A
GLOBALIZAÇÃO
Desde seu aparecimento, no início dos tempos
modernos, o capitalismo tendeu para a internacionalização.
Essa
tendência já se manifestava nos séculos XV e XVI, com as Grandes Navegações
abrindo os caminhos para a expansão do capitalismo comercial em escala mundial.
No
século XIX, o processo de internacionalização tomou a forma de imperialismo,
caracterizado pela expansão do capital financeiro e pela divisão internacional
do trabalho. No fim do século XX, esse processo ganhou novos contornos. Por
causa do avanço tecnológico, sobretudo nas áreas de informática e de
comunicações, capitais e mercadorias passaram a circular de forma mais intensa
por todo o mundo, dando origem à globalização.
Economia globalizada consiste na circulação de grandes massas de capital pelo planeta. |
Esse
processo está conduzindo os povos do mundo a uma interdependência cada vez
maior. Mas a riqueza gerada pela globalização não chega a ser apropriada de
forma igualitária por todas as nações, o que amplia os contrastes entre países
ricos e pobres, gerando conflitos ao redor do mundo.
1. Uma
nova ordem mundial
Após
a Segunda Guerra Mundial, foi inaugurada outra etapa na internacionalização do
capitalismo, comandada pelo poder militar e econômico dos Estados Unidos, cuja
moeda – o dólar – se converteu na base do sistema monetário mundial. Essa fase,
encerrada na década de 1970 em consequência das crises do petróleo (1973 e
1979), já foi chamada de era de ouro do capitalismo, em virtude dos
altos índices de crescimento da produção e de geração de empregos, apresentados
pelos países capitalistas industrializados.
Durante
os “anos dourados”, contudo, a humanidade viveu sob o risco permanente de uma
guerra nuclear, que ameaçava destruir todo o planeta. Com a desintegração da União
Soviética e o fim da Guerra Fria, caíram as barreiras que impediam a completa
internacionalização da economia mundial. Por isso, costuma-se dizer que, desde
o início dos anos 1990, surgiu uma nova ordem mundial, construída a partir
do processo de globalização.
Uma
das características da economia globalizada consiste na circulação de grandes
massas de capital pelo planeta, em busca das aplicações mais lucrativas no
mercado financeiro. Até a China, onde o socialismo ainda se mantém, flexibilizou
sua economia por meio de reformas que a inseriram no mercado internacional.
2.
Empresas transnacionais
Nos
últimos 250 anos, a humanidade passou por três processos de transformação
econômica conhecidos como “revoluções industriais”. O primeiro deles, iniciado
por volta de 1750, foi marcado pelo desenvolvimento da máquina a vapor e pelo
aparecimento da fábrica. No segundo, a partir de 1850, surgiram a ferrovia, a
eletricidade, o telégrafo e o automóvel.
Atualmente,
está em curso a terceira revolução industrial, iniciada na década de 1970,
quando chegaram ao mercado importantes inovações tecnológicas, como os
computadores, os telefones celulares, a fibra óptica etc. Esse avanço
tecnológico, impulsionado principalmente pelo setor de informática, permitiu a
automação da indústria e, em consequência, o aumento e a diversificação da
produção, além do barateamento de numerosos produtos.
Na
década de 1980, por exemplo, um computador vendido no Brasil custava tanto
quanto um carro de porte médio. Hoje, milhares de computadores são vendidos em
todo o país a preços muito acessíveis.
Para
chegar ao barateamento nos custos de produção, as grandes empresas investem
maciçamente em pesquisa e desenvolvimento de novos métodos produtivos. Como as
pequenas não têm como investir no próprio crescimento, elas não conseguem
acompanhar o ritmo imposto pelo mercado e são absorvidas pelas empresas de
grande porte. Por isso, uma das características do processo de globalização é a
formação de gigantescos grupos econômicos pela fusão de várias empresas ou de
companhias líderes do mercado.
Outro
aspecto dessa política econômica que também concorre para baixar os custos da
produção consiste na formação de empresas transnacionais. Uma empresa
transnacional é uma espécie de “fábrica mundial” que produz bens montados com
peças fabricadas em diversas partes do mundo.
Uma
empresa de capital estadunidense, por exemplo, fabrica computadores. Os
componentes que ela utiliza, entretanto, podem ter sido produzidos na China, em
Taiwan, na Coreia do Sul, no Japão, no Vietnã ou até mesmo nos EUA. O que
determina, nesses casos, em que país deve ser fabricada tal ou qual peça é o
preço da mão de obra, paga com salários mais baixos nos países do Terceiro
Mundo.
Mais
um exemplo: a empresa estadunidense Ford fabrica automóveis e colabora com a
empresa japonesa Mazda. Juntas, as duas produzem carros de pequeno porte. As
duas companhias também trabalham com a empresa coreana Kia Motors. A Kia vende
certas peças para a Ford/Mazda.
Outra
fábrica japonesa, a Yamaha, fornece os motores. O produto final é um carro da
marca Ford, mas ele não tem identidade nacional: não é coreano, nem
estadunidense, nem japonês.
O
comércio em escala mundial
O
comércio sempre desempenhou importante papel no intercâmbio entre os povos e na
dinamização das atividades econômicas. Desde que os europeus começaram as
viagens marítimas interoceânicas, no início da Idade Moderna, o comércio vem se
ampliando de modo crescente. A expansão das trocas internacionais, porém, tem
sido mais acentuada em épocas recentes, particularmente a partir do fim da Segunda
Guerra Mundial. Isso porque, em 1948, foi criado o Acordo Geral de Tarifas e
Comércio (cuja sigla em inglês é GATT), que pôs em prática uma política de
redução das tarifas alfandegárias. Assim, as tarifas, que eram em média de
aproximadamente 40% em 1940, baixaram para cerca de 5% na década de 1990. Como
resultado dessa política, as exportações mundiais cresceram muito mais
rapidamente do que a produção, entre os anos de 1960 e 1990.
Em
janeiro de 1995, o GATT foi substituído pela Organização Mundial do Comércio
(OMC), que ainda hoje tem, entre outras, as atribuições de administrar acordos
comerciais, atuar como fórum de negociações entre países e resolver disputas
comerciais.
O capital
especulativo
Nas
últimas décadas, as trocas comerciais têm sido acompanhadas de um gigantesco
crescimento nos movimentos de capitais, feitos com o objetivo de buscar
aplicações lucrativas de diversos tipos, nos mais diferentes mercados. Boa
parte desses capitais está voltada a aplicações de curto prazo (capital
especulativo), em mercados de ações, moedas e títulos emitidos pelos governos de
muitos países.
Esse
tipo de capital surgiu de dois processos combinados. Um deles foi resultado da
adoção de políticas neoliberais, durante a década de 1980, pelo presidente dos
Estados Unidos, Ronald Reagan, e pela primeira-ministra da Inglaterra, Margaret
Thatcher. Como se sabe, o neoliberalismo é uma doutrina que defende a não
intervenção do Estado nas atividades econômicas, a privatização das empresas
estatais e a abertura das economias nacionais. Com essa política, Reagan e
Thatcher estimularam a queda de barreiras econômicas entre os países e
contribuíram para a intensificação do intercâmbio comercial e financeiro no
mercado mundial. O segundo processo foram as inovações introduzidas nas
telecomunicações e na informática, que imprimiram incrível rapidez às transações
financeiras. Essa nova modalidade de investimento consiste em capitais
especulativos, que circulam com grande velocidade pelos mercados financeiros de
todo o mundo, explorando as melhores taxas de juros em cada país.
Um
exemplo de especulação financeira é o seguinte: o investidor estrangeiro
converte seus dólares (ou outra moeda forte) em moeda nacional (o Real, por
exemplo) e aplicados no mercado de ações, aproveitando-se de um momento
favorável da Bolsa de Valores. A Bolsa sobe e garante ganhos. Porém, ao menor
sinal de instabilidade, o investidor vende as ações, faz a conversão da moeda e
leva os dólares embora. Se vários investidores fizerem isso ao mesmo tempo,
pode haver uma crise na economia local que rapidamente se propaga para outros
países em virtude da integração das economias. Crises desse tipo afetaram
recentemente o México (1995), a Tailândia (1997), a Rússia (1998), o Brasil
(1999) e os EUA (2008), repercutindo em quase todo o mundo.
A era dos computadores
A
globalização financeira foi facilitada pelas inovações no campo das
telecomunicações. Como vimos, a rápida evolução da tecnologia da informação
colocou em uso o computador pessoal, o telefone celular, a videoconferência
etc. A introdução dos cabos telefônicos de fibra óptica aumentou em milhares de
vezes a capacidade das ligações telefônicas simultâneas. Essas mudanças tiveram
um efeito revolucionário na expansão do comércio, nos fluxos de investimentos e
na atuação das empresas multinacionais, possibilitando a unificação do mercado
mundial.
O
salto decisivo da globalização das comunicações ocorreu com a popularização da
internet no início dos anos 1990. Essa rede computadorizada de informações
surgiu no fim da década de 1960, patrocinada pelos órgãos de defesa dos Estados
Unidos, na época da Guerra Fria. Tinha a finalidade de interligar centros de
comando e de pesquisa militar. Pouco depois, a rede começou a ser utilizada
pelas universidades. À medida que os computadores pessoais se tornaram acessíveis
e se desenvolveram dispositivos especiais de localização, mais pessoas puderam
“navegar” na rede. A internet constitui, hoje, o principal meio de transmissão
de dados, de pesquisa e de comunicação entre pessoas e empresas.
3. O
Estado em face da globalização
O
papel do Estado passou por diversas mudanças nos últimos anos, particularmente
a partir do fim da década de 1980. Para isso, contribuíram:
•
a onda neoliberal que, a partir dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha, se
propagou pelo planeta defendendo a redução do papel do Estado tanto na economia
como nas funções de previdência social;
•
o fim da Guerra Fria, que reduziu ainda mais a possibilidade de conflitos
armados entre as grandes potências.
Além
disso, as novas tecnologias digitalizadas de comunicação (satélites, fax, redes
de computadores) tiraram do Estado o controle exclusivo da informação no
próprio território. A mídia internacional ignora as distâncias tanto quanto as
fronteiras e possibilita, de forma crescente, que pessoas de países diferentes
se interliguem. Como consequência, há hoje forte tendência para a globalização
dos padrões culturais e de consumo, enquanto a língua inglesa se impõe como
idioma universal.
Para
alguns estudiosos, a aceleração desse processo poderia provocar o enfraquecimento
do Estado e a perda da soberania nacional. Essa posição, no entanto, é
polêmica, visto que o Estado continua sendo responsável pela integração dos
mais diversos setores da sociedade.
Os
blocos econômicos regionais
O
processo de globalização tende a transformar o mundo em um grande e único
mercado e uniformizar as economias de todos os países segundo o modelo imposto
pelo neoliberalismo.
Para
se fortalecer nesse mercado, várias nações têm procurado estabelecer acordos comerciais
regionais, com o objetivo de formar blocos econômicos para facilitar o comércio
entre os países membros e com outros blocos ou países do mundo. Entre outras
vantagens, os blocos apresentam políticas alfandegárias unificadas e maior
mercado consumidor.
O
mais antigo desses blocos surgiu na Europa Ocidental em 1957 com o nome de
Mercado Comum Europeu (MCE) ou Comunidade Econômica Europeia (CEE). Tratava-se no
início apenas de uma zona de livre-comércio entre os países-membros (isto é,
sem taxas alfandegárias sobre as importações).
Em
1993, a CEE passou a se chamar União Europeia (UE) por decisão do Tratado de Maastricht,
que ampliou os termos do acordo de 1957. A mudança, portanto, não foi só de nome.
A União Europeia é hoje uma organização supranacional que permite a livre circulação
de pessoas e mercadorias entre os países membros e conta com um Parlamento
Europeu eleito por voto direto. Dela são membros 28 países, entre os quais
França, Alemanha, Inglaterra, Bélgica, Itália, Holanda. Em 2000, foi criado o
euro, moeda única adotada em 2016 por 19 dos 28 países da União Europeia.
Um
segundo bloco é o Acordo de Livre-Comércio da América do Norte (Nafta), que
integra as economias dos EUA, Canadá e México desde 1993. Em contraste com a
União Europeia, o Nafta não se propõe a unificar politicamente a região, nem
mesmo a criar uma moeda única. Sua finalidade específica consiste em eliminar
as barreiras alfandegárias entre os três países signatários do acordo.
Em
1991, foi instituído, pelo Tratado de Assunção, o Mercado Comum do Sul (Mercosul),
que deu início à eliminação a longo prazo das tarifas aduaneiras na região. Os
membros do Mercosul são Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Venezuela.
Chile, Peru, Colômbia, Equador, Guiana e Suriname são países associados, e a
Bolívia está em processo de adesão ao bloco. O objetivo do Mercosul é estreitar
as relações comerciais entre os países membros e, no futuro, estabelecer
tarifas únicas para o comércio do bloco com países de outras regiões e
continentes.
Outro
bloco foi firmado na América Latina: trata-se da Alba (Alternativa Bolivariana para
as Américas), proposto por Hugo Chaves, que era presidente da Venezuela. Sua
fundação foi formalizada em dezembro de 2004, em Havana, e entre seus membros estão
Venezuela, Cuba, Bolívia e Nicarágua. O bloco pretende eliminar as tarifas alfandegárias
como incentivo ao comércio e também promover o desenvolvimento econômico.
Entretanto,
alguns fatos prejudicaram do andamento da Alba. Entre eles: a morte de Hugo
Chaves, em 2013; a queda no preço do petróleo (a principal riqueza da
Venezuela); e o afastamento de Fidel Castro da política cubana.
A
precarização do trabalho
Com
a revolução tecnológica das três últimas décadas, o trabalho humano passou a
ser substituído por máquinas e processos produtivos cada vez mais complexos e
sofisticados. Esse processo, conhecido como automação, provocou a
extinção de milhões de postos de trabalho em todo o mundo, levando à demissão
em massa de trabalhadores na indústria e no setor de serviços.
A
década de 2000 mostrou esses danos. Dados da Organização Internacional do
Trabalho (OIT) revelaram que, em janeiro de 2003, havia no mundo cerca de 180
milhões de pessoas desempregadas. Além delas, cerca de 550 milhões de
trabalhadores viviam de subempregos, isto é, de atividades sem remuneração fixa
que não contam com os benefícios da legislação trabalhista, como as de camelô,
catadores de papel, engraxates etc.
Para
alguns economistas, a automação extingue funções e, portanto, o aumento do
desemprego seria inevitável. Para outros, trata-se de uma situação passageira,
semelhante à que ocorreu durante a primeira Revolução Industrial, quando as
máquinas começaram a substituir o trabalho humano. Nesse caso, a atual onda de
desemprego seria seguida da criação em grande escala de novos postos de
trabalho, ligados à tecnologia de ponta. Seja qual for a causa do desemprego, é
certo que, na maioria dos países, a globalização se associou à precarização do
trabalho. A competição entre empresas e a necessidade de reduzir custos levaram
os patrões a exigir mais de seus empregados, nem sempre aumentando os salários.
Embora
em condições precárias, muitos empregos haviam sido criados por conta do crescimento
econômico registrado em muitos países, sobretudo na zona do euro e nos Estados Unidos.
Esses países, para suprir a falta de braços, vinham atraindo trabalhadores
estrangeiros, principalmente para o setor de construção civil.
A
crise econômica iniciada em 2008 mudou esse quadro. A recessão que se espalhou
pelo mundo fez desaparecer muitos postos de trabalho e os países ricos tomaram
medidas mais rígidas contra a imigração.
4.
Globalização e desigualdade
O
processo de globalização é considerado irreversível pelos especialistas, mas
seus rumos são criticados por diversos grupos políticos em todo o mundo. Uma
das principais críticas é que a globalização não favorece a distribuição da
riqueza entre os países, agravando a exclusão social.
Enquanto
países desenvolvidos detêm mais de 70% do comércio internacional, as nações em desenvolvimento
não conseguem usufruir dos lucros gerados pela globalização.
Com
as desigualdades denunciadas por diversos países em desenvolvimento e ONGs
(organizações não governamentais) internacionais, as instituições financeiras
supranacionais, como Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Mundial (Bird)
e Organização Mundial do Comércio (OMC), começam a se preocupar com o aumento
do “abismo” que separa os países ricos dos países pobres.
As duas faces da
globalização
O
economista estadunidense Joseph Stiglitz foi presidente do Conselho de
Assessores Econômicos no mandato de Bill Clinton no governo dos Estados Unidos
(1995-1997) e integrou o setor para Políticas de Desenvolvimento do Banco
Mundial. No texto a seguir, ele apresenta suas percepções sobre a globalização.
“No
começo da década de 1990, a globalização foi saudada com euforia. Os fluxos de
capital para os países em desenvolvimento aumentaram seis vezes em seis anos,
de 1990 a 1996. A criação da Organização Mundial do Comércio em 1995 – um
objetivo buscado durante meio século – daria aparência de império da lei ao
comércio internacional. Todos supostamente sairiam ganhadores, tanto no mundo em
desenvolvimento como no desenvolvido. A globalização traria uma prosperidade
sem precedentes para todos.
Não
admira então que o primeiro grande protesto moderno contra a globalização,
ocorrido em Seattle, em dezembro de 1999, no que deveria ser o começo de uma
nova rodada de negociações sobre o comércio que levaria a uma maior
liberalização, tenha sido uma surpresa para os defensores dos mercados abertos.
A globalização havia conseguido unir gente de todo o mundo – contra a
globalização.
Os
operários fabris dos Estados Unidos viam seus empregos ameaçados pela
concorrência da China. Os agricultores de países em desenvolvimento viam seus
empregos ameaçados pelos altos subsídios agrícolas americanos. Os trabalhadores
da Europa viam a proteção do emprego, conquistada a duras penas, sendo atacada
em nome da globalização. Os militantes contra a Aids viam os novos acordos
comerciais aumentando o preço dos remédios a níveis fora do alcance para boa
parte do mundo. Os ambientalistas sentiam que a globalização punha em perigo
sua luta de uma década para estabelecer regulamentações a fim de preservar
nossa herança natural. Aqueles que queriam proteger e desenvolver suas heranças
culturais também percebiam a intrusão da globalização. Esses manifestantes não
aceitavam o argumento de que, pelo menos economicamente, a globalização
acabaria por beneficiar todo mundo.
Muitos
relatórios e comissões têm sido dedicados ao tópico da globalização. Participei
da Comissão Mundial sobre as Dimensões Sociais da Globalização, criada em 2001
pela Organização Internacional do Trabalho [...] Algumas linhas revelam nossa
compreensão de como boa parte do mundo se sente em relação à globalização.
O
atual processo de globalização está gerando resultados desequilibrados, tanto
entre países como dentro deles. Cria-se riqueza, mas um número muito grande de
países e de pessoas não está se beneficiando dela. Eles também têm pouca ou
nenhuma voz na moldagem do processo. Vista através dos olhos da vasta maioria
das mulheres e dos homens, a globalização não atendeu a suas aspirações simples
e legítimas de empregos decentes e um futuro melhor para seus filhos. Muitos
deles vivem no limbo da economia informal, sem direitos formais e numa faixa de
países pobres que substituem precariamente às margens da economia global. Até
mesmo nos países economicamente bem-sucedidos, alguns trabalhadores e algumas
comunidades foram afetados de forma negativa pela globalização. Enquanto a revolução
nas comunicações globais aumenta a consciência dessas disparidades [...] esses
desequilíbrios globais são moralmente inaceitáveis e politicamente
insustentáveis.” STIGLITZ, Joseph E. Globalização: como dar certo. São
Paulo: Companhia das Letras, 2007. p. 66-68.
O espírito de Seattle
O primeiro
grande protesto contra a globalização ocorreu em dezembro de 1999, em Seattle (EUA),
durante uma reunião da OMC que pretendia lançar a Rodada do Milênio – um novo
cronograma para a redução de tarifas comerciais. Do lado de dentro, países
ricos e pobres divergiam quanto a metas e prioridades. Nas ruas de Seattle,
cerca de 100 mil representantes de sindicatos e ONGs realizavam protestos
contra a OMC e a globalização, entrando em choque com a polícia. Os confrontos
duraram três dias e deixaram um saldo de mais de 500 pessoas presas e centenas
de feridos.
Estabelecimentos
comerciais considerados símbolos da globalização, como as lanchonetes da rede
McDonald’s e lojas de artigos da Nike, foram depredados.
A partir de
Seattle, as manifestações antiglobalização cresceram. Nascia o chamado espírito
de Seattle, que envolve grupos políticos de todo o mundo.
Em abril de
2000, durante a reunião semestral do FMI e do Banco Mundial, em Washington,
mais de 10 mil manifestantes tomaram as ruas da capital dos Estados Unidos com
bandeiras e cartazes com slogans antiglobalização. Cinco meses depois,
novamente em um encontro entre o FMI e o Banco Mundial, em Praga (República
Tcheca), os protestos terminaram num conflito violento entre os manifestantes e
a polícia.
Em janeiro
de 2001, a reunião anual do Fórum Econômico Mundial – entidade que reúne
representantes dos países mais ricos, banqueiros, economistas e empresários –,
realizada em Davos (Suíça), contou com um esquema de segurança rigoroso: a
polícia suíça isolou a cidade e fechou temporariamente as fronteiras do país.
Os pouco mais de mil ativistas que conseguiram romper o bloqueio seguiram para
Zurique, onde queimaram carros e enfrentaram os policiais.
Enquanto
isso, em Porto Alegre (Brasil), aproximadamente 10 mil pessoas representando
ONGs, sindicatos, movimentos de esquerda, entidades estudantis etc. se reuniram
no Fórum Social Mundial.
Devido à
grande quantidade de críticas à globalização e discursos exigindo dos países
ricos o cancelamento das dívidas dos países pobres, o encontro foi logo chamado
de anti-Davos. Em julho de 2001, em Gênova (Itália), pela primeira vez
um confronto entre os ativistas antiglobalização e a polícia terminou em
tragédia. O italiano Carlo Giuliani, de 23 anos, morreu quando protestava, ao
lado de mais de 150 mil manifestantes, contra uma reunião do então G8 (grupo
das sete maiores economias mundiais mais a Rússia). Cerca de 200 ativistas
foram presos e 560 pessoas ficaram feridas.
O espírito
de Seattle não morreu. A cada vez que o G7, FMI ou Banco Mundial se reúnem os manifestantes
antiglobalização comparecem e protestam contra aqueles que são responsáveis pela
condução da economia mundial.
5. Em
busca de soluções globais
Um
aspecto interessante da globalização é que ela está levando povos do mundo a
pensar em soluções globais para seus problemas.
Em
Kyoto (Japão), em dezembro de 1997, foi firmado um tratado internacional (Protocolo
de Kyoto) que buscava a redução pelas nações industrializadas das emissões de
gases estufa (causadores do efeito estufa, que é o aquecimento anormal da
atmosfera). Os EUA, país que mais poluía o planeta (responsável por 25% de todo
o dióxido de carbono emitido no mundo no período), foram a única nação que não
ratificou o protocolo. Apenas em 2015, na COP21 (vigésima primeira Conferência
das Partes), foi firmado um acordo de dimensões globais visando diminuir a
emissão de gases do efeito estufa. Os 196 países signatários (entre eles, os
Estados Unidos e o atualmente maior poluidor do mundo, a China) devem trabalhar
para que o aquecimento global não passe de 1,5 °C.
Em
junho de 2001, foi realizada em Nova York (EUA) a Assembleia Geral das Nações
Unidas sobre a Aids, cujo objetivo era discutir a prevenção e o combate à
doença. Além de reafirmar que o acesso aos medicamentos é um direito do ser humano,
os países participantes decidiram ampliar o tratamento dos portadores do HIV e
criar um fundo internacional para a realização desse trabalho.
A
comunidade internacional se reuniu novamente em 2011 para estabelecer outra
meta: dar acesso aos medicamentos que impedem a multiplicação do vírus para 15
milhões de pessoas. Em 2015, cerca de 16 milhões de pessoas estavam recebendo o
tratamento. Outra solução global foi buscada na Conferência das Nações Unidas
contra o Racismo, a Discriminação, a Xenofobia e a Intolerância, que reuniu 173
países em Durban (África do Sul), entre agosto e setembro de 2001.
O
documento final do encontro reconheceu a escravidão como crime contra a
humanidade.
Também
reivindicou medidas efetivas dos países ricos para reverter as injustiças
históricas cometidas contra os povos africanos.
Foram
exigidos o Alívio das dívidas, a erradicação da pobreza e investimentos em
saúde e no combate à Aids. Essa conferência ganhou um encontro de revisão em
2009.
O
desenvolvimento sustentável é outra preocupação das nações do mundo. Em 2012,
ocorreu no Rio de Janeiro o evento Rio+20, que contou com a participação de chefes
de Estado de cento e noventa nações.
O
evento buscou a renovação do compromisso das nações presentes com a
sustentabilidade, repensando a utilização dos recursos naturais do planeta.
A globalização e os
trabalhadores
Como
se dão as relações de trabalho no mundo transformado pela mundialização dos
capitais?
No
texto a seguir, o cientista social francês Pierre Bourdieu (1930-2002) analisa
os problemas que a globalização traz para os trabalhadores.
“A
instituição prática de um mundo darwiniano que encontra as molas da adesão na
insegurança em relação à tarefa e à empresa, no sofrimento e no estresse, não
poderia certamente ter sucesso completo, caso não contasse com a cumplicidade
de trabalhadores a braços com condições precárias de vida produzidas pela
insegurança, bem como pela existência – em todos os níveis de hierarquia, e até
nos mais elevado, sobretudo entre os executivos – de um exército de reserva de
mão de obra docilizada pela precarização e pela ameaça permanente do
desemprego. O fundamento último de toda essa ordem econômica sob a chancela invocada
da liberdade dos indivíduos é efetivamente a violência estrutural do desemprego,
da precariedade e do medo inspirado pela ameaça da demissão. [...]
A
profunda sensação de insegurança e de incerteza sobre o futuro e sobre si
próprio que atinge todos os trabalhadores deve sua coloração particular ao fato
de que o princípio da divisão entre os desempregados e os que têm emprego
parece estar na competência escolarmente garantida, que também explica o princípio
das divisões, no seio das empresas, entre os executivos e os ‘técnicos’ e os
simples operários ou os operários especializados. A generalização da
eletrônica, da informática e das exigências de qualidade, que obriga todos os
assalariados a novas aprendizagens e perpetua na empresa o equivalente das
provas escolares, tende a redobrar a sensação de insegurança habilmente mantida
pela hierarquia de indignidade.
A
ordem profissional e, sucessivamente, toda a ordem social, parecem fundadas
numa ordem das ‘competências’, ou, pior, das ‘inteligências’.
Sempre
obrigados a provar que são bons, os trabalhadores condenados à precariedade e à
insegurança de um emprego instável e ameaçados de serem relegados à indignidade
do desemprego só podem conceber uma imagem desencantada tanto de si mesmos,
como indivíduos, quanto de seu grupo. Outrora objeto de orgulho, enraizado em
tradições e em toda uma herança técnica e política, o grupo operário [...] está
fadado à desmoralização, à desvalorização e à desilusão política, que se
exprime na crise da militância ou, pior ainda, na adesão desesperada às teses do
extremismo fascistoide.” BOURDIEU, Pierre. Contrafogos. Rio de Janeiro:
Zahar, 1998. p. 140-142.
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