sábado, 14 de abril de 2018


OS INDUSTRIAIS DE SÃO PAULO E FORD


Preço justo é o mais baixo por que possa vender-se um artigo e salário justo o mais alto que a indústria possa pagar. (Ford, 1925, p. 182)
Ford considera que o operário faz parte da massa dos consumidores e que o poder aquisitivo das massas populares repousa nos salários; de fato, a proporção dos salariados numa sociedade é muito maior do que a dos que vivem de renda. Os salários, prova de trabalho, asseguram a continuidade deste criando um poder aquisitivo que se renova incessantemente; o salário é, portanto, o criador do trabalho. Nessas condições os salários são tão importantes para a indústria em si como para a classe operária. (Simonsen, 1931, p. 19-20)
Necessitamos levantar o padrão de vida brasileiro, aumentar o nosso poder aquisitivo e valorizar o homem no Brasil. Dêem à indústria o que ela necessita: aparelhamentos financeiros de que dispõem as nações civilizadas, leis harmônicas de defesa da produção, liberdade de atuação dentro do mercado brasileiro pela supressão das barreiras inter-estaduais e a indústria poderá concorrer poderosamente para o enriquecimento do Brasil com sadios reflexos em nossos problemas sociais e na organização política administrativa de que carecemos. (Simonsen, 1931, p. 51-52.)

            Fordismo permanece um elemento-chave no debate sobre as relações entre patrões e operários nas décadas de vinte e trinta no Brasil. Cabe lembrar aqui as posições de Werneck Vianna e De Decca, cujas obras, bastante divulgadas (Vianna, 1976; Decca, 1984), ocupam lugar destacado no cenário das ciências humanas no país.
Para Vianna, “fordismo” associa-se a uma auto-limitação dos industriais aos “muros das fábricas” e a uma posição subordinada destes no quadro das relações de poder no interior das camadas dominantes (Vianna, 1976, p. 71-85). De Decca nega a reclusão dos industriais ao mundo da fábrica, mas mantém, embora com restrições, a idéia de um “fordismo” dominante entre eles. O autor chama atenção para o surgimento, no final dos anos vinte, de um projeto político que extravasaria o universo fabril e que atribuía uma posição de proa aos industriais. Ao mesmo tempo em que significaria o abandono do fordismo em sua “ortodoxia” (já que, contrariamente à “cartilha de Ford”, se cria uma entidade de classe – o CIESP – e se define uma proposta política dentro de um partido – o PRP), esse projeto representaria também uma forma de cumprir o escopo fordista – “generalizar a paisagem industrial para o conjunto da sociedade”, para isso apresentando indústria e economia cafeeira como complementares e apontando para a predominância da primeira como um desdobramento natural da última (Decca, 1984, p. 150-155).
Enquanto Vianna sublinha em “fordismo” a busca do controle sobre a vida privada do operário e a oposição à regulamentação legal das relações de trabalho, com a perspectiva dos “altos salários”, De Decca focaliza a idéia de racionalização da produção, presente nesse discurso[1].
A referência básica nas discussões a respeito de fordismo no Brasil é o memorial contra a lei de férias, enviado por entidades industriais ao Conselho Nacional do Trabalho em junho de 1927. Além deste documento, podem servir como referência também outros dois memoriais contra leis sociais: o Código de Menores e a lei de seguros contra doenças. Há ainda outras referências, mais fragmentárias. Mas o primeiro é o que mais procura se apoiar em afirmações de Ford e o que, provavelmente por isso mesmo, é o mais citado como evidência de fordismo[2]. E é por esse motivo que centraremos nossas considerações na análise deste texto. O momento em que aparece é marcado pela presença proeminente, no meio industrial, do CIFT (Centro dos Industriais de Fiação e Tecelagem), sediado em S. Paulo, e o discurso mais em evidência, nesse meio, é o de Otávio Pupo Nogueira, seu secretário-geral[3]. Nesse memorial, há diversas passagens que podem servir de base para uma atribuição de “fordismo” aos industriais.
A epígrafe é uma citação do próprio Ford: “não podereis fazer maior mal a um homem do que permitir que folgue nas horas de trabalho”. Um pouco mais à frente, aparece o tema dos “altos salários”. afirma-se que “a única finalidade do proletário é o trabalho bem remunerado”. O “grande problema” do “operário nacional” é o “salário alto”. Tanto é que “todas as paredes foram provocadas por questões de salários e todas elas solucionadas por meio de sucessivas elevações de salários”. Se “reivindicações de outra natureza” surgiram em “paredes provocadas por desejos de ganho maior”, o fato pode ser explicado por “manejos criminosos de agitadores profissionais, useiros em fazer almoeda de ideais avançados, que a massa proletária jamais compreendeu ou adotou conscientemente”.
Na seqüência do texto, mostra-se uma suposta preocupação com a vida privada do operário. Para seu autor, teria ficado provado na Conferência Internacional do Trabalho que “lazeres mal preenchidos, atuam na alma proletária como fator dissolvente das suas qualidades mais nobres” (fls. 8 e 9). O trecho seguinte é bastante conhecido:
“Os lazeres, os ócios, representam um perigo iminente para o homem afeito ao trabalho, e nos lazeres ele encontra seduções extremamente perigosas, se não tiver suficiente elevação moral para dominar os instintos subalternos que dormem em todo ser humano.”
A argumentação é reforçada apontando-se uma diferença entre empregados de escritório e operários, recurso que, no documento, foi utilizado para justificar a idéia de que os operários não precisavam de férias[4].
Afirmando que a “massa proletária” não se submetia a ser fotografada (uma das exigências da lei), o texto dizia:
“O proletariado é cioso da sua liberdade e, no mundo inteiro, rebela-se contra toda e qualquer intromissão na sua vida privada. Como impor-se a uma classe social, tão susceptível, o cumprimento de requisitos humilhantes de uma lei que ela jamais desejou e que não lhe traz nenhum benefício?”
O imputado “fordismo” aqui perde um pé: num documento que representa oficialmente a posição patronal, descarta-se a possibilidade de interferir decisivamente na vida particular do operário. A fatal atração das ruas é peça fundamental em sua argumentação contra as férias; perderia sua força de convencimento se fosse admitida a possibilidade de controle ou influência durante o tempo livre. Assim como elementos do discurso de Ford foram usados para dar força de convencimento à argumentação, outros, inconvenientes, são descartados.
É preciso observar, por outro lado, que, no memorial contra o projeto Agamenon Magalhães de criação das Caixas de Assistência e Seguro Social, enviado, também em 1927, ao presidente da Comissão de Legislação Social da Câmara dos Deputados, seu autor[5] manifestava uma compreensão do pensamento de Ford diversa daquela presente nas obras dos analistas que abordaram o assunto, mencionados no presente capítulo:
“O proletariado, em geral, adota a fórmula da American Federation of Labor, ou seja, a fórmula mais tarde divulgada e defendida por Henry Ford: ‘salários altos’ e plena liberdade de ação do proletariado, no que toca a sua vida íntima.”(fl. 21, grifos nossos.)
 Coerentemente, o tripé atribuído ao fordismo – salários altos, produção de massa e controle da vida particular do operário – sofre a amputação deste último elemento.

É de se notar que a obra propagandística do empresário norte-americano pode fornecer apoio para essa operação. É o caso do seguinte parágrafo de “Minha vida e minha obra” (Ford, 1925, p. 174), que se refere ao modo de pagamento na Ford:

“Podem ser feitas algumas objeções contra os prêmios de bom comportamento, por favorecer de certo modo um protecionismo patriarcal que não cabe na indústria. Já está fora de moda a proteção que se intrometia na vida íntima dos empregados.”
Não podemos ignorar que textos como este, de cunho autobiográfico, de autoria daquele industrial, têm por função não apenas divulgar seus feitos, como também defendê-lo de acusações que circulavam na época, entre as quais a de intromissão na vida particular dos operários.
Contudo, houve um evidente deslocamento de sentido na transposição de fragmentos da fala de Ford para o documento contra a lei de férias. É útil rememorar o contexto dessas passagens no discurso do industrial. O autor do memorial utilizou a tradução de Hoje e amanhã feita por Monteiro Lobato e publicada em 1927, mesmo ano em que foi apresentado o documento (Ford, 1927). As citações que fazemos a seguir pertencem a essa edição.
Vejamos a frase empregada como epígrafe no memorial:
“Não podereis fazer maior mal a um homem do que permitir que folgue nas horas de trabalho.”
A idéia principal do texto enviado à Câmara é a de que as férias serão prejudiciais ao próprio operário. A frase, colocada, como está, em epígrafe, impregna-se de tal significado. No contexto da argumentação de Ford, o sentido é inteiramente diverso.
O efeito da operação foi dissociar a prática de Ford com relação ao processo de trabalho na fábrica de sua concepção – fundamental – a respeito de salário. Diz ele:
“Preço justo é o mais baixo por que possa vender-se um artigo e salário justo o mais alto que a indústria possa pagar.”(p. 182)
Dessa forma, na concepção do industrial norte-americano, preço e salário potencializam-se mútua e inversamente. Quanto mais baixo o preço, mais se vende o artigo; quanto mais alto o salário, mais permite comprar; baixando o primeiro, o segundo aumenta relativamente àquele; se o salário aumenta, o preço baixa em relação a ele; ocorrendo ambos os processos ao mesmo tempo (a baixa do preço e o aumento do salário), o efeito seria, para usar uma expressão aproximada, mutuamente potenciado: aumenta “geometricamente” (o termo é nosso) o mercado consumidor.
Mas, para Ford, a redução do preço e o crescimento do salário só podem ocorrer se o trabalho for potenciado ao máximo, o que acarreta a sua máxima utilização possível. Assim como o preço deve ser o menor possível, o trabalho deve ser o mais intenso possível, para que o processo continue num crescendo (o termo é nosso):
“(...) a compra do trabalho equivale à compra de qualquer outra cousa: deveis receber o correspondente ao vosso dinheiro. Cada vez que deixardes um operário dar-vos uma soma de trabalho inequivalente ao salário que lhe pagais, estareis contribuindo para reduzir esse salário e para tornar a vida mais difícil ao assalariado. Não podereis, por exemplo, fazer maior mal a um homem do que permitir-lhe que folgue nas horas de trabalho. A razão é clara e devia evidenciar-se a todos: menos um homem trabalha, menos cria força aquisitiva – isto é, diminui o número de pessoas que requerem seus serviços.” (p. 183, grifos nossos.)
Ou seja: permitir que o operário folgue significa reduzir ou deixar de aumentar a produção; com isso, aumentar ou deixar de reduzir o preço dos artigos produzidos; com isso, reduzir ou deixar de aumentar o número de pessoas que podem comprá-los, isto é, reduzir ou deixar de aumentar o poder aquisitivo dos compradores; com isso, reduzir ou deixar de fazer crescer os ganhos da empresa; e, com isso, fazer reduzir ou deixar de crescer os salários, que saem desses ganhos.
Consideremos outro trecho, bastante longo, citado no memorial:
“Não há dúvida que caminhamos mais depressa do que outrora. Ou, precisando, que somos movidos com mais rapidez. Todavia, serão vinte minutos de automóvel cousa mais cômoda ou mais penosa do que quatro horas de caminhadas a pé por caminhos poeirentos? Ao termo da viagem, qual dos dois processos deixa em melhor estado o viajante? Qual lhe deixa mais tempo e mais energia mental? E breve estaremos fazendo numa hora, por via aérea, o que hoje nos rouba dias de automóvel. Seremos então ruínas nervosas?
“Mas esta depressão nervosa existirá na vida ou só nos livros? Muito falam livros da depressão nervosa dos trabalhadores – mas confessam-na eles?
“Consultai os que estão a lidar na tarefa da vida, do operário que viaja de bonde para o seu trabalho ao homem que atravessa o continente num dia. Vereis atitudes muito diversas.  Em vez de se furtarem ao que já veio estão a olhar com esperançosa ansiedade para o que está vindo. Sempre boa vontade para o sacrifício do hoje em prol do amanhã. Esta é a felicidade do homem ativo, do que não se encafua numa biblioteca, experimentando ajeitar o novo mundo a velhos moldes. Ide ao operário que segue no seu bonde. Consultai-o. Dir-vos-á ele que, poucos anos atrás, voltava para casa tão tarde e exausto que nem ânimo e tempo tinha de trocar de roupa – jantava e atirava-se à cama. Agora muda de roupa na oficina, regressa à casa inda de dia, janta mais cedo e sai com a família a espairecer. E dizendo isso esse operário dirá que o tempo da compressão terrível já passou. Poderá o homem hoje ser mais mercantil no seu trabalho, mas o tempo do velho e exaustivo mourejar sem fim passou.” (p. 12-13)
Ford estava respondendo à crítica à intensificação do trabalho:
“Murmura-se por aí do operário sacrificado na engrenagem da tarefa, diz-se que o que se chama progresso se faz a expensas disto ou daquilo e, ainda, que a eficiência está destruindo todas as cousas belas da vida.” (p. 11-12)
Como se pôde notar, à crítica às mudanças no processo de trabalho implementadas nas fábricas Ford, ele opôs aquilo que acredita ter sido o resultado destas: o encurtamento do tempo despendido no transporte, que permitiria ao operário uma vida mais folgada.
Porém, no memorial, o trecho serve para embasar a idéia de que o trabalho do operário, por não ser “cerebral”, não cansa tanto que requeira férias.
Um pouco mais adiante, o autor do documento junta, numa só seqüência, três parágrafos do livro de Ford, que, neste, estão separados, distantes entre si por muitas páginas. Forma-se um conjunto em que adquirem significado muito diverso daquele que tinham no texto original, servindo assim aos propósitos de argumentação do memorial.
“Quem pensa com acerto sabe que o trabalho vale pela salvação da raça – moral, física e socialmente.
“Há diferença entre o trabalhar duramente e o trabalho duro. Quem trabalha duramente produz algo, ao passo que o trabalho duro é o menos produtivo.
“Os obreiros de ganho precário, trabalhando este mês e vadiando à força no mês seguinte, acabam endividando-se para com os fornecedores e senhorios, o que lhes vale por agravação do preço de tudo: quem compra a crédito não pode discutir preço.”(fl. 7-8)
Ao primeiro deles (usado também em outros documentos patronais, enviados a autoridades, nos quais se argumentava contra o Código de Menores) foi vinculada a idéia de que as férias, permitindo ao operário o contato com as ruas, iriam “estragá-lo”, enquanto o trabalho, por impedir que isso ocorra, teria o efeito contrário.
A referência de Ford, contudo, é outra. O sentido se esclarece com uma citação mais extensa:
“A razão do descrédito da direção política está no hábito em que caíram os povos de pedir a ela o que só a indústria pode dar. É o que não compreendem os reformadores profissionais. Julgam que à política é dado fazer o que só cabe à indústria, e propõem regulamentações de preços, disto e daquilo, certos de assim conseguirem a prosperidade.
“Há o desejo da prosperidade decretada por leis – e é natural que seja assim, dada a idéia geral que vê o trabalho como o castigo da vida. Quem pensa com acerto, entretanto, sabe que o trabalho vale pela salvação da raça – moral, física e socialmente.”(p. 25, grifos nossos.)
A idéia aqui nada tem a ver com a expressa no memorial. Ford alude à potencialidade do trabalho, aproveitado eficientemente, para criar prosperidade. Isto é, não seria criando leis, mas buscando o aumento sempre maior da produtividade do trabalho que se iria melhorar a vida: assim, seria possível diminuir o preço dos bens, aumentar os salários, abrindo cada vez mais o acesso das pessoas aos meios de melhorar sua vida.
Quanto ao segundo parágrafo dos três transcritos acima, trata-se apenas de uma imagem usada para reforça a idéia de que nas fábricas brasileiras os operários não se esfalfavam até o esgotamento.
O último desses parágrafos (que é também o último fragmento do livro de Ford citado no documento) evidencia, por sua seleção, outra forma de instrumentalizar o discurso do empresário norte-americano. Nele, Ford estava apontando os efeitos da prática dos industriais que visavam lucro imediato, aproveitando as circunstâncias mais favoráveis e interrompendo a atividade quando aquelas não mais se apresentassem, isto é, aqueles que miravam o “lucro-causa” e não o “salário-causa”, não se movendo pelo “espírito de serviço”. Esse parágrafo completava o sentido de outro, imediatamente anterior, em que se lê:
“(...) era tido como fora de dúvida que as fábricas deviam localizar-se perto do ‘mercado de trabalho’, em vista de julgar-se também fora de dúvida que a fabricação tinha de ser intermitente. Com efeito, se uma fábrica tem de estar a abrir e fechar as portas continuamente, ser-lhe-á vantajoso contar com um grupo de bons operários sem serviço, prontos para ingressar na fábrica sempre que esta os chame.” (p. 168)
 Ford, portanto, responsabilizava os patrões pela ausência de trabalho para o operário, por sua constante mudança de emprego. No memorial, a assertiva é invertida: a responsabilidade por esse estado é do próprio operário. Veja-se o seguinte trecho desse documento:
“O operário brasileiro é pouco eficiente, e isso se explica.
“Ele é um operário ocasional, que muda de profissão diferentes vezes na sua vida. É operário, como já foi agricultor e como será comerciante. Ainda não formamos, com caracteres estáveis, as dinastias operárias, que fazem a força das indústrias dos velhos países industriais. O nosso operário não tem amor ao seu ofício, pois que ele não é a finalidade de sua vida, e não põe no exercício de seu mister aquela alma, que o operário europeu, estável, põe no seu.”(fl. 6-7)
Segundo o texto, as férias, acrescentadas aos domingos e feriados, iriam desestimular mais ainda o “amor ao trabalho” (fl. 7).
Outra obra de Ford havia sido publicada em S. Paulo, em 1925, pela editora de Monteiro Lobato. Trata-se de Minha vida e minha obra. A tradução não é deste autor (aliás, o único empresário, dentre aqueles cuja prática e discurso pude analisar, merecedor, em alguma medida, do título de fordista), mas de Silveira Bueno. O fato de Hoje e amanhã ter sido preferido a Minha vida, para a seleção de trechos usados nos documentos dos industriais enviados a autoridades, tem interesse. Algumas das afirmações contidas no último – cujo conteúdo, no entanto, também se nota no primeiro livro mencionado – seriam bastante inconvenientes às necessidades de convencimento dos industriais.
É o caso da opinião expressa por Ford a respeito do trabalho de mulheres e crianças (Ford, 1925, p. 165):
“Nós pagamos ao operário o seu serviço: mas que é que o trabalho deve proporcionar ao lar do operário, à sua posição de cidadão, à sua condição de pai? O homem cumpre o seu dever trabalhando na fábrica, mas à mulher incumbe o meneio da casa. A fábrica tem obrigação de atender aos dois. Sobre que sistema deve calcular-se a participação do lar na tarefa diária do operário? Deve figurar a subsistência pessoal do homem como um gasto e a sua possibilidade de procurar a da família como um lucro? Ou deve-se calcular unicamente o rendimento do trabalho diário tomando por base o que sobra ao operário depois de haver satisfeito às necessidades suas e às da família? Ou, ainda, deve-se considerar todas estas relações exclusivamente sob o ponto de vista do gasto, calculando-se a renda como alguma coisa inteiramente à parte? Isto quer dizer que o homem que trabalha, depois de cumprir os seus deveres para consigo mesmo e sua família, depois de haver vestido, agasalhado e educado a todos, deveria pretender ainda alguma coisa, à guisa de economias? Tudo isto deve ir à conta do trabalho diário? Creio que sim, porque do contrário veríamos o espetáculo deplorável de mães e filhos forçados a trabalhar fora do lar.”
É tudo o que os patrões no Brasil não queriam ouvir. O trabalho do menor era defendido como complemento aos ganhos dos pais, ambos (pai e mãe, mas, em fábricas como as de fiação e tecelagem, principalmente a mãe) presentes nas fábricas. Mulheres, mães ou filhas, maiores ou menores, deveriam lá ir buscar seu ganho.
Que dizer da defesa do protecionismo e das práticas de restrição da produção, da reivindicação de que fosse proibida a importação de maquinismos? Estes pontos, não sendo assunto dos memoriais sobre as leis do trabalho, estão presentes em Hoje e amanhã. Sem comentar a defesa daquela proibição, frontalmente contrária a tudo que Ford praticou e pregou com relação a inovação tecnológica, vale a pena, a propósito dos dois primeiros pontos, lembrar o seguinte trecho desse livro (Ford, 1927, p. 313):
“A força dos Estados Unidos consiste no fato de que o auxílio prestado pelo governo à indústria e à agricultura não se estendeu tanto que lhes chegasse a afetar a independência. A certos respeitos foi vantajoso que o governo combatesse os negócios, porque os enrijou. Tivemos, é certo, a tarifa aduaneira, que talvez fosse útil antes do nascimento da verdadeira indústria; mas é fato notável que nenhuma das nossas indústrias verdadeiramente importantes – refiro-me às que prestam serviço social – cresceram em virtude da tarifa, nem necessitaram de proteção alfandegária. As que necessitam de proteção alfandegária são as que se dirigem por métodos retrógrados, fabricando maus produtos por intermédio de homens mal pagos. Em vez de criarem mercados na massa da nação, contentam-se com aproveitar o restrito mercado artificial dos altos preços, estabelecido no país pelas tarifas, para vender barato no estrangeiro.”
Aliás, ninguém ignora, toda a discussão a respeito da alternativa superprodução/subconsumo, veiculada no período, não faria o menor sentido do ponto de vista das assertivas de Ford. A meta do “serviço social”, de acordo com suas afirmações, impõe à indústria a produção de artigos de cada vez melhor qualidade a preço cada vez mais baixo e a paga de salários cada vez mais altos, para que a vida da coletividade melhore cada vez mais. Isso, como ele afirmou, nada tem a ver com caridade; representaria, sim, a vocação da indústria, sua função na sociedade e a melhor maneira de prosperar nos negócios.
Pode-se notar, assim, que o autor dos memoriais mencionados fez com Ford o mesmo que com ele fizeram alguns analistas: selecionou-lhe trechos que mais se compatibilizavam com suas necessidades de argumentação.
. . .
Uma vez criado o CIESP, em 1928, a figura cujo discurso mais se evidencia é Roberto Simonsen, que se apresenta como porta-voz dos industriais. Sua fala também dá margem à atribuição de “fordismo”. Nela, racionalização é termo axial.
Ele propõe, em discurso de 1931[6] (Simonsen, 1931):
“Deveríamos, a exemplo do que faz a Alemanha, cobrir o país de comissões técnicas que estudassem a fundo a racionalização do seu trabalho, de acordo com as condições locais, para que os brasileiros aumentassem o seu bem-estar pelo aumento racional do rendimento econômico do país.” (p. 52)
Examinemos mais de perto.
A grande pedra no caminho da indústria no Brasil é, para Simonsen, o reduzido tamanho do mercado interno. Atentemos para o modo de descrever o problema; nele já se percebe sua visão de como “resolvê-lo”:
“Somos um povo de fraca produtividade. Trabalhamos pouco e com pequena eficiência, sendo aqui mínimo o rendimento médio por cabeça. (...) O brasileiro consome, em média, por cabeça, 1/3 do que absorve o argentino. Não temos, praticamente, capitais próprios e nem economias. É impressionante a pobreza do nosso povo. (...)”(p. 39-40)
Fraca produtividade, baixo consumo, falta de capitais, pobreza, são mencionados como aspectos de um mesmo quadro. A explicação vem a seguir:
“Ensina a ciência econômica que o poder aquisitivo de um povo é, praticamente, igual à sua produção em bens sociais. (...) Se temos pequeno poder aquisitivo é porque é mínima a produção de bens sociais em relação à nossa população.” (p. 40)
A primeira proposição é uma constatação – produz-se o que pode ser consumido; vende-se o que pode ser comprado. A segunda é uma inversão da primeira: aumentando a produção, aumenta-se na mesma proporção o consumo. A ausência de mediações é evidente: como o crescimento da produção pode fazer aumentar o consumo?
Simonsen menciona o caso americano: é “vitoriosa a opinião entre os chefes da indústria americana que os salários altos e o número reduzido de horas de trabalho são necessários para aumentar o poder de consumo das massas operárias”. Foi “essa política de produção intensa e eficiente [que] permitiu aos americanos pagarem salários de 20 a 25 dollars por semana para simples manobristas, de 25 a 30 dollars para operários comuns e de 30 a 60 dollars para operários especializados”. O expoente dessa “nova mentalidade”, quem “dela fornece um verdadeiro padrão”, é Ford.
Para ampliar o mercado interno, o que os industriais têm a fazer, então, é aumentar os salários? De acordo com Ford, sim:
“Ford considera que o operário faz parte da massa dos consumidores e que o poder aquisitivo das massas populares repousa nos salários; de fato, a proporção dos salariados numa sociedade é muito maior do que a dos que vivem de renda. Os salários, prova de trabalho, asseguram a continuidade deste criando um poder aquisitivo que se renova incessantemente; o salário é, portanto, o criador do trabalho. Nessas condições os salários são tão importantes para a indústria em si como para a classe operária.”(p. 19-20)
Este Simonsen “fordista”, que já havia afirmado, no mesmo texto, a superioridade do “fordismo” sobre o “sistema Taylor” e o método Gilbreth, destaca, porém, para se atingir tal ideal, um elemento-chave, a eficiência:
“A política dos altos salários só pode, porém, repousar numa prática industrial da máxima eficiência: elevação da produtividade do operário, aumento da intensidade da produção e máxima economia no uso da matéria-prima.”(p. 20)
Mas, se a eficiência constitui meta perene, não basta para que ocorra desenvolvimento industrial. É necessário o protecionismo:
“O industrialismo nos Estados Unidos encontrou condições mesológicas muito favoráveis. A política protecionista permitiu a evolução industrial, em condições de larga concorrência interna (...)”(p. 12)
Potencializador da eficiência, o scientific-management, cujos iniciadores, para Simonsen, foram Taylor, Gilbreth e Ford, nesta ordem, necessita de um meio adequado para se desenvolver:
“A importância do mercado nacional, seu desenvolvimento contínuo e rápido, a prática da fabricação em série, a predominância do aparelhamento mecânico, a facilidade de comunicações pela extensão da rede ferroviária, constituíram um conjunto de circunstâncias particularmente favoráveis à formação de grandes empresas, nas quais a aplicação do princípio de defesa do trabalho poderia ser levado ao extremo.” (p.13, grifos nossos.)
Essas empresas, incorporando “na mesma organização desde as primeiras materias-primas até o acabamento último dos produtos”, deram origem aos trustes. Tal “movimento de concentração” era “derivado da própria natureza da evolução industrial” (p. 13-14.)
Seguiram-se outros desdobramentos:
“A orientação americana intensificou-se no culto pelo trabalho eficiente e produtivo. Defendeu-se o homem como fator de produção com leis sociais, entre as quais avulta, pela sua grandeza, a lei seca. A crise pós-guerra levou as indústrias a procurarem novas fontes de economia e de intensificação do trabalho. Surgiu a grande campanha contra o desperdício na indústria e a favor da padronização.” (p. 14)
Como corolário é que vieram os “altos salários”:
Foram todos esses aperfeiçoamentos que permitiram a política dos altos salários, estando vitoriosa a opinião entre os chefes da indústria americana que os salários altos e o número reduzido de horas de trabalho são necessários para aumentar o poder de consumo das massas operárias.” (p. 15, grifos nossos.)
Como se vê, para Simonsen, a política dos “altos salários” e a correspondente atitude dos industriais de apostar no próprio potencial da indústria para alimentar a capacidade aquisitiva do mercado interno com os salários de seus operários situam-se no horizonte das possibilidades; é uma imagem que pode servir de bandeira para o projeto industrialista. É algo apresentado como possível caso se adote o protecionismo e o crédito industrial como política econômica e seja favorecido o movimento de concentração industrial. Não significa uma proposta para aplicação imediata:
“Necessitamos levantar o padrão de vida brasileiro, aumentar o nosso poder aquisitivo e valorizar o homem no Brasil. Dêem à indústria o que ela necessita: aparelhamentos financeiros de que dispõem as nações civilizadas, leis harmônicas de defesa da produção, liberdade de atuação dentro do mercado brasileiro pela supressão das barreiras inter-estaduais e a indústria poderá concorrer poderosamente para o enriquecimento do Brasil com sadios reflexos em nossos problemas sociais e na organização política administrativa de que carecemos.” (p. 51-52.)
Vemos aí o “salário-causa” de Ford transformado em “salário-resultado”, ou, em outras palavras, seu deslocamento em favor do “lucro-causa”. É a reversão do discurso, usado, aparentemente, como base de argumentação, àquilo que por ele era combatido. Os “altos salários” são, em Simonsen, uma falsa mediação entre crescimento da produção  e aumento do consumo. Representam apenas uma figura, útil pela projeção de perspectivas prestigiadas, em medida diversa e por diversos motivos, num círculo mais amplo que o dos industriais, refletida (como que numa confirmação disso, aparece invertida), num discurso que, de fato, a ela se mostra opaco, incapaz de absorvê-la. Essa figura, ao mesmo tempo que, despojada de substância, reforça e autoriza a argumentação de Simonsen, também dispõe, como se pôde notar, setas despistadoras no caminho dos historiadores.
Se o “fordismo” é uma perspectiva situada num horizonte atemporal, o mesmo não se dá com a “racionalização alemã”. “Assume excepcional importância o estudo da reação que se opera na Alemanha”, pelos seguintes motivos:
“O mercado interno nacional foi diminuído pelo desmembramento da Polônia. A restituição da Alsácia fez a Alemanha perder minas de potassa e importantes indústrias algodoeiras; a da Lorena, minas de ferro de grande valor. O distrito metalúrgico do Luxemburgo cessou de fazer parte da concentração econômica alemã; a perda da Posnânia e de uma parte da Silésia fê-la perder as usinas de açúcar, minas de carvão, de zinco, de chumbo e importantes estabelecimentos metalúrgicos. Com as colônias perdeu também um elemento importante de expansão industrial. A guerra e a inflação posterior à guerra empobreceram ainda mais o país fazendo-o perder seus capitais circulantes.”(p. 24)
São condições que visivelmente (embora não seja explicitado) aproximam a situação da Alemanha da do Brasil e apontam para um outro “modelo” de mercado interno:
1.      Concentração da produção industrial numa região e consumo em outra. Se se afirma que a perda da Polônia diminuiu o mercado interno, é porque se acredita que  a produção industrial desta era insuficiente para abastecer seu próprio mercado interno, cabendo à indústria alemã fazê-lo. A perda das colônias tem mesmo sentido. É evidente o paralelo com a relação entre os grandes centros fabris brasileiros, por exemplo São Paulo, “sem favor o maior foco de progresso do país” (p. 49), e outras regiões do Brasil.
2.      Falta de indústrias de base, como a metalurgia, devido a perdas territoriais.
3.      Falta de capitais (devido à guerra e à posterior inflação).
O primeiro ponto mencionado acima indica, pelo avesso, a concepção de mercado interno de Simonsen. Por isso, a solução encontrada no caso alemão para resolver o problema do mercado interno não se aplica de forma integral ao Brasil:
“Num povo que perdeu pela guerra e pela inflação seus capitais e rendas, é na massa dos salários que reside quase que unicamente a criação do poder aquisitivo do mercado consumidor interno. Daí a justificação da política de salários conjuntamente com a baixa do preço de custo, com  o duplo intuito de criar maior poder aquisitivo e intensificar o consumo incrementando o escoamento dos produtos industriais.” (p.31) 
Assim, a política dos “altos salários” é circunstanciada: não se trata de uma medida de aplicação universal. Nos EUA, o meio permite; na Alemanha, não há outra alternativa. No Brasil, nem uma nem outra circunstância se dão.
Já outros elementos da solução alemã seriam aplicáveis ao Brasil. É o caso do financiamento à indústria. Na Alemanha, a descapitalização foi sanada com empréstimos externos. Para o Brasil, Simonsen proporá a criação de bancos para financiamento industrial (p. 48). De modo geral, apontando o exemplo alemão, propõe resolver os problemas econômicos, sociais e administrativos “conjuntamente, pela razão e pela técnica, esforçando-nos para racionalizar o trabalho no Brasil sob todos os seus aspectos”. A racionalização é a via para chegar-se ao máximo de eficiência:
“Racionalizemos o trabalho abrangendo em seu programa desde o estudo sistemático de nossos problemas financeiros até a melhoria do nosso homem pelo saneamento e pela cultura; desde a racionalização agrícola até a racionalização do nosso mercado interno.” (p. 52)
O estudo “cientificamente feito sobre bases reais” por aquelas comissões técnicas que Simonsen dizia querer ver “cobrindo o pais” formará a base para um consenso nacional:
“No dia em que a maioria dos brasileiros conhecer o plano integral da racionalização de todas as nossas forças produtivas (...) nesse dia será fácil a união sagrada de todos os nossos patrícios em torno dessa fórmula de trabalho e de ordem.” (p. 52)
É patente que “eficiência” é o critério pelo qual se vão destacando elementos de cada uma das “experiências” observáveis no mundo, esse “grande laboratório”. Tais elementos serão os apresentados como aplicáveis ao meio brasileiro. A seleção de elementos e sua adaptação ao meio nacional é, aliás, outra lição a tirar da experiência alemã:
“É de justiça assinalar, porém, não ser a racionalização obra puramente alemã. Os alemães estudaram profundamente a experiência de todas as nações adiantadas, principalmente o ‘scientific-management’ americano donde trouxeram idéias fundamentais para o seu trabalho.
“Souberam, porém, sistematizar com maestria todos esses progressos, aos quais juntaram suas próprias idéias, dando novas fórmulas e criando, com sua meticulosidade de observação e atuação, um espírito eminentemente científico, um verdadeiro corpo de doutrina, cujos efeitos terão real repercussão sobre os destinos da humanidade.” (p. 37)
Aliás, Simonsen também faz referência, mesmo que sumária, “ao ingente esforço do povo italiano na magnífica organização do seu trabalho e aos frutos colhidos pela França com a sua bem equilibrada política econômica e financeira” (p. 37). A experiência da Inglaterra, “pioneira da Revolução Industrial”, por sua vez, também é objeto de análise atenta, nesse discurso de Simonsen.
Feitas essas considerações, a seguinte afirmação de Simonsen, em discurso de 1928 (Simonsen, 1928), adquire plena significação e mostra toda sua coerência com sua profissão de fé pelos “altos salários” (no trecho, o autor se refere a sua experiência na direção da Cia. Construtora de Santos):
“Durante 20 anos, procurei por todos os meios conseguir um tipo de habitação barata, que permitisse ao operário de menor salário, dentro de suas possibilidades, uma moradia decente e verifiquei ser o problema por enquanto insolúvel, dadas as modernas exigências de higiene e da segurança das construções. A solução está no aumento do ganho médio, e esse aumento de ganho médio está ligado ao aumento da eficiência do trabalho e, portanto, aos problemas principais da formação da nossa nacionalidade, organização do nosso aparelhamento econômico, moeda sã e crédito abundante, higiene e instrução.” (p. 16-17)
Em outras palavras: se os salários estão baixos, é porque o nível de eficiência ainda é insuficiente. Mensagem óbvia: para que este aumente, é preciso dar à indústria as condições necessárias. Providos os suportes adequados – reforma monetária e financeira etc. – é possível atingir a eficiência, caminho para os “altos salários”. O que se afirma como perspectiva futura, dadas condições ideais, nega-se coerentemente, de forma explícita, no presente, em que aquelas não estão dadas:
“O aumento do ganho precisa, porém, ser conseguido dentro das leis econômicas, e não pelo simples arbítrio dos Governos ou das classes patronais, sob pena de encarecermos os produtos e entravarmos a produção. É pelo aumento da produção em geral que temos de obter o aumento do ganho médio e, portanto, o aumento do consumo médio por habitante.” (p. 17)
O “modelo” de desenvolvimento dos industriais, vigente no país, é indiretamente admitido pelo próprio autor, quando, para negar que a indústria fosse responsável pelo encarecimento da vida no Brasil, apresenta um gráfico “demonstrando” que “os salários se adaptam quase que matematicamente ao índice do custo de vida” (Simonsen, 1931, p. 50). Ou seja, o desenvolvimento industrial não pode se basear num mercado interno formado pela massa dos salários. Estes não crescem, nem os preços das mercadorias baixam: as linhas estatísticas de uns e de outros são paralelas.
De resto, o tipo de argumentação que Simonsen utiliza é – parafraseando a expressão empregada no fim dos anos vinte pelas entidades industriais para a crítica das tarifas – “velho de trinta anos”, pelo menos. O seguinte trecho da apresentação do primeiro número do Boletim do Centro Industrial do Brasil, em meados da primeira década do século XX, assinada por L. R. Vieira Souto[7], exemplifica o que afirmamos:
“Quanto à elevação dos salários, nós, protecionistas, respondemos à objeção: nunca foi aspiração nossa conduzir o Brasil ao regimen do trabalho barato; queremos, ao contrário, salários altos, bem altos, e devem querê-los todos os brasileiros, porque o salário alto é a felicidade, o conforto dos operários, o aumento da sua faculdade aquisitiva, a possibilidade de satisfazerem as necessidades reais da vida, e os operários formam a grande maioria dos produtores e consumidores, a grande maioria da população, daquela população válida e prestimosa que mais concorre para o progresso da nação. (...)
“Sabe-se quanto é comum a opinião de que o Brasil está sofrendo de excesso de produção. Há quatro anos que protesto contra esta afirmação e sustento a idéia oposta. Não é a nossa faculdade de produzir que está exagerada; é a nossa faculdade de consumir que está enfraquecida, e assim paralisa a faculdade de comerciar. Só pode consumir bastante o povo que produz muito e em condições bem remuneradoras, uma vez que o produtor, só quando aufere lucros, pode desenvolver a sua indústria e pagar salários suficientes aos operários, que formam a grande legião dos consumidores.”
Estaremos diante de um fordismo avant la lettre? Parece mais razoável acreditarmos que referências a “altos salários” não têm relação necessária com esse projeto e se vinculam, antes, como elemento de uma argumentação, a uma necessidade de convencer-se representantes de setores que não compartilham da visão dos industriais.
O trecho seguinte, de trabalho de 1930 (Simonsen, [1930?]), também parece corroborar o que dissemos sobre o procedimento de Simonsen com relação às “experiências” estrangeiras:
“Quanto ao problema proletário, ensinou-nos a comparação da prática européia com a experiência norte-americana que é pela individualização do valor do operário, pelo desenvolvimento de sua eficiência e aumento de sua capacidade de ganho que se consegue integrá-lo na sociedade.” (p. 4)
Simonsen não escolhe entre um e outro “modelo”: absorve de cada um aquilo que julga adequado e com isso compõe um outro amálgama. “Individualização do valor do operário” pode remeter tanto aos usos da “psicotécnica” na “racionalização alemã” quanto à necessidade de superar a experiência negativa da revolução industrial na Inglaterra, quando o trabalho (nas palavras de Simonsen) foi reduzido a mercadoria, daí resultando a luta de classes, a formação das trade unions e a emergência do proletariado como força política independente, bem como a aspectos do próprio “fordismo”, como a oportunidade que o operário teria de seguir seu próprio ritmo (sic) num trabalho de equipe frente à linha de montagem[8]. A “experiência norte-americana” é, sem dúvida, o “fordismo”, com seus “altos salários” e sua “eficiência”, ambos instrumentos assumidos e potencializados, refinados, pela prática da “racionalização alemã”.
A formulação desse terceiro “modelo” não significa, porém, uma proposta de sua aplicação imediata. Busca-se o encaixe perfeito de cada uma de suas partes; uma delas não sendo possível, ou conveniente, incorporar, as outras se realinham e se acomodam às circunstâncias, passando o modelo a ter outro significado, agora como força de persuasão ou justificação: se os salários são baixos, é pela reduzida eficiência; se esta é reduzida, é pela falta de apoio dos poderes públicos. Seja concedido o que reivindica a indústria, e teremos aqui realizado um modelo de perfeita integração do operário à ordem capitalista e de plena harmonia dos diversos interesses em jogo, agrícolas, comerciais ou industriais.
“Problema proletário”, protecionismo e custo de vida encadeiam-se, mas seu sentido é o inverso do que argumentam os “detratores da indústria nacional” (diz Simonsen: “ouvimos, constantemente, referências ao sacrifício que fazem 40 milhões de brasileiros em benefício de meia dúzia de ‘felizes’ capitães de indústrias”) (Simonsen, [1930?], p. 4).
Simonsen admite, “para argumentar”, que o protecionismo “acarrete a carestia de alguns produtos”, mas não que esse encarecimento represente lucro para os industriais, pois é “inerente ao custo da produção em países novos e desorganizados como o nosso”. É um “estágio pelo qual todas as nações têm que passar”. O “encalacramento” dos industriais provaria o fato (Simonsen, [1930?], p. 4).
Simonsen havia, em As finanças e a indústria, ridicularizado a posição dos que reivindicavam a supressão do critério protecionista na fixação das tarifas aduaneiras, nos seguintes termos: “acreditam esses patrícios que com essa orientação aumentariam, como por encanto, os mercados consumidores de café em troca do aumento da nossa importação de produtos industriais” (Simonsen, 1931, p. 43). A alternativa proposta em As crises inverte a mágica: uma vez que no Brasil “não existe vida cara, mas sim, ganho insuficiente, porque o índice de produção é baixo em relação à população e extensão do nosso território” (citação de seu próprio Orientação industrial, feita por ele mesmo em As crises), e que, portanto, “o aumento da capacidade de ganho do brasileiro é função do aumento da sua eficiência”, “torne-se o brasileiro eficiente e produtivo e desaparecerá, como por encanto, a preocupação de vida cara”(Simonsen, 1931, p. 5). A utilização da mesma expressão para desqualificar um argumento adversário e para ilustrar o seu próprio parece denunciar o próprio caráter deste: sem explícitas mediações, o argumento do acréscimo da capacidade de ganho como resultado do aumento da eficiência desloca a meta para um futuro indeterminado, como um rendimento a se resgatar num investimento de longo prazo.
A posição de Simonsen, no fundamental, informa o pensamento empresarial brasileiro ainda hoje: no dizer emblemático atribuído a um ministro da área econômico em governos militares, cuja atitude nada indica tenha deixado de inspirar dirigentes da atualidade, trata-se de esperar o bolo crescer para depois repartir. O “crescimento da economia”, num movimento “natural”, trará o bem-estar da sociedade; não se deve tentar apressar o carro com extemporâneas iniciativas distributivistas, porque estas só iriam atrasá-lo.
Nota-se que esta nossa crítica às visões de um “fordismo” no Brasil está centrada na análise de textos, não no estudo do processo de trabalho. É que o tema “fordismo”, no Brasil, não foi, como se viu, constituído a partir desse estudo, e sim a partir de uma apreciação da atitude e comportamento dos industriais diante principalmente das tentativas de regulamentação do mercado de trabalho, a exemplo das leis “trabalhistas”. Aquilo que Benjamin Coriat (Coriat, 1979, p. 75) chamou de “novas normas de produtividade e de produção”, pelas quais “entende-se designar os ‘progressos’ que a linha de montagem assegura no que concerne a técnicas de extorsão do sobretrabalho”, não é foco de análise nas obras, que mencionamos, de Werneck Vianna e de De Decca. Por isso, neste capítulo, em que nos colocamos numa perspectiva crítica a esse tema, tivemos necessariamente de centralizar a discussão nas representações a respeito daquela atitude e daquele comportamento.

 
Capítulo 4

 CIESP: A PRÁTICA DE UM PROJETO ORGANIZATIVO*


Certamente que há homens tão pequeninos de idéia, que não chegam a compreender que o negócio é algo que paira muito acima do interesse particular. (Ford, 1925, p. 187.)


REPETIMOS: NÃO VAMOS FAZER UM NEGÓCIO E SIM PRESTAR MAIS UM BENEFÍCIO ÀS INDÚSTRIAS. (Circular FIESP 632, 18.05.1935)

            Na produção historiográfica, acadêmica ou não, sobre os anos vinte e trinta, com freqüência encontramos referências ao CIESP (FIESP, depois de 1931[9]), em que a organização aparece como protagonista, seu nome associado à idéia de poder e influência. Essa imagem, que surge como um dado que prescinde de demonstração, não resiste a um exame mais detido da documentação produzida pela entidade, especialmente suas circulares.

A participação da classe nas iniciativas da associação


            Antes de discutir-se o alcance das ações da entidade industrial na esfera pública, cabe investigar qual era a ressonância de seus projetos dentro da própria “classe”.

O dado que, logo de início, se encontra a respeito é emblemático. A primeira assembléia geral do Centro desde a sua fundação em abril de 1928 não obteve quorum[10]. A reunião, convocada para março de 1929, foi precedida de repetidas convocações. A maior parte das reuniões ou assembléias, gerais, ordinárias ou extraordinárias, exige segunda convocação, devido à falta de comparecimento à primeira. Várias são as terceiras convocações. A segunda assembléia geral, marcada para novembro de 1930, em plena agitação provocada pela derrubada de Washington Luís e instauração do governo de Getúlio Vargas, quando seria de se esperar um gesto de preocupação com a conjuntura, é simplesmente suspensa[11]. Vale registrar que a “fundação” da Federação, no ano seguinte, também exigiu segunda convocação[12]. A entidade, como se vê, não se distingue, nesses anos, pela capacidade de mobilização de seus associados.

            Esse quadro se confirma quando se consideram as tentativas de centralização dos atos individuais dos filiados. Em abril de 1929, o Centro começa a manifestar preocupação com notícias, vindas do Rio, de que o poder público passava a fazer cumprir o Código de Menores[13]. O juiz Melo Matos, do Distrito Federal, havia indeferido uma petição pela suspensão da lei, que lhe havia sido dirigida pelo Centro dos Industriais de Fiação e Tecelagem de Algodão, daquela cidade. As entidades patronais de S. Paulo e Rio opunham-se ao cumprimento dos dispositivos que, nesse texto legal, determinavam a jornada de seis horas para menores de 18 anos e caracterizavam como trabalho noturno o efetuado a partir das 19 horas. Em documentos por elas enviados, desde 1927, ao Legislativo e à presidência da República[14], alegava-se que a lei traria a desorganização da indústria, argumentando-se que a jornada diferenciada para o trabalho do menor impediria sua coordenação com o do adulto. O decreto seria inexeqüível. Apontavam-se também supostos efeitos sociais negativos: a redução dos meios de sustento da família operária, devido ao afastamento dos menores do trabalho (já que as empresas, dizia-se, teriam de demiti-los), a agitação que isso causaria no operariado e o perigo da queda na vadiagem, na prostituição e no crime.

            O CIESP procura unificar a ação dos patrões frente à situação, orientando-os a não cumprir a lei, esperar que venham as multas, não pagá-las e levar o caso à justiça, com apoio da entidade. A finalidade era, como no Rio, obter a suspensão da execução da lei, na parte referente às indústrias. Contudo – contrariando as alegações de inexeqüibilidade –  a diretriz não logra a adesão esperada, como se constata pelo teor desta circular, de junho de 1929:

            “Algumas indústrias, temendo as conseqüências do não-cumprimento integral do Código, estão tratando de reformar o seu aparelhamento, adotando o horário de seis horas para menores e adultos. Vão assim ao encontro de grandes sacrifícios, pois que a sua produção ficará caríssima e o seu operariado em deploráveis condições econômicas.”[15]

            O seguinte apelo, mais de quinze dias depois, enseja idêntica inferência:

            “É preciso que as indústrias paulistas sigam a mesma orientação e que os interesses particulares cedam o passo aos interesses gerais.”[16]

            Em circular expedida no final do mês seguinte, o secretário-geral Pupo Nogueira desabafa:

            “É lamentável que muitas fábricas hajam pago multas, não aguardando nem ao menos proceda o Juízo a cobrança executiva, pois este fato enfraquece a ação do Centro a qual, para ser bem sucedida, deve assentar em norma de conduta uniforme das indústrias paulistas.”[17]

            A partir de setembro, a estratégia do Centro é colocada à prova: inicia-se  processo judicial envolvendo uma fábrica de tecidos de seda que, seguindo sua orientação, não pagou multa. A empresa teve bens colocados em penhora, em cobrança executiva. O caso, evidentemente, não poderia deixar de ser divulgado pelas circulares: a fábrica era o exemplo que se desejava fosse seguido. Era a ocasião para convencer toda a classe do acerto da diretriz adotada. O êxito nesse episódio propiciaria à entidade prestígio frente aos industriais, o que lhe seria útil em sua tentativa de afirmar-se como direção. Aqui parece estar em jogo o próprio sucesso no projeto de arregimentação da classe.

Apesar da defesa feita por um advogado de renome, Plínio Barreto, a organização foi derrotada. A sentença, proferida em fevereiro do ano seguinte pelo juiz Bastos Cordeiro, reafirma as conclusões de Melo Matos no caso julgado no Distrito Federal: a pretensão seria “ilegal, injurídica, injusta, desumana e impatriótica”[18]

Ainda em 1929, o CIESP envolve-se diretamente na política partidária, declarando apoio à candidatura de Júlio Prestes (governador de S. Paulo e integrante do Partido Republicano Paulista) à presidência da República, contra Getúlio Vargas, candidato da Aliança Liberal. Em agosto, a entidade anuncia um serviço de alistamento eleitoral nas indústrias, com o objetivo declarado de formar um “corpo eleitoral permanente”[19]. Visava-se, provavelmente, organizar uma base política para as pretensões do Centro nessa esfera. A iniciativa, porém, não alcançou a aceitação desejada. No mês seguinte, lamenta-se que “algumas fábricas” tenham preterido a entidade no alistamento, recorrendo a outras pessoas, e se faz um apelo a que as empresas o utilizem, para não dispersar o corpo de eleitores[20]. Durante essa campanha, aproveitadores fizeram-se passar por representantes do CIESP e se ofereceram para organizar o alistamento nas fábricas, mediante pagamento. Coisa semelhante aconteceu, nesse mesmo ano,  no caso da lei de férias: certos indivíduos encontraram um meio de ganhar dinheiro, dizendo-se representantes do Conselho Nacional do Trabalho e cobrando multas devidas ao seu não-cumprimento.

Em meados de 1930, o número de sócios estava decaindo. O fato é atribuído pelo secretário-geral à crise econômica[21]. Em outubro, é lançado um “caloroso apelo” para o pagamento em dia das mensalidades:

“A hora presente exige do nosso Centro pesados sacrifícios de dinheiro.”[22]

O decreto 19.770, de 19.03.1931, que fixou normas para a organização das associações de classe, pelas quais estas ficavam sujeitas ao controle do governo federal, foi encarado, com toda evidência, como um seguro arrimo para os esforços do CIESP de arregimentar a classe. A esse respeito, é bastante esclarecedor acompanhar os passos dados para a formação dos sindicatos por ramo de indústria. A primeira coisa a fazer era a organização de um comitê de representantes de cada ramo, organismo que será a base para a formação de sindicatos, de acordo com a lei de sindicalização. O momento da criação dessas comissões parece ter sido encarado como ocasião frutífera para arrebanharem-se novos sócios. De fato, parece ter havido algum aumento do quadro social a partir de junho de 1931, quando esse movimento se inicia, a julgar-se por uma lista de recém-filiados  divulgada em julho desse ano[23].

As circulares dirigidas a possíveis interessados em integrar os comitês obedeciam a um padrão único. Em primeiro lugar, uma explicação do que era a sindicalização – a organização da classe dentro de parâmetros fixados por ato do governo: 

“(...) o Governo Provisório da República tomou a iniciativa de sindicalizar as classes patronal e operária, elaborando para este fim o decreto n. 19.770, de 19 de março de 1931.

            “Sindicalizar quer dizer reunião dos membros da mesma classe dentro dos limites traçados pela lei.”[24]

É interessante notar a preocupação didática nas circulares que chamavam para a organização de comitês:

“Sindicalismo na indústria é a reunião de todos os industriais de cada ramo para a defesa de seus interesses e para a representação oficial da indústria.

“O sindicato é o encarregado de representar a classe perante os poderes oficiais; é o encarregado de reclamar contra as medidas prejudiciais à classe; é o encarregado de discutir as questões entre patrões e operários, discutir salários, discutir horas de trabalho, etc., etc.

“Depois da citada lei [n. 19.770], a indústria que não tiver seu grupo sindical, estará sujeita a tudo o que as outras indústrias, os operários e empregados resolverem, sem nada poder fazer em seu favor.”[25]

É preciso também explicar o que é a Federação:

“Além dos sindicatos, a lei previu a formação de Federações; uma Federação é a reunião de sindicatos – quer sejam sindicatos operários, quer sejam sindicatos patronais.

“Em São Paulo, foi formada esta Federação. Os diferentes ramos industriais reuniram os seus membros (patrões), formaram comitês sindicais e ligaram-se à Federação das Indústrias do estado de São Paulo [o texto apresenta como fato o que ainda é intenção: com mesma data, ou muito próxima, foram expedidas circulares com mesmo conteúdo para os diversos ramos industriais].

“VV. SS. compreenderão o que está destinada a ser esta Federação: ela será toda a indústria paulista reunida num corpo único e, portanto, uma verdadeira potência.”[26]

Não se pode deixar de observar que, passados exatos três anos depois da inauguração do CIESP, a entidade ainda tinha que explicar – com todo o didatismo necessário à exposição de um assunto totalmente novo a pessoas que nem seus pressupostos básicos possuem – para que poderia servir a entidade geral. É claro que a organização como federação sindical era mesmo muito nova, mas a necessidade do didatismo parece evidenciar a falta de experiência da classe com um organismo voltado a sua arregimentação. Este, como apontamos, já existia havia três anos.

Ainda, cabe notar a necessidade de salientar o caráter oficial da sindicalização – isto é, releva-se o fato de a mesma ser determinação do governo. Percebe-se que esse procedimento indica ser a intervenção deste encarada como um forte argumento: tanto pela respeitabilidade que confere à iniciativa, interpreto, como pelo caráter de compulsão que faz supor ou que evoca por analogia com outras injunções governamentais a que os industriais estavam acostumados.

Outro tópico presente nas circulares dirigidas a ramos específicos de indústria é o esclarecimento da utilidade mais geral de se filiar ao comitê – a de este representar um canal aberto com os poderes públicos:

“Os ramos que não estiverem reunidos [em sindicato ou comitê] não poderão apresentar as suas reivindicações perante os poderes públicos.”[27]

“A fábrica que não pertencer a um sindicato, não terá direito algum de pugnar pelos seus interesses perante o poder público: ela viverá isolada e esquecida.”[28]

A relação com o operariado também é focalizada:

“A classe operária está sendo sindicalizada e dentro de pouco tempo ela terá os seus sindicatos em todos os ramos industriais, inclusive no nosso.

“Se o patronato não se sindicalizar, ficará em posição de inferioridade perante o operariado sindicalizado.

“É preciso que haja equilíbrio: a cada sindicato operário, corresponderá um sindicato patronal.”[29]

Nota-se que o enquadramento oficial dos sindicatos operários não é encarado com tranqüilidade, muito menos alívio. Embora devamos considerar no discurso as injunções de uma necessidade de convencimento, é óbvio que se supõe seja o leitor da circular sensível ao argumento, o que acarreta ter este argumento base em preocupações efetivas.

As convocatórias das reuniões para organização de comitês por ramo mostram grande empenho em convencer os industriais acerca da necessidade de fortalecer aqueles e, desse modo, a Federação. Para isso, a entidade procura “mostrar serviço”:

“Temos o prazer de comunicar a VV. SS. que mesmo antes da organização definitiva do comitê dessa indústria, esta Federação já encaminhou ao Sr. Ministro da Fazenda um memorial sobre a incidência do imposto de consumo em artigos de perfumaria.

“A Federação pleiteia nova forma de incidência e novas taxas que possam ser suportadas sem sacrifício para essa importante indústria, que vê de ano para ano majorados os tributos que pesam sobre a sua produção.

“Mais do que nunca, é preciso que toda a indústria de perfumarias se inscreva na Federação.”[30]

Um dos atrativos para a associação era o freqüente anúncio, pelas circulares, de serviços prestados aos sócios, na maior parte, relacionados ao cumprimento das exigências dos poderes públicos: estatística industrial, questões fiscais, importação de máquinas, registro de marcas e patentes, câmbio, liberação de importações, cumprimento de leis sociais etc. Em junho de 1931, a entidade se prontificava a cobrar faturas a receber do governo por fornecimento de chapéus durante a chamada Revolução de 1930[31]. Mobilizações operárias também forneciam ocasião para a entidade mostrar-se útil, como em julho de 1931, quando informa ter obtido forças policiais para guarnecer as fábricas que assim solicitarem à Federação[32].

Numa outra circular de junho desse ano, dirigida ao ramo de artefatos de borracha, comunicando que a constituição do comitê foi adiada para uma próxima reunião, devido ao comparecimento insuficiente da categoria na última, ressaltavam-se as “inúmeras vantagens” da filiação:

“(...) os fabricantes de artefatos de borracha, em vez de continuar, como até agora, a defender os interesses de classe isoladamente, o farão por intermédio do seu comitê, que por sua vez se dirigirá aos poderes competentes por intermédio da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, cuja voz será mais acatada por representar uma federação de classe e por estar sindicalizada, como estatui a Lei acima referida.”[33]

Como se vê pelo adiamento da reunião, a atitude da classe para com a entidade central permanecia no mesmo padrão anterior. Pelo teor das circulares, já fica bastante evidente a dificuldade em se conseguir adesão:

“Ou todos os industriais desse ramo – grandes e pequenos – tomarão lugar no Comitê e então ele será forte e eficiente ou não tomarão parte e tal comitê pouca cousa poderá fazer em benefício da classe [a] que VV. SS. pertencem.”[34]

O início da organização de comitês coincide com a abertura de um movimento de revisão das tarifas alfandegárias, por iniciativa do governo federal. Naquele mesmo mês de junho, três representantes da FIESP foram nomeados pelo governo para nela tomar parte. É pouco provável que a coincidência no tempo, que apontamos, tenha sido obra do acaso. A ocasião parece ter sido vista como oportunidade para buscar-se participação da classe. As circulares passam a pedir informações a respeito de artigos produzidos, matérias-primas utilizadas, além de opiniões sobre os pontos em que a reforma deveria basear-se, acrescidas de casos ilustrativos. A necessidade de sindicalizar-se chegava a ser exagerada com a perspectiva alternativa da própria cessação das condições de sobrevivência da indústria:

“Esta arregimentação se impõe.

“Vai agora ser reformada a tarifa das alfândegas. Se esta reforma for feita com o critério do protecionismo clássico, OS PRODUTOS DE ALIMENTAÇÃO PODERÃO ENTRAR NO BRASIL SEM PAGAMENTO DE DIREITOS ALFANDEGÁRIOS.

“Seria a morte da nossa indústria.”[35]

Esta alternativa de vida ou morte, associada à sempre presente questão das tarifas, era com muita freqüência lançada como recurso de convencimento perante os poderes públicos. É curioso observar que cumpre o mesmo papel num texto dirigido à própria classe. Se, por um lado, isso pressupõe que a classe era sensível ao argumento, por outro, mostra talvez uma preocupação de propalar – incutir – esse argumento no meio patronal.

O resultado dos esforços  para se obter adesão parece não ter correspondido ao esperado. As dificuldades de arregimentação são patentes. Podemos apontar o caso do Comitê dos Fabricantes de Artefatos de Borracha. Uma circular de agosto informa, a propósito de reunião chamada para formar uma comissão para estudar a modificação das tarifas aduaneiras, que “poucos foram os associados que atenderam ao convite da Diretoria do Comitê, e, por falta de número”, não foi possível nomeá-la. A comissão seria composta por cinco membros.[36] Uma assembléia geral da Federação, convocada para outubro, com a finalidade de formar comissões para elaborar um projeto de tarifa alfandegária, parece igualmente não ter alcançado entusiasmo. Foi precedida por uma enfática convocação, que se referia ao problema das tarifas como questão de vida ou morte[37]:

“Nenhum dos nossos sócios desconhece a importância do assunto a ser tratado e nenhum deles ignora que da futura tarifa dependerá a própria existência das indústrias e, assim sendo, estamos certos de que, mesmo com sacrifício, todos atenderão ao presente convite.”

A mesma circular insistia várias vezes na necessidade de comparecimento:

“Das campanhas levadas a efeito pelas indústrias, a campanha tarifária é a mais séria e só isto é de molde a trazer Vs. Ss. para a assembléia de quarta-feira.”

O ocorrido na reunião é relatado em desanimada circular, dias depois. Apenas informa que “a última assembléia (...) escolheu várias comissões para os estudos dos projetos de reforma da tarifa em elaboração” e que “outras comissões serão organizadas” na próxima semana[38]. É óbvio que, se tivesse havido grande afluência de sócios, o laconismo daria lugar a comentários efusivos sobre o número de presentes, sua participação etc.

A partir daí, o tom dos comunicados denota redução das expectativas de participação da classe. Em novembro, uma reunião do ramo de óleos e saponáceos da capital é convocada nos seguintes termos:

“Sendo de importância tal reunião que, aliás, poucos minutos irá tomar dos srs. industriais, contamos com a presença de Vs. Ss.”[39]

Em dezembro, o trabalho que deveria conter as sugestões dos associados ainda não estava pronto. Apenas a questão da matéria-prima foi tratada; a tarifa sobre produtos manufaturados não chegou a ser abordada. Os organizadores desabafam:

“Por mais que nos tenhamos esforçado para a elaboração do projeto das reformas da tarifa dentro de folgado prazo para a sua discussão ampla, as sugestões dos interessados, entregues a nós só à última hora, não nos permitiu proceder conforme determinamos em nossa circular n. 223 de 2 do corrente mês [isto é, terminar os estudos sobre o assunto].”[40]

As sugestões da FIESP são enviadas no início de janeiro à Comissão Revisora da Tarifa Aduaneira, no Rio. Apesar do desabafo anterior, a entidade procura valorizar a participação dos sócios, mencionando 16 comitês de ramos industriais que teriam “enriquecido” o texto final. Não se deixa de afirmar, porém, que essa colaboração não foi mais que acessória:

“O nosso trabalho assentou sobre o importante projeto de reforma feito pelo extinto Centro das Indústrias com a colaboração das próprias indústrias e de técnicos aduaneiros e foi completado com as sugestões que recebemos dos comitês acima indicados.”[41]

Cabe notar que a atitude refratária que vimos notando na classe patronal frente ao projeto sindical não se restringia a ramos industriais de pequena expressão. A indústria de calçados, cujas dimensões, obviamente, não tinham comparação com as das fábricas de fiação e tecelagem, não deixavam, por isso, de constituir um grupo patronal relativamente importante. Porém, o tom das circulares dirigidas a esse ramo é o mesmo daquele observado nos comunicados enviados aos outros ramos já mencionados. Em folheto de maio de 1932, enfatiza-se a importância da reunião (cujo assunto não é declarado, mas se relaciona provavelmente à greve que acontecia no ramo):

“Diante do que se passa neste momento na indústria de calçados, estamos certos de que Vs. Ss. comparecerão.” [42]

Vê-se, no reverso, que, diante de premência menor, não haveria certeza do comparecimento. É evidente que a “certeza” encobre uma incerteza implícita.

A indústria de calçados é uma das que se supõe se fizesse representar por uma entidade própria, na década de 20, já que um Centro dos Industriais de Calçados figura no rol de organizações patronais que assinam memoriais contra leis sociais em 1927. A dificuldade de arregimentação desse ramo, que podemos entrever pela leitura das circulares, evidencia quão representativo podia ser aquela e outras entidades cujos nomes apareciam em textos dirigidos aos poderes públicos[43].

Em junho de 1932, entrando em vigor a lei de oito horas de trabalho, já se nota veemência nas solicitações de participação da classe:

“Se todas as pendências, todas as dificuldades, todos os incômodos e todos os prejuízos decorrentes da aplicação da lei de oito horas forem comunicados a esta Federação, estamos certos de que poderemos agir com eficiência em benefício de patrões, de operários e da própria organização do trabalho.

Portanto, é indispensável que sejamos informados com minúcia, por escrito e no mais curto prazo possível.”[44]

A veemência da convocação torna evidente a dificuldade que se encontrava em mobilizar a classe.

No relatório anual de 1933, aprovado em assembléia geral de maio – realizada em segunda convocação, por insuficiência de número na primeira – a falta de êxito no projeto organizativo é tornada explícita:

“Quanto à parte financeira dos nossos trabalhos, devemos lamentar que a exigüidade das mensalidades cobradas da indústria e a falta de alistamento em nosso quadros social de mais empresas industriais dificultem grandemente a nossa atividade por carência de recursos pecuniários.

“A indústria paulista ainda não compreendeu claramente a necessidade de arregimentar-se para poder viver com segurança e desafogo e verificamos com pesar que freqüentemente os interesses pessoais tomam o passo aos interesses gerais.

“Enquanto o patronato foge ao espírito da época, que é o espírito de cooperação, de união estreita, de solidariedade, o operariado segue rumo oposto, agremiando-se com notável senso das realidades.”[45]

Vale observar que a organização operária figura como exemplo a seguir, tanto quanto como advertência da necessidade de os patrões arregimentarem-se. Junto à circular que traz o relatório, são enviadas propostas de admissão aos associados, para que tentem filiar outros, “mostrando aos que se afastam dos colegas o erro em que elaboram”. Vê-se que o problema que se enfrentava não era apenas a participação dos associados nas campanhas da FIESP, como também a própria filiação dos patrões à entidade. Numa circular distribuída em julho de 1931, durante o esforço de criação dos comitês por ramo, chamava-se atenção para o pequeno valor da contribuição mensal, de 15 mil réis:

“(...) tão insignificante dispêndio não será, por certo, motivo para que VV. SS. privem a Federação de seu concurso e impeçam a coesão perfeita da classe industrial de São Paulo.”

No reverso, lê-se que a taxa podia despertar, ou havia despertado, alguma objeção. Isto é, pode ter havido questionamento a respeito da validade em se aumentar as despesas dos estabelecimentos em função do projeto da FIESP[46].

As menções à atitude refratária dos industriais com relação às iniciativas da Federação são cada vez mais diretas. Em fevereiro de 1934, já reconhecidos os sindicatos patronais a ela filiados, um comunicado aos membros do Sindicato das Indústrias de Produtos Químicos e Farmacêuticos, relatando o discutido numa reunião do ramo, diz:

“O Sr. Arnaldo Lopes usou da palavra para lamentar o descaso que a maioria dos associados vem demonstrando para com as reuniões que periodicamente se realizam e mostrou a necessidade dos seus membros emprestarem melhor boa vontade e interesse às mesmas reuniões (...)”[47]

Em 1934, uma das preocupações centrais da FIESP era a reforma do imposto de consumo, um dos tributos mais criticados pelas entidades patronais. A entidade havia sido convidada a colaborar com o ministério da Fazenda e para isso chamou a participação dos industriais. Esta foi decepcionante:

“Esta Federação (...), reiteradamente, pediu sugestões aos seus sócios em particular e às indústrias paulistas em geral.

“Devemos registrar com pesar que as sugestões pedidas não corresponderam à expectativa e que, em vista desta estranhável indiferença, os trabalhos da reforma prosseguem com morosidade e incertezas.”[48]

Aquele tributo é alvo de nova mobilização da entidade no ano seguinte. Horácio Lafer, empresário da indústria do papel, eleito, em 1933, deputado classista ao Congresso Constituinte, elaborava, em 1935, um projeto para alterar o regulamento do imposto. A Federação, em circular de fevereiro desse ano[49], informa a respeito, comentando:

“Uma reforma do Regulamento se impõe desde muito. Infelizmente, as tentativas de reforma – e elas foram numerosas – fracassaram e fracassaram principalmente por causa da indiferença dos próprios industriais. De cada vez que se lhes pediu sugestões, eles se desinteressaram e uma reforma completa e bem feita não poderá ser realizada sem tais sugestões.”

A entidade pede as sugestões para o projeto, demonstrando impaciência:

“Esperamos que, desta vez, os industriais paulistas se interessem pelo importantíssimo assunto (...).”

Aquele estado de ânimo mostrou-se justificado. Cerca de três semanas depois, a participação da classe seguia no mesmo padrão:

“(...) grande foi a nossa surpresa verificando que pouquíssimos interessados atenderam o nosso pedido. Ora isto é tanto mais estranho quanto é bem sabido que de toda a nossa legislação o regulamento do Imposto de Consumo é o mais intolerável e o que maiores prejuízos e preocupações tem causado à indústria manufatureira.[50]

“Se os próprios interessados não nos prestam o seu concurso, que elementos de estudo poderemos oferecer ao Dr. Lafer?”[51]

O “movimento constitucionalista” de 1932 parece ter sido encarado como uma ocasião privilegiada para a arregimentação da classe e, portanto, para que a Federação se firmasse como seu porta-voz. Sua adesão ao movimento parece ter guardado relações com a preocupação em firmar seu projeto de organização da classe. Por decreto, foi investida do mandato de organizar o cadastro industrial, que visava mobilizar as fábricas para fornecer o necessário para o aparelhamento militar e o equipamento das forças constitucionalistas. A entidade se escorou na autoridade do governo estadual para estreitar seus vínculos com os industriais. Isso fica evidente nos próprios termos com que a eles se dirige. Os pedidos de informação e as instruções baixadas pela Federação são sempre encabeçados por sua fundamentação legal, que, destacando a conexão FIESP/governo, transfere para ela a autoridade deste. Como numa circular distribuída logo no início do movimento, na qual se apresenta um questionário sobre estoques:

“Usando dos poderes que nos foram conferidos pelo decreto n. 5.595, pedimos a Vs. Ss. queiram responder imediatamente aos seguintes quesitos: (...)”[52]

Com tal autoridade, a Federação obtém um vínculo compulsório com o conjunto dos industriais, como se numa cadeia de comando militar. Isto é exemplificado pelo teor da seguinte circular:

“(...) avisamos os industriais paulistas de que AS FÁBRICAS NÃO DEVERÃO SER FECHADAS SOB QUALQUER PRETEXTO, SEM AVISO PRÉVIO A ESTA FEDERAÇÃO.

“Queiram Vs. Ss. tomar nota desta recomendação, que não deve ser infringida em nenhuma hipótese.

“As fábricas que, por motivo de força maior absoluta e incontestável, deverem cerrar suas portas, devem fazer uma comunicação verbal ao Sr. Octavio Pupo Nogueira, das nove horas ao meio dia.”[53]

Associado ou não, a iniciativa individual dos industriais passava a depender de aprovação da entidade. Se determinações como a transcrita acima foram cumpridas, ou se o efeito do vínculo Federação/governo foi positivo ou negativo para o estreitamento dos laços com a classe, é algo que a insuficiência de dados impede afirmar. Mas as circulares apresentam algumas indicações. Num comunicado de agosto[54], afirma-se que “a grande maioria” dos industriais e comerciantes “espontaneamente” estavam garantindo os lugares dos seus empregados mobilizados na guerra, pagando-lhes também seus ordenados[55], e se observa:

“Não cremos que possa haver exceção, que, além de injusta, é dissonante e antipática.

“Alguns industriais, no entanto, não se manifestaram até hoje sobre quais as garantias que podem oferecer aos seus empregados.”

O texto fecha com um apelo:

“Para a absoluta harmonia de ação, como medida equitativa, como providência de amparo e como gesto de solidariedade com a grande classe industrial, apelamos para os que ainda não se manifestaram a este respeito, a fim de que adotem quanto antes as providências já tomadas pela grande maioria, quanto às garantias e amparo aos empregados mobilizados.”

Apesar de “não crerem” na dissonância, a lembrança da falta de manifestação a respeito indica a possibilidade do contrário. A referência à “grande maioria” repete um padrão de convencimento utilizado já no movimento de “sindicalização”, quando se procurava mitigar o receio de estar-se agindo isoladamente.

Durante o conflito, a entidade tomou a ombros a produção de café desnaturado com pixe, como sucedâneo do óleo combustível em falta, e sua distribuição às fábricas. O episódio pode ser visto como mais uma tentativa de mostrar a importância de fortalecer o projeto organizativo da Federação, o que parece indicado pela ampla divulgação da iniciativa. De resto, o dinheiro obtido com a venda desse combustível ajudou a equilibrar o orçamento da entidade[56].

No início de setembro, a Federação resolve criar um serviço de assistência médica e farmacêutica aos operários e suas famílias, justificando-o pela obrigação de “amparar o operariado paulista que tão nobremente vem contribuindo para a vitória da causa constitucionalista”. Argumenta-se ainda que as grandes fábricas teriam serviço médico gratuito, mas as pequenas e médias não. Pede-se informar se o estabelecimento vai contribuir com “uma pequena taxa mensal” e qual seria esse valor[57]. Dias depois, a entidade esclarece, num comunicado, com ênfase garantida por maiúsculas, que a taxa “CESSARÁ IMEDIATAMENTE DEPOIS DE NORMALIZADA A VIDA PAULISTA”[58].

            O serviço teria sido colocado em prática, segundo anunciam as circulares. Teriam sido instalados postos médicos no Centro, Brás e Mooca; serviços de especialidades, “inclusive de moléstias de senhoras”, e de assistência dentária; um laboratório de análises; e uma “drogaria de emergência”. As especialidades incluíam “olhos”, “nariz-garganta e ouvidos”, “crianças”, “pulmões”, “ortopedia”, “ginecologia”, “moléstias da pele”, “cirurgia” e “clínica geral”.[59]

            Findo o movimento, a Federação propõe a continuidade do serviço, argumentando que “muitas fábricas” teriam pedido que este adquirisse caráter definitivo. Adverte que, para tanto, seria preciso que todo o patronato se interessasse.[60] Isto esteve longe de acontecer. Menos de um mês depois, informava-se o malogro do empreendimento:

            “Como só uma pequena parte da indústria tenha concordado em nos auxiliar no prosseguimento do nosso serviço de assistência medica-farmacêutica e odontológica ao operariado paulista, fomos obrigados a dar por finda a nossa tão interessante e útil iniciativa.”[61]

            Fracassada a tentativa de organizar um serviço de assistência diretamente subordinado à Federação, opta-se por criar uma sociedade civil com o mesmo fim. Um ano e meio depois, em maio de 1934, surge  a Assistência Clínica Comercial e Industrial de São Paulo. À sua frente estava Arnaldo Lopes, farmacêutico e industrial, que havia dirigido o serviço de assistência durante o movimento de 32.[62] Uma circular esclarece que a idéia é “prestar serviços sociais, ficando em segunda plana qualquer intuito de proventos materiais”. A Federação parecia estar antevendo problemas:

            “Se a maioria das indústrias paulistas prestar o seu apoio à Assistência, ela vingará e alargará a sua esfera de ação em proporções realmente notáveis; se porém as indústrias se desinteressarem de tão útil cometimento, a Assistência talvez conheça insuperáveis dificuldades para vingar.”[63]

            Devemos observar que os constantes esclarecimentos a respeito da ausência de fins lucrativos, prestados em todos os casos de iniciativas propostas pela Federação, dão o que pensar acerca da confiança de que gozava a entidade entre o conjunto dos industriais.

            O decreto 24.637, de 10.07.1934, que modifica as obrigações resultantes de acidentes de trabalho, dá azo a nova iniciativa da Federação: criar-se uma empresa de seguros operários. A idéia é anunciada à classe em agosto. No comunicado que a divulga[64], um item do texto legal foi destacado: o que estabelecia a obrigação, para os patrões que não mantivessem contrato de seguro contra acidentes, de fazer um depósito de 20 contos, para cada grupo de 50 trabalhadores, em instituições arrecadadoras ou bancárias oficiais. O depósito poderia ser elevado até o triplo, em caso de “risco excepcional ou coletivamente perigoso”. Avisa-se que o Departamento do Trabalho é que fiscalizará, lançando mão de multas. A menção parece cumprir não apenas o papel de esclarecer sobre a lei: a experiência dos industriais com a fiscalização do Departamento pouco teve de agradável até esse momento.

            Como vantagem do empreendimento, apontava-se a perspectiva de módicas taxas de seguros e de “um perfeito serviço de ambulatório e de hospitalização”, impedindo-se abusos na aplicação da lei. Além disso, os patrões seriam acionistas da empresa. Empregando a forma habitual de persuasão, pela qual se procurava mostrar que não se iria agir isoladamente, a circular lembrava que o sindicato patronal têxtil do Rio já estava havia alguns anos fazendo o seguro dos operários de seus associados.

            Pouco mais de um mês depois, em outra circular a respeito do tema, vem o desabafo:

            “Pois bem, do inquérito feito por nós no seio das indústrias paulistas resultaram 10 respostas apenas.

            “Repetimos: 10 respostas sobre assunto do mais alto interesse para os industriais.”

 – / –

“Sem maiores comentários a respeito do caso, reiteramos o aviso de que, no próximo dia 12 de outubro a lei entrará em vigor, devendo os nossos associados segurar os seus operários contra acidentes de trabalho ou então fazer o depósito (...)”[65]

            Vale observar que há quarenta membros ocupando cargos eletivos na Federação.

            Poucos dias depois[66], temos a seguinte constatação:

            “O desinteresse da indústria pelo nosso projeto foi completo. Mesmo assim, voltamos ao assunto, com a vaga esperança de vencer tão estranho desinteresse.”

            Já se descarta a participação massiva. Dado o desinteresse da classe, opta-se por uma estratégia baseada na iniciativa de um núcleo de patrões:

            “Se conseguirmos o interesse de tantos industriais quantos sejam necessários para perfazer o capital inicial, lançaremos as bases da organização, certos do seu sucesso. Com o decorrer dos tempos o restante dos industriais virá para o nosso lado.”

            A idéia não trouxe resultados. Em maio do ano seguinte, retoma-se a iniciativa. Argumenta-se que “a parte mais trabalhosa” na organização da companhia – o que diz respeito a ambulatórios, médicos, enfermeiros, hospitais – já estava feita:

            “Ora o núcleo destes importantes serviços está organizado e bem organizado na Assistência Clínica Comercial e Industrial que as indústrias não quiseram até hoje apoiar, prestigiar e aproveitar em seu beneficio.”[67]

            Como se vê, é bastante provável que o projeto atual já estivesse previsto quando o anterior foi lançado. Seguindo o padrão de persuasão habitualmente empregado, a circular enfatiza a ausência de finalidade lucrativa:

            “(...) REPETIMOS: NÃO VAMOS FAZER UM NEGÓCIO E SIM PRESTAR MAIS UM BENEFÍCIO ÀS INDÚSTRIAS.”[68]

            Desta vez, a Federação optou por não esperar a manifestação espontânea da classe. Emissários visitariam os patrões:

            “Se, depois desta última tentativa, não conseguirmos organizar a nossa cooperativa de seguros, lamentaremos que as indústrias de São Paulo não tenham querido aceitar um serviço de enorme importância que lhes oferecemos.”

            Questionários a respeito foram enviados, mas o assunto acabou morrendo.

Os pequenos industriais e sua relação com a entidade de classe


            Os pequenos fabricantes não demonstravam pelo projeto organizativo da FIESP o interesse esperado. Suas circulares, durante a tentativa de sindicalizar a classe, a partir de junho de 1931, enfatizam sempre a necessidade de “grandes e pequenos” entrarem para os comitês por ramo. O relatório do sindicato patronal têxtil referente ao período 1931-1932 lamenta, paralelamente, a falta de adesão das pequenas empresas[69]. Nos anos 1935-1936, formou-se uma entidade integrada sobretudo por pequenos patrões, a Federação dos Sindicatos Patronais da Indústria, em contraposição à FIESP. Essa organização foi absorvida pela Federação das Indústrias Paulistas, fundada em março de 1937. A FIP era o “órgão sindical” da FIESP, que congregava exclusivamente os sindicatos. Segundo um antigo funcionário da FIESP, que compilou dados sobre a história da entidade num pequeno texto não publicado, o fato se deveu às divergências provocadas pela participação das entidades de classe na política[70] (Scartezini, 1967). Era a época das eleições para a representação classista na Assembléia Legislativa de S. Paulo.

            Os dados confirmam, pois, a suposição de De Decca de que os pequenos e médios eram um desafio ao projeto de arregimentação da classe[71]. Mas os “grandes”, se se filiavam com menos hesitação, nem por isso deixavam de se mostrar refratários aos diversos empreendimentos do Centro ou Federação. Desde as solicitações de dados para fundamentar memoriais até os projetos de investimento coletivo, como a citada tentativa de se formar uma companhia de seguros contra acidentes, sua participação é frustrante para os responsáveis pelas entidades de classe.

            De resto, a intenção de abranger os pequenos e médios tinha limites, dados pela preocupação de selecionar os aderentes. Os organizadores do Sindicato dos Fabricantes de Calçados à Mão de São Paulo adotaram uma peculiar estratégia para, ao mesmo tempo em que recrutavam associados, evitar acolher “elementos indesejáveis”. Circular de setembro de 1935, dirigida aos comerciantes de couros, pedia-lhes que, quando recebessem fabricantes, lhes informassem da existência do sindicato e os incentivassem a nele filiar-se. Haveria vantagens para os negociantes:

            “Se se tratar de um fabricante com os requisitos exigidos pelo Sindicato, a inscrição será feita. Se se tratar de elemento que não corresponde à finalidade do Sindicato a inscrição não será feita e daí um trabalho de perfeita seleção, do qual Vv. Ss. também serão beneficiados, pois oportunamente o Sindicato lhes comunicará o nome dos seus membros e a garantia que cada um  oferece como comprador de couros.”

            Sendo esta uma indústria que não exigia senão reduzidas instalações[72], é provável que agregasse grande número de “pequenos” e “médios”. É possível que os “indesejáveis” fossem aqueles fabricantes de “fundo de quintal”, que não pagavam impostos, portanto faziam “concorrência desleal”.

            De forma análoga, o CIFT levou à frente, nos anos vinte, intensa campanha contra as inúmeras pequenas fábricas que funcionavam à margem da legislação vigente[73] (Ferrari, 1988).

Movimento de secretaria


Poderíamos supor que, se a participação em reuniões e outras atividades e a adesão às propostas de empreendimentos coletivos lançadas pela Federação eram em geral decepcionantes para os que as propunham, pelo menos os serviços prestados pela secretaria da entidade fossem bastante procurados. Não é o que faz supor o seguinte apelo, de 1937. Referindo-se a “departamentos especializados” (Fiscal, de Trabalho, de Marcas e Patentes, de Impostos, de Similares,  de  Importação, Burocrático, de  informações, Sindical, de Biblioteca e Alfandegário), o texto diz:

“Para que esses departamentos se tornem, entretanto, realmente úteis, é mister que nossos associados sempre aproveitem os serviços que, com real boa vontade, esta Entidade lhes oferece. Sobre realizarem, assim, apreciável economia – pois, tais serviços, quando feitos por outrem, são caros, enquanto que a Federação nada cobra – os Srs. Associados concorrerão para maior prestígio da sua sociedade de classe.”

Esses departamentos existiam havia pelo menos um ano e meio[74].

O enigma: a dupla identidade

            Neste momento, é necessário relatar alguns detalhes de nosso trabalho com as fontes, que nos levaram a colocar em questão aspectos ligados à identidade das organizações de classe industriais paulistas. Ao iniciarmos nossa pesquisa, supusemos que o CIESP tivesse sido formado a partir de diversas associações patronais que houvessem unido forças para compô-lo. Saímos à procura de algum sucedâneo, ainda existente, das entidades que subscreviam memoriais no período anterior à fundação do Centro. Seriam por elas representados os ramos de fiação e tecelagem, indústria gráfica, metalurgia, calçados, couros e madeiras. Os arquivos do CIFT foram encontrados facilmente no atual sindicato do ramo, o Sinditêxtil. Documentação de outras entidades, porém, não conseguimos localizar nos diversos sindicatos patronais que abrangiam os setores acima mencionados. Essa foi, para nós, uma primeira constatação da importância daquele Centro têxtil: a memória que podemos ter da atuação dos industriais paulistas foi, em proporção muito grande, marcada pelos registros daquela entidade. Pareceu-nos, por isso, surpreendente a ausência completa de referências a esta nas circulares do CIESP (ou FIESP).

            Pela relevância de suas implicações, devemos registrar aqui minudências de nossa pesquisa, insignificantes, à primeira vista. Abordando as circulares do CIFT, um fato chamou-nos atenção: as iniciais dos nomes dos funcionários que redigiram ou datilografaram cada folheto eram as mesmas que havíamos encontrado nas circulares do CIESP. Constatamos também que diversas circulares, dos anos de 1928 e 1929, eram numeradas ou a carimbo, ou com datilografia direta, ou a bico de pena ou a lápis. Era estranho. Por que o indivíduo que datilografou a chapa para a mimeografia não bateu também o número do folheto?

            Lembramos então que muitas circulares do CIESP do ano de 1929 (a Biblioteca R. Simonsen não tem todas; faltam as anteriores à de número 17, que é de 15.01.1929) também não tinham seu número mimeografado. A numeração tinha sido feita com carimbo ou à mão – a bico de pena ou a lápis. Comparamos os folhetos de uma e outra entidade. Constatamos que seu conteúdo era idêntico. Não apenas o conteúdo, mas a forma. Tudo igual, até os erros de datilografia. A dedução foi imediata: a mesma circular que era distribuída em nome do CIFT era-o também em nome do CIESP.

            Já que a mesma circular seria distribuída aos associados de uma e de outra entidade, era mais prático, concluímos, em vez de datilografar duas vezes a mesma chapa com numeração diferente, bater apenas uma, deixando em branco o espaço reservado ao número. A conclusão se confirma pelo seguinte dado: a prática de deixar esse espaço em branco para ser preenchido depois de impresso o folheto constata-se apenas a partir da circular 775, de 30.04.1928. Nas anteriores, o número vai mimeografado. Ou seja, a prática começa apenas depois da fundação do CIESP.

            O sistema foi abandonado depois da circular 842, de 24.05.1929, do CIFT. A partir daí, não se encontra mais carimbo ou outro tipo de registro manual da numeração. Porém, o padrão observado continua: a maior parte das circulares ou são absolutamente idênticas nas duas entidades ou variam apenas em algumas palavras. Nesses comunicados, é muito comum a expressão “este Centro”, já que válida para ambas as entidades. Quando há a mudança do nome para “Federação” e “Sindicato”, passa a ser preciso substituir a denominação, conforme se destine o folheto aos filiados (ou “filiáveis”) de uma ou de outro.

            A identidade não se limita aos folhetos: os dois centros utilizavam o mesmo prédio, o mesmo telefone, os mesmos funcionários.

            Até 1928, ano da fundação do CIESP, o CIFT dividia o mesmo local com a Associação Comercial. As duas entidades ficaram na Praça da Sé até 1926, quando se mudam para o terceiro andar de um prédio na rua José Bonifácio. Jorge Street, presidente do Centro têxtil de 1926 a 1929, lamentava a falta de espaço causada pela ausência de sede própria.[75] Grandes assembléias tinham que ser realizadas em outros locais, como o Clube Comercial, na rua São Bento[76]. O aluguel do primeiro andar de um prédio, nessa mesma rua, pelo CIESP, vem a calhar, fornecendo, com seu “salão nobre”, amplo espaço para reuniões e atividades em geral, ligadas à organização dos industriais. Foi para esse endereço que a sede do CIFT se transferiu. É provável que a intenção fosse essa desde a instalação do CIESP ali. O telefone continuaria a ser o mesmo dos dois endereços anteriores. O número era o mesmo para CIFT  e CIESP.

Em comunicado do Centro têxtil, mencionam-se “os outros centros industriais de São Paulo”, que também passariam a funcionar no local[77]. Como vimos afirmando, porém, não foram encontradas evidências de que estes de fato funcionassem com maior alcance que para subscrever documentos dirigidos aos poderes públicos.

             Embora em junho de 1928 tenha sido inaugurado o CIESP e em outubro desse ano tenha sido convocada para sua sede na rua S. Bento uma reunião do centro têxtil[78], esta não veio a funcionar como tal, efetivamente, senão a partir de fevereiro de 1929. No mês anterior, havia sido distribuída uma circular anunciando que os serviços do Centro (que tanto pode ser o CIESP como o CIFT) estavam sendo organizados[79]. Em comunicado de fevereiro, avisava-se do início das atividades[80].

            Confrontando-se esta última circular com sua contraparte do CIFT, vimos a saber que não apenas o endereço das duas entidades era o mesmo: o próprio “programa” de ambas era idêntico. A única diferença é que, no texto do CIESP, há uma passagem em que se diz que o Centro defende os interesses “das indústrias e do comércio em geral” enquanto, no do CIFT, o trecho correspondente menciona “indústrias têxteis em geral”[81]. Os serviços oferecidos são obviamente os mesmos, realizados pelas mesmas pessoas. No relatório do SPITESP referente aos anos de 1931-1932, Pupo Nogueira lamenta que a secretaria do sindicato se compõe de apenas três funcionários. Dada a identidade de estrutura entre as duas associações, segue-se que a FIESP não dispunha de pessoal mais numeroso. Indício disto é a reduzida quantidade de iniciais (do empregado encarregado da datilografia) que freqüentam suas circulares, nunca superando aquele número ao longo de cada período de um ano, até a data do relatório.

            Em 1933, a agora FIESP já havia mudado de endereço. O agora SPITESP foi para o mesmo local: o segundo andar de um edifício na rua Quintino Bocaiúva.[82]

            A separação de estrutura entre CIFT e CIESP (ou FIESP e SPITESP) só começa em março de 1936, quando Otávio Pupo Nogueira, que acompanhou as atividades das associações industriais desde a criação do CIFT, em 1919, é substituído na secretaria-geral da Federação por Ciro Berlinck[83]. Até aí, Pupo Nogueira havia acumulado o cargo nas duas entidades; ficou então com o cargo de secretário-geral apenas no SPITESP. Contudo, permanece como consultor-técnico da FIESP. Nesse mês de março, o SPITESP deixa de compartilhar a mesma sede que a FIESP, mudando-se para outro número da mesma rua (a Casa das Arcadas). Aí passaria a funcionar também uma sociedade cooperativa de seguros contra acidentes, “A Textil”, e seu ambulatório. A empresa, cuja tentativa de constituição no âmbito da entidade têxtil e da FIESP seguimos durante anos por meio das circulares intercambiáveis das duas organizações, tão indissoluvelmente ligadas, agora é finalmente formada, mas patrocinada apenas pelo SPITESP. Pupo nela trabalhou até o final da década de quarenta.

            Depois da separação, cessa a identidade entre as circulares das duas associações.

            Seria de se supor que a separação se deveu a um crescimento na atividade específica de cada uma das duas entidades, o qual seria incompatível com a permanência da mesma estrutura. Porém, indício de salto na solicitação pelos serviços da Federação temos apenas três anos depois, em 1939, quando esta ampliou suas instalações telefônicas.

. . .

            Serviços prestados e campanhas conduzidas pelo CIESP – ou FIESP – eram, como se percebe, muitas e muitas vezes os mesmos que o CIFT – ou SPITESP – prestava e conduzia. Não quero dizer, como é óbvio, que serviços e campanhas fossem duplicados, correndo paralelamente em cada entidade. As duas associações funcionavam, na maior parte do tempo, como uma só.

            A intercambialidade das circulares permitia atribuir ao CIESP (ou à FIESP) o que era obra do CIFT (ou do SPITESP). Foi assim, por exemplo, no caso do confronto com o poder público a respeito do Código de Menores, ou no da reforma da tarifa aduaneira sobre fios, tecidos e artefatos de algodão. Em janeiro de 1929, comunicados idênticos de CIESP e CIFT diziam:

            “(...) Graças em grande parte aos esforços deste Centro, o Governo reformou a Tarifa Aduaneira da Classe 15a, destacando tal classe do projeto geral, que será estudado pelo Parlamento na próxima legislatura (...)”[84]

            Em outro exemplo, entre inúmeros, circular do SPITESP diz, em junho de 1932, que, “atendendo ao pedido deste Sindicato”, o prefeito prorrogou o prazo para requerer alvarás de licença e para a exigência de apresentar carteira de identidade de seus dirigentes para obtê-los. Em circular da FIESP, do mesmo dia, apenas aquele trecho é alterado, para: “atendendo ao pedido desta Federação”.[85]

            É de se duvidar que se buscasse divulgar todas as circulares do CIESP entre os estabelecimentos associados ao CIFT. A não ser aquelas com inequívoca origem na primeira entidade, a distribuição das outras entre os têxteis provocaria um inconveniente sentimento de desnecessidade do Centro das Indústrias, ou mesmo a sensação de que algo não estava bem explicado. Devemos observar, a propósito, que não se nota, nas circulares, preocupação em atribuir importância à entidade geral, no âmbito dos leitores dos comunicados da entidade têxtil. Devido ao caráter intercambiável desses textos, os atos que eram, nas circulares do CIESP (ou FIESP), imputados a esta associação, passavam, inversamente, a ser postos à conta do CIFT (ou SPITESP), nas circulares deste.

            A indissociabilidade entre a estrutura das duas entidades explica também a redação de documentos dirigidos aos poderes públicos, nos quais não há referência explícita a uma ou outra. O sujeito é convenientemente colocado na primeira pessoa, como no seguinte texto, enviado ao governador de S. Paulo em abril de 1929, pedindo-lhe seu endosso a uma solicitação ao Congresso contra o Código de Menores:

            “Bondosamente acolhidos por V. Excia. de cada vez que tivemos a honra de pedir ao seu inesquecível Governo amparo a justas reivindicações da nossa classe, vimos de novo à presença de V. Excia. solicitando o seu valioso apoio a pedido que vamos fazer ao Congresso Nacional.”[86]

            As dificuldades de uma entidade eram também as da outra. O “caloroso apelo” de Pupo Nogueira, em outubro de 1930, para “serem pontualmente pagas as nossas mensalidades, aliás tão módicas”, é o mesmo nas circulares das duas associações[87]. É provável que a situação econômica do país influísse no estado da entidade, mas o apelo do secretário-geral traz à mente suas palavras no relatório do SPITESP de 1931-1932, que descreve a situação em que se encontrava o sindicato, com sua secretaria “reduzida a três funcionários”. Pupo menciona outras causas para o problema. Lamenta a inexistência do “espírito de cooperativismo” no Brasil, a incompreensão das “vantagens da união entre fatores da mesma obra”, de onde resultaria “o malogro de todas as tentativas de organização de ‘cartels’ e ‘trusts’, feitas entre nós”. No Brasil, “a luta de concorrência assume aspectos de verdadeira ferocidade e (...) a organização de associações de classe representa tarefa difícil”.

            Apesar dos esforços e sacrifícios dos dirigentes, “animados do que chamaríamos o fogo sagrado”, diz Pupo no relatório,

            “(...) nem toda a classe têxtil está a nosso lado. É bem verdade que as grandes empresas, sem discrepância, nos trouxeram o seu precioso concurso material e moral, mas as pequenas ainda não compreenderam que, sem este Sindicato, a vida lhes correrá difícil e precária.”

            Para propiciar a adesão geral, diz o secretário, “praticamos mensalidades exíguas, que os tempos atuais não comportam nem justificam”, ocasionando um regime de déficit permanente para “a maior organização patronal do país”. Conclui:

            “É lamentável que a indústria de tecidos do Estado de São Paulo tenha o seu sindicato em condições econômicas de contínua precariedade, assistindo ao sacrifício dos seus funcionários, mal remunerados e sem o incitamento de dias melhores em futuro próximo ou remoto.”

            Pupo lembra também as condições físicas da sede, circunstância à qual ele, especulamos, ali presente todos os dias, devia estar particularmente sensível:

            “É um lugar inadaptável à boa conservação da saúde daqueles que aqui labutam, mas somos forçados a conservá-lo em virtude da utilização de um amplo salão para as nossas reuniões.”

            É importante notar que as maiores oportunidades para a entidade geral se apresentar diferenciada da entidade têxtil foram ocasionadas pelos poderes públicos. Foi assim em 1932, durante a insurreição, e foi assim a partir de 1931, quando, sob o influxo da lei de sindicalização, foram constituídos diversos sindicatos por ramos de indústria. Em 1933 e em 1935, quando ocorrem as eleições de representantes classistas, respectivamente, para o Congresso Constituinte e para a Câmara estadual, há nova oportunidade, já que é a FIESP que organiza a escolha dos deputados patronais.

            Contudo, vale lembrar que, durante o movimento de 1932, a diferenciação só se dá quando, pelo decreto 5.595, de 18 de julho, a Federação é encarregada do Serviço de Cadastro Industrial. Até então, não se nota cuidado, no modo como se redigem as circulares, em destacar a FIESP em relação ao sindicato têxtil. Só após a criação do Cadastro é que a Federação aparece como centralizadora das atividades industriais. Até aí, quem chama à ordem os industriais, conforme se leiam circulares com timbre (e conteúdo idêntico) de uma ou outra entidade é, alternativamente, tanto o sindicato como a Federação.

            Apesar desses momentos de diferenciação, na maior parte do tempo o padrão costumeiro permanece e as circulares continuam intercambiáveis. A opção por esta forma de redigir talvez levasse em conta a própria dificuldade material de separar uma entidade da outra: como convencer disso os patrões têxteis, se era visível a identidade de localização, de estrutura e de atos? A dificuldade em se diferenciar fez com que o CIESP (ou a FIESP) só se apresentasse como uma associação com identidade própria aos olhos dos industriais de outros ramos que não o têxtil.

            Focalizamos até agora aquilo que torna indissociável CIESP (OU FIESP) de CIFT (ou SPITESP). Mas é igualmente esclarecedor constatar aquilo que se vê nos folhetos da entidade têxtil e não se vê nos da entidade geral.

            Registre-se inicialmente que todas as gestões com o interventor João Alberto em torno de sua determinação de fixar a jornada de trabalho em quarenta horas e aumentar em 5 % os salários dos operários e da questão do cumprimento da lei de férias, em 1930, foram, para o leitor das circulares, postas à conta do CIFT. Não foram emitidos comunicados do CIESP a respeito.[88]

            De resto, podemos dizer que todos os assuntos que interessavam especificamente a indústria têxtil eram abordados apenas pelas circulares de seu sindicato. Como exemplo, entre muitos, podem-se mencionar um “anteprojeto de ‘cartel’” entre as fábricas de tecidos paulistas assim como as de outros estados, proposto em maio de 1930; a questão dos fretes para resíduos das fábricas de tecidos, em agosto desse ano; a reivindicação, na mesma época, de restringir-se a importação de máquinas têxteis; e o caso notório das listas de operários “indesejáveis”.

            Ao leitor das circulares da entidade têxtil – aquele que não participasse do núcleo de seus organizadores, ou que não estivesse a par das iniciativas destes – o Centro ou Federação das Indústrias devia aparecer como uma entidade algo distante, talvez mesmo algo “elevada”, e para isto devia contribuir bastante a prática da associação têxtil de assumir feitos e serviços que, nas circulares da entidade “geral”, eram a esta atribuídos. Assim, tal prática, paradoxalmente, podia ajudar a forjar uma identidade distinta para cada um dos organismos. Isto é, para os leitores têxteis, o CIESP (OU FIESP) só aparecia de tempos a tempos, sem nunca tratar de assuntos ligados mais diretamente ao dia a dia.

O CIFT e a fundação do CIESP


            O CIESP surgiu poucos meses depois de uma cisão entre industriais e comerciantes na Associação Comercial de S. Paulo. No fim de dezembro de 1928, haviam sido organizadas duas chapas concorrentes para a diretoria da Associação, uma com predominância massiva de industriais, encabeçada por Jorge Street, outra com presença mais equilibrada de industriais e comerciantes. Ambas eram apoiadas por empresários dos dois setores e por bancos. Porém, logo no fim de janeiro do ano seguinte, foi organizada e em seguida eleita uma chapa de consenso.

O aparecimento do Centro foi interpretado pela historiografia como desdobramento daquela disputa: evocou-se o conflito de interesses econômicos, entre importadores de fios e tecidos e industriais têxteis, e de interesses políticos, entre Partido Republicano Paulista e Partido Democrático. De Decca, insatisfeito com essas explicações, viu na disputa uma crise do próprio Estado, entendido este numa concepção pela qual sociedade civil e sociedade política não se opõem (Decca, 1984, p. 136). A nosso ver, as relações entre um evento e outro ainda estão por ser melhor explicadas. O fato é que a criação de uma entidade que abrangesse todos os ramos industriais já existia como projeto desde pelo menos julho de 1927, quando uma circular do CIFT expõe a idéia. Disto se conclui que o episódio da cisão na Associação Comercial não é o ponto inicial da história do CIESP, embora possa ter apressado sua fundação.

A mencionada circular[89] dá notícia de articulações para formar-se uma entidade abrangendo vários ramos industriais. Vale a pena focalizar de perto seus termos, que dizem muito sobre o papel do CIFT na construção da nova entidade. O texto, de autoria de Pupo, começa descrevendo um movimento de ação conjunta dos industriais de diversos ramos:

“Como VV. SS. sabem, o nosso Centro teve a colaboração de outros grandes centros de classe, existentes em São Paulo, durante o movimento feito no caso da lei das férias. Da nossa ação conjunta, resultou o memorial que VV. SS. conhecem e os passos dados junto do Conselho Nacional do Trabalho, passos que resultaram num grande benefício para as indústrias nacionais, conforme saberão VV. SS. mais tarde, quando não mais houver perigo de serem divulgados fatos que ainda devem ser cercados do maior sigilo.” (Grifos no original.)

            Observemos como é descrita aquela ação. Primeiro, afirma-se que o Centro “teve a colaboração” de outras entidades, isto é, que dele foi a iniciativa e que os outros aderiram. Depois, diz-se que houve uma “ação conjunta”, expressão que denota participação ativa dos outros centros. Por um lado, tencionava-se, interpretamos, afirmar o papel de liderança assumido pelo CIFT; por outro, tentava-se compensar o efeito da primeira afirmação, que é o de reduzir o papel das outras entidades ao de mera adesão, ou seja, o de abrir espaço para se desconfiar que o CIFT estava fazendo senão todos, praticamente todos os esforços no “movimento”. Ou, mesmo, que as outras nele faziam apenas figuração, assinando seus nomes no documento.

            Era preciso, finalmente, mostrar que, de um forte movimento liderado pelo CIFT resultou uma importante vitória – poucos dias depois de apresentado ao CNT o documento mencionado. Não se apresenta esse resultado: misteriosas circunstâncias desaconselham o alvitre (o “grande benefício” que, ao que se sabe, a associação almejava no que concerne as férias era a exclusão dos operários do direito a elas, aceitas apenas para os chamados empregados; isso não foi obtido).

            Um primeiro cenário está montado: um amplo e ponderoso movimento liderado pelo “nosso” forte e influente centro, produzindo espetaculares resultados. Está tudo pronto para entrar em cena um novo personagem:

            “De um dos grandes centros industriais, que colaborou conosco nos últimos e importantes acontecimentos, partiu a idéia de se fundirem todos os centros de classe paulistas num só grande centro, que receberia a denominação de Federação dos Centros Industriais de S. Paulo.”

            Apesar da liderança no movimento, não teria sido da entidade têxtil a idéia de criar o “grande centro”. Este recurso de argumentação reforça a idéia de um movimento amplo. Se a iniciativa fosse do CIFT, retornaria a desconfiança que, interpreto, se queria afastar, isto é, de que o movimento talvez se reduzisse apenas às próprias articulações do centro têxtil. Por outro lado, se o resultado da fusão dos diversos centros será a formação de um “grande centro”, isso significa que essas entidades também tinham peso considerável, portanto, que a entidade da qual teria partido a “idéia”, cuja denominação não nos é revelada (e aqui a necessidade de sigilo afirmada no caso das gestões contra a Lei de Férias é – por um efeito de pura contigüidade discursiva – estendida para as gestões pela formação da entidade), era, do mesmo modo, uma associação de peso.

            Se a organização iniciadora do novo movimento era consideravelmente forte, e se as outras que para ele concorriam também o eram, então temos todos os motivos para nele embarcar. Desse modo,

            “Formaríamos um bloco respeitabilíssimo e daríamos à Federação organização mais ou menos idêntica à que tem o velho Centro Industrial do Brasil.”

            Esse padrão de convencimento, pelo qual se evocam precedentes, já nos é conhecido de outras ocasiões. Para tornar a perspectiva mais visível – portanto, mais plausível – é preciso apresentar um modelo, já existente. O “velho” CIB, venerável por sua idade, fornece o modelo para a organização do “respeitabilíssimo” bloco. “Respeitável” e “velho” são idéias que, adjetivando um e outro termo da comparação, conferem-lhe verossimilhança, potenciando mútua e positivamente sua carga semântica.

            Fixada a imagem dos outros centros como sólidas, ponderáveis organizações, é possível, sem receio de outras interpretações, mostrar a “força” do centro têxtil e o decorrente papel diretor que lhe caberá:

            “Como Centro mais forte do que os outros aqui existentes, dirigiríamos os trabalhos de fusão.”

            Desse papel vem, como conseqüência lógica, a presença, em posições centrais, na nova entidade, de figuras que ocupam posição análoga no centro têxtil:

            “A Federação teria tantos diretores especializados quantos forem os centros fundidos com o nosso, e o organismo teria um Presidente, que seria o Dr. Street, com toda a evidência e um Secretário Geral que, também segundo toda a evidência, seria o signatário do presente.”

            Os outros centros ficariam dessa forma “fundidos com o nosso”, mas sua autonomia seria respeitada:

            “Manteríamos uma secretaria ampla, não perturbaríamos os trabalhos que, no presente, são feitos pelos outros centros com vantagem para as classes que eles representam e, nos casos de interesse geral das indústrias, os centros todos colaborariam numa obra comum.”

            Manteríamos uma secretaria ampla” e “não perturbaríamos” os trabalhos dos outros centros. Apesar da admirável coerência de Pupo no uso dos meios discursivos na tentativa de convencimento do interlocutor, um lapso acaba por denunciar o caráter do projeto. No trecho acima, desnudam-se os papéis atribuídos a “nós” e “eles”, o Centro têxtil e os outros centros. O “nós” que manteria a ampla secretaria, se revela, quando se apresenta como o mesmo que “não perturbaria” a vida dos outros centros, deixados em seus cantos, a desenvolver seus trabalhos: é o centro têxtil.

            Não estamos aqui afirmando uma “hegemonia” dos industriais têxteis. Isso seria algo absurdo, já que os maiores industriais do período, entre eles os que estavam à frente do CIFT, tinham, como se sabe, capitais em diversos ramos. O que o texto indica, ao procurar uma consistência na atuação de “outros” centros, é que nem todos os seus destinatários estariam confiantes na adesão a um centro ou “federação” de indústrias que não contasse com forte respaldo em outros ramos industriais que não o têxtil. Se assim era, é preciso considerar, como um dos propósitos do texto, a busca de adesão daqueles industriais que concentravam seus interesses basicamente nesse ramo – a nosso ver, principalmente os “pequenos” e “médios” – e que, por isso, mais provavelmente, fixavam sua perspectiva a partir dele.

            Não encontramos dados que permitissem apurar se figuras de destaque, como Simonsen, Lafer, Weizsflog, que não tinham capital investido fundamentalmente no setor têxtil, tiveram papel impulsionador na constituição do CIESP ou aderiram a um projeto já formulado ou em andamento. Não é nosso propósito afirmar nenhuma relação estanque entre representantes de setores industriais diversos. Contudo, não há margem para dúvida, a esta altura da exposição, de que o setor têxtil forneceu o instrumento organizativo para a formação do Centro.

Entre a circular de julho de 1927, que citamos, e a “fundação” do CIESP, em março de 1928, as fontes que encontramos silenciam, abrindo um aparente hiato, em que não se mostram seqüências da intenção de se criar uma entidade geral. Contudo, parece-nos pouco plausível que o projeto expresso naquele documento não tivesse relação com o surgimento do Centro.

. . .


            Conclui-se que o CIESP (ou FIESP, depois) permaneceu, após seu surgimento, como nada mais que um projeto durante considerável lapso de tempo. A entidade não adquiriu movimentos próprios em relação ao CIFT (depois SPITESP) senão em data bastante distante de sua fundação. Nessas condições, as suas dificuldades eram as da própria associação têxtil. Seu poder de mobilização – ou mesmo de arregimentação – da classe permaneceu, mesmo depois de tornar-se independente do SPITESP, surpreendentemente limitado, assim como seu poder de intervenção na sociedade de modo geral. Sua influência junto a círculos do governo não parece ter-se devido tanto a seu poder como entidade quanto à atividade de seus expoentes de maior projeção. Devemos observar que a presença destes últimos na historiografia se confunde com os marcos (discursos etc.) deixados pela intensa atividade de propaganda que – esta sim – parece ter caracterizado sobremaneira a entidade, desde o espetáculo da inauguração do Centro até as recepções de autoridades graúdas de todos os setores e reuniões com estas em sua sede.


 Conclusão

            Dos estudos aqui apresentados surge uma imagem do empresariado industrial ao mesmo tempo mais delimitada e mais ampla do que o fariam supor as correntes classificações de “taylorista”, “fordista” ou, ainda, certas representações, preservadas no mundo acadêmico, de uma presença de dimensões titânicas de suas entidades de classe na esfera da política. Contudo, não nos apressaríamos em falar em “debilidades”, “defasagens”, “atraso” etc. O historiador, se quer exercer de fato seu ofício, deve deixar a toga para os que têm por função fazer julgamentos. O que nos importa é compreender os homens em suas ações no âmbito social. Para isso é preciso conhecer tanto suas propostas como o debate em que se colocaram e a partir do qual aqueles adquirem significado, como ainda os elementos com que contaram para sua realização, entre os quais se destaca a própria resposta que tiveram por parte daqueles aos quais tais projetos foram dirigidos. Acreditamos ter fornecido aqui alguns dados que podem contribuir para esse debate. O que podemos afirmar é que as propostas e atos dos empresários no período estudado respondiam àquilo que viam como realidade.



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[1] Marcos Lima já refutava, em trabalho de 1992, a caracterização dos industriais brasileiros como fordistas. Lima, 1992, p. 26-44. Este autor chama atenção para estratégias paternalistas utilizadas pelos patrões.
[2] Otávio Pupo Nogueira atribuiu-se a autoria desse texto em seu livro “A indústria em face das leis do trabalho” (Nogueira, [1935?]). É muito provável que assim o seja, uma vez que o autor redigiu quase todas as circulares e outros documentos do CIFT e do CIESP, até pelo menos 1936, e que o memorial era encabeçado pela primeira destas associações. Encontramos o texto que citamos, encadernado junto às circulares da entidade, na sede do SIFTG ou Sinditêxtil (Sindicato da Indústria de Fiação e Tecelagem em Geral, o atual sindicato patronal têxtil de S. Paulo).
[3] Deve-se registrar que Pupo Nogueira, na época, não era patrão; mas, na posição de funcionário mais graduado do CIFT, atuou como seu porta-voz
[4] A propósito de tal diferença, pode-se consultar Vargas, 2001. Na fala dos empresários e seus representantes, os empregados eram os trabalhadores de escritórios, vendedores etc., enquanto que os operários eram os trabalhadores manuais. Nos textos patronais, a palavra empregado só passou a ser usada para designar operários a partir da década de 1930, devido às necessidades de referência à legislação de trabalho produzida naquele tempo, a qual adotou essa nova terminologia. O fato lingüístico que distinguia operários de empregados denotava uma abissal diferenciação no modo como os representantes patronais viam a possibilidade de serem concedidos direitos a um e outro grupo de trabalhadores. A idéia de conceder férias, por exemplo, só era admitida para os empregados.
[5] Pupo Nogueira também se atribui a autoria deste texto.
[6] Este e também outros dois textos de Simonsen, (Simonsen, 1928) e As crises no Brasil (Simonsen, [1930?]) são citados como fonte por De Decca (op. cit.).
[7] Boletim do Centro Industrial do Brasil. 1o vol., 1904-1905. Citado em Carone, 1978.
[8] Sobre “psicotécnica”, ver Simonsen, [1931?], p. 32; sobre revolução industrial na Inglaterra, ver idem, p. 9; sobre a imputada virtude da linha de montagem, ver idem, p. 18-19.
* Este texto retoma parte da dissertação de mestrado de um dos autores: Vargas, 1995. Negócios e representações: os industriais paulistas entre os anos vinte e trinta. IFCH/Unicamp, Depto. de História, 1995.
[9] A mudança, de Centro das Indústrias do Estado de São Paulo, para Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, representou apenas uma adaptação à chamada lei de sindicalização (dec. 19.770/19.03.1931), baixada pelo Governo Provisório em 1931. Veremos que o decreto deu ensejo a novas estratégias de arregimentação da classe e propiciou formas específicas de relacionamento com esferas do poder público. Mas a alteração de estatuto não foi encarada, de maneira nenhuma, como uma ruptura, pelos industriais. O sentido de continuidade foi total. De 1942 em diante, a entidade volta a se denominar CIESP, passando “FIESP” a designar o órgão sindical de 2o grau, ao qual ficaram filiados os sindicatos patronais, por força do decreto 1.402/05.07.1939. Contudo, todas as empresas ou pessoas filiadas à FIESP até 1942 continuaram filiadas a essa organização, quando retomou o nome anterior. Observo que, na época, não se usavam siglas para designar as entidades de classe. Os nomes eram grafados por extenso.
[10] CIESP. Circular n. 30, de 01.04.1929.
[11] CIESP. Circular n. 115, de 18.11.1930. A reunião havia sido chamada para 22.11.1930.
[12] CIESP. Circular n. 140, de 16.05.1931. A data do evento é a mesma da circular.
[13] CIESP. Circular n. 32, de 02.04.1929.
[14] O decreto 17.943, que criou o Código, é de 12.10.1927.
[15] CIESP. Circular n. 47, de 04.06.1929.
[16] CIESP. Circular n. 55, de 21.06.1929.
[17] CIESP. Circular n. 61, de 30.07.1929. Deve-se observar que, no caso desta lei social – e foi uma das poucas que, no âmbito federal, teve aplicação nesse final da década de vinte – é o Centro, em cuja diretoria estavam representadas as maiores empresas, que se põe a tentar convencer, com resultado duvidoso, o conjunto da classe, formada em sua grande maioria por pequenos e médios fabricantes. De Decca (Decca, 1984, p. 175) sugere que a posição do CIESP contra as leis sociais tinha em vista propiciar a adesão das pequenas e médias empresas a seu projeto de arregimentação: na opinião deste autor, apesar de a grande indústria estar disposta a encarar os custos dessas leis, a entidade teria que se apresentar contra elas, para que as pequenas e médias aderissem, uma vez que estas não mostrariam a mesma disposição.
[18] CIESP. Circular n. 85, de 11.03.1930. Há aqui uma transcrição da sentença, datada de 25.02.1930.
[19] CIESP. Circular n. 62, de 01.08.1929.
[20] CIESP. Circular de 04.09.1929.
[21] CIESP. Circular n. 91, de 17.05.1930, que traz o relatório do exercício de 1929-1930.
[22] CIESP. Circular s. n., de 09.10.1930.
[23] FIESP. Circular n. 157, de 13.07.1931.
[24] FIESP. Circular s. n., de 23.06.1931, dirigida ao ramo de calçados.
[25] FIESP. Circular s. n., de 27.06.1931, dirigida ao ramo de balas, bombons e chocolates.
[26] Idem.
[27] FIESP. Circular n. 150-A, de 17.06.1931, dirigida ao ramo de balas, bombons e chocolates.
[28] FIESP. Circular n. 149-A, de 16.06.1931, já mencionada.
[29] FIESP. Circular s. n., dirigida em 23.06.1931 ao ramo de calçados. Grifos no original.
[30] FIESP. Circular s. n., de 19.06.1931.
[31] FIESP. Circular s. n., de 19.06.1931.
[32] FIESP. Circular n. 162, de 20.07.1931.
[33] FIESP. Circular n. 156-A, de 13.06.1931. A lei mencionada é a de sindicalização.
[34] FIESP. Circular n. 150-A, de 17.06.1931
[35] FIESP. Circular n. 149-A, de 16.06.1931, do comitê provisório das indústrias de alimentação. Maiúsculas no original.
[36] FIESP. “Circular do comitê n. 3”, de 19.08.1931.
[37] FIESP. Circular n. 198, de 12.10.1931.
[38] FIESP. Circular n. 204, de 17.10.1931.
[39] FIESP. Circular s. n., de 09.11.1931.
[40] FIESP. Circular n. 231, de 24.12.1931.
[41] FIESP. Circular n. 234, de 04.01.1932. Os comitês correspondiam aos seguintes ramos: calçados; amidos; bebidas; óleos; produtos químicos; tintas e vernizes; chapéus; cimento; louças; chocolates; bombons etc.; balanças; caixas de papelão; artefatos de borracha; cerâmica de construção; metalurgia; e camas de ferro.
[42] FIESP. Circular s. n., de 09.05.1932.
[43] Vejam-se os memoriais apresentados em 1927 ao Conselho Nacional do Trabalho, contra a lei de férias; ao presidente do estado de S. Paulo, Júlio Prestes, e ao presidente da Câmara dos Deputados, ambos contra o Código de Menores; e ao presidente da Comissão de Legislação Social da Câmara, contra o projeto de Agamenon Magalhães, que propunha as Caixas de Assistência e Seguro Social (contra doenças). São assinados pelos presidentes do Centro dos Industriais de Fiação e Tecelagem, Associação dos Industriais e Comerciantes Gráficos, Centro dos Industriais Metalúrgicos, Centro dos Industriais de Calçados, Liga dos Industriais e Comerciantes de Couros e Centro da Indústria de Madeiras. O último é subscrito, também, pelo Centro dos Industriais de Fiação e Tecelagem de Algodão, e pelo Centro Industrial do Brasil, ambos do Rio. Os textos encontram-se encadernados na coleção de circulares do CIFT, arquivada na biblioteca do Sinditêxtil.
[44] FIESP. Circular n. 279, de 06.06.1932. Grifos no original. Onde está o negrito, havia grifos triplos, que não pude reproduzir nesta edição.
[45] FIESP. Relatório do exercício 1932-1933. Anexo à circular n. 410, de 08.05.1933.
[46] FIESP. Circular n. 157, de 13.07.1931, já citada. A mensalidade correspondia aproximadamente ao valor de cinco quilos de café “extra fino” ou pouco mais de dez quilos de açúcar.
[47] FIESP. Circular n. 489, de 20.02.1934.
[48] FIESP. Relatório do exercício 1933-1934, anexo à circular n. 505, de 23.04.1934. A dificuldade em se obter dados já vinha sendo experimentada desde as primeiras tentativas do Centro dos Industriais de Fiação e Tecelagem, de S. Paulo, de compilar uma estatística sobre a produção têxtil, nos anos vinte.
[49] FIESP. Circular n. 596, de 15.02.1935.
[50] Devemos observar que, em outros momentos, os responsáveis pela entidade já haviam feito o mesmo juízo a respeito das tarifas alfandegárias.
[51] FIESP. Circular n. 603, de 09.03.1935
[52] FIESP. Circular n. 301, de 20.07.1932. Pelo decreto, de 18.07.1932, o Serviço foi “confiado à Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, a qual, para tal fim, fica investida de plenos poderes para requisitar e obter toda e qualquer informação, bem como tomar as medidas que se tornarem necessárias ao perfeito cumprimento do seu mandato”.
[53] FIESP. Circular n. 309, de 24.07.1932. Grifos no original. No lugar do negrito, havia duplos grifos, que não pude reproduzir nesta edição. [DÁ PRA FAZER ISSO, AÍ NESSE COMPUTADOR? SE DER, POR FAVOR, COMUNIQUE-SE COM O AUTOR DESTE LIVRO, PARA MUDAR ESTA NOTA.]
[54] FIESP. Circular n. 319, de 03.08.1932.
[55] Cabe lembrar que, como vimos anteriormente, quando diziam empregados, os textos patronais não se referiam a operários, mas apenas aos trabalhadores não-manuais, como os de escritório ou balcão.
[56] Veja-se o relatório anual de diretoria referente ao exercício 1933-1934, da FIESP, anexo à circular n. 505, de 23.04.1934: “(...)  graças à desnaturação do café, as nossas condições financeiras melhoraram consideravelmente, passando a Federação do antigo e angustioso regime de déficits para um regime de saldos (...).”
[57] FIESP. Circular n. 327, de 05.09.1932.
[58] FIESP. Circular n. 328, de 14.09.1932.
[59] FIESP. Circular n. 330, de 20.09.1932.
[60] FIESP. Circular n. 333, de 07.10.1932.
[61] FIESP. Circular n. 343, de 03.11.1932.
[62] FIESP. Circular n. 514, de 03.05.1934.
[63] FIESP. Circular n. 518, de 28.05.1934.
[64] FIESP. Circular n. 551, de 20.08.1934. A proposta havia sido feita já em 1929 pelo CIFT e provavelmente também pelo CIESP: a circular da primeira entidade, que faz uma consulta a respeito, traz seu número datilografado diretamente, não mimeografado. A propósito do significado dessa numeração, veja-se trecho do presente trabalho, mais adiante.
[65] FIESP. Circular n. 564, de 25.09.1934. Grifos e disposição estética, do original.
[66] FIESP. Circular n. 567, de 28.09.1934.
[67] FIESP. Circular n. 632, de 18.05.1935.
[68] Idem. Grifos e maiúsculas, no original.
[69] SPITESP (Sindicato Patronal das Indústrias Têxteis do Estado de S. Paulo). Relatório do exercício 1931-1932.
[70] SCARTEZINI, Cássio. CIESP/FIESP (Dados históricos das entidades da indústria). Texto datilografado, datado de 20.04.1967, elaborado para o DECAD – Depto. de Documentação, Cadastro e Informações. Encontra-se na Biblioteca Roberto Simonsen.
[71] Ver nota 42.
[72] Paulo Álvaro de Assunção, presidente da FIESP, descreve da seguinte maneira o processo de produção no ramo:
                “As fábricas de calçados à mão, que abundam entre nós, confiam a confecção das diferentes peças que entram na composição de um calçado a operários especializados. No geral, são operários que trabalham por tarefa, fora ou dentro do recinto da fábrica. Estes operários armam o calçado, e a fabrica termina-o, monta-o (...).” Carta dirigida ao Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Comerciários, datada de 19.09.1935, anexa à circular n. 660, de 27.09.1935, da FIESP.
[73] Ver, a respeito, FERRARI, Terezinha. Ensaio de classe: o Centro dos Industriais de Fiação e Tecelagem de São Paulo (1919-1931)/ estudo sobre a organização do empresariado têxtil durante os anos vinte. Dissertação de mestrado, PUC-SP, 1988.
[74] O comunicado consta da circular n. 849, sem data, mas provavelmente de setembro de 1937 (já que a n. 848 é de 04.09.1937), de conteúdo quase idêntico à circular n. 721, também sem data, porém provavelmente de março de 1936 (a n. 720 é de 10.03.1936). Entre um e outro texto, transcorre exatamente um ano e meio.
[75] Circular n. 657, de 25.11.1926, do CIFT; ata da assembléia geral realizada em 05.11.26, transcrita na circular n. 654, desse mesmo dia, também do CIFT; e relatório do exercício de 1926-1927, de 15.02.1927, da mesma entidade.
[76] Ver, como exemplo, a circular n. 796, de 15.10.1928, do CIFT, que menciona assembléia nesse local.
[77] CIFT. Circular n. 808, de 12.01.1929.
[78] CIFT. Circular n. 796, de 15.10.1928.
[79] CIESP. Circular n. 18, de 15.01.1929 (numeração mimeografada).
[80] CIESP. Circular n. 21-B, de 05.02.1929.
[81] CIFT. Circular n. 814, de 05.02.1929.
[82] Circular n. 373, de 21.01.1933, da FIESP e s. n., com mesma data, do SPITESP. É provável que a mudança tenha ocorrido entre o segundo semestre de 1932 e janeiro de 1933: o balanço geral da FIESP referente ao período entre 1o de junho de 1932 e 31 de abril de 1933 menciona, entre as despesas, os “móveis e utensílios”, “deixados na rua de São Bento, 47, por força do contrato”. FIESP. Relatório do exercício 1932-1933, datado de 05.05.1933 e encadernado na coleção de circulares da entidade, a partir da p. 1425.
[83] Foi a primeira vez que um patrão ocupou o cargo; mas só ficou até junho de 1938. Deve-se lembrar  que o cargo ocupado por patrões era o de 1o ou 2o secretário. O secretário-geral, que dirigia os trabalhos da secretaria da entidade, era um funcionário.
[84] Circulares n. 21, da FIESP, e n. 813, do SPITESP, ambas de 28.01.1929. Grifos nossos.
[85] Circulares de 30.06.1932, n. 1.203, do SPITESP, e n. 286, da FIESP. Grifos nossos.
[86] Circulares n. 42, do CIESP, e n. 838, do CIFT, ambas de 15.05.1929. Grifos nossos. O memorial aí transcrito, do qual se extraiu o trecho acima, é datado de 27.04.1929.
[87] Circulares s. n. , do CIESP, e n. 923-a do CIFT, datadas ambas de 09.10.1930.
[88] Ver circulares do CIFT n. 933-A e 935, de novembro, e 936, 939, 940, 941, 942 e 947, de dezembro, sobre o primeiro tópico, e n. 948, 952, 954, 956, 957 e 962, também de dezembro desse ano, sobre férias. Enquanto, em dezembro de 1930, doze circulares sobre as questões mencionadas, além de diversas outras tratando de outros assuntos, eram distribuídas em nome do CIFT, apenas dois impressos saíam em nome do CIESP. O primeiro, uma circular (n.116, de 06.12.1930), transcreve telegrama de Lindolfo Collor ao CIESP e se refere a uma reunião entre ele e industriais de tecidos do Rio e à sua intenção de conversar com representantes dos industriais paulistas, sobre assunto não declarado. O segundo, apenas um convite para “assistir e receber” um “ilustre visitante”, o embaixador italiano, Vittorio Cerruti.
[89] CIFT. Circular n. 704, de 04.07.1927.

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