POVOAMENTO DAS AMÉRICAS
1. Redescobrindo
o passado da América
A análise de pinturas
rupestres é um dos procedimentos mais importantes na pesquisa e, portanto, compreensão
do modo de vida dos seres humanos durante o período denominado,
tradicionalmente Pré-História. Sem menosprezar a importância de outros
vestígios pesquisados pelos arqueólogos, as pinturas rupestres expressam cenas,
situações da vida cotidiana dos grupos humanos que viveram nesse período.
Pesquisadores acreditam
que a América foi o último continente ocupado pelo ser humano. A data em que
isso teria ocorrido, entretanto, é motivo de controvérsia. A esse respeito, podemos
dizer, de maneira simplificada, que as discussões se concentram em duas questões:
quando teriam chegado os primeiros povoadores e que caminhos teriam percorrido.
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Pintura rupestre na Serra da Capivara |
O debate é de extrema
importância já que, por muito tempo, todo o período anterior à chegada dos
europeus à América foi considerado a Pré-História do continente. Essa concepção
associava aos povos que aqui viviam a ideia de inferioridade e de ausência de
civilização.
Para chegar a essas
conclusões, historiadores europeus fi zeram estudos desconsiderando a cultura dos
povos que aqui viviam antes do século XVI. Novas investigações, privilegiando o
estudo da história dos primeiros povoadores do continente e de seus
descendentes, têm demonstrado que a história desses povos é bem mais rica,
complexa e antiga do que os conquistadores europeus supunham.
Os novos estudos têm
fornecido uma série de informações que questionam antigas teorias formuladas por
europeus sobre a ocupação da América.
2. Teoria de Clóvis
Por muito tempo, a
teoria mais aceita nos meios científicos foi a de que os primeiros povoadores teriam
chegado à América há cerca de 11,5 mil anos. Vindos da Sibéria pelo extremo
norte da Ásia, teriam atravessado o Estreito de Bering e chegado ao Alasca.
Naquela época, o planeta Terra estava sofrendo o efeito da última glaciação, e
o rebaixamento dos oceanos facilitava o acesso entre os dois continentes.
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Rota dos humanos a caminho da América, através do Estreito de Bering, |
Com o fim da glaciação
e o aquecimento do planeta, o nível dos mares tornou a subir, e o Estreito de
Bering voltou a ficar intransitável. Isso impediu que novos grupos continuassem
chegando ao continente. As populações que já haviam chegado ficaram isoladas e
durante muitos milênios não tiveram contato com os outros continentes. Esse
isolamento somente seria rompido a partir de 1492, com a chegada dos europeus.
As imensas geleiras
existentes na América do Norte impediram, durante longo tempo, que esses povos
migrassem em direção ao sul. À medida, porém, que as massas geladas começaram a
se desfazer, abriu-se um caminho por onde grupos humanos puderam passar e ir
ocupando todo o continente.
Essa versão do povoamento
é conhecida como Teoria de Clóvis. Ela se originou das pesquisas realizadas no
sítio arqueológico de Clóvis, no estado do Novo México, Estados Unidos, em
1937. Os vestígios deixados pelos grupos humanos que aí viveram – basicamente
pontas de pedra lascada e ossadas dos animais que caçavam – constituíram a
chamada Cultura Clóvis. As análises feitas pelo método do
carbono-14 (C14) fixaram a data da Cultura Clóvis entre 10
e 11 mil anos atrás. A partir de então, concluiu-se que o início da ocupação
humana no continente se deu em torno de 11,5 mil anos atrás.
Descobertas recentes em
outros sítios arqueológicos têm colocado em dúvida essa teoria. Alguns desses
sítios são os de Meadowcroft, na Pensilvânia, Estados Unidos; o de Monte Verde,
no Chile; e os de Lagoa Santa, em Minas Gerais, e Pedra Pintada, no Pará. Com as novas pesquisas realizadas nesses locais, já se
pode supor que os primeiros povoadores tenham chegado ao continente há pelo
menos 50 mil anos.
É preciso acrescentar, ainda, que existem outras hipóteses para o povoamento do continente, embora tenham poucos defensores. Há quem argumente que os primeiros povoadores tenham vindo da Austrália. E já se cogitou a possibilidade de que esses povoadores fossem provenientes da Europa.
É preciso acrescentar, ainda, que existem outras hipóteses para o povoamento do continente, embora tenham poucos defensores. Há quem argumente que os primeiros povoadores tenham vindo da Austrália. E já se cogitou a possibilidade de que esses povoadores fossem provenientes da Europa.
3. Vestígios em Monte Verde, Chile
Entre os principais
sítios arqueológicos a fornecer dados que permitem questionar a Teoria de
Clóvis está o de Monte Verde, no Chile. Em 1976, presas de um mastodonte foram
encontradas nesse sítio.
Em 1976, presas de um mastodonte
foram encontradas nesse sítio. A partir dessa
descoberta, arqueólogos começaram o trabalho de pesquisa e encontraram pegadas
de humanos, de 13_cm, gravadas na argila. Também foram localizados objetos
feitos de pedra, artefatos de madeira, restos de plantas medicinais (que ainda
hoje são cultivadas pelos nativos) e até uma estrutura de habitação, sustentada
por toras e coberta por peles de animais.
Inicialmente, as
evidências foram datadas de 12,5 mil anos. Entretanto, em maio de 2008, a
revista Nature divulgou um estudo feito por uma equipe de
cientistas estadunidenses que concluiu ser Monte Verde o assentamento humano
mais antigo do continente, com idade entre 13 mil e 14 mil anos.
Essas revelações sobre
Monte Verde modificam consideravelmente as hipóteses sobre o povoamento das
Américas. Afinal, o sítio de Clóvis localiza-se nos Estados Unidos e o de Monte
Verde, no sul do continente. Sabe-se que os deslocamentos humanos em áreas despovoadas
costumavam levar milhares de anos. Assim, para que seres humanos tenham chegado
tão longe, numa época tão remota, seria preciso que tivessem atravessado o
Estreito de Bering muitos milênios antes.
Dessa forma, já se
começa a aceitar que a chegada do ser humano à América pode ter acontecido há
20 mil anos ou mais.
4. Pedra Pintada
A Teoria de Clóvis
encontra oposição também por parte de Anna Roosevelt, professora de
antropologia da Universidade de Illinois, nos Estados Unidos. Ela coordenou, em
1996, uma equipe que pesquisou a caverna da Pedra Pintada, em Monte Alegre,
Pará, na margem do Rio Amazonas. Entre outros vestígios da presença humana
foram encontradas pontas de lança e cacos de cerâmica datados de 6,8 a 10 mil
anos.
Em entrevista ao jornal
Folha de S.Paulo (15/6/1997), Anna Roosevelt declarou: “Levei
o material coletado para 69 laboratórios de vários países. Os resultados foram
parecidos e nos permitiram concluir que os paleoíndios (como são chamados os
primeiros habitantes da América) viveram na região amazônica de 11,2 a 10 mil
anos atrás”.
Para a pesquisadora,
diversos sítios no Brasil constituem provas mais do que convincentes de que a
ocupação humana na América se deu há mais de 20 mil anos.
5. Sítio do Boqueirão da Pedra Furada
O sítio do Boqueirão da
Pedra Furada, localizado em São Raimundo Nonato (PI), foi encontrado na década
de 1960. Desde o início dos anos 1970, ele vem sendo estudado por uma equipe de
pesquisadores coordenada pela arqueóloga brasileira Niède Guidon.
No local foram
encontrados pedras lascadas e vestígios de fogueira. Segundo a equipe, esses
vestígios podem ter 48 mil anos, o que faria de Pedra Furada o mais antigo
sítio arqueológico do continente. Além disso, foram encontrados fósseis humanos
que, estima-se, têm por volta de 11 mil anos.
Existem muitas dúvidas,
entretanto, em relação aos vestígios de Pedra Furada. A ausência de fósseis
humanos da mesma época que os vestígios mais antigos leva alguns críticos a
alegar que as pedras lascadas e as fogueiras podem ter origens naturais (raios,
por exemplo).
Caso se comprovem as
estimativas sobre a antiguidade da presença humana nesse local, feitas pela
equipe de Niède Guidon, vai ser preciso admitir que seres humanos habitavam o
nordeste brasileiro há mais de 50 mil anos. Consequentemente, sua chegada ao
continente teria acontecido em data ainda mais remota.
6. Luzia, a primeira “brasileira”?
Em 1975, foi
desenterrado em Lagoa Santa, local próximo de Belo Horizonte (MG), o mais
antigo fóssil humano já encontrado no continente americano. Ele foi localizado
no interior de uma caverna, a 13 m de profundidade.
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Reconstituição de Luzia |
Pelo exame do fóssil
foi possível saber que se tratava de uma mulher, com altura aproximada de 1,5 m
e que deve ter falecido com pouco mais de 20 anos de idade, há cerca de 11,5
mil anos.
Estudado recentemente
por uma equipe chefiada pelo pesquisador Walter Neves, da Universidade de São
Paulo (USP), o fóssil revelou dados desconcertantes. Após inúmeros estudos e comparações
com outros fósseis, inclusive europeus e asiáticos, os pesquisadores concluíram
que Luzia apresenta traços anatômicos que se diferenciam dos de outros
habitantes já conhecidos do continente americano, incluindo os indígenas.
Enquanto estes possuem características típicas dos povos mongóis da Ásia, Luzia
apresenta traços muito próximos dos negros africanos e dos aborígenes da
Austrália.
Esses dados podem mudar
radicalmente muitas das teorias a respeito da chegada dos primeiros seres
humanos ao continente americano.
7. Novas pesquisas, novas hipóteses
Diante de tantas
evidências, alguns estudiosos começam a admitir que os povoadores da América tenham
chegado ao continente em sucessivas levas.
Em 1986, três
pesquisadores estadunidenses conceberam um modelo para explicar a ocupação da
América por meio de três ondas migratórias. A primeira teria dado origem a
todos os indígenas da América do Sul, da América Central e de parte da América
do Norte. A segunda teria resultado nos grupos nômades da região noroeste da
América do Norte. A terceira seria aquela que originou os inuítes, que habitam as regiões árticas do Canadá, do Alasca e da
Groenlândia.
Nesse modelo, porém,
ainda não há lugar para Luzia e seus parentes. Por essa razão, Walter Neves e
outros pesquisadores estudam a hipótese de ter havido uma quarta onda
migratória. Para eles, Luzia seria descendente de um grupo aparentado dos
atuais aborígenes negroides australianos, que teriam migrado da Ásia.
Essa tese tem sido
reforçada pela descoberta, em várias partes do continente, de outros fósseis
com as características de Luzia. Esses grupos humanos, entretanto, não
sobreviveram. A hipótese levantada é de que eles teriam sido exterminados por
grupos mais fortes ou mais numerosos que teriam chegado posteriormente e dado
origem aos indígenas atuais.
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