A DIFÍCIL EXPERIÊNCIA DEMOCRÁTICA (1946-1964)
Em outubro de 1945, por meio de
um golpe militar, desaparecia o Estado Novo e começava uma nova era para a
história política brasileira. A República ia fazer mais uma tentativa - a
terceira - de implantar um regime democrático. A primeira havia se dado com a
Constituição de 1891, mas resultou num regime dominado pelas oligarquias. A segunda
ocorreu com a Constituição de 1934, e teve uma vida muito curta, encerrando-se
três anos depois. E agora, com o fim do Estado Novo, seguido da elaboração da
Constituição de 1946, o país iniciava mais uma experiência democrática, que
duraria menos que o espaço de tempo de uma geração.
Essa nova era - de 1946 a 1964 -
é chamada, às vezes, de República Populista, porque nessa época praticava-se o
estilo de fazer política, criado por Vargas, que recebeu a denominação de
“populismo”. Outras vezes é chamada de República Democrática, porque o país
viveu um período democrático, intercalado entre dois regimes autoritários. Mas
qualquer que seja o nome que se lhe dê, a era iniciada no final de 1945
caracterizou-se por ser um período extremamente agitado, em que a normalidade
democrática foi constantemente quebrada pelas tentativas de golpes de Estado,
praticados por militares e civis.
Nesse período de quase vinte
anos, os brasileiros elegeram quatro presidentes. Desses, dois concluíram os
cinco anos de governo, um se matou durante o mandato e outro renunciou à
presidência, apenas sete meses após ter tomado posse. E o período se encerrou,
em 1964, com outro golpe militar.
A transição para a democracia. O Governo de Eurico
Gaspar Dutra (1946-1951)
Com a deposição de Getúlio
Vargas, e na ausência de um Congresso Nacional, assumiu a chefia do governo o
presidente do Supremo Tribunal Federal, José Linhares. Sua tarefa básica era
realizar as eleições presidenciais que já estavam marcadas para 2 de dezembro
de 1945. O resultado das eleições não apresentou surpresas. A vitória do candidato
do PSD, Eurico Gaspar Dutra, foi esmagadora: recebeu 55,39% dos votos. O PTB,
seguindo orientação de Getúlio Vargas, apoiou Dutra, e esse apoio foi decisivo.
Vargas, aliás, desempenhou, nessa
eleição, o papel do “grande eleitor”, pois não só contribuiu decisivamente para
a vitória de Dutra, como atraiu votos para o PTB e PSD, ao eleger-se, ele
próprio, senador pelos estados do Rio Grande do Sul e São Paulo, e deputado
federal por outros sete estados - uma
coisa que parece muito estranha, mas que estava de acordo com as leis da época.
Vargas assumiu uma cadeira no Senado, mas sua atuação como parlamentar foi
relativamente apagada, pois ele preferiu agir nos bastidores da política,
preparando sua volta à presidência.
Dutra foi empossado no dia 31 de
janeiro de 1946. Como vemos, os elementos que haviam servido ao Estado Novo
ganharam as eleições e se conservaram no poder. Seriam os responsáveis pela
redemocratização.
Nas eleições parlamentares,
registrou-se uma vitória esmagadora dos dois partidos conservadores,
representativos dos interesses da elite: o PSD conquistou 54% das cadeiras e a
UDN, 27%. Enquanto isso, o PTB e o PCB obtinham 7,5% e 4,7%, respectivamente.
1. A nova
Constituição
Para elaborar a nova
Constituição, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal se reuniram para formar
o Congresso Constituinte e iniciou seus trabalhos no dia 2 de fevereiro de
1946. Menos de oito meses depois, a Constituição ficou pronta e entrou em vigor
no dia 18 de setembro.
O Brasil continuava sendo
definido como uma República Federativa, com a tradicional divisão dos três
poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário). Foi estabelecida a duração de
cinco anos para o mandato do presidente da República, de quatro, para deputado,
e de oito anos para senador. O direito de voto foi atribuído aos brasileiros alfabetizados,
de ambos os sexos, com mais de 18 anos, ressalvadas algumas exceções.
Veja o leitor que coisa mais
esdrúxula: o mandato do presidente seria de 5 ano e o dos deputados, de apenas
4! O Brasil já teve dessas coisas!
Elaborada por uma maioria
conservadora, a Constituição estabelecia algumas restrições ao processo
democrático. Entre elas, podemos destacar:
· a manutenção, praticamente inalterada,
da estrutura corporativista, criada pelo Estado Novo;
· limitações ao direito de greve;
· a proibição do direito de voto ao
analfabeto;
· e a imposição de dificuldades
legais para mexer na propriedade da terra, o que dificultava, ou mesmo impossibilitava,
uma reforma agrária no país.
· a manutenção do voto obrigatório,
que havia sido introduzido no país com o Código Eleitoral de 1932.
2. A Guerra
Fria e suas repercussões no Brasil
Dutra organizou o ministério com
a participação dos três maiores partidos (PSD, UDN e PTB), predominando
elementos do PSD. Seu governo foi extremamente conservador, tendo adotado
internamente uma política antioperária, e externamente uma posição de apoio
automático aos Estados Unidos, exatamente quando tinha início a Guerra Fria.
A Guerra Fria foi iniciada
logo após o final da Segunda Guerra Mundial e consistiu numa disputa ideológica
entre a antiga URSS e os EUA. A primeira queria expandir a área de influência
do comunismo, enquanto que os norte-americanos queriam exatamente o contrário.
A Guerra Fria teve início oficialmente em março de 1947, num discurso
pronunciado pelo presidente norte-americano, Harry Truman.
Nessa ocasião, Truman anunciou que os EUA estavam dispostos a conter, a qualquer preço, o avanço do comunismo
internacional, e a intervir militarmente em qualquer país para garantir
governos amigos ameaçados. Essa política ficou conhecida pela expressão Doutrina Truman.
Essa posição dos EUA foi
acompanhada por todos os países latino-americanos. O compromisso entre eles foi
firmado numa reunião realizada no Rio de Janeiro, nos meses de agosto e
setembro de 1947, quando foi assinado o Tratado Interamericano de AssistênciaRecíproca (TIAR).
Esse tratado previa que ataque ao
território ou à soberania de qualquer um dos países americanos seria revidado
pelas forças conjuntas de todos eles.
Pouco depois, na IX Conferência
Interamericana, realizada em Bogotá, os EUA lançaram as bases da Organização
dos Estados Americanos (OEA). Com esses dois instrumentos, o TIAR e a OEA, os
Estados Unidos colocaram a América Latina sob seu controle.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEip9k2AFC_eZNRZNFDXrU2bosvraWTnkvwQVJ8gohxPX6J2JxCHRChLDdhzjzPI0KTpGN_TLbQmiYiXyJwpujPIAbwGeZSiXglTTIWYoXamHde0IL429TbR2xijUz-LED06v0APYst1v-w/s320/eisenhower_beija+m%25C3%25A3o.jpg)
No contexto da guerra fria, o
governo Dutra subordinou-se completamente aos interesses norte-americanos. Esse
posicionamento teve efeitos imediatos:
· o rompimento de relações
diplomáticas com a antiga URSS, e
· a cassação do Partido Comunista e
de todos os políticos eleitos por esse partido (1947).
3. A
política antioperária
O governo Dutra adotou uma política
nitidamente antioperária. Com efeito, com a justificativa de combater a
inflação, o governo adotou medidas de contenção salarial. A consequência foi
uma queda acentuada no poder aquisitivo dos salários, como se pode ver na
tabela abaixo. Em protesto, os trabalhadores urbanos faziam manifestações e
greves, que o governo reprimia com dureza, inclusive decretando a intervenção
em grande número de sindicatos.
Salário mínimo real - Guanabara e
São Paulo
Índices (Base – 1944 = 100) em
%
|
||
Ano
|
Guanabara
|
São Paulo
|
1946
|
74,1
|
70,9
|
1947
|
60,1
|
53,9
|
1948
|
58,0
|
49,6
|
1949
|
55,4
|
50,4
|
1950
|
50,9
|
47,9
|
1951
|
53,6
|
53,0
|
Fonte: Oliveira, F. de A
economia brasileira.
São Paulo, Brasiliense/CEBRAP,1976, p. 41
Guanabara era como se chamava o estado brasileiro que
ocupava o território do atual município do Rio de Janeiro e existiu entre 1960
e 1975.
Durante o governo Dutra, apesar
da inflação, o salário mínimo não teve nenhum reajuste. É por isso que, como
mostra a tabela, o poder de compra do salário caiu sem parar. Em 1950, o
trabalhador que ganhava salário mínimo comprava praticamente a metade (50,9%) e
menos da metade (47,4%) do que podia comprar em 1944.
4. A
política econômica do governo Dutra
No início de seu governo, Dutra
se afastou do nacionalismo econômico que havia caracterizado o Estado Novo. E
adotou um amplo liberalismo, abrindo o mercado brasileiro às mercadorias
estrangeiras. O governo justificava essa abertura com a necessidade de combater
a alta de preços que vinha acontecendo.
O governo Dutra também se afastou
do modelo getulista ao abandonar a preocupação com a industrialização. Nesse
aspecto, a mentalidade do novo governo pode ser avaliada pelas palavras do
Ministro da Fazenda:
É da essência da economia latino-americana (incluindo o Brasil)
certa concentração de esforços na exportação de matéria-prima e de gêneros
alimentícios, bem como na importação de ampla variedade de artigos manufaturados
e de comestíveis industrializados.[1]
Como se pode ver, era a mesma
mentalidade dos governos da República Velha.
Como consequência dessa política,
ocorreu um brusco aumento das importações, muitas vezes de mercadorias
supérfluas, tais como casacos de pele, comida para cachorro, e até televisores,
quando ainda não havia estação de TV no Brasil. Isso fez com que a reserva de
divisas (moedas fortes), acumulada durante a guerra, rapidamente se esgotasse,
caindo de 708 milhões para 92 milhões de dólares.
A partir de junho de 1947, o
governo teve de introduzir uma mudança brusca na política econômica. E adotou um
rigoroso controle seletivo sobre as importações, privilegiando as mais
indispensáveis ao parque industrial, que tinha de produzir as mercadorias que
deixavam de ser importadas. Essas medidas geraram uma “industrialização
espontânea”, algo parecido com o que ocorrera depois de 1930.
Graças a isso, a economia
brasileira cresceu, e pôde exibir a notável média 8% de crescimento do PIB, ao
ano, entre 1948 e 1950. [2]
A mesma necessidade de restringir
os gastos externos levou o governo Dutra a controlar os gastos públicos
internos. Em função disso, Dutra chegou a esboçar uma tentativa de planejamento
econômico.
Em maio de 1947, ele lançou um
programa de investimentos em alguns setores, que ficou conhecido como PlanoSalte (Saúde, Alimentação, Transporte e Energia). Mas o plano não chegou a ser
inteiramente aplicado e foi abandonando no início do governo seguinte.
5. A
sucessão presidencial
Em 1950, teve início a campanha
para eleger o novo Presidente da República. Por insistência de Dutra, o PSD
indicou Cristiano Machado, um político mineiro de pouca expressão. A UDN
apresentou, pela segunda vez, o nome do brigadeiro Eduardo Gomes, que teve o
apoio do antigo líder integralista Plínio Salgado. O pequeno PSB concorreu com
João Mangabeira. Mas o candidato mais importante, sem dúvida, foi Getúlio
Vargas.
Ele ganhou a eleição com relativa
facilidade, graças às alianças que conseguiu articular. Além do PTB, seu
próprio partido, obteve o apoio de uma expressiva ala do PSD, e do PSP (Partido
Social Progressista), controlado por Ademar de Barros, um político populista de
São Paulo. Inclusive uma parcela dos comunistas votou em Vargas, apesar de o
PCB ter recomendando aos seus simpatizantes o voto em branco.
Vargas obteve 48,7% dos votos, e
pôde dizer que voltava à presidência “nos braços do povo”. Mas a UDN tentou, na
justiça, anular a eleição, alegando que Getúlio não obtivera a maioria absoluta
dos votos. Mas foi um recurso inútil, pois a Constituição não fazia essa
exigência.
Nenhum comentário:
Postar um comentário