O GOVERNO DO GENERAL FIGUEIREDO
(1979-1985)
O novo presidente deu
continuidade ao processo de abertura política, e até chegou a prometer “fazer
deste país uma democracia”. O difícil processo de abertura ficou a cargo de um
habilidoso articulador político, o general Golberi do Couto e Silva, auxiliado
pelo ministro da Justiça, Petrônio Portela. O comando da economia permaneceu
nas mãos de Mario Henrique Simonsen, dirigindo um superministério do
Planejamento, e Delfin Netto voltou ao governo, ocupando a pasta da
Agricultura. A economia brasileira já vinha enfrentando muitas dificuldades e
por isso o novo período de governo não ia ser nada fácil.
1. A
continuidade da abertura, a anistia e a resistência da linha-dura
Pressionado pela sociedade, em
1979, Figueiredo deu importante passo no processo de abertura política ao
enviar ao Congresso Nacional um projeto de anistia, ou seja, um perdão aos
“crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados
por motivação política”. Aprovado o projeto, líderes políticos que estavam no exterior
desde o golpe de 1964, tais como Leonel Brizola, Miguel Arraes, Luís Carlos
Prestes, puderam, enfim, voltar para o Brasil. Mas a anistia acabaria sendo
criticada, pois perdoava também aqueles que, nos porões dos órgãos da
repressão, haviam torturado e, às vezes, matado presos políticos.
A linha-dura continuou agindo,
tentando prejudicar o processo de abertura. Bombas foram colocadas em bancas e
sedes de jornais, e na Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Uma foi enviada à
Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e acabou matando a secretária da entidade.
O caso mais grave foi o atentado ao centro de convenções do Riocentro, onde se
realizava um festival de música, que poderia ter provocado muitas mortes.
Felizmente, falhou e as únicas vítimas foram os próprios terroristas, atingidos
pela explosão da bomba que eles carregavam. Eram um sargento e um capitão do
Exército; o primeiro morreu e o segundo ficou gravemente ferido.
2. Reforma
partidária de 1979
A manutenção do bipartidarismo
havia se tornado inconveniente para o governo, em virtude do caráter
plebiscitário que as eleições assumiam, expondo o governo a sucessivas
derrotas, que os casuísmos não conseguiam mais evitar. Diante disso, o governo
fez o que era mais sensato. Enviou ao Congresso um projeto de reforma
partidária que foi aprovado, em dezembro de 1979. A nova lei eleitoral
extinguiu os partidos existentes (ARENA e MDB) e regulamentou a criação de
novas agremiações políticas, que deveriam conter no nome a palavra “partido”.
O partido do governo, a ARENA,
passou a chamar-se Partido Democrático Social (PDS). O partido da oposição, o
MDB, tentou sobreviver acrescentando um P à sigla: PMDB (Partido do Movimento
Democrático Brasileiro). E esperava, com isso, manter reunidas as diversas
forças que até então atuavam através do MDB.
Mas isso não aconteceu. Logo
começaram a surgir novas siglas: PT (Partido dos Trabalhadores), PDT (Partido
Democrático Trabalhista). Outros foram recriados (PTB, PSB). Os partidos
comunistas (PCB, PC do B) continuaram proibidos.
3. As eleições de 1982
A estreia dos novos partidos se
deu nas eleições gerais ocorridas em 1982, pois as eleições municipais, de
1980, haviam sido adiadas para coincidir com as eleições para governador, e
estes seriam, pela primeira vez desde 1965, eleitos diretamente pelo povo. Mais
de 48 milhões de eleitores compareceram às urnas, para escolher candidatos para
todos os cargos eletivos (exceto para presidente da República). O governo havia
criado o voto vinculado, ou seja, a obrigação de o eleitor votar em todos os
candidatos do mesmo partido. Essa medida visava a ajudar o PDS, que era mais
forte nas eleições municipais.
Apesar desse casuísmo, o PDS
obteve apenas uma pequena vantagem. Elegeu 12 dos 23 governadores, manteve a
maioria na Câmara (elegeu 234 dos 479 deputados), no Senado e no Colégio Eleitoral, que deveria eleger o
sucessor de Figueiredo. Mas o dado importante era a continuidade no crescimento
da oposição, incluindo a vitória nos três estados mais importantes: São Paulo,
com Franco Montoro; em Minas Gerais, com Tancredo Neves; e no Rio de Janeiro,
com Leonel Brizola.
4. A
recessão econômica de 1981-1983
Inicialmente, o ministro Simonsen
anunciou um plano recessivo para tentar acertar a economia brasileira, que
vinha apresentando problemas desde o governo anterior. Mas as pressões foram
tantas, que o ministro renunciou, apenas cinco meses depois. O cargo foi
entregue a Delfim Netto, que alimentou a esperança de um novo “milagre”, com o
lançamento do III Plano Nacional de Desenvolvimento.
Mas a situação econômica
continuou piorando. Em 1979, a inflação chegou a 77%, quase o dobro do ano
anterior. Nesse ano, ocorreu o segundo “choque do petróleo”, com nova elevação
dos preços do produto. As taxas internacionais de juros continuavam subindo,
jogando a dívida externa cada vez mais para cima. Nessas circunstâncias, ficou
mais e mais difícil obter novos créditos. As alterações introduzidas não
surtiram efeito e as reservas em dólares estavam esgotadas. Por isso, tão logo
passaram as eleições de 1982, o governo iniciou negociações com FMI (Fundo
Monetário Internacional). Recebeu uma pequena ajuda financeira, em troca do
compromisso de reduzir a inflação e, através de um ajuste fiscal, acertar as
contas internas do país. A fórmula era a mesma de sempre: corte de despesas,
aumento da receita e arrocho salarial.
Como sabemos, essa receita sempre
produz retração da economia e eleva os índices de desemprego. Mas derruba a
inflação. Nessa ocasião, porém, não funcionou: a inflação se manteve alta, em
torno de 100%, ao ano, ao mesmo tempo em que a economia se mantinha estagnada.
Era o fenômeno que os economistas chamam de “estagflação” - uma mistura de
estagnação e inflação.
A situação, todavia, para alívio
geral, melhorou a partir de 1984. A substituição gradativa da gasolina pelo
álcool e a queda dos preços internacionais do petróleo reduziram as despesas
com a importação. Por outro lado, houve um aumento das exportações. Apesar
dessa melhora, os números da economia brasileira eram preocupantes.
Observe a tabela abaixo.
Evolução do
PIB (total e per capita) e da inflação, 1978-1984.
Ano
|
Variação do PIB Total (%)
|
Variação do PIB per capita (%)
|
Inflação anual (%)
|
1978
|
4,8
|
2,4
|
40,8
|
1979
|
7,2
|
4,8
|
77,2
|
1980
|
9,1
|
6,7
|
110,2
|
1981
|
- 3,1
|
- 5,3
|
95,2
|
1982
|
1,1
|
- 1,2
|
99,7
|
1983
|
- 2,8
|
- 5,0
|
211,0
|
1984
|
5,7
|
3,4
|
223,8
|
Fonte: Wanderley G. dos Santos. In: Fausto, Boris. História
do Brasil. S. Paulo, Edusp, 1995, p. 40-41
O PIB per capita teve crescimento negativo em
três anos sucessivos, o que significa que, nesses anos, a população cresceu
mais do que a economia. Paralelamente, a inflação anual saltou de 40,8% para
223,8%, ao ano. E a dívida externa, no mesmo período, havia mais que dobrado:
saltara de 43,5 para 91 bilhões de dólares! Era como se uma bomba-relógio
estivesse sendo armada, para explodir nas mãos dos futuros governos.
5. A
campanha das “Diretas Já”
Em 1983, teve início uma campanha
que pedia a eleição direta para presidente da República. Iniciada pelo Partido
dos Trabalhadores, a campanha foi imediatamente assumida por uma frente que
reunia vários partidos políticos, liderada pelo PMDB. E acabou se transformando
num movimento popular, de âmbito nacional. A volta da eleição direta, contudo,
dependia da aprovação, no Congresso Nacional, de uma emenda que alterasse a Constituição.
Com o objetivo de introduzir essa alteração, o deputado federal Dante de
Oliveira apresentou uma emenda que levou seu nome, e se tornou a bandeira do
movimento das “Diretas Já”.
Multidões acorreram aos comícios.
As pessoas viam na campanha uma forma de protestar contra o regime militar e,
ao mesmo tempo, tinham a esperança de que, através de eleições diretas, fosse
possível eleger um presidente da República realmente comprometido com os
interesses populares, e que tivesse vontade política de resolver os problemas
que afetavam o povo.
Mas de nada adiantou. Apesar da
pressão popular, a emenda foi derrotada na Câmara dos Deputados. Ela recebeu
298 votos favoráveis, quando precisava de 320. A eleição presidencial
continuaria sendo indireta.
6. A disputa
no Colégio Eleitoral e a vitória da chapa Tancredo Neves-José Sarney
Com a derrota da Emenda Dante de
Oliveira, a disputa iria se dar no Colégio Eleitoral, formado pelos membros do
Congresso Nacional e por representantes das assembleias legislativas estaduais,
conforme estava previsto na Constituição. Apresentaram-se dois candidatos.
Pelo lado do governo, o candidato
foi Paulo Maluf, um político em
rápida ascensão. Havia sido, por nomeação, prefeito da cidade de São Paulo e,
por eleição indireta, governador do Estado de São Paulo. E, em 1982, elegeu-se
deputado federal, com uma votação expressiva. Ele não era o preferido do
presidente Figueiredo, mas conseguira sair-se vitorioso na disputa interna do
PDS, e havia obtido a indicação.
A candidatura de Maluf desagradou
a muitos políticos importantes do PDS. Entre eles, estavam Aureliano Chaves,
José Sarney e Marcos Maciel, que acabaram rompendo com o governo e formaram um
novo grupo político, chamado Frente
Liberal (que pouco depois deu origem ao Partido da Frente Liberal, o
conhecido PFL, e hoje se chama DEM).
Passo seguinte, a Frente Liberal
aproximou-se do PMDB e juntos formaram uma aliança, que recebeu o nome de Aliança Democrática,[1]
para concorrer com Paulo Maluf no Colégio Eleitoral. Como candidatos a presidente
e vice-presidente, a Aliança Democrática
apresentou os nomes de Tancredo Neves e de José Sarney, respectivamente.
Não era uma tarefa nada fácil
ganhar no Colégio Eleitoral, pois Maluf era considerado imbatível em eleições
indiretas, já que era capaz de recorrer a todos os meios para vencer. Mas se
Maluf era um político esperto, Tancredo Neves não o era menos. Certa vez,
alguém resolveu alertar Tancredo Neves e lhe disse que Maluf nunca havia
perdido uma eleição. Sem se abalar, Tancredo comentou: “É por que, até agora,
ele só enfrentou amadores”.
![]() |
Tancredo Neves e de José Sarney (de bigode). |
A eleição se deu no dia 15 de
janeiro de 1985. E o resultado foi, até certo ponto, surpreendente. A chapa
Tancredo-Sarney recebeu 480 votos e Maluf, apenas 180. O regime militar havia
sido vencido em seu próprio terreno.
Tancredo Neves era um político
veterano, que havia participado de alguns momentos dramáticos da vida política
brasileira. Em agosto de 1954, por exemplo, quando do suicídio de Vagas, ele
era o ministro da Justiça e se manteve leal ao presidente até o último
instante. Em 1961, quando sobreveio a crise da renúncia de Jânio Quadros, foi
Tancredo quem negociou a solução parlamentarista, tendo sido o primeiro a
exercer o cargo de Primeiro-ministro.
Ao longo de uma carreira política
de mais de cinquenta anos, havia sido sempre um homem de princípios.
Experiente, moderado e conciliador, Tancredo parecia ser o homem indicado para
executar a transição para o regime democrático.
7. A morte
de Tancredo Neves
Depois de eleito, Tancredo viajou
pelo país e fez uma viagem ao Exterior. Nas entrevistas que concedia, o
presidente eleito falava com clareza e objetividade dos problemas nacionais.
Suas maneiras simples e seu jeito de homem honesto inspiravam confiança e
conquistaram a simpatia da população. E ele acabou se tornando o depositário
das esperanças do povo.
Mas, no dia 15 de março de 1985,
Tancredo não pôde tomar posse na presidência da República. Adoeceu alguns dias
antes, vindo a falecer no dia 21 de abril, coincidentemente o dia da morte de
Tiradentes. Seu corpo foi levado de São Paulo para Brasília, depois para Belo
Horizonte e finalmente para São João del Rei, onde foi sepultado.
No lugar de Tancredo, quem tomou
posse, no dia 15 de março, foi o vice-presidente José Sarney. Mas Figueiredo,
considerando Sarney um traidor, não compareceu à cerimônia para transmitir-lhe
a faixa presidencial. E deixou a presidência com um pedido melancólico: “Que me
esqueçam!”
[1] Não confundir com a Aliança Liberal, formada em 1930, para
disputar a eleição presidencial daquele ano.
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