O GOVERNO CONSTITUCIONAL
DE VARGAS (1934-1937)
O último ato da Assembleia Constituinte, antes de
converter-se em Congresso Nacional, foi a eleição do presidente da República,
para um mandato de 4 anos. E o eleito foi o próprio Getúlio Vargas. Parecia
que, enfim, o país encontrara o caminho da democracia e da estabilidade
política. Todavia, essa esperança não se realizou, destruída que foi pela
radicalização política que se manifestou no país, e serviu de pretexto para
Getúlio fortalecer seu poder e, finalmente, instalar um regime ditatorial, a
partir de novembro de 1937.
1. A radicalização política de direita e de esquerda
A radicalização política que se deu no Brasil refletia um
fenômeno semelhante ao que ocorria na Europa, onde se verificava a ascensão de
partidos radicais, num processo que teve início na Rússia, alcançou a Itália, a
Alemanha e chegou a outros países.
A Primeira Guerra e depois a Crise Mundial de 1929 haviam
criado uma situação de dificuldades extremas nesses países, que evoluíram para
regimes ditatoriais, de esquerda ou de direita. No Brasil, a radicalização
política ficou a cargo da Ação Integralista Brasileira (AIB), de direita, e da
Aliança Nacional Libertadora (ANL), de esquerda.
I) Ação
Integralista Brasileira. Foi criada em 1932, por Plínio Salgado (1895-1975),
um intelectual paulista que tomara parte, dez anos antes, na Semana de Arte
Moderna. Os fundamentos da AIB foram expostos no Manifesto à Nação Brasileira
(1932), em que Plínio Salgado fez a defesa da trilogia “Deus, Pátria e
Família”, bem ao gosto da mentalidade de direita.
Seguindo os modelos implantados por Hitler (Alemanha) e
Mussolini (Itália), os integralistas defendiam um governo ditatorial,
nacionalista, com um só partido e um só chefe. E mais: consideravam como
inimigos o liberalismo, a democracia, o socialismo e o comunismo e não deixava
de condenar o “capitalismo financeiro internacional”, controlado pelos judeus.
Seguindo seus modelos europeus, a AIB adotava uniformes,
desfiles e bandeiras. Tinha como emblema a letra grega Sigma e usava, como
saudação, uma expressão indígena, anauê.
A AIB teve um rápido crescimento, chegando a ter 300 mil membros espalhados pelo país. Recrutava seus quadros em elementos da classe média, e contava com o apoio das oligarquias tradicionais, dos altos escalões militares e do clero, ou seja, dos setores mais conservadores da sociedade. Foi pequeno o apoio obtido pelos integralistas no meio operário.
A AIB teve um rápido crescimento, chegando a ter 300 mil membros espalhados pelo país. Recrutava seus quadros em elementos da classe média, e contava com o apoio das oligarquias tradicionais, dos altos escalões militares e do clero, ou seja, dos setores mais conservadores da sociedade. Foi pequeno o apoio obtido pelos integralistas no meio operário.
II)
Aliança Nacional Libertadora. A ameaça fascista no
Brasil, representada pelo crescimento do integralismo, levou muitas pessoas a
se agruparem em uma frente popular, denominada Aliança Nacional Libertadora.
A ideologia desse agrupamento também era de inspiração
européia. Seu surgimento se explica da seguinte maneira: naquela época, a
ascensão do fascismo, em muitos países, motivou a formação de Frentes
Populares, com predomínio dos comunistas.
No Brasil, o Partido Comunista, que atuava na
clandestinidade, adotou a orientação de organizar uma Frente Popular e fundou,
em março de 1935, a ANL, que teve como presidente de honra Luís Carlos Prestes.
Pretendia mobilizar o operariado, setores da classe média e das Forças Armadas
numa frente que tinha como objetivo o combate ao fascismo, ao imperialismo e ao
latifúndio. O seu programa previa:
1.
a suspensão
do pagamento da dívida externa,
2.
a
nacionalização imediata das empresas estrangeiras,
3.
a proteção
dos pequenos e médios proprietários e lavradores,
4.
a entrega
das terras dos latifúndios aos camponeses,
5.
a formação
de um governo popular, orientado somente pelos interesses do povo brasileiro.
Como se pode perceber, esse não chegava a ser um programa
comunista. Era, antes, um programa nacionalista e popular, capaz de ser apoiado
por muita gente, mesmo que não fosse comunista. Com base nele, a ANL cresceu
rapidamente, chegando a ter, só no Distrito Federal, 50 mil inscritos. Esse
crescimento acabou assustando as elites e o governo. Justamente nesse momento,
Getúlio conseguiu que fosse aprovada, pelo Congresso Nacional, uma Lei de
Segurança Nacional, que dava maiores poderes ao presidente da República.
No dia 5 de julho de 1935, décimo-terceiro aniversário da
Revolta do Forte de Copacabana, a ANL realizou um grande comício no Rio de
Janeiro. Nesse comício, foi lido um manifesto de Prestes, em que este lançava a
palavra de ordem “todo o poder à ANL”,
pregando a necessidade da revolução e da tomada imediata do poder. Era sem
dúvida uma proposta equivocada. Afinal, a ANL não tinha condições de tomar o
poder pela força e, ademais, Prestes estava dando ao governo um pretexto para
usar a recente Lei de Segurança contra a Aliança Nacional Libertadora e seus
simpatizantes.
E foi o que Getúlio fez: imediatamente considerou o
manifesto de Prestes uma proposta para “subverter a ordem política”, e decretou, em 11 de julho de 1935, o fechamento da ANL, seguindo-se muitas prisões.
2. A Intentona Comunista de 1935
Com a proibição da ANL, fechava-se, mais uma vez, o caminho
para o PCB atuar legalmente na vida política brasileira, e tentar chegar ao
poder, disputando eleições. Diante disso, os comunistas optaram pela
insurreição, a partir dos quartéis. Essa intenção refletia a influência dos
militantes militares, oriundos do antigo movimento tenentista, que se haviam
passado para o PCB acompanhando Prestes. Além dessa influência militarista,
pesou também na decisão a avaliação errônea de que o país estava maduro para a
revolução comunista.
Essa interpretação foi passada para Moscou, que aceitou
apoiar um movimento revolucionário no Brasil, enviando dinheiro e alguns
destacados militantes, com experiência no movimento comunista internacional.
Entre eles, estavam Prestes e Olga Benário
O levante, que ficou conhecido por Intentona Comunista, foi
mal preparado e mal articulado, e resultou num grande fracasso. Começou no dia
23 de novembro, na cidade de Natal, seguindo-se insurreições em Recife e no Rio
de Janeiro, todas derrotadas rapidamente.
Para o governo, esse movimento caiu como uma luva. Os
comunistas, sem querer, estavam fazendo o jogo de Getúlio e dos militares que o
rodeavam, os quais já vinham conspirando para acabar com o regime democrático e
para isso se utilizaram da “ameaça comunista”, que assustava muita gente.
De fato, o Congresso Nacional imediatamente autorizou
Vargas a decretar o Estado de Sítio, renovado várias vezes. À derrota da
Intentona, seguiu-se uma grande repressão em todo o Brasil. Foram presas mais
de dez mil pessoas. Entre elas estava o escritor Graciliano Ramos, que
posteriormente narrou suas desventuras no livro Memórias do Cárcere (transformado em filme, com o mesmo título,
pelo diretor Nelson Pereira dos Santos).
Mas os presos mais famosos foram Prestes e sua mulher, a alemã Olga
Benário.
A Intentona teve ainda um outro efeito. O Exército
considerou a revolta, que havia custado a vida de alguns oficiais, um ato
traiçoeiro. E, desde então, o anticomunismo se tornou muito forte entre os
militares, como veremos nos capítulos seguintes.
3. Os preparativos para o golpe de Estado de 1937
O levante militar dos comunistas criou uma oportunidade
para que Getúlio fortalecesse ainda mais seu poder. Afinal, ele já conseguira,
do Congresso Nacional, em abril de 1935, a aprovação de uma Lei de Segurança
Nacional, a primeira da história do Brasil. Tinha como finalidade servir de
instrumento de controle dos considerados “inimigos do regime”. Agora, com a
Intentona Comunista, Getúlio conseguiu autorização para decretar o estado de
sítio, transformado posteriormente em Estado de Guerra, e renovado
sucessivamente até junho de 1937.
No início de 1937, já se suspeitava que um golpe de Estado*
estivesse sendo preparado por Getúlio e seus aliados. o grupo palaciano buscava
apoios para o golpe, neutralizando adversários e explorando a “ameaça
comunista”. Getúlio fez intervenções em alguns estados e no Distrito Federal, e
afastou vários oficiais legalistas dos comandos militares. Esperava um pretexto
para agir. E foi nesse clima político tenso que se iniciou a campanha
eleitoral, tendo em vista as eleições presidenciais, previstas para o início de
1938.
Enquanto isso, desenrolava-se a campanha eleitoral. O
primeiro candidato a apresentar-se foi Armando de Salles Oliveira, governador de São Paulo. Era o candidato da elite
paulista e das oposições liberais e oligárquicas, reunidas na recém criada
União Democrática Brasileira (UDB).
Pouco depois, foi lançada a candidatura de José
Américo de Almeida, escritor e jornalista, que participara da Revolução
de 1930, entre os chamados “tenentes civis”. Era considerado o candidato
oficial, embora o apoio de Getúlio fosse apenas um disfarce, enquanto o golpe
era preparado. Além desses, também Plínio Salgado, embora favorável à articulação golpista, permitiu que a
AIB lançasse seu nome como candidato.
O pretexto que Getúlio e seus aliados golpistas esperavam
aconteceu no dia 22 de setembro de 1937. Nessa data, o Exército “descobriu” um
suposto plano comunista para a tomada do poder, que previa massacres, saques e
depredações, violação de lares e de igrejas, e outras barbaridades do gênero.
Ficou conhecido com o nome de Plano Cohen.
Muitos anos mais tarde, descobriu-se que era falso. Um oficial integralista, o
capitão Olímpio Mourão Filho assumiu a autoria do “plano”, mas naquele momento
ele foi apresentado como verdadeiro. E foi explorado politicamente pelo governo
para assustar o povo e o Congresso Nacional, como uma “ameaça comunista”. Com
base nela, Getúlio conseguiu a prorrogação do Estado de Guerra, que lhe dava
poderes especiais.
4. O
nascimento do Estado Novo
Daí para o golpe foi um passo. É verdade que houve aqueles
que tentaram resistir, como foi o caso, por exemplo, do candidato Armando de
Salles Oliveira que dirigiu um manifesto aos chefes militares, apelando para que
eles impedissem a execução do golpe. Mas seu manifesto teve efeito contrário do
esperado, pois os golpistas, receosos de que o apelo surtisse algum efeito nos
quartéis, resolveram antecipar o golpe, inicialmente marcado para o dia 15 de
novembro (data da Proclamação da República).
No dia 10 de novembro, tropas da polícia militar cercaram o
Congresso Nacional, que foi fechado. O Diário
Oficial desse dia trouxe o texto de uma nova Constituição. E, à noite, pelo
rádio, Getúlio fez um discurso à nação em que alegava que o país estava à beira
da guerra civil e que por isso era preciso restaurar a autoridade do Estado.
Quase não houve oposição ao golpe. Os comunistas já haviam
sido liquidados. As elites aceitaram o golpe como algo inevitável e, até,
necessário diante da “ameaça comunista”. Um exemplo significativo dessa
mentalidade conformista foi o fato de que oitenta deputados, após o fechamento
do Congresso, foram ao Palácio do Catete cumprimentar Getúlio, no mesmo momento
em que vários parlamentares estavam sendo presos. Por sua vez, os integralistas
apoiaram o golpe esperando tirar proveito. Quando perceberam que Getúlio não
lhes daria nada, tentaram tomar de assalto o palácio para depor o presidente
(11/maio/1938). Essa revolta ficou conhecida como Intentona
Integralista. Mas foram derrotados e, em seguida, liquidados pela
repressão do governo.
Assim nasceu o Estado Novo, como foi chamado o regime
ditatorial introduzido por Getúlio. Com isso, o Brasil ia entrar para um clube
onde já estavam Portugal, Itália, Alemanha e outras ditaduras.
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