OS MILITARES NO PODER NO BRASIL (1964-1985)
Com a deposição de João Goulart, assumiu a presidência da República o presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli. Mas o verdadeiro poder passou a ser exercido pelo Comando Supremo Revolucionário, integrado pelos novos ministros militares. Ele fora instalado, desde o primeiro momento, no Palácio da Guerra, por Costa e Silva, que assumiu sua chefia, alegando sua condição de general mais antigo da ativa. A vitória do movimento foi tão rápida que surpreendeu até seus próprios autores.
Como definir o movimento de 31 de março: foi um
golpe de Estado, uma revolução ou foi uma contra-revolução?
Um dos líderes do movimento, o coronel JarbasPassarinho, definiu-o como sendo uma contra-revolução;
ou seja, um movimento preventivo para impedir que uma revolução acontecesse no
país.
Por sua vez, os golpistas e os que os apoiaram, de
modo geral, definiram o movimento como uma revolução.
Com isso pretendiam dar legitimidade ao movimento e aos atos que ele praticou,
na suposição de que o governo que nasce de uma revolução vitoriosa é um governo
legítimo.
Mas os que estavam no lado oposto – isto é, os
cassados, os perseguidos, enfim, todos aqueles que não apoiaram o movimento, - esses
nunca reconheceram essa legitimidade e, por isso, sempre qualificaram o
movimento de 31 de março como um golpe
de Estado.
Entretanto, mais importante do que o nome a ser
dado ao movimento militar de 1964 é saber que solução havia sido dada à crise
da democracia populista. A direita havia triunfado e iria, a partir de então,
impor seu projeto ao país. Não seria com certeza um projeto democrático, nem,
muito menos, populista; seria, sim, um projeto de modernização do país pela via
conservadora e autoritária.
Os novos donos do poder começaram a baixar decretos, chamados Atos Institucionais, para regulamentar o novo regime. O primeiro deles, o Ato Institucional no. 1 (AI-1), foi introduzido no dia 9 de abril - lembrando que parte desse documento foi elaborado por Francisco Campos, o mesmo que havia redigido a Constituição de 1937.
A principal preocupação era reforçar o poder do presidente da República, que passava a ter poderes para cassar mandatos de parlamentares e suspender os direitos políticos dos cidadãos, pelo prazo de dez anos. Muitos foram os atingidos. Senadores, deputados, juízes, líderes sindicais, funcionários públicos, estudantes, militares, operários. Inclusive, os ex-presidentes João Goulart, Jânio Quadros e Juscelino Kubitschek. Enfim, milhares de pessoas foram perseguidas pelo novo regime. Houve inúmeras prisões e registraram-se muitos casos de torturas.
Os movimentos populares - estudantil, camponês e operário - foram duramente atingidos. A União Nacional dos Estudantes (UNE) foi declarada ilegal e teve sua sede no Rio de Janeiro incendiada por manifestantes direitistas. Universidades foram invadidas e muitos sindicatos sofreram intervenção. Sem contar o clima de medo e de incertezas que sempre se estabelece nessas situações.
O Congresso Nacional, entretanto, continuou aberto, embora mutilado pelas cassações de parlamentares. Também o Poder Judiciário permaneceu funcionando e a imprensa conservou-se relativamente livre. As eleições e os partidos políticos foram mantidos. Naquele momento, uma ampla parcela da população dava apoio ao golpe.
No dia 11 de abril de 1964, o Congresso Nacional
elegeu o novo presidente da República, o general Humberto de Alencar Castello
Branco, que tinha sido o principal chefe do golpe militar. Para a vice-presidência,
o Congresso elegeu um político da UDN de Minas Gerais, José Maria Alkmim. A
ideia inicial era que Castello Branco terminasse o mandato iniciado por Jânio
Quadros. Mas foi prorrogado até março de 1967, por uma emenda constitucional,
aprovada em junho de 1964.
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Marechal Castello Branco, primeiro presidente militar. Atrás dele, de óculos, o general Costa e Silva, que viria a ser o segundo presidente militar. |
Castello Branco formou seu governo com políticos do
PSD e da UDN, sendo que este último ficou com a maioria dos ministérios. A
participação majoritária da UDN não causava surpresa, pois esse partido tinha, como
já tivemos oportunidade de mostrar, uma longa tradição golpista. E finalmente,
com o golpe de 1964, surgiu para a UDN a esperada oportunidade de chegar ao
poder.
O presidente Castello Branco trouxe para o governo
um grupo de tecnocratas, que ficou responsável pela área econômica. O governo
tinha graves problemas econômicos, para enfrentar em caráter imediato:
- o país estava sem crédito no Exterior, o que dificultava a importação de produtos básicos, como era o caso do petróleo;
- a inflação estava disparando;
- a economia não estava crescendo.
1. O enfrentamento dos problemas
econômicos
Para atacar esses problemas, foi elaborado o
Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG), sob a responsabilidade de OtávioGouveia de Bulhões e Roberto Campos, respectivamente, ministros da Fazenda e do
Planejamento.
Segundo o PAEG, a inflação era o problema principal
da economia brasileira. Era, pois, preciso atuar sobre o que considerava suas
causas. Tanto o diagnóstico das causas da inflação, como as soluções propostas
seguiam de perto as linhas monetaristas, de acordo com o modelo neoliberal,
embora não chegasse a ser o receituário ideal do FMI. Os problemas enfrentados e as respectivas
soluções foram os seguintes:
1.1. O déficit do setor público
O déficit público ocorre quando a despesa do
governo é maior do que a receita. Numa explicação simplificada, o déficit
público se torna causa da inflação porque o governo se obriga a emitir dinheiro
para cobrir o déficit, e assim coloca no mercado mais dinheiro do que seria
razoável. O excesso de dinheiro aumenta a demanda e empurra os preços para
cima. A solução para eliminar o déficit público (ou seja, igualar receitas e
despesas do governo) consiste em aumentar a arrecadação e reduzir os gastos.
Não havendo déficit, o governo não se obriga a emitir dinheiro, nem adotar
outras medidas consideradas inflacionárias. É o que os economistas chamam de ajuste fiscal (Coincidentemente, estamos
vendo ser aplicado um ajuste fiscal no Brasil neste ano de 2015.)
As medidas propostas pelo PAEG para aumentar a
receita foram:
- o aperfeiçoamento do aparelho fiscal, com o objetivo de aumentar a arrecadação e ao mesmo tempo combater a sonegação;
- a criação da correção monetária para os impostos, para que os contribuintes evitassem atrasar o pagamento, e para estimular os depósitos em cadernetas de poupança. (A correção monetária acabou, mais tarde, estendendo-se a toda a economia).
E para reduzir as despesas :
- a elevação dos preços dos produtos e serviços das empresas estatais, que estavam defasados. Com isso, o governo esperava reduzir o déficit dessas empresas, que era pago pelo tesouro ;
- o corte dos subsídios que o governo concedia a certos produtos básicos, como o trigo e o petróleo. Esses reajustes provocavam, de imediato, uma elevação de preços, mas o governo esperava que estes se estabilizassem em seguida (é a chamada “inflação corretiva”);
- a redução dos gastos dos governos federal, estaduais e municipais);
- a proibição de que o Legislativo aprovasse leis aumentando as despesas.
1.2. O excesso de crédito no
setor privado
Para contornar esse problema, o governo adotou
medidas para dificultar a concessão de créditos e empréstimos, com a intenção
de reduzir o volume de negócios (compra e venda), e com isso inibir a elevação
dos preços.
1.3. A política salarial
Nesta área, o governo atuou através de três
elementos principais. Em primeiro lugar, o governo enfrentou a resistência
sindical, utilizando dois instrumentos:
- fez aprovar uma lei de greve (junho/1964), que tornava praticamente impossível a realização de movimentos grevistas;
- quebrou a resistência do movimento sindical, através da cassação de sindicalistas e da intervenção em sindicatos; até o final de 1965, o governo interveio em 428 sindicatos.
Em segundo lugar, o governo adotou um mecanismo de
redução dos salários. Por meio de uma lei salarial (junho/1965), o governo
introduziu uma sofisticada fórmula de reajuste, que rebaixava o valor real dos
salários à medida que eram reajustados por índices inferiores aos da inflação.
Naquelas circunstâncias, os sindicatos pouco podiam fazer contra esse
procedimento, que ficou conhecido por “arrocho salarial”.
O terceiro componente foi a extinção da estabilidade, que o trabalhador
adquiria ao completar dez anos na mesma empresa. Em seu lugar, o governo criou o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
(FGTS). Esse fundo é constituído com os recolhimentos mensais que a empresa faz
numa conta bancária, em nome do trabalhador, correspondendo a 8% do seu
salário. Esse fundo recebe juros e fica à disposição do trabalhador, que pode
sacá-lo em determinadas circunstâncias (demissão, aposentadoria, etc.).
Além dessas medidas, que tinham o objetivo de
estabilizar a moeda, o governo procurou aumentar as exportações, tanto de bens
primários, como de manufaturados e incentivou a entrada de capital estrangeiro.
Para isso, revogou a lei que estabelecia restrições à remessa de lucros para o
Exterior, por parte das empresas estrangeiras. O governo esperava com essa
medida, que essas empresas se animassem a investir no Brasil.
As medidas de ajuste fiscal, a curto prazo,
restringiram as atividades econômicas e acabaram provocando uma recessão no
país. Muitas empresas foram à falência ou reduziram suas atividades, o que
resultava em mais desemprego, ou foram compradas por empresas estrangeiras.
Os efeitos negativos das medidas adotadas, como sempre
acontecera antes, resultaram em muitas críticas. Todavia, desta vez, não houve
recuo. O governo Castello Branco, com o respaldo de um regime autoritário,
levou até o fim a política econômica adotada, logrando alcançar os objetivos
inicialmente propostos: o crédito no exterior foi restabelecido e o déficit
público declinou. Também a inflação caiu e a economia, como se pode ver pela
tabela abaixo, depois de 1966, lentamente voltava a crescer:
Crescimento Anual da Inflação e do Produto Interno Bruto (PIB): 1964-68.
Ano
|
Inflação anual
|
Crescimento do PIB
|
1964
|
91,9%
|
2,9%
|
1965
|
34,5%
|
2,7%
|
1966
|
38,8%
|
3,8%
|
1967
|
24,3%
|
4,8%
|
1968
|
25,4%
|
11,2%
|
Fonte: Fausto, B. Fausto, Boris. História do Brasil. S. Paulo, Edusp,
1995, p. 473.
2. A introdução das eleições
indiretas
Em outubro de 1965, realizaram-se eleições para
governador em vários estados do país. Em alguns estados importantes, como Rio
de Janeiro e Minas Gerais, o povo elegeu candidatos da oposição, o que
obviamente desagradou os líderes do regime, sobretudo um grupo mais radical,
que começava a ser chamado de linha-dura.
A reação do governo foi rápida, e veio através de
mais dois Atos Institucionais.
O primeiro deles foi o AI-2, decretado poucos dias
após ser conhecido o resultado das eleições, e tinha como objetivo tornar mais
difícil a vitória da oposição em futuras eleições. Estabelecia eleições
indiretas para presidente e para vice-presidente, a serem realizadas no
Congresso Nacional, por votação nominal.
Essa decisão fez com que Carlos Lacerda, que
esperava ser o candidato da UDN nas próximas eleições presidenciais, rompesse
com Castello Branco, tornando-se um crítico feroz do governo. Muitos líderes
civis acompanharam Lacerda nessa decisão, o que enfraqueceu o grupo castellista
e indiretamente fortaleceu a linha-dura.
O AI-3 foi decretado por Castello Branco, em
fevereiro de 1966. Estendia o princípio da eleição indireta também para os
governadores, através das respectivas Assembleias estaduais, e estabelecia que
os prefeitos das capitais passavam a ser nomeados pelos governadores. Com a
eleição indireta, o governo militar esperava impedir a vitória da oposição.
3. O Bipartidarismo
O AI-2, além das eleições indiretas, pretendeu
renovar o quadro partidário brasileiro. Extinguiu os partidos existentes e
estabeleceu as condições para a criação de novos partidos, exigindo um mínimo
de 120 deputados e 20 senadores. Havia no Congresso 475 parlamentares, sendo 66
senadores, e isso permitia formar três partidos.
Os aliados do governo, entretanto, logo atraíram
250 deputados e 40 senadores. E o que sobrou só deu para formar um. Por isso,
ficou havendo apenas dois partidos: Aliança Renovadora Nacional (ARENA),
reunindo os que apoiavam o governo, e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB),
onde entraram os da oposição. Mas sobre os dois iria pairar um terceiro
partido, o “partido fardado”, o verdadeiro senhor do poder.
Para o governo, a existência de apenas dois
partidos era uma faca de dois gumes. Se por um lado, facilitava para o governo
o controle dos políticos e das eleições; por outro, significava que, a partir
daí, as eleições tomariam, inevitavelmente, um caráter de plebiscito: quem
estava a favor do governo votava na ARENA, e quem estava descontente votava no
MDB. E a história posterior mostrou que o apoio popular ao partido de oposição
crescia a cada eleição.
Na primeira eleição que se realizou sob as novas
regras, em 1966, o governo saiu vitorioso: os candidatos da ARENA obtiveram
quase dois terços dos votos válidos para a Câmara dos Deputados. Mas houve uma
grande quantidade de votos nulos e brancos - 21% - o que indicava que uma
parcela significativa do eleitorado rejeitava a situação criada pelo regime
militar.
De fato, nesse mesmo ano, a oposição ao regime
militar havia começado a se manifestar com mais força. Ocorreram protestos
estudantis em várias partes do Brasil. E foi anunciada, para o início do ano
seguinte, a formação de um movimento oposicionista, que recebeu o nome de
Frente Ampla.
4. A nova Constituição
Antes de deixar o poder Castello Branco quis
estabelecer uma ordem legal definitiva no país. Para isso, submeteu ao
Congresso Nacional o texto de uma nova Constituição,
que foi aprovada, sem nenhuma alteração, em 24 de janeiro de 1967.
Essa ia ser a sexta da história do Brasil e a
quinta desde a Proclamação da República. De acordo com ela, o Brasil continuava
sendo uma federação, embora os estados tivessem agora menos poderes, e as
eleições presidenciais eram mantidas indiretas. O novo texto constitucional
fortalecia o poder Executivo, especialmente nos assuntos financeiros e de
segurança nacional. Por outro lado, o presidente perdia os poderes especiais,
porque cessava a validade dos atos institucionais.
Além da Constituição, Castello Branco fez aprovar,
no Congresso Nacional, uma Lei de
Imprensa, que introduzia a censura e facilitava a adoção de medidas legais
contra jornais e jornalistas. E impôs, através de um decreto-lei, uma Lei de Segurança Nacional, dirigida,
principalmente, aos adversários internos do regime militar, considerados
subversivos. “Novas penalidades eram previstas agora para os responsáveis por
guerras psicológicas ou para os promotores de greves que pusessem em risco o
governo federal”. [1]
A oposição protestou contra essa ordenação
autoritária, mas de nada adiantou. A partir daquele momento, o país iria ser
bem menos democrático do que havia sido até 1964. Mas a rigor, não se pode
chamar esse regime de ditadura, porquanto, apesar das restrições, continuavam
funcionando muitas das instituições que caracterizam um regime democrático. É
mais apropriado classificá-lo como autoritário. A ditadura viria pouco tempo
depois.
5. A sucessão presidencial
E como seria feita a sucessão de Castello Branco?
Já sabemos que o AI-2 havia estabelecido a eleição indireta para presidente
através do Congresso Nacional. Mas isso é só meia verdade, porque antes de o
candidato se apresentar ao Congresso, ele teria de ser indicado. E quem faria a
indicação seria o Alto Comando das Forças Armadas, a cabeça do “Partido
Fardado”.
Restava saber quem seria o candidato. A definição
do nome dependia de uma luta que se travava nos bastidores do poder, entre os
dois grupos em que os militares se dividiam.
De um lado, estavam os membros de um setor que
vinha ganhando força entre os militares, e era chamado de linha dura. Como já diz
o próprio nome, queriam prolongar e endurecer o regime militar, e mal
disfarçavam sua preferência pela ditadura, pura e simples.
De outro, estavam os mais moderados, que tinham no
presidente Castello Branco seu líder mais destacado. Declaravam-se
comprometidos com a democracia, e queriam um rápido retorno ao Estado de Direito.
Seguiam uma ideologia formulada na Escola Superior de Guerra, chamada Sorbonne.
Na disputa pela indicação, prevaleceu a candidatura
do general Costa e Silva, um dos líderes do golpe, e que na ocasião se
autonomeara ministro da Guerra. Essa indicação representava uma vitória da
linha-dura, e, portanto, uma derrota para o grupo castellista, que preferia ter
um civil como sucessor.
Para a vice-presidência, o escolhido foi Pedro
Aleixo, um veterano político da UDN mineira, que exercera, por algum tempo, o Ministério
da Educação e Cultura, no governo Castello Branco.
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