A SOCIEDADE FEUDAL
Para explicar as origens da sociedade feuda na Europa, é preciso voltar à desintegração do Império Romano provocada pelas invasões dos povos bárbaros germânicos. Os
romanos chamavam de bárbaros todos aqueles que não tinham seus costumes
e que não falavam sua língua. Entre esses povos estavam os germânicos, cujas
invasões provocariam a desestruturação do Império Romano do Ocidente. A partir
do fim do século III, com o enfraquecimento do poderio de Roma, alguns povos
que habitavam nas proximidades das fronteiras do Império começaram a se
instalar pacificamente em seu território como aliados, isto é, como colonos e,
sobretudo, como soldados.
Chegam os hunos
No
fim do século IV, os hunos, povo guerreiro de origem asiática, chegaram
à Europa oriental e mudaram esse quadro, acelerando o processo de desintegração
do Império Romano. Praticamente empurrados pelo avanço dos hunos, os povos
germânicos abalariam as fragilizadas defesas das fronteiras romanas. Assim,
francos, burgúndios, alamanos, ostrogodos, visigodos, anglos e saxões invadiam
e pilhavam as cidades do Império.
Os visigodos e os
vândalos
Em
410, os visigodos ocuparam a Península Itálica, tomando e saqueando
Roma. Os vândalos, por sua vez, avançaram pela Península Ibérica,
atravessaram o Estreito de Gibraltar e estabeleceram-se no norte da África.
2. O
surgimento do mundo feudal
O
golpe definitivo ocorreu em 476, quando o chefe bárbaro Odoacro destronou o
imperador de Roma, pondo fim ao Império Romano do Ocidente. Esse acontecimento
assinala a passagem entre a Antiguidade e a Idade Média na Europa ocidental.
Assim,
ao término do século V, toda a porção ocidental do Império Romano, agora sob o
domínio dos germânicos, começava a assumir uma configuração inteiramente
diversa, do ponto de vista de sua organização social, política e econômica. Era
o mundo feudal que começava a se formar.
Mas
seriam necessários mais de três séculos para que as estruturas da nova
sociedade estivessem plenamente consolidadas. Nesse período, a administração
centralizada do Império Romano daria lugar a diversos reinos, como o dos
ostrogodos, o dos francos e outros, nos quais vigoravam formas descentralizadas
de poder.
De
todos esses reinos, o mais duradouro foi o dos francos. Por volta do século IX,
seu poder era tão grande que alguns acreditavam na possibilidade de o Império
Romano do Ocidente voltar a surgir.
O rei franco, proclamado imperador, foi o principal monarca da Europa Medieval. |
A
base social dos reinos feudais se constituiria a partir do encontro e da
combinação de tradições, costumes, crenças e estruturas sociais herdadas dos
romanos e dos povos germânicos. (A importância do estudo desse período é porque,
ao final dele, surgiu a Europa Moderna, cujas instituições se espalharam pelo
mundo.)
O sistema de colonato
Ao
longo de todo o processo de desagregação do Império Romano do Ocidente, que
durou cerca de duzentos anos, as cidades se despovoaram, enquanto o comércio e
a produção artesanal entraram em declínio. Sem dinheiro para manter as
fronteiras, o imperador não conseguia garantir a integridade do território.
Para se proteger, a população abandonava as cidades, principais alvos dos povos
invasores.
Ao
mesmo tempo, com o fim das guerras de expansão do Império, a mão de obra
escrava, base da economia romana, diminuiu consideravelmente. Com isso, as
grandes propriedades rurais escravistas, os chamados latifúndios, que produziam
com a finalidade de exportar para as diversas regiões do Império, perderam
importância.
O surgimento das
vilas
No
lugar dos latifúndios, começaram a surgir as vilas, grandes propriedades
rurais que tinham por objetivo a autossuficiência, isto é, produzir tudo o que
fosse necessário para a subsistência. Era uma adaptação à nova realidade, tendo
em vista que o comércio diminuiu com as invasões.
Nas
vilas, a mão de obra principal passou a ser a dos colonos, trabalhadores que
entregavam parte do que produziam ao senhor, em troca da permissão de uso da
terra (sistema de colonato). Eram obrigados ainda a trabalhar alguns dias na
terra do senhor.
Com
o passar do tempo, os pequenos agricultores também entregariam suas terras aos
grandes proprietários em troca de proteção.
Essas
vilas e as relações nelas estabelecidas contribuíram para a formação dos feudos,
unidade básica de todo o sistema feudal, como veremos adiante.
As tradições
germânicas
A
intensificação das invasões germânicas na Europa ocidental acentuou as mudanças
e acrescentou novos elementos à sociedade que se formava.
Os
germânicos trouxeram consigo certos costumes que se incorporaram à sociedade
nascente, como o padrão de justiça, baseada na tradição, e noções de honra e
lealdade, que fundamentavam as relações entre o chefe guerreiro e seus
comandados.
A
prática de conceder terras como recompensa aos homens que se destacavam nos
combates era comum entre os germânicos. Assim, à medida que avançavam e se
instalavam no território romano, os guerreiros tornavam-se senhores de terras.
A união entre eles e seus comandantes baseava-se apenas na lealdade e na
palavra empenhada.
Desse
modo, os novos senhores da terra passavam a ser praticamente independentes
dentro de seus domínios, que agregavam germânicos e romanos. Com o tempo, eles
se transformariam em senhores feudais, e a administração fortemente
centralizada do Império Romano daria lugar a um poder descentralizado.
A importância da Igreja
A
Igreja Católica desempenhou papel fundamental na formação e consolidação do
feudalismo. Era a maior e mais poderosa instituição do período. Sua influência
alastrou-se aos poucos entre romanos e germânicos, transformando-a no principal
elo de toda a população e garantindo certa uniformidade cultural à Europa
ocidental.
Essa
uniformidade se revelava na ideia de cristandade, termo que designava o
conjunto de povos seguidores do cristianismo. Tanto a Igreja quanto os Estados
feudais e o Império Bizantino opunham a noção de cristandade ao islamismo (ou
Islã), religião que se propagou entre os árabes a partir do século VII.
No
século IX não existia na Europa ocidental quem não acreditasse em Deus.
Controlando a fé, a Igreja normatizava os costumes, a produção cultural, o
comportamento e, sobretudo, a ordem social. Aqueles que se desviavam de suas
normas eram rigorosamente punidos. Sua influência também se fazia sentir na
política, ao sagrar reis e legitimar o poder dos senhores feudais.
Com
o tempo, a Igreja se transformaria também na maior proprietária de terras da
Europa ocidental, em um período em que a terra era a principal fonte de poder e
de riqueza.
Insegurança e
isolamento
A
nova organização social que despontava na Europa com a desagregação do Império
Romano — o feudalismo — só assumiu sua forma mais acabada por volta dos séculos
VIII e IX. Nessa época, outra onda de invasões, desta vez empreendidas por
árabes, húngaros, eslavos e normandos (ou vikings), isolou a Europa
ocidental da parte oriental.
O
clima de insegurança e isolamento criado pela nova onda de invasões dificultava
a circulação de pessoas, debilitando ainda mais as atividades comerciais e a
força das cidades.
O
poder político se transferiu para os grandes proprietários de terras, os senhores
feudais, a quem a população passou a recorrer, em busca de proteção.
3
Organização social
Jacques
Le Goff e George Duby, historiadores franceses especialistas em Idade Média,
dividem a sociedade da Alta Idade Média em três grandes ordens. A primeira
compreendia os integrantes do clero, que cuidavam da fé cristã; a segunda
reunia os senhores feudais (nobreza), responsáveis pela guerra e pela
segurança; a última ordem era aquela constituída pelos servos, que trabalhavam para
sustentar toda a população.
lero
Clero (primeira ordem), nobreza (segunda ordem) e camponeses (terceira ordem). |
A
mobilidade social praticamente inexistia. Rígidas tradições e vínculos
jurídicos determinavam a posição social de cada indivíduo desde o nascimento.
Na
sociedade feudal, a honra e a palavra tinham importância fundamental. Desse
modo, os senhores feudais ligavam-se entre si por meio de um complexo sistema
de obrigações e tradições.
Vassalos e suseranos
A
fim de obter proteção, os senhores feudais geralmente procuravam por outro
senhor mais poderoso, jurando-lhe fidelidade e obediência. Chamava-se vassalo
o senhor feudal que pedia proteção a outro. Essa aliança deveria ser
consolidada pelo senhor mais poderoso, o suserano, por meio da concessão
de um feudo, que podia ser constituído de terras ou bens ou de ambos, em troca da
obediência recebida.
Cerimônia da homenagem entre suserano e vassalo. |
Nesse
sistema, o vassalo devia várias obrigações ao seu suserano, como o serviço
militar, por exemplo. Por essa razão, quanto maior o número de vassalos, maior
o prestígio e o poder de um suserano.
O
compromisso estabelecido nesse sistema tinha caráter sagrado e sua violação
constituía falta grave.
Servos, escravos e vilões
A
terceira ordem da sociedade da Alta Idade Média era formada pelos servos.
A relação que se deu inicialmente entre os colonos e os proprietários das vilas
romanas pode explicar a origem da servidão no feudalismo.
Diferentemente
dos escravos, os servos estavam presos à terra e dali não podiam sair. Mesmo que
um feudo mudasse de senhor, não poderiam ser expulsos dele, passando a prestar
obrigações ao novo senhor.
Além
dos servos, havia os vilões, pequenos proprietários que, por algum
motivo, tinham entregado suas terras a um senhor. Embora livres, deviam várias
obrigações ao dono do feudo.
Os
escravos, em número reduzido e mantidos apenas em algumas regiões
próximas ao Mediterrâneo, trabalhavam em atividades domésticas.
O pacto de vassalagem
O
historiador brasileiro Hilário Franco Júnior (1948‑) é especialista no estudo da Idade
Média ocidental, em especial da cultura, sensibilidade e mitologia daquele
período. No texto a seguir, ele descreve aspectos do pacto de vassalagem e das
obrigações contidas na relação entre suserano e vassalo.
“Por sua
vez, a relação entre nobres, baseada na igualdade, fundamentava-se no contrato
feudo-vassálico. Este era criado por três atos, realizados diante de testemunhas
mas poucas vezes colocados por escrito. O primeiro ato era a homenagem, pela
qual um indivíduo (o futuro vassalo) se ajoelhava diante de outro (que se tornava
o senhor feudal), colocava suas mãos nas dele e se reconhecia como ‘seu homem’.
O segundo ato, logo a seguir, era o juramento de fidelidade: depois de se pôr em
pé, o vassalo jurava sobre a Bíblia ou relíquias de santos. Muitas vezes,
especialmente na França, a fidelidade era selada pelo osculum, beijo
trocado entre ambos. O terceiro ato era o da investidura, pelo qual o senhor
entregava ao vassalo um objeto (ramo, punhado de terra etc.) simbolizador do
feudo então concedido.
Contrato feudo-vassálico, herança germânica na sociedade feudal. |
Essa
cerimônia feudo-vassálica possuía forte carga simbólica [...].” FRANCO JÚNIOR,
Hilário. O feudalismo. 14. ed. São Paulo: Brasiliense, 1996. p. 44-45.
(Tudo é História).
4. O
feudo
Os
feudos eram os núcleos com base nos quais a sociedade feudal se organizou. Por
volta do ano 1000, a maioria das pessoas na Europa ocidental vivia em feudos.
Nesse período, a terra converteu-se no bem mais importante, por ser a principal
fonte de sobrevivência e poder.
Essas
e outras formas de pagamento eram compulsórias. Por meio delas, transferia-se
para o senhor feudal a maior parte da produção.
Os
camponeses tinham de viver com o pouco que sobrava. Moravam em casas de
madeira, sem divisões internas, com telhado de palha e chão batido. Assim como
os senhores, em sua maioria não sabiam ler nem escrever.
Vestiam-se
com roupas de lã, linho ou couro. Seu divertimento, geralmente, estava
relacionado à fé cristã e aos festejos comemorativos por ocasião do plantio e
da colheita.
DIVISÃO DAS TERRAS E IMPOSTOS
As terras do feudo distribuíam-se da seguinte forma:
• Manso
senhorial — Representava cerca de um terço da
área total e nela os servos e vilões trabalhavam
alguns dias por semana. Toda a produção obtida nessa parte da propriedade
pertencia ao senhor feudal.
• Manso
servil — Área destinada ao usufruto dos
servos. Parte do que era produzido ali era entregue como pagamento ao senhor
feudal.
• Manso comunal — Era a parte do feudo usada em
comum pelos servos e pelos senhores. Destinava-se à pastagem do gado, à
extração de madeira e à caça (este um direito exclusivo dos senhores).
Os servos, principal mão de obra dos feudos, deviam
várias obrigações ao senhor feudal,
destacando-se:
• a corveia
— prestação de trabalho gratuito ao
senhor feudal durante alguns dias da semana;
• a talha
— entrega ao senhor de parte da
produção obtida no manso servil;
• a banalidade
— pagamento de taxa pelo uso do
forno, do lagar (onde se fazia o vinho) e do moinho, entre outros equipamentos
do feudo;
• a capitação
— imposto per capita (por cabeça), pago apenas pelos servos;
• a mão-morta
— taxa paga pelos familiares do
servo para continuar explorando a terra após sua morte.
5 O
poder dos senhores feudais
Como
vimos, após a desintegração do Império Romano do Ocidente, a Europa foi ocupada
por vários reinos, cuja principal característica era a descentralização do
poder, dividido entre o rei e os senhores dos feudos. O rei cumpria, sobretudo,
funções simbólicas. Era considerado o principal suserano.
Também
subordinado às obrigações do sistema de suserania e vassalagem, dependia do
exército formado por seus vassalos e dos tributos recolhidos em seus próprios
domínios feudais.
Ao
ser reconhecido e legitimado pela Igreja, o poder do rei revestia-se de um
caráter sagrado: ele era “rei pela graça de Deus”. Apesar disso, não tinha
poderes para interferir nas terras de seus vassalos. Nelas, o senhor feudal era
soberano, comandando seu funcionamento e fazendo justiça segundo as tradições e
o direito consuetudinário, isto é, o direito consagrado pelos costumes.
6. Uma
economia rural
Na Alta Idade Média ocorreu uma acentuada retração das atividades
comerciais e artesanais. Em razão disso, houve um processo de ruralização da
sociedade na Europa ocidental, com o predomínio da agricultura de subsistência.
Dentro
dos feudos, a agricultura era praticada por meio de técnicas simples. Os principais
instrumentos eram feitos de madeira, pois o ferro era de difícil aquisição.
O
arado, puxado por boi, era o principal equipamento.
Para não esgotar o solo, usava- se um sistema de rotação trienal: a terra de cultivo era dividida em três partes e o plantio era feito de tal modo que sempre uma dessas partes permanecia em descanso.
Para não esgotar o solo, usava- se um sistema de rotação trienal: a terra de cultivo era dividida em três partes e o plantio era feito de tal modo que sempre uma dessas partes permanecia em descanso.
Cada
família de servos tinha a posse de um lote (ou tenência) em cada um desses
campos, para que sempre houvesse terra disponível para o cultivo. O quadro
acima representa o aproveitamento da terra, de acordo com o sistema de três
campos. Os caminhos precários e perigosos do interior da Europa dificultavam
a troca de mercadorias entre regiões distantes. Dessa forma, o feudo tinha de
ser praticamente autossuficiente, produzindo quase tudo de que precisava.
Nesse
período, algumas cidades ficaram despovoadas, outras desapareceram, e o
comércio e a produção artesanal diminuíram drasticamente. No interior de alguns
feudos, mantinham-se pequenas vilas, que reuniam poucos moradores e serviam de
refúgio contra os invasores.
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