O ESTADO NOVO (1937-1945)
Com o golpe de Estado de 10 de novembro de 1937,
Getúlio Vargas introduziu, no país, a ditadura, batizada com o sugestivo nome
de Estado Novo. Mas não devemos
pensar que ela era obra apenas de Getúlio. Ele era, obviamente, a figura que
mais se destacava. Mas havia muitos outros com ele. Em primeiro lugar, havia os
militares, que, sem dúvida, constituíam o apoio mais importante. Figuras como
os generais Góes Monteiro e Eurico Gaspar Dutra foram decisivas para o
estabelecimento e para a manutenção do Estado Novo. Também contribuíram grupos
burocráticos, formados por altos escalões da administração pública. Esses
grupos defendiam um Executivo forte e capaz de realizar a modernização do país
“de cima para baixo”. As oligarquias regionais e a cúpula da Igreja Católica, apesar
de não participarem diretamente dos preparativos do golpe, deram seu apoio ao
novo regime, o que já era bastante importante. Portanto, quando dizemos
“ditadura do Getúlio” , devemos ter em mente que, na verdade, ela era de
Getúlio e de muita gente mais.
1. A
ditadura
Com o Golpe de Estado, o Poder
Legislativo foi fechado nos três níveis (federal, estadual e municipal). O
Judiciário foi mantido, mas subordinado ao Executivo. De maneira que o
presidente acumulava as funções executivas e legislativas, e governava através
de decretos-leis. As eleições presidenciais evidentemente foram canceladas e
os partidos políticos, proibidos. De acordo com a nova Constituição, deveria
haver um plebiscito para aprovar o regime, depois haveria eleições parlamentares,
e, em 1943, eleições presidenciais. Mas isso, como veremos, ficou só na
promessa.
No novo regime, todo o poder se
concentrava nas mãos de Vargas. Os estados perderam a autonomia, e passaram a
ser governados pelos interventores, nomeados pelo presidente. A centralização
do Estado brasileiro foi simbolicamente anunciado numa cerimônia pública em que
foram queimadas as bandeiras estaduais. A centralização administrativa foi
reforçada com a criação, em 1938, do Departamento Administrativo do Serviço
Público (DASP), que tinha como funções, entre outras, racionalizar o sistema
administrativo, fiscalizar a execução do orçamento, selecionar e treinar
funcionários públicos.
2. O
Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP)
Uma característica constante nas
ditaduras é a propaganda do regime ou do governante, o cerceamento da liberdade
de imprensa ou sua proibição, pura e simples. Essas funções, no Estado Novo,
competiam ao Departamento de Imprensa ePropaganda, mais conhecido pela sigla DIP.
Foi criado em dezembro de 1939, e diretamente vinculado ao presidente da
República. Fazendo largo uso da imprensa, do cinema e do rádio, o DIP difundia
uma ideologia favorável ao Estado Novo, que pudesse ser aceita pelas diversas
camadas sociais e grupos profissionais e intelectuais. Uma ideologia
nacionalista, que procurava integrar todos os brasileiros, patrões ou
empregados, como componentes da nação.
Apesar da repressão aos
opositores do regime, o Estado Novo procurou atrair intelectuais, artistas e
compositores para colaborar nesse esforço. Muitos aceitaram. Um deles, para
citar um nome bastante conhecido, foi Heitor Villa-Lobos (1887-1959), um dos
maiores nomes da musica erudita brasileira. De acordo com o novo contexto, o
Estado Novo buscava a regeneração dos costumes e a valorização do trabalho. Os
artistas foram induzidos a colaborar nesse esforço. Veja-se o samba O Bonde de São Januário, de WilsonBatista e Ataulfo Alves. Por interferência do DIP, os autores escreveram operário, em vez de sócio otário, como dizia a letra original.
3. A
política trabalhista
O Brasil era, então, um país onde
o capitalismo já se havia desenvolvido bastante e o conflito entre o capital e
o trabalho tenderia a se ampliar à medida que crescia a classe operária,
engrossada com a migração do campo para a cidade. O governo getulista procurou
evitar que isso acontecesse, não pela repressão pura e simples, embora esta não
estivesse excluída, mas pela adoção de uma abrangente política trabalhista, que
se assentava em dois elementos básicos..
1) O primeiro era a concessão de direitos
trabalhistas. Nesse particular, o
Estado Novo ampliou e sistematizou uma política que vinha sendo implantada
desde 1930. O mais significativo deles foi o salário mínimo. Embora já fosse
previsto na Constituição de 1934, ele foi instituído, por lei, em 1936, mas
tornou-se realidade apenas quatro anos depois, quando saiu a primeira tabela de
salário. O valor fixado resultava
(...) do somatório das despesas diárias de um trabalhador adulto
em alimentação, habitação, vestuário, higiene e transporte. Como esses
variariam de região para região, inquéritos anuais apurariam o quantum relativo
a cada uma para um trabalhador satisfazer suas ‘necessidades normais.
Nos primeiros tempos, o salário
mínimo cumpria essa função. Mas por causa da inflação, seu poder de compra se
viu constantemente reduzido, perda que os reajustes periódicos, ao longo dos
anos, acabaram não repondo completamente. É por isso que o salário mínimo se
transformou na miséria que é hoje.
2) O segundo elemento era o sindicalismo.
Desde 1931, o governo vinha regulamentando a atividade sindical. Mas foi a
Constituição de 1937 e a Lei Sindical de 1939, que completaram a estrutura do
sindicalismo brasileiro, valendo igualmente para patrões e empregados. O
objetivo do sindicato devia ser a “colaboração de classes”, sob a tutela do Estado,
pois como dissera o próprio Getúlio, num discurso pronunciado em 1938: “O Estado não quer, não reconhece a luta de
classes”.
Foi instituído o sindicato único
por categoria e seu funcionamento dependia de uma autorização do Ministério do
Trabalho. Em 1940, foi criado o imposto sindical (nome alterado, em 1966, para contribuição sindical). Esse
“imposto” era (e continua sendo) equivalente ao valor de um dia de trabalho,
pago obrigatoriamente por todo trabalhador registrado (sindicalizado ou não).
O “imposto sindical”, ao garantir
automaticamente recursos financeiros para os sindicato, deu origem à figura do pelego, forma pejorativa de designar o
dirigente sindical que está mais preocupado em favorecer o patrão ou o governo,
e assim se manter no poder, do que o próprio trabalhador.
A legislação trabalhista criada
pelo Estado Novo no campo do trabalho incluía ainda um sistema de previdência
social e uma Justiça do Trabalho e se completou, em 1943, com a promulgação da Consolidação
das Leis do Trabalho (CLT), reunindo toda a legislação trabalhista (produzida
desde 1930).
4. O
populismo
Ao conceder os direitos
trabalhistas, Getúlio Vargas pôde colocar-se como protetor dos trabalhadores,
fato que serviu de base para o aparecimento do populismo. Trata-se de um estilo político novo, somente possível no
contexto de uma sociedade onde a urbanização e a industrialização já haviam
atingido um determinado grau de desenvolvimento.
Como líder populista, Vargas se
dirigia diretamente à massa trabalhadora, trazendo-a para o primeiro plano do
cenário político, por meio da realização de grandes concentrações. A relação
direta com o governante dava ao povo a ilusão de que compartilhava com ele o
poder. O local preferido para os encontros com os trabalhadores era o estádio
de futebol do Vasco da Gama, no Rio de Janeiro. Nessas ocasiões, Getúlio Vargas
costumava fazer o anúncio de alguma medida de impacto político, em discursos
que ele sempre iniciava com o célebre “trabalhadores
do Brasil”. Nas comemorações do dia Primeiro
de Maio, o DIP preparava uma
grande festa operária. Nessa ocasião, os trabalhadores, além de comemorarem o
Dia do Trabalho, prestavam uma homenagem a Vargas, apelidado de “pai dos
pobres”.
Getúlio Vargas e outros
por ocasião do Desfile da Juventude,
realizado no campo do Vasco da Gama, em
07 de setembro de 1943. Rio de Janeiro
|
Na construção dessa imagem, papel
importante desempenhou o programa radiofônico Hora do Brasil, criado nessa época. Era veiculado obrigatoriamente
por todas as emissoras de rádio, e por ele Vargas, o ministro do Trabalho ou
outros funcionários se dirigiam aos brasileiros todas as noites. Artistas
famosos, como Carmem Miranda e Francisco Alves, apresentavam-se na Hora do Brasil, garantindo ampla
audiência em todo o país. Depois de Vargas, os principais líderes populistas
foram Juscelino Kubitschek e João Goulart.
5. O
desenvolvimento industrial e o novo papel do Estado
O desenvolvimento industrial
brasileiro se acelerou depois de 1930. As medidas tomadas para defender a
economia cafeeira dos efeitos da Crise Mundial de 1929 deram um grande estímulo
ao setor industrial. Para se ter uma ideia desse crescimento, basta dizer que
70% das indústrias, existentes em 1940, haviam sido instaladas após 1930. O
processo de industrialização foi favorecido, a partir de 1939, ao ter início a
Segunda Guerra Mundial. Efetivamente, a guerra dificultou as importações e
estimulou a produção interna. A partir deste momento, houve uma intervenção
deliberada e cada vez maior do governo na economia, em favor da
industrialização nacional. As formas mais frequentes de intervenção foram:
1. A elevação das tarifas
alfandegárias para proteger as empresas instaladas no Brasil da concorrência
dos produtos importados.
2. A criação de inúmeros órgãos e
institutos para coordenar e estimular certas atividades econômicas. Por
exemplo: Instituto do Açúcar e do Álcool, Comissão Nacional do Petróleo e a
Comissão de Planejamento Econômico.
3. A fundação de empresas de grande
porte - as “empresas estatais” - cujo volume de investimento somente o Estado
era capaz de reunir. Exemplos: Companhia Vale do Rio Doce, início da construção
da hidrelétrica de Paulo Afonso e Companhia Siderúrgica Nacional, em Volta
Redonda (RJ).
A industrialização atendia amplos
interesses sociais: trabalhadores, empresariado, por exemplo. O esforço pela
industrialização recebeu a um apoio adicional dos militares, pois a indústria
aparecia ligada à ideia de segurança nacional, com base no seguinte raciocínio: Indústria forte ® Exército
forte ® Estado forte.
Essa ideia de que a segurança
nacional dependia do desenvolvimento da indústria era o exemplo que a Alemanha
nazista vinha dando ao mundo. Com efeito, naquele momento, em que se iniciava a
Segunda Guerra Mundial, nenhum país europeu parecia oferecer resistência ao
exército altamente mecanizado da Alemanha.
Uma avaliação do Estado Novo foi
feita por Lourdes Sola, ao escrever:
As características contraditórias do Estado Novo, combinando
aspectos progressistas, como o impulso à industrialização, e conservadores,
como a repressão aos movimentos de esquerda, e a utilização de técnicas de
propaganda e coerção, apoiado nos grupos militares, integrou elementos típicos
(...), bastante comuns na evolução dos países subdesenvolvidos. O Estado
autoritário (...) se fazia, conscientemente, o principal instrumento de
acumulação capitalista, a serviço principalmente de uma burguesia incipiente,
mas fraca.[1]
[1] Sola, L. O Golpe de 37 e o
Estado Novo. In: Brasil em Perspectiva.
São Paulo-Rio de Janeiro, Difel, 1980, p. 282.
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