terça-feira, 27 de outubro de 2015

PRIMEIRO  GOVERNO  DE  FERNANDO  HENRIQUE  CARDOSO  (1995-1998)

Quando teve início a campanha eleitoral para presidente da República, no começo de 1994, o nome mais forte era Luís Inácio Lula da Silva, candidato do PT, que conseguia os mais altos índices nas pesquisas de intenção de voto. Mas a introdução da nova moeda, o Real, no dia 1º. de julho daquele ano, alterou dramaticamente o quadro eleitoral, colocando o PT diante de um difícil dilema: apoiar ou criticar a nova moeda.

Os economistas do partido se dividiram. Houve os que viram, no Real, a possibilidade de sucesso, e que haveria, portanto, um fortalecimento da candidatura de Fernando Henrique Cardoso, o “pai” da nova moeda. No entanto, a opinião que prevaleceu foi daqueles que previam o fracasso do Real. Um destes foi Aloísio Mercadante, o principal assessor econômico de Lula, que declarou: “O Real é uma ilusão e não precisamos nos incomodar com ele”. Era, sem dúvida, um grave erro de avaliação.

Fernando Henrique toma posse na presidência da República,
sucedendo Itamar Franco. Atrás, aparece o vice-presidente Marco Maciel.
Nos meses seguintes, juntamente com o sucesso da nova moeda, o nome de FHC cresceu vertiginosamente na preferência do eleitorado. Em setembro, um fato surpreendente deu ao PT uma esperança de reverter o quadro eleitoral. Foi a divulgação das fitas contendo declarações imprudentes de Rubens Ricúpero, que substituíra FHC no Ministério da Fazenda. Mas a rápida demissão de Ricúpero, substituído por Ciro Gomes, impediu que o Real sofresse qualquer abalo. FHC venceu a disputa já no primeiro turno: ele recebeu 54% dos votos válidos e Lula, 27%.




1. As reformas constitucionais e o processo de privatização

O Plano Real, na sua primeira fase, não foi mais do que um “truque” inteligente para vencer a inflação, e sua implantação foi relativamente fácil. A segunda fase, porém, seria mais difícil e teria uma importância decisiva, pois dela dependeria a continuidade do sucesso inicial do Real. Para executá-la, FHC intensificou dois processos já iniciados no governo anterior.

O primeiro foi o das emendas constitucionais, que pretendia fazer uma reforma do Estado brasileiro, no sentido de torná-lo menos dispendioso e mais eficiente, e baixar o chamado Custo BrasilEntre as reformas mais importantes estão a administrativa, a previdenciária, a tributária e a fiscal. O processo das reformas, entretanto, mostrou-se extremamente difícil e demorado, por algumas razões:

·        elas afetam setores importantes da sociedade (o funcionalismo público, por exemplo) e alteram direitos tradicionais da população (como é caso da aposentadoria);
·        são muitos os procedimentos legais necessários para a aprovação das emendas: duas votações na Câmara dos Deputados e duas votações no Senado, e o voto favorável, em cada votação, de três quintos dos parlamentares;
·        não houve ainda, por diferentes motivos, um consenso quanto à necessidade das reformas. Muitos consideram que as reformas não são indispensáveis. Outros, particularmente a oposição de esquerda, são contra as reformas (ou são contra as reformas da forma como são propostas pelo governo). Para estes últimos, o problema está no modelo neoliberal, que tem que ser abandonado, como condição para a solução dos problemas.

Por essas razões (e por outras, provavelmente), o governo Fernando Henrique, em seu primeiro mandato, pouco conseguiu avançar no seu intento de fazer as pretendidas reformas.

O segundo processo foi o da continuidade da política de privatizações, iniciado sob o governo anterior. Importantes empresas, nos setores de siderurgia, eletricidade, telefonia, ferroviário, etc., foram transferidas para o setor privado. Uma delas foi a Companhia Vale do Rio Doce, uma das maiores mineradoras do mundo. A privatização dessa empresa exacerbou a discussão entre os que são favoráveis e os que são contrários ao processo de privatização, e representa uma continuidade no velho debate entre nacionalistas e neoliberais.

2. Os problemas do Real

O Plano Real foi bem sucedido em manter baixas as taxas de inflação. Entretanto, o funcionamento do plano se apoiou em alguns pressupostos, que têm sido muito criticados, pelas consequências que têm apresentado:

·        os juros se mantiveram muito altos, reduzindo o consumo e onerando o custo operacional das empresas brasileiras e, portanto, de seus produtos. O que, por sua vez, dificulta a concorrência com os produtos estrangeiros; e, também, eleva a dívida dos governos federal, estaduais e municipais;
·        a excessiva abertura para as importações, necessária para manter baixos os preços internos, tem consequências importantes. De um lado, exige o aperfeiçoamento das empresas nacionais, para competir no mercado; aquelas que não conseguem competir acabam falindo, gerando desemprego. De outro, eleva o volume de importações e gera déficit na balança comercial;
·        a valorização cambial, ou seja, a valorização do Real em relação ao dólar, necessária para baratear as importações e impedir a elevação do custo de vida, mas que tem o grave inconveniente de favorecer as importações e dificultar as exportações;
·        a necessidade de constante entrada de dólares no país, em virtude da obrigação de cobrir o déficit nas contas externas, que ocasiona a extrema dependência ao mercado financeiro internacional, e coloca o país à mercê de ataques especulativos  ao Real e das sucessivas crises internacionais, como a quebra do México (1994), dos países emergentes da Ásia (1997) e, por último, da Rússia (1998).

O Plano Real foi bem sucedido ao reduzir a inflação, mas não conseguiu impedir o crescimento do desemprego no país. Não se pode, entretanto, atribuir apenas ao Real a causa do desemprego; o problema tem muitas causas, destacando-se:

·        O baixo índice de crescimento da economia. É só atentar para os números: entre 1980 e 1992, o crescimento per capita do PIB (Produto Interno Bruto) foi de apenas 0,7%; entre 1993 e 1998, o índice melhorou e subiu para 2,7% anuais. Isso é muito pouco para um país que precisa crescer a altas taxas para gerar empregos.
·        O rápido desenvolvimento tecnológico, promovendo a automação e eliminando muitos postos de trabalho.
·        As deficiências de escolarização e de formação técnica de grande parte da população também contribuem para o desemprego, pois impedem que muitas pessoas possam conseguir emprego, por não possuírem qualificação.

3. As crises internacionais e sua repercussão no Brasil

Ultimamente, tem-se criado uma grande interdependência entre as economias de todo o mundo. É o fenômeno da globalização. Por causa disso, uma crise em qualquer ponto do planeta imediatamente repercute no resto do mundo. Os países de economia mais frágil, como é o caso do Brasil, são rapidamente afetados. A crise se manifesta, por exemplo, na queda das bolsas de valores, na fuga do capital estrangeiro e na desvalorização da moeda.

No final de 1994, ocorreu a crise do México, provocando uma reação em cadeia (chamado “efeito tequila”), que se espalhou pelo mundo, e evidentemente alcançou o Brasil. Três anos depois, uma crise iniciada na Tailândia se espalhou pelos países vizinhos, afetando inclusive o Japão, a Segunda economia mais forte do mundo. Foi a chamada “crise asiática”.

O Brasil, mais uma vez, sentiu os efeitos da crise mundial. Na ocasião, o governo brasileiro reagiu prometendo executar o ajuste fiscal, através do aumento da arrecadação e do corte de despesas. Mas as medidas propostas não foram implementadas, o que manteve a economia brasileira vulnerável a uma nova crise. Desta vez, ela começou na Rússia, em meados  de 1998. Seus efeitos, no Brasil, foram tão fortes que logo começaram a dizer que o Brasil seria o próximo estopim da crise. Milhões de dólares começaram a deixar o Brasil. A situação se tornou tão dramática que houve a possibilidade de quebra da economia nacional.

A quebra de uma economia do porte da do Brasil acarretaria uma crise mundial de grandes proporções. Diante dessa possibilidade, os organismos internacionais (FMI, BIRD) colocaram à disposição do país um crédito de 41 bilhões de dólares, mas exigiram do governo brasileiro medidas mais rigorosas para fortalecer a economia. A condição considerada indispensável, do ponto de vista do FMI e dos monetaristas em geral, é o equilíbrio das contas públicas.

Esse também é o entendimento do governo brasileiro. Por isso, ele apresentou, em outubro de 1998, um segundo pacote, contendo as medidas propostas pelo FMI, com a promessa de que desta vez seria executado. Mas o que foi feito, contudo, foi insuficiente. Se, de um lado, o governo conseguiu aumentar a carga tributária, que atingiu níveis insuportáveis, por outro lado não conseguiu reduzir os gastos públicos, em virtude das resistências por parte dos setores que se consideraram atingidos pelos cortes. Consequentemente, a economia brasileira continuou vulnerável.

4 A criação do Mercosul

No mesmo dia em que Fernando Henrique iniciava seu primeiro mandato presidencial, 1 de janeiro de 1995, era oficialmente instalado o Mercosul (Mercado Comum do Sul), como uma União Aduaneira entre Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai. A partir desse momento, desapareceram as tarifas alfandegárias existentes, até então, no comércio entre esses países. Explicando melhor, isso significa que

as tarifas no comércio intrazona desapareceram, enquanto as tarifas para o comércio extrazona foram equalizadas. Assim, por exemplo, uma camiseta exportada do Uruguai para o Brasil está sujeita à tarifa zero, enquanto uma camiseta exportada da França paga tarifa de 20% ao entrar tanto no Uruguai quanto no Brasil... Em suma, tarifa intrazona é zero, tarifa extrazona é igual.

Deve-se ressalvar, entretanto, que tarifas alfandegárias foram mantidas para alguns poucos produtos, representando algo como 5% do total de intercâmbio, mas deverão desaparecer com o passar do tempo.

Vale lembrar que o Mercosul não nasceu de uma hora para a outra. Na verdade, é o resultado de um processo de integração econômica que teve início alguns anos antes, a partir de um acordo firmado entre Brasil e Argentina, em julho de 1986. O passo seguinte foi a assinatura do Tratado de Assunção, em 26 de março de 1991, com a adesão do Uruguai e do Paraguai (a Venezuela tornou-se o 5º. membro a partir de 2012 e a adesão da Bolívia encontra-se em andamento). Esse tratado fixou metas e prazos para levar a cabo o processo de integração econômica dos quatro países formadores do bloco.




Apesar de tropeçar em constantes dificuldades, o Mercosul tem trazido benefícios para o comércio dos quatro países. Basta considerar que em 20 anos, comércio entre os países do Mercosul foi multiplicado por dez: passou de U$ 5,1 bilhões em 1991 para U$ 58,2 bilhões em 2012.

No futuro, espera-se que o Mercosul avance em algumas direções, todas de difícil execução. Uma delas poderá ser a incorporação outros países latino-americanos, tais como Chile e Peru, e a celebração de acordos com outros blocos. A outra direção que o Mercosul poderá tomar será a construção de um Mercado Comum, mais ou menos como se deu na Europa. O Mercado Comum é um intercâmbio mais amplo, admitindo a livre circulação de serviços, mão-de-obra e capitais, além de mercadorias.

A integração regional representada pela criação do Mercosul faz parte do processo mais amplo de interação dos mercados em nível mundial, que se chama globalização. Este é um fenômeno antigo, mas por causa do avanço dos meios de comunicação, adquiriu uma importância dramática nos últimos anos, como já ficou indicado algumas linhas atrás.

5. A campanha eleitoral de 1998

A campanha eleitoral desse ano apresentou uma novidade, em relação às eleições anteriores. Pela primeira vez, um presidente era candidato à reeleição. Isso era possível em virtude da aprovação de uma reforma constitucional que autorizou a reeleição para um segundo mandato, dos ocupantes de cargos executivos (presidente da República, governador e prefeito municipal). O andamento dessa reforma, durante o ano de 1997, foi demorado e causou um grande desgaste político ao presidente Fernando Henrique, acusado de haver feito muitas trocas de favores para conseguir os votos necessários no Congresso Nacional.

Os dois principais candidatos novamente foram Fernando Henrique Cardoso e Luís Inácio Lula da Silva, que fez sua terceira tentativa de se tornar presidente do Brasil. Lula centrou sua campanha na crítica aos aspectos negativos do governo FHC, particularmente o desemprego. FHC, por sua vez, fez da defesa do Plano Real seu grande argumento para pedir mais um mandato ao eleitorado. Este preferiu acreditar em Fernando Henrique, que venceu a eleição no primeiro turno, com 53,0 % dos votos. Lula ficou em segundo, com 31,7 %. O terceiro colocado foi Ciro Gomes, com 10,9 % dos votos.

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