SOCIALISMO NA EUROPA
NO PÓS-GUERRA
A
revolução bolchevique de 1917, na Rússia, significou para muitos a esperança de
um novo mundo, livre das injustiças sociais.
Bandeira da União Soviética exibida sobre o Reichstag, em Berlim, em 2 de maio 1945, 6 dias antes da rendição alemã. |
Terminada
a Segunda Guerra Mundial, esse desejo parecia cada vez mais próximo de se
realizar.
Em
diversos países da Europa, os movimentos socialistas cresciam e ameaçavam os
governos estabelecidos. No Leste Europeu, a União Soviética ajudava grupos de
orientação comunista a tomar o poder. O mesmo movimento podia ser observado na
Ásia, em especial na China, país com a maior população do mundo.
No
fim da década de 1950, o comunismo chegaria à América Latina, na pequena ilha
de Cuba, provocando nos estadunidenses o temor de perder aliados territorialmente
próximos. O avanço do comunismo – não por acaso – amedrontava os Estados Unidos
e todos os defensores do capitalismo.
1. A
recuperação da União Soviética
Apesar
dos terríveis danos causados pela ocupação nazista, a URSS encontrava-se, em
1945, em melhor situação do que a verificada no fim da Primeira Guerra Mundial.
Contava, por exemplo, com grande número de profissionais qualificados, com uma
política econômica baseada na planificação e tinha direito às indenizações
pagas pelos países vencidos. Isso favoreceu a reconstrução do país em apenas
quatro anos e sem ajuda externa, ao contrário da Europa Ocidental, que recebeu
auxílio estadunidense.
A
rivalidade com as nações capitalistas levou a URSS a manter um exército
numeroso – com um efetivo de 5,5 milhões de homens em 1950 –, a desenvolver a
indústria bélica e a investir na produção de novas armas (os soviéticos
detonaram sua primeira bomba atômica em agosto de 1949). Na área econômica, o
governo priorizou as indústrias pesadas, isto é, aquelas que incluem principalmente
os ramos siderúrgico, metalúrgico, petroquímico e de cimento, setores em que
investiu grandes recursos. Mas, com essa concentração de recursos nas indústrias
pesadas, o governo sacrificou a agricultura e a produção de bens de consumo.
Essa
política mudaria em 1953, com a morte de Stalin, quando então foram feitas
algumas reformas na política agrária e adotaram-se medidas que rompiam com a
centralização administrativa, imposta pela planificação central.
Entre
1953 e 1958, a agricultura chegou a bons resultados. As medidas surtiriam
efeito até 1959, ano em que a situação da agricultura começou a se deteriorar
rapidamente: em 1961, a produção de cereais, por exemplo, ficou 11% abaixo do
planejado. O governo atribuiu o mau desempenho à descentralização introduzida
em 1953, o que levou à restauração dos métodos de controle administrativo.
Nos
sete anos que se seguiram ao fim da Segunda Guerra Mundial, a indústria
soviética apresentou elevados índices de crescimento. Em média, 17,5%, enquanto
a indústria estadunidense crescia 4,5% e a francesa, apenas 2%. É preciso
observar, porém, que a URSS partia de baixos níveis de produção. Por isso, o
volume total de produção no país era bem inferior aos números obtidos nos
Estados Unidos.
O
sucesso alcançado pela URSS acabou levando vários países que se tornaram
independentes no pós-guerra a optar por regimes inspirados no modelo soviético,
na esperança de acelerar seu desenvolvimento econômico.
2. Mudanças
na URSS pós-Stalin
As
instituições soviéticas sofreram profundas mudanças principalmente após a
realização do XX Congresso do Partido Comunista da URSS, em fevereiro de 1956.
Na ocasião, Nikita Kruchev, o novo líder do governo, denunciou os crimes de
Stalin. Iniciava-se, então, o processo que ficou conhecido como desestalinização.
Kruchev adotou medidas de liberalização do regime, e algumas vítimas das
perseguições políticas de Stalin foram reabilitadas.
Na
política externa soviética também houve várias mudanças. Kruchev pretendia
diminuir os gastos militares e aumentar os investimentos na agricultura e na
produção de bens de consumo.
Para
que essa redução fosse possível, procurou melhorar as relações com o mundo
capitalista, defendendo a teoria da coexistência pacífica e abandonando
a ideia de que seria inevitável uma guerra com o capitalismo.
As dificuldades da coexistência pacífica
O esforço de Kruchev para reduzir as
tensões esbarrou em grandes dificuldades. Uma delas foi a revolta ocorrida na
Hungria, em junho de 1956, contra o domínio soviético. Nas ruas, os manifestantes
pediam liberdade de expressão, a retirada das tropas soviéticas do país e
eleições diretas. A revolta acabou sendo esmagada por tanques soviéticos.
Logo surgiriam outros impasses, como os
conflitos decorrentes da construção do Muro de Berlim (1961) e a Crise dos
Mísseis, em Cuba (1962) . Kruchev foi afastado do poder em 1964 e Leonid
Brejnev assumiu o governo até 1982. Durante quase duas décadas o governo de
Brejnev se caracterizou pelo conservadorismo e pela progressiva paralisação das
inovações tecnológicas.
3. O
Leste Europeu
Em
1945, sete países do Leste Europeu – Bulgária, Romênia, Polônia, Iugoslávia,
Tchecoslováquia, Hungria e Albânia – mais a parte oriental da Alemanha
encontravam-se na zona de influência da URSS.
Toda
essa região havia sofrido duramente com a ocupação nazista e, por isso,
precisava ser recuperada. Logo depois da guerra, em vários desses países foram
constituídos governos de coalizão, reunindo setores da sociedade que haviam
participado dos movimentos de resistência à ocupação nazista. Os governos
conseguiram superar as divergências internas e elaborar um programa mínimo para
a reconstrução de seus países. Em geral, os programas previam a nacionalização
de setores da economia e a redistribuição das terras ocupadas pelos nazistas e
seus colaboradores, além daquelas pertencentes aos proprietários que haviam
abandonado o país.
Os
governos de coalizão, no entanto, não duraram muito tempo, pois alguns setores
discordavam das reformas e se opuseram às propostas de inspiração comunista. As
diferenças se acentuariam ainda mais com o advento da Guerra Fria, a partir de
1947. Os comunistas, sob influência da URSS, promoveram então a depuração dos
governos de coalizão, afastando as pessoas contrárias às mudanças que estavam
sendo implementadas.
4. A
formação do Comecon
O
Plano Marshall, formulado pelos EUA para socorrer economicamente os países
europeus, não tardou a mostrar resultados. Logo nos primeiros anos do
pós-guerra eram visíveis o crescimento da economia e a melhoria das condições
de vida nesses países. Já os governos do Leste Europeu, sob influência
soviética e sem contar com a ajuda estadunidense, apresentavam grandes dificuldades
Diante desse quadro, a URSS percebeu a necessidade de dar maior assistência a
seus aliados e propôs acordos comerciais, concessão de créditos e envio de
apoio técnico para contornar os problemas. A ajuda se intensificou, sobretudo a
partir de 1949, com a criação do Conselho de Assistência Econômica Mútua
(Comecon), organismo responsável por coordenar as políticas econômicas dos
países-membros.
5. O
caso da Iugoslávia
A
Iugoslávia constituiu um caso à parte no Leste Europeu. A expulsão dos nazistas
foi obra dos próprios iugoslavos, comandados por seu maior líder, Josip Broz
Tito, o marechal Tito. Apoiado principalmente pelo pequeno campesinato, o
movimento de libertação, à medida que avançava, promovia o confisco de
propriedades e a reforma agrária. Assim, o estabelecimento do Estado socialista
na Iugoslávia ocorreu paralelamente à luta contra a ocupação nazista e seus
colaboradores.
Em
janeiro de 1946, uma Assembleia Constituinte proclamou a nova forma de
organização da Iugoslávia. A monarquia, abolida durante a Segunda Guerra, deu
lugar a um país composto de seis repúblicas:
Sérvia,
Croácia, Eslovênia, Bósnia-Herzegovina, Macedônia e Montenegro. A Sérvia reunia
em suas fronteiras duas províncias autônomas, sendo uma delas Kosovo, onde a
maioria da população era de origem albanesa.
Apoiando-se
em sua enorme popularidade, Tito procurou seguir uma orientação independente de
Moscou. Ao contrário dos soviéticos, os iugoslavos promoveram a
descentralização política e administrativa, dando prioridade à gestão local e
reduzindo a intervenção do governo central. Com isso, Tito atraiu para si o
ódio de Stalin, que não admitia dissidências nem manifestações de autonomia.
Assim, em 1948 a União Soviética rompeu relações diplomáticas com a Iugoslávia.
Apesar
do rompimento, Tito conseguiu governar durante várias décadas, neutralizando as
tensões entre as diversas etnias que compunham a população iugoslava.
Depois
de sua morte, as diferenças étnicas e religiosas se acirraram, desencadeando
sérios confrontos. Em poucos anos, dilacerada por guerras étnicas, a Iugoslávia
desapareceu. Cada povo que a formava se tornou um país independente.
O nacionalismo foi mais forte do que a consciência de classe
Karl Marx (1818-1883) esperava que o
socialismo se afirmasse nos países capitalistas mais desenvolvidos. Na prática,
porém, o socialismo se desenvolveu em países atrasados da periferia do
capitalismo, como a Rússia e a China. No texto a seguir, o cientista político
brasileiro Emir Sader (1943-) analisa essa contradição.
“Um balanço do socialismo no século XX não pode
se restringir à União Soviética e aos países que reivindicaram para si esse
tipo de sociedade. Para Marx, o socialismo era a negação e, ao mesmo tempo, a
superação do capitalismo. Era, antes de tudo, um movimento histórico e social
de geração global de um novo tipo de sociedade; o que supõe um processo revolucionário
muito mais amplo do que a ‘tomada do poder’ num ou noutro país e a construção
de um novo tipo de Estado e de sociedade. Supõe a mais radical transformação
que a humanidade já viveu, o que inclui a economia, as relações sociais, a
política, a cultura – enfim, o conjunto das relações que o homem foi
construindo ao longo do tempo [...].
Essa sociedade teria que se gestar,
portanto, a partir dos polos mais desenvolvidos do capitalismo, para ser sua
negação superadora. Avaliar o socialismo do século XX, portanto, é avaliar,
antes de tudo, que as condições desse tipo devem ser gestadas nos polos mais
avançados do capitalismo – sobretudo nos EUA, no Japão, na Europa Ocidental.
Pode-se dizer que foi ali que se decidiu o destino do socialismo no primeiro
século em que ele existiu como possibilidade histórica e não nos países
atrasados que se lançavam a uma aventura com o handicap desfavorável,
impossível de superar [...].
Nesse sentido, a principal questão sobre o
socialismo do século XX tem de ser deslocada da periferia – onde surgiu – para
o centro – onde não conseguiu se desenvolver. Em outras palavras, porque o
socialismo não surgiu, não se desenvolveu, não se consolidou, não rompeu com o
capitalismo no centro, ali onde – segundo a teoria marxista – as contradições
seriam mais desenvolvidas, o proletariado mais forte, as condições mais
favoráveis ao socialismo? [...]
Nos países desenvolvidos do capitalismo, a
questão nacional revelou ser [...] a justificativa para a solidariedade entre
burguesia e classe trabalhadora dos países imperialistas. E, nessa qualidade,
ela revelou ser mais forte, marcar mais profundamente a consciência dos
próprios trabalhadores desses países, do que a questão de classe. [...]
Quando se deflagrou a guerra
interimperialista, colocou-se para os partidos socialistas o tema da concessão
dos créditos de guerra, que subordinam tudo aos esforços de guerra. A maioria
optou pelo apoio às suas burguesias, passando então a ser conhecidos como
partidos da social-democracia, a qual nasce assim diferenciada como apoio ao
maior massacre conhecido até então na história da humanidade, realizado pelas
burguesias, usando trabalhadores para matar trabalhadores. [...]
O episódio anunciava já como o socialismo
teria que acertar contas com a questão nacional para poder conquistar a
consciência dos trabalhadores do centro do capitalismo, majoritariamente
sensibilizados pela questão nacional.” (SADER, Emir. Século XX: uma biografia
não autorizada. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2001. p. 68-70.)
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