução do crédito - desagradou os empresários;
·
diminuição na compra do café excedente - os
cafeicultores reclamaram;
·
redução nos subsídios do petróleo e do trigo - a
população urbana protestou.
Enfim, ninguém gostou. E isso é normal,
pois todo programa de combate à inflação implica em medidas recessivas e,
portanto, impopulares (como estamos vendo agora, em 2015, no governo Dilma
Roussef).
As críticas da oposição começaram a
encontrar repercussão. A esquerda criticava a rendição ao FMI e denunciava
Lucas Lopes e Roberto Campos como porta-vozes do capitalismo norte-americano.
Sentindo a oposição interna crescer, JK deu uma virada espetacular: rompeu com
o FMI e demitiu a dupla Lopes-Campos, Considerou que seu governo já ia muito
adiantado para iniciar um programa de estabilização e deixou o problema da
inflação para o sucessor, como fariam muitos presidentes depois dele. Essa
atitude tolerante com a inflação, por parte de nossos governantes, fez com que
a inflação se tornasse uma praga muito resistente no Brasil.
8. Balanço do governo JK
Juscelino teve suficiente habilidade
política para contornar as crises e pôde passar a faixa presidencial ao seu
sucessor no final de seu mandato. Além de Dutra, ele foi o único a conseguir
essa proeza, durante a República Populista (1945-1964).
Além de inaugurar Brasília, abrir
estradas, construir hidrelétricas e outras realizações, JK conseguiu um grande
crescimento da economia, como mostra a tabela abaixo.
Taxas de crescimento da economia (1958-1964)
Ano
|
Crescimento do PIB (total)
|
inflação (%)
|
1958
|
7,7%
|
24,4
|
1959
|
5,6%
|
39,4
|
1960
|
9,7%
|
30,5
|
1961
|
10,3%
|
47,8
|
1962
|
5,3%
|
51,6
|
1963
|
1,5%
|
79,9
|
1964
|
2,9%
|
92,1
|
Fontes: Wanderley G. dos Santos (coord.), Que
Brasil é este? Rio de Janeiro, UPERJ/Vertice, 1990, p. 38.
Esse crescimento, entretanto, agravava
velhos problemas brasileiros: disparidades regionais, defasagem entre setores
arcaicos e modernos da economia, manutenção da miséria no campo e sua ampliação
nas grandes cidades, concentração da renda, clientelismo, corrupção.
A inflação era um caso particularmente
grave, por ter efeitos mais sensíveis e imediatos. Ao final do governo JK, a
inflação chegava a 30,5%, contra uma taxa de 13,5% prevista no Plano de Metas.
Contudo, é inegável que Juscelino
deixou o governo com grande prestígio popular e com muitas chances de voltar à
presidência numa próxima eleição, o que não foi possível devido à implantação
das eleições indiretas pelo regime militar. Juscelino faleceu num acidente
automobilístico na Via Dutra, em 1976, quando tinha 74 anos de idade.
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