domingo, 11 de outubro de 2015

O  ESTADO  NOVO  (1937-1945)



Com  o  golpe de Estado de 10 de novembro de 1937, Getúlio Vargas introduziu, no país, a ditadura, batizada com o sugestivo nome de Estado Novo. Mas não devemos pensar que ela era obra apenas de Getúlio. Ele era, obviamente, a figura que mais se destacava. Mas havia muitos outros com ele. Em primeiro lugar, havia os militares, que, sem dúvida, constituíam o apoio mais importante. Figuras como os generais Góes Monteiro e Eurico Gaspar Dutra foram decisivas para o estabelecimento e para a manutenção do Estado Novo. Também contribuíram grupos burocráticos, formados por altos escalões da administração pública. Esses grupos defendiam um Executivo forte e capaz de realizar a modernização do país “de cima para baixo”. As oligarquias regionais e a cúpula da Igreja Católica, apesar de não participarem diretamente dos preparativos do golpe, deram seu apoio ao novo regime, o que já era bastante importante. Portanto, quando dizemos “ditadura do Getúlio” , devemos ter em mente que, na verdade, ela era de Getúlio e de muita gente mais.

1. A ditadura

Com o Golpe de Estado, o Poder Legislativo foi fechado nos três níveis (federal, estadual e municipal). O Judiciário foi mantido, mas subordinado ao Executivo. De maneira que o presidente acumulava as funções executivas e legislativas, e governava através de decretos-leis. As eleições presidenciais evidentemente foram canceladas e os partidos políticos, proibidos. De acordo com a nova Constituição, deveria haver um plebiscito para aprovar o regime, depois haveria eleições parlamentares, e, em 1943, eleições presidenciais. Mas isso, como veremos, ficou só na promessa.

No novo regime, todo o poder se concentrava nas mãos de Vargas. Os estados perderam a autonomia, e passaram a ser governados pelos interventores, nomeados pelo presidente. A centralização do Estado brasileiro foi simbolicamente anunciado numa cerimônia pública em que foram queimadas as bandeiras estaduais. A centralização administrativa foi reforçada com a criação, em 1938, do Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP), que tinha como funções, entre outras, racionalizar o sistema administrativo, fiscalizar a execução do orçamento, selecionar e treinar funcionários públicos.


2. O Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP)

Uma característica constante nas ditaduras é a propaganda do regime ou do governante, o cerceamento da liberdade de imprensa ou sua proibição, pura e simples. Essas funções, no Estado Novo, competiam ao Departamento de Imprensa ePropaganda, mais conhecido pela sigla DIP. Foi criado em dezembro de 1939, e diretamente vinculado ao presidente da República. Fazendo largo uso da imprensa, do cinema e do rádio, o DIP difundia uma ideologia favorável ao Estado Novo, que pudesse ser aceita pelas diversas camadas sociais e grupos profissionais e intelectuais. Uma ideologia nacionalista, que procurava integrar todos os brasileiros, patrões ou empregados, como componentes da nação.

Apesar da repressão aos opositores do regime, o Estado Novo procurou atrair intelectuais, artistas e compositores para colaborar nesse esforço. Muitos aceitaram. Um deles, para citar um nome bastante conhecido, foi Heitor Villa-Lobos (1887-1959), um dos maiores nomes da musica erudita brasileira. De acordo com o novo contexto, o Estado Novo buscava a regeneração dos costumes e a valorização do trabalho. Os artistas foram induzidos a colaborar nesse esforço. Veja-se o samba O Bonde de São Januário, de WilsonBatista e Ataulfo Alves. Por interferência do DIP, os autores escreveram operário, em vez de sócio otário, como dizia a letra original.

3. A política trabalhista

O Brasil era, então, um país onde o capitalismo já se havia desenvolvido bastante e o conflito entre o capital e o trabalho tenderia a se ampliar à medida que crescia a classe operária, engrossada com a migração do campo para a cidade. O governo getulista procurou evitar que isso acontecesse, não pela repressão pura e simples, embora esta não estivesse excluída, mas pela adoção de uma abrangente política trabalhista, que se assentava em dois elementos básicos..

1) O primeiro era a concessão de direitos trabalhistas. Nesse particular, o Estado Novo ampliou e sistematizou uma política que vinha sendo implantada desde 1930. O mais significativo deles foi o salário mínimo. Embora já fosse previsto na Constituição de 1934, ele foi instituído, por lei, em 1936, mas tornou-se realidade apenas quatro anos depois, quando saiu a primeira tabela de salário. O valor fixado resultava

(...) do somatório das despesas diárias de um trabalhador adulto em alimentação, habitação, vestuário, higiene e transporte. Como esses variariam de região para região, inquéritos anuais apurariam o quantum relativo a cada uma para um trabalhador satisfazer suas ‘necessidades normais.

Nos primeiros tempos, o salário mínimo cumpria essa função. Mas por causa da inflação, seu poder de compra se viu constantemente reduzido, perda que os reajustes periódicos, ao longo dos anos, acabaram não repondo completamente. É por isso que o salário mínimo se transformou na miséria que é hoje.

2) O segundo elemento era o sindicalismo. Desde 1931, o governo vinha regulamentando a atividade sindical. Mas foi a Constituição de 1937 e a Lei Sindical de 1939, que completaram a estrutura do sindicalismo brasileiro, valendo igualmente para patrões e empregados. O objetivo do sindicato devia ser a “colaboração de classes”, sob a tutela do Estado, pois como dissera o próprio Getúlio, num discurso pronunciado em 1938: “O Estado não quer, não reconhece a luta de classes”.

Foi instituído o sindicato único por categoria e seu funcionamento dependia de uma autorização do Ministério do Trabalho. Em 1940, foi criado o imposto sindical (nome alterado, em 1966, para contribuição sindical). Esse “imposto” era (e continua sendo) equivalente ao valor de um dia de trabalho, pago obrigatoriamente por todo trabalhador registrado (sindicalizado ou não).

O “imposto sindical”, ao garantir automaticamente recursos financeiros para os sindicato, deu origem à figura do pelego, forma pejorativa de designar o dirigente sindical que está mais preocupado em favorecer o patrão ou o governo, e assim se manter no poder, do que o próprio trabalhador.

A legislação trabalhista criada pelo Estado Novo no campo do trabalho incluía ainda um sistema de previdência social e uma Justiça do Trabalho e se completou, em 1943, com a promulgação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), reunindo toda a legislação trabalhista (produzida desde 1930).

4. O populismo

Ao conceder os direitos trabalhistas, Getúlio Vargas pôde colocar-se como protetor dos trabalhadores, fato que serviu de base para o aparecimento do populismo. Trata-se de um estilo político novo, somente possível no contexto de uma sociedade onde a urbanização e a industrialização já haviam atingido um determinado grau de desenvolvimento.

Como líder populista, Vargas se dirigia diretamente à massa trabalhadora, trazendo-a para o primeiro plano do cenário político, por meio da realização de grandes concentrações. A relação direta com o governante dava ao povo a ilusão de que compartilhava com ele o poder. O local preferido para os encontros com os trabalhadores era o estádio de futebol do Vasco da Gama, no Rio de Janeiro. Nessas ocasiões, Getúlio Vargas costumava fazer o anúncio de alguma medida de impacto político, em discursos que ele sempre iniciava com o célebre “trabalhadores do Brasil”. Nas comemorações do dia Primeiro de Maio, o DIP preparava uma grande festa operária. Nessa ocasião, os trabalhadores, além de comemorarem o Dia do Trabalho, prestavam uma homenagem a Vargas, apelidado de “pai dos pobres”.

Getúlio Vargas e outros por ocasião do Desfile da Juventude, 
realizado no campo do Vasco da Gama, em 
07 de setembro de 1943. Rio de Janeiro

Na construção dessa imagem, papel importante desempenhou o programa radiofônico Hora do Brasil, criado nessa época. Era veiculado obrigatoriamente por todas as emissoras de rádio, e por ele Vargas, o ministro do Trabalho ou outros funcionários se dirigiam aos brasileiros todas as noites. Artistas famosos, como Carmem Miranda e Francisco Alves, apresentavam-se na Hora do Brasil, garantindo ampla audiência em todo o país. Depois de Vargas, os principais líderes populistas foram Juscelino Kubitschek e João Goulart.

5. O desenvolvimento industrial e o novo papel do Estado

O desenvolvimento industrial brasileiro se acelerou depois de 1930. As medidas tomadas para defender a economia cafeeira dos efeitos da Crise Mundial de 1929 deram um grande estímulo ao setor industrial. Para se ter uma ideia desse crescimento, basta dizer que 70% das indústrias, existentes em 1940, haviam sido instaladas após 1930. O processo de industrialização foi favorecido, a partir de 1939, ao ter início a Segunda Guerra Mundial. Efetivamente, a guerra dificultou as importações e estimulou a produção interna. A partir deste momento, houve uma intervenção deliberada e cada vez maior do governo na economia, em favor da industrialização nacional. As formas mais frequentes de intervenção foram:

1.     A elevação das tarifas alfandegárias para proteger as empresas instaladas no Brasil da concorrência dos produtos importados.
2.     A criação de inúmeros órgãos e institutos para coordenar e estimular certas atividades econômicas. Por exemplo: Instituto do Açúcar e do Álcool, Comissão Nacional do Petróleo e a Comissão de Planejamento Econômico.
3.     A fundação de empresas de grande porte - as “empresas estatais” - cujo volume de investimento somente o Estado era capaz de reunir. Exemplos: Companhia Vale do Rio Doce, início da construção da hidrelétrica de Paulo Afonso e Companhia Siderúrgica Nacional, em Volta Redonda (RJ).

A industrialização atendia amplos interesses sociais: trabalhadores, empresariado, por exemplo. O esforço pela industrialização recebeu a um apoio adicional dos militares, pois a indústria aparecia ligada à ideia de segurança nacional, com base no seguinte raciocínio:  Indústria forte  ®  Exército forte  ®  Estado forte. 

Essa ideia de que a segurança nacional dependia do desenvolvimento da indústria era o exemplo que a Alemanha nazista vinha dando ao mundo. Com efeito, naquele momento, em que se iniciava a Segunda Guerra Mundial, nenhum país europeu parecia oferecer resistência ao exército altamente mecanizado da Alemanha.
Uma avaliação do Estado Novo foi feita por Lourdes Sola, ao escrever:

As características contraditórias do Estado Novo, combinando aspectos progressistas, como o impulso à industrialização, e conservadores, como a repressão aos movimentos de esquerda, e a utilização de técnicas de propaganda e coerção, apoiado nos grupos militares, integrou elementos típicos (...), bastante comuns na evolução dos países subdesenvolvidos. O Estado autoritário (...) se fazia, conscientemente, o principal instrumento de acumulação capitalista, a serviço principalmente de uma burguesia incipiente, mas fraca.[1]





[1] Sola, L. O Golpe de 37 e o Estado Novo. In: Brasil em Perspectiva. São Paulo-Rio de Janeiro, Difel, 1980, p. 282.

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