A REPÚBLICA VELHA EM CRISE E A REVOLUÇÃO DE 1930
Passados trinta anos de sua fundação a República havia
envelhecido. Dominada pelas oligarquias agrárias, ela havia sido incapaz de
assimilar as profundas mudanças que ocorriam no país. Por isso, a partir de
certo momento, mais exatamente, na década de 1920, os vícios da República Velha
passaram a ser criticados cada vez com mais vigor, evidenciando a crise de um
sistema que acabaria de vez em 1930.
1. A
urbanização
Uma das
mudanças mais visíveis, pela qual passava o país, era o crescimento da
população urbana. Observemos, para fazer uma idéia, os dados da tabela abaixo:
Crescimento da
população urbana (1890-1920)
1890
1920
Rio de Janeiro
522 651
1 157 000
São Paulo
64 934
579 000
Salvador
174 412
283 432
Fonte: Mendes Jr., Antônio e Maranhão, Ricardo.
Brasil - História.
Texto e Consulta. República Velha. São Paulo, Brasiliense, 1983, v.
3, p. 334.
Além dessas três cidades, também Recife, João Pessoa, Porto
Alegre e Natal, entre outras, duplicaram o número de seus habitantes entre 1900
e 1920. O crescimento das cidades representava uma contradição, ou seja, era um
fator de enfraquecimento para a República Oligárquica, porque a população
urbana estava menos submetida ao mandonismo dos “coronéis”.
Todas as cidades cresceram, mas o crescimento mais
significativo se deu na capital do estado de São Paulo. A principal causa do
crescimento populacional foi o afluxo de trabalhadores, oriundos em boa medida
da Europa. A ferrovia foi outro fator de crescimento de São Paulo, propiciando
a formação de bairros operários nas proximidades das estações e estimulando as
atividades econômicas. Contribuiu, também, ao reforçar o papel da capital
paulista como elo entre a região produtora de café e o porto de Santos. Nela se
encontravam a sede dos maiores bancos e os principais empregos burocráticos.
Outro fator importante foi o aumento do parque industrial que, justamente em
São Paulo, como vimos, teve um crescimento mais rápido.
1890
|
1920
|
|
Rio de Janeiro
|
522 651
|
1 157 000
|
São Paulo
|
64 934
|
579 000
|
Salvador
|
174 412
|
283 432
|
2. O surgimento de novas classes sociais
Ao mesmo tempo em que se dava o crescimento das cidades e
da indústria, a sociedade ficava mais complexa, com o surgimento de novos
grupos e classes sociais, que nem sempre encontravam espaço no esquema
oligárquico, e passaram a apoiar e, até, a exigir mudanças políticas. É esse
processo que vamos estudar em seguida.
2.1. A burguesia industrial
O crescimento do número de fábricas indica que se
desenvolvia um novo setor da classe dominante, a burguesia industrial. De
maneira simplificada, podemos dizer que burguesia é a classe social formada por
donos de indústrias, de bancos e de grandes estabelecimentos comerciais, e seu
desenvolvimento está ligado ao desenvolvimento do sistema capitalista. Ou seja,
nos países capitalistas mais adiantados, à medida que o capitalismo se
desenvolveu, acompanhando a expansão das fábricas, a burguesia se fortaleceu
economicamente e acabou chegando ao controle do poder político. Isso
representava uma mudança progressista, porque significava tirar do poder a
elite agrária, uma força conservadora.
Em nosso país, porém, as coisas se passaram de maneira
diferente. Afinal, o Brasil foi colônia de exploração, e, mesmo depois da
Independência política (1822), manteve-se como país dependente economicamente.
Por isso, entre nós, o capitalismo teve seu desenvolvimento retardado. Logo,
também a burguesia brasileira se desenvolveu tardiamente, e, como vimos, ela
surgiu em função da economia cafeeira. No início da República, período que
estamos estudando, a burguesia era demasiadamente frágil e não tinha condições
de se impor politicamente e tomar o poder. Ficava a reboque das oligarquias
agrárias. E limitava-se a pressionar o governo para obter o que era de seu
interesse imediato. Por exemplo, a desvalorização da moeda nacional,
empréstimos ou adoção de taxas alfandegárias protecionistas.
Mesmo no final da República Velha, apesar do crescimento
urbano industrial, a burguesia ainda não havia se fortalecido o bastante para
se opor ao domínio das oligarquias com um projeto político burguês para o
Brasil. Mas seu aparecimento contribuía para tornar mais complexa a sociedade,
o que, de alguma forma, era um complicador para a dominação oligárquica.
2.2. A classe média
Com o desenvolvimento urbano-industrial, ocorreu também o
crescimento da classe média, principalmente nas cidades maiores, formada por
profissionais liberais, pequenos empresários, funcionários públicos, militares
e empregados do setor de serviços em geral. A classe média era mais numerosa no
Rio de Janeiro, que, sendo a capital do país, concentrava grande número de
funcionários públicos, civis e militares. A classe média sofria muito com o
aumento do custo de vida e com problema da falta de moradia. Como esses
problemas também afetavam o operariado, às vezes essas duas classes se uniam em
movimentos de protesto, como aconteceu na Revolta da Vacina.
A classe média, embora não se opusesse ideologicamente à
República Oligárquica, sentia que “aquela não era a República dos seus sonhos”,
e na expectativa de mudanças tendia a votar nos candidatos da oposição. Foi
isso o que aconteceu nas eleições de 1910, 1922 e 1930, as únicas em que houve
realmente disputa eleitoral, com alguma chance de vitória do candidato da
oposição. Mas o sistema político montado pelas oligarquias, baseado no “voto de
cabresto”, acabava prevalecendo, frustrando o desejo de mudanças através da via
eleitoral, o que explica, em parte, algumas das revoltas ocorridas no período
(Revolta da Vacina, revoltas tenentistas, etc.).
2.3. O operariado
Outra classe que ganhou importância social e política, com
o crescimento urbano-industrial, durante a República Velha, foi o operariado (ou
proletariado). Essa é a classe constituída dos trabalhadores das fábricas, das
ferrovias, dos portos. Enfim, dos trabalhadores braçais urbanos.
Suas condições de vida e de trabalho eram muito ruins. Os
salários eram baixos, e constantemente perdiam seu poder de compra por causa da
inflação. As jornadas de trabalho eram
longas, geralmente mais de dez horas por dia, durante seis dias da semana.
Diversos direitos trabalhistas, que conhecemos hoje, não existiam naquele
tempo.
Além disso, era muito comum o
emprego de mulheres e de crianças, cujos salários eram ainda menores do que os
dos homens. Para mudar esse estado de coisas, era preciso organização e muita
luta. Os trabalhadores conseguiram atingir algum grau de organização,
principalmente na criação de sindicatos. Por ocasião da Primeira Guerra
Mundial, havia centenas deles, mas funcionavam precariamente e nunca
conseguiram abranger senão uma pequena parcela dos trabalhadores.
Em virtude da grande presença de
imigrantes europeus (italianos, espanhóis, portugueses), difundiram-se, nos
Brasil, as doutrinas socialistas. A mais difundida no seio do operariado em São
Paulo foi o anarco-sindicalismo, uma
variante do anarquismo, que fez muito sucesso na Europa e, com a imigração,
difundiu-se na América e no Brasil, entre o final do século XIX e o começo do século
XX.
O anarco-sindicalismo. No Brasil
fez mais sucesso o anarco-sindicalismo, que destacava o sindicato como
instrumento da ação libertadora do operariado. O meio para conseguir a
transformação da sociedade seria a greve geral revolucionária. Portanto, para
os anarco-sindicalistas, as reivindicações imediatas (aumentos de salários, por
exemplo) eram apenas uma forma de mobilizar os trabalhadores, preparando-os
para a grande ação revolucionária. O anarco-sindicalismo era mais forte em São
Paulo, justamente onde era maior a presença dos trabalhadores estrangeiros,
italianos principalmente.
Mas a luta e a organização dos
trabalhadores não eram uma coisa fácil. Na verdade, os problemas eram muitos.
Os trabalhadores, em geral, estavam dispersos por pequenas fábricas e os
patrões faziam ”listas negras” dos trabalhadores mais combativos. A repressão e
a vigilância nas fábricas eram grandes e até havia leis que autorizavam o
governo a expulsar do Brasil trabalhadores estrangeiros “incômodos”. Além de
tudo isso, o fato de muitos trabalhadores serem estrangeiros também criava
dificuldades, pois havia rivalidades étnicas e diferenças de língua. (Uma
interessante leitura sobre esse tema é o livro Anarquistas, graças a Deus, de Zélia Gattai)
3. A greve de 1917
O momento de maior glória do movimento operário, durante a
República Velha, se deu entre 1917 e 1920, quando uma onda de greves ocorreu
nas grandes cidades do país, especialmente em São Paulo e no Rio de Janeiro. A
causa imediata dessas greves foi a acentuada elevação do custo de vida, que se
registrou na época, o que provocava, em consequência, a queda do poder
aquisitivo dos salários. O ponto alto desse movimento grevista se deu na
capital paulista, nos meses de junho e julho de 1917. No curso da greve, que
chegou a paralisar toda a cidade, formou-se o Comitê de Defesa Proletária.
Os principais pontos do programa de reivindicações da greve
de 1917 eram: aumento de salários, proibição do trabalho de menores de catorze
anos, jornada de oito horas, pagamento de horas extras com acréscimo de 50%,
fim do trabalho aos sábados à tarde, garantia de emprego, respeito ao direito
de associação, medidas contra a carestia, redução dos aluguéis.
A greve se encerrou por um acordo com a mediação de um
Comitê de Jornalistas. Houve um aumento de salários e promessas de que as
demais reivindicações seriam atendidas. Mas o aumento salarial logo foi anulado
pela inflação e quanto às promessas muito pouco saiu do papel. Em 1919, foi
aprovada uma lei que regulamentava indenização por acidentes de trabalho; em
1925, mais duas leis: uma prevendo quinze dias de férias e outra limitando o
trabalho de menores. Porém, essas leis nem sempre eram respeitadas e a lei de
férias nem chegou a ser regulamentada, de maneira que os direitos trabalhistas
teriam que aguardar ainda alguns anos para serem realmente adotados no país.
De qualquer forma, a partir de 1920, a onda grevista
declinou. Veio a repressão, com as prisões, o fechamento de sindicatos e a
expulsão do Brasil dos líderes operários estrangeiros. O movimento
anarco-sindicalista rapidamente tendeu a desaparecer, e seu lugar foi ocupado
pelos comunistas.
A
fundação do Partido Comunista do Brasil (PCB) Logo depois que os comunistas se tornaram vitoriosos
na grande Revolução Russa, iniciada em 1917, partidos comunistas surgiram nos
quatro cantos do mundo. No Brasil, um grupo de comunistas, vindos de diversas
partes do país, se reuniram em Niterói, nos dias 25 a 27 de março de 1922, e
fundaram o Partido Comunista do Brasil (PCB). Mas em seguida, o partido foi
proibido pelo governo e teve de cair na clandestinidade.
Enfim, o que se quer mostrar, ao apontar essas mudanças
sociais (o crescimento urbano industrial e o surgimento de novas classes
sociais), é que elas criaram no país uma realidade que enfraquecia o domínio
político das oligarquias. E foi nesse terreno que atuaram outros fatores que
derrubaram a dominação oligárquica. Esses fatores foram o Tenentismo e a
divisão das oligarquias, que veremos a seguir.
4. O movimento tenentista
Durante toda
a República Velha, os militares haviam promovido muitas intervenções na vida
política do país. Mas a década de 20 foi marcada por uma intervenção militar
diferente e mais visivelmente combativa. Tratava-se do Tenentismo, um movimento
de jovens oficiais do Exército que pretendia introduzir, pela força, mudanças
na vida política do país. Era herdeiro de uma tradição, cujas origens podem ser
encontradas nas pregações positivistas entre os militares, nos últimos anos do
Império, passando depois pelo florianismo, no início da República.
O nome Tenentismo veio do fato de que a maioria
dos seus participantes eram tenentes. Mesmo quando se tratava de um capitão ou
mesmo de um general, desde que participassem do movimento, eram designados
genericamente de “tenentes”.
O movimento
tenentista nasceu de um descontentamento generalizado com o voto de cabresto,
com as fraudes eleitorais e com outros procedimentos corruptos, que permitiam o
domínio das oligarquias sobre a República. Os “tenentes” se consideravam os
responsáveis pela salvação nacional, os defensores da pureza das instituições
republicanas. Não acreditavam nos métodos democráticos, representados pelo voto
universal e pelas eleições diretas, porque achavam que o povo, ignorante e
passivo, era incapaz de lutar por seus próprios interesses. Caberia aos
militares - aos “tenentes”, no caso - fazer as mudanças pela força das armas.
4.1. A Revolta do Forte de Copacabana (1922)
Os tenentes promoveram várias
revoltas. A primeira delas se deu em julho de 1922, logo após a eleição do
mineiro Artur Bernardes para a presidência da República. Durante a campanha,
havia surgido uma hostilidade entre Bernardes e os militares. A causa havia
sido a publicação por um jornal do Rio de Janeiro de duas cartas consideradas
injuriosas ao Exército, e cuja autoria era atribuída a Bernardes. Numa delas,
ele se referia ao marechal Hermes da Fonseca como um “sargentão sem compostura”
e fazia outras referências deselegantes aos militares, que consideraram essas
cartas insultuosas.
Esse foi o
conhecido episódio das “Cartas Falsas”, pois Bernardes negou ser o autor delas
- o que foi provado mais tarde. Entretanto, naquele momento, o Clube Militar
considerou verdadeiras as cartas. Para agravar as coisas, pouco depois o
presidente do Clube Militar, o marechal Hermes da Fonseca, foi preso e próprio
clube foi fechado. Nesse contexto de tensões exacerbadas, no dia 5 de julho de
1922, teve início a revolta tenentista em algumas unidades militares, no Rio de
Janeiro, tendo no Forte de Copacabana seu foco mais significativo.
Os canhões do
forte chegaram a disparar sobre alguns pontos da cidade, mas os revoltosos
acabaram cercados, por terra e por mar. Na manhã do dia 6, apenas 28 militares
ainda resistiam. Por fim, os últimos defensores do forte, em número de
dezessete, saíram pela praia de Copacabana ao encontro das tropas
governamentais. No caminho, um civil se juntou a eles. Na fuzilaria que se
seguiu, morreram dezesseis. Sobreviveram os tenentes Siqueira Campos e Eduardo
Gomes.[1]
Em novembro,
Bernardes tomou posse na presidência, iniciando um governo que viria a ser o
mais agitado da história da República Velha. Para se ter uma ideia da agitação
do período, considere-se que dos 48 meses do mandato, ele passou 44 sob estado
de sítio.
4.2. A Revolução Paulista de 1924
A segunda
revolta tenentista ocorreu em São Paulo, em julho de 1924, exatamente no
segundo aniversário da revolta anterior. Foi liderada pelo general Isidoro DiasLopes e contou com a participação de figuras que se tornariam importantes
posteriormente. Destacaram-se os irmãos Távora (Juarez e Joaquim), Eduardo
Gomes, Estillac Leal e Miguel Costa.
O levante
tinha o objetivo expresso de derrubar o presidente Bernardes, que, aos olhos
dos “tenentes”, simbolizava as odiadas oligarquias. Os rebeldes dominaram a
capital paulista até o dia 27, quando decidiram abandonar a cidade e seguir
para o interior. Essa foi a “coluna paulista”, que se dirigiu para o Paraná e
se fixou num lugarejo nas proximidades da foz do Rio Iguaçu, enquanto esperava
outra coluna que vinha do Sul. Da união das duas forças revolucionárias,
formou-se a Coluna Prestes, em abril de 1925.
4.3. A Coluna Prestes
Esta
constituiu a terceira e mais importante manifestação do movimento tenentista.
Foi comandada pelo capitão Luís Carlos Prestes e pelo general Miguel Costa. Os
revolucionários decidiram percorrer o Brasil para difundir a ideia da revolução
e levantar a população contra as oligarquias. Segundo palavras do próprio
Prestes, o objetivo da Coluna era desviar a atenção do governo para o interior
do país, facilitando um levante na capital para derrubar Artur Bernardes e
tomar o poder.
Deslocando-se
constantemente, a coluna percorreu cerca de 25 mil quilômetros, durante dois
anos. Enfrentou principalmente tropas formada pelas polícias estaduais e pelos
“jagunços” dos “coronéis”, evitando os confrontos com tropas do Exército. A
coluna nunca foi vencida, mas também não conseguiu seu objetivo. No início de
1927, após a saída de Bernardes, os revolucionários consideraram encerrada sua
luta, e internaram-se na Bolívia, onde conseguiram asilo político.
A partir daí,
os “tenentes” iriam dividir-se em duas correntes. Uma mais radical e outra mais
moderada. A corrente moderada acabaria por aproximar-se das oligarquias que
estavam na oposição (chamadas “oligarquias dissidentes”) e tomou parte na
Revolução de 1930. Com a vitória da revolução, esta corrente organizou-se no
Clube 3 de Outubro e exerceu grande influência no governo revolucionário pós-30.
Enquanto isso,
a corrente mais radical, liderada por Luís Carlos Prestes, continuaria na
oposição. Em 1930, da Argentina, onde se achava exilado, Prestes lançou um
manifesto em que declarava sua adesão às ideias comunistas e justificava sua
recusa em tomar parte na Revolução, considerando-a uma mera disputa entre oligarquias.
5. A divisão das oligarquias
Outro fator de
enfraquecimento da República Velha foi a divisão entre as próprias oligarquias
e a consequente luta entre elas. É preciso lembrar, de início, que essas lutas
eram “normais” dentro da lógica do sistema e não chegavam a colocar em risco a
dominação oligárquica.
Mas desde
1922, ano da sucessão de Epitácio Pessoa, as divergências entre as oligarquias se
aprofundaram. Nessa ocasião, o candidato da política do “café-com-leite” foi o
mineiro Artur Bernardes. Mas os estados do Rio Grande do Sul, Bahia, Pernambuco
e Rio de Janeiro se uniram contra a candidatura oficial, e lançaram um
movimento de oposição, chamado Reação Republicana, indicando Nilo Peçanha para
a presidência.
A oposição
desenvolveu uma intensa campanha, procurando atrair o voto da população urbana,
sempre mais receptiva às críticas ao governo. Propunha o combate à inflação e
criticava a política de valorização do café, que favorecia principalmente o
Estado de São Paulo.
Apesar de
tudo, Bernardes venceu e tomou posse. Seu mandato, porém, foi agitado por lutas
prolongadas. Para governar, Bernardes teve de recorrer ao estado de sítio
durante a maior parte do tempo, conforme foi citado anteriormente.
As lutas
oligárquicas mais dramáticas se deram no Rio Grande do Sul, onde teve início,
em janeiro de 1923, uma sangrenta guerra civil que se arrastou por onze meses.
De um lado, estava o governador Borges de Medeiros e seus aliados, e, de outro
estavam as oposições unidas na Aliança Libertadora. Em dezembro desse ano, os
adversários chegaram a um acordo, mas ainda assim as tensões persistiram até
1927, quando se deu a eleição de Getúlio Vargas para governador e sua eleição
conduziu à pacificação do estado.
Enquanto no
Rio Grande do Sul as forças políticas se uniam, em São Paulo, as divergências
levaram à fundação, em 1926, do Partido Democrático, em oposição ao velho PRP.
Seus quadros dirigentes constituíam-se de profissionais liberais de prestígio e
de jovens provenientes de famílias tradicionais de São Paulo. O partido
defendia o voto secreto e a moralização do sistema eleitoral e despertou a
simpatia de uma parcela significativa da classe média. Chegou a reunir 50 mil
nomes numa lista de apoio, sem, contudo, ameaçar o tradicional domínio político
do PRP.
Mas a divisão
mais importante, a divisão irremediável entre as oligarquias iria acontecer por
ocasião das eleições de 1930, quando se deu a ruptura da política do
“café-com-leite”.
6. As eleições de 1930 e a formação da Aliança Liberal
Washington
Luís, paulista (paulista adotivo, pois era natural do Estado do Rio de
Janeiro), que sucedera ao mineiro Artur Bernardes, deveria apoiar um candidato
de Minas Gerais para as eleições de 1930. E, na verdade, o governador daquele
estado, Antônio Carlos de Andrade, esperava que fosse sua vez no jogo da
sucessão presidencial.
Washington
Luís, todavia, insistiu em indicar Júlio Prestes, governador de São Paulo, como
candidato oficial. É difícil entender por que Washington Luís tomava uma
atitude tão temerosa. É possível que quisesse, como sucessor, alguém que
garantisse a continuidade da política de estabilização da moeda que vinha
seguindo.
Antônio Carlos
de Andrada não aceitou ser passado para trás. Aliou-se a Borges de Medeiros,
chefe político do Rio Grande do Sul, e a João Pessoa, governador da Paraíba e
sobrinho do ex-presidente Epitácio Pessoa. Lançaram a Aliança Liberal, um
agrupamento político de oposição formado especialmente para disputar as
eleições presidenciais. Foram indicados Getúlio Vargas e João Pessoa como
candidatos a presidente e a vice-presidente, respectivamente.
A Aliança
Liberal apresentou um programa que previa mudanças importantes. Entre elas,
destacavam-se o voto secreto, a anistia política, o voto feminino, a
regulamentação do trabalho da mulher e do menor, a jornada de trabalho de oito
horas, a aplicação da lei de férias e o incentivo à produção nacional em geral
e não apenas ao café. Como se vê, era um programa amplo, que pretendia agradar
a população urbana, obter o apoio do movimento tenentista e também das oligarquias
não ligadas ao café.
Apesar disso,
as chances dos candidatos aliancistas eram mínimas, tendo em vista o maior
número de apoios que a candidatura oficial conseguia reunir. A eleição
realizou-se no dia 1º de março. O resultado foi o esperado: Júlio Prestes
obteve 1.027.000 votos, contra 809.307 dados a Getúlio. Houve acusações de
fraudes de ambos os lados, mas como isso fazia parte do jogo, a atitude inicial
dos líderes aliancistas - Antônio Carlos de Andrada, Borges de Medeiros,
Getúlio Vargas e João Pessoa - era no sentido de aceitar o resultado da
eleição.
7. Os preparativos da Revolução
Nem todos os
aliancistas, contudo, concordavam com essa atitude. Havia um setor mais radical
que pretendia recorrer às armas para reverter a situação. Era formado por
políticos mais jovens, tais como Osvaldo Aranha, Lindolfo Collor (avô de
Fernando Collor, que foi presidente do Brasil), Francisco Campos e outros, que
ficaram conhecidos como “tenentes civis”, assim chamados porque, embora civis,
identificavam-se com os ideais reformistas dos militares.
Esse setor
vinha mantendo contatos com os “tenentes” com o objetivo de lançar um movimento
revolucionário. Muitos deles, tais como Juarez Távora, João Alberto, Siqueira
Campos, que inclusive já haviam apoiado a Aliança Liberal, concordaram em tomar
parte no movimento.
Essa posição
não foi acompanhada por Luís Carlos Prestes, que liderava a ala mais radical do
Tenentismo. De Buenos Aires, onde se encontrava exilado, desde o fim da “Coluna
Prestes”, lançou, em maio de 1930, um manifesto em que se declarava comunista e
contra uma revolução que seria feita pelas oligarquias.
A falta de
apoio dos líderes aliancistas e o manifesto do Prestes esfriaram o entusiasmo
revolucionário, e, em meados de 1930, eram poucos os que ainda acreditavam que
a revolução pudesse ocorrer. Foi então que um acontecimento inesperado mudou
completamente a situação.
8. O assassinato de João Pessoa e o início da revolução
No dia 26 de
julho, João Pessoa, que havia sido candidato a vice-presidente na chapa de
Getúlio Vargas, foi assassinado numa confeitaria, em Recife. O crime foi cometido
por razões particulares, mas naquele momento foi explorado politicamente. A
oposição culpou o presidente, já que o assassino pertencia a uma oligarquia
ligada a Washington Luís. O corpo de João Pessoa foi trazido para o Rio de
Janeiro e seu sepultamento reuniu uma grande massa.
Você deve ter notado a expressão "Presidente João Pessoa". Isso acontecia
porque na República Velha os governadores
tamém éra chamados de "presidentes".
A partir daí,
o projeto revolucionário foi retomado pelos “tenentes” e os preparativos se
aceleraram, recebendo o apoio dos chefes aliancistas. A posição das oligarquias
dissidentes pode ser resumida na frase do líder político mineiro, Antônio
Carlos de Andrada: “Façamos a revolução
antes que o povo a faça”.
Vamos entender essa frase: Antônio Carlos quis
dizer que se a revolução fosse feita no nível das elites, apenas mudariam as
elites dominantes; tudo o mais continuaria como sempre tinha sido (“mudar para
deixar tudo como está”). Mas uma revolução que partisse do povo poderia
derrubar do poder todas as oligarquias.
A revolução
começou às 17h30min horas do dia 3 de outubro, simultaneamente no Rio Grande do
Sul e em Minas Gerais. E no Nordeste o movimento foi iniciado na madrugada do dia
seguinte, a partir da Paraíba, sob o comando de Juarez Távora. Rapidamente, um
a um, os estados foram caindo em poder dos revolucionários. O governo federal
concentrou sua defesa no sul do Estado de São Paulo, nas imediações da cidade
de Itararé, para impedir o avanço das tropas revolucionárias.
Mas a “Batalha
de Itararé”, que deveria ser a maior da história da América Latina, nunca
chegou a acontecer. Um pouco antes do conflito, veio a notícia de que o
presidente Washington Luís havia sido deposto, no Rio de Janeiro, por uma junta
militar, formada pelos generais Tasso Fragoso e Mena Barreto e pelo almirante
Isaías Noronha. A junta chegou a pensar em permanecer no poder, e até nomeou um
ministério, mas acabou se rendendo às evidências e passou o governo a Getúlio
Vargas, o chefe da revolução vitoriosa.
Getúlio tomou
posse no dia 3 de novembro, exatamente um mês depois do início do movimento.
Era o fim da República Velha. Começava uma nova fase na história do Brasil,
aquela que seria chamada a Era de Getúlio Vargas.
Você deve ter notado a expressão "Presidente João Pessoa". Isso acontecia porque na República Velha os governadores tamém éra chamados de "presidentes". |
9. O significado da Revolução de 1930
O estudo feito
nas páginas anteriores nos permite conhecer um pouco do funcionamento da
República Velha, e, portanto, como era o Brasil naquele tempo, e nos capacita a
melhor avaliar a importância da Revolução de 1930 e das mudanças que ela
introduziu no país.
Em primeiro
lugar, podemos dizer que, com o fim da República Velha, ocorreu uma troca da
elite no poder. Acabou o domínio da política do “café-com-leite” e chegou ao
fim a hegemonia política da oligarquia cafeeira de São Paulo. A elite que
chegou ao poder era bastante heterogênea, reunindo as forças que haviam
combatido o adversário comum.
Entre os
vitoriosos, além dos velhos oligarcas (Antônio Carlos de Andrada, Borges de
Medeiros, etc.), que pretendiam poucas mudanças no Brasil, encontramos os
“tenentes” e jovens revolucionários (os chamados “tenentes civis”), que estavam
sinceramente empenhados em promover mudanças mais profundas no país. Cabe
ressaltar que a classe operária não tomou parte na revolução.
Em segundo
lugar, porque fez nascer um novo tipo de Estado, caracterizado por uma maior
centralização das decisões econômico-financeiras, bem como das decisões
políticas. Isso significava reduzir drasticamente o grau de federalismo que
predominara na República Velha.
Em terceiro
lugar, o novo Estado distinguiu-se do antigo Estado oligárquico, na medida em
que após 1930, a atuação estatal:
- no aspecto
econômico, estaria gradativamente voltada para a industrialização;
- no campo
social, procuraria dar proteção aos trabalhadores urbanos;
- contaria
com uma participação cada vez maior das Forças Armadas, principalmente o
Exército.
Por tudo isso,
é forçoso concluir que os acontecimentos de 1930 representaram “um profundo corte no processo histórico
brasileiro”, como escreveu Boris Fausto. Efetivamente, o Brasil depois de
1930 tenderia, rapidamente, a ser cada vez mais diferente do Brasil pré-1930,
como veremos em capítulos futuros.
[1] Siqueira Campos faleceu, em 1930, quando voltava de Buenos Aires, aonde fora para se
encontrar com Luís Carlos Prestes. O avião que o trazia caiu no Rio da Prata, à
vista de Montevidéu. Quanto a Eduardo
Gomes, ele seria, mais tarde, por duas vezes candidato a presidente da
República, em 1945 e 1950, saindo derrotado nas duas oportunidades
[1] Siqueira Campos faleceu, em 1930, quando voltava de Buenos Aires, aonde fora para se
encontrar com Luís Carlos Prestes. O avião que o trazia caiu no Rio da Prata, à
vista de Montevidéu. Quanto a Eduardo
Gomes, ele seria, mais tarde, por duas vezes candidato a presidente da
República, em 1945 e 1950, saindo derrotado nas duas oportunidades
Nenhum comentário:
Postar um comentário