sábado, 14 de abril de 2018


O fortalecimento do Tesouro Nacional como condição para a legislação de trabalho na Primeira República: os direitos dos operários do Estado e do setor privado e a reforma tributária
João Tristan Vargas*



Resumo:

 
 O artigo pretende demonstrar que as dificuldades para a aprovação de uma legislação de trabalho na Primeira República só podem ser compreendidas se as medidas nesse sentido voltadas ao setor privado forem discutidas em relação àquelas dirigidas ao setor público. O texto aponta nexos entre essa relação e a iniciativa de criar-se o imposto de renda.

Abstract: The article intends to demonstrate that the difficulties to approve a work legislation in Primeira República can only be apprehended if measures took to accomplish this goal in the private sector are discussed in relation to those in the public sector. The paper indicates links between this relation and the initiative to institute the income tax.
 
               


A história da legislação social proposta ou produzida na Primeira República não pode ser plenamente compreendida se pensada em separado das regulamentações propostas ou implementadas no âmbito dos trabalhadores a serviço do Estado. Estas foram objeto de expectativas, impasses e mudanças análogos aos observados no caso daquela e lhe serviram muitas vezes de modelo.
Os primeiros documentos oficiais da República proclamam a igualdade de estatuto entre os funcionários públicos: devia ser eliminada toda distinção baseada em privilégios, garantias e isenções especiais, como diz o decreto 644/09.01.1890. Desde então, vários projetos na Câmara foram apresentados, para generalizar às outras categorias de operários a serviço da União a unificação de seus estatutos com os dos funcionários públicos, destacando-se, na primeira década do século XX, os de n. 104 (1904), 166 (1906) e 46 (1909).
                É provável que considerações de ordem orçamentária tenham levado os diversos governos da Primeira República a prestar pouca ou nenhuma colaboração ao Legislativo nessas iniciativas e em outras, posteriores, de sentido análogo. Contudo, apesar de não implementada a unificação do estatuto dos operários da União com o dos funcionários públicos federais, algumas medidas parciais nesse sentido iam sendo aprovadas. É o caso da lei 2.842/03.01.1914, que orça a despesa geral da República e determina que os domingos e feriados devem ser pagos aos “operários, jornaleiros, diaristas e trabalhadores da União”, entre outra medidas.
                A ideia de que já havia um “excesso de favores” aos funcionários públicos parecia ser um obstáculo à unificação de estatutos, uma vez que ele significava, na visão de muitos parlamentares, gastos ainda mais excessivos com pessoal. A própria aposentadoria foi tida, até data próxima do momento de maior afã legislativo no campo do trabalho, muito mais como favor que como direito, mesmo por representantes preocupados com a questão da regulamentação do trabalho em geral, como Maurício de Lacerda (RJ).
                A negação da unificação dos direitos dos servidores do Estado é fundamentada explicitamente pela evocação dos limites orçamentários. Mas não se pode excluir o peso que um preconceito contra o trabalho “braçal” possa ter tido na persistência dessa atitude. A exclusão dos operários implicava, de fato, uma opção por esta ou aquela despesa, opção que pode ter denotado afinidade de “classe”.
                Em junho de 1916, o deputado Vicente Piragibe (DF) defende projeto apresentado na legislatura anterior pelo deputado Sales Filho (DF)[1], pelo qual eram considerados funcionários públicos os feitores de florestas e os encarregados dos depósitos da Repartição de Águas e Obras Públicas com mais de vinte anos de serviço. Com isso, entre outras vantagens, poderiam gozar de aposentadoria (eles já tinham direito a certos benefícios próprios dos funcionários públicos, como licença com dois terços dos vencimentos). O projeto atingiria apenas cinco velhos trabalhadores, todos com mais de vinte anos de serviço.
                A visão que o próprio Piragibe mostrava da aposentadoria dos operários parecia ser a de que esta era algo como um prêmio por bom comportamento. Respondendo à questão colocada por um outro deputado, sobre se eles teriam direito à aposentadoria, diz que os cinco servidores, durante seus vinte anos de trabalho, “podendo ser demitidos sem processo, não o foram, porque souberam se portar perfeitamente no cumprimento de seu serviço” e pergunta: “homens que souberam se conduzir durante todo esse tempo sem uma única falta, não merecem uma garantia do Estado?”
                Se a aposentadoria é vista como prêmio, obtê-la significa integrar um quadro de privilégio. Maurício de Lacerda, que em outros momentos se empenhou intensamente em obter direitos para os operários em geral, parecia ver dessa maneira o caso, pois, como adiantamos acima, se coloca contra o projeto. Diz que, aprovado este, em questão de um ano ou meses, daria direito àqueles trabalhadores de “pesarem na classe dos inativos, isso justamente no instante em que todos reclamam contra a orgia das aposentadorias”.
                Ele diz que colaborará, apesar de negar qualquer confiança política ao governo, com todas as medidas de “máximo rigor” que este proponha para a revisão das aposentadorias. Os aposentados são vistos mesmo como uma população parasitária, como privilegiados sugando os recursos do conjunto da população. Diz ele que, “para não se chegar a extremos maiores do que os que se anunciam, da taxação de produtos de alimentação do povo, é preciso não garantir com os dinheiros públicos, artificialmente, com um tesouro esgotado, uma enorme população, a parasitar sobre a outra, que terá de pagar essas contribuições”.  
                O projeto recebe o apoio de Nicanor Nascimento (DF). Refutando argumentação de Antônio Carlos (MG), líder da maioria na Câmara, que havia aludido aos gastos excessivos com o funcionalismo, Nicanor lembra outros gastos injustificados, suntuários, que tinham sido aprovados. Se estes o foram, argumenta, não haveria razão para não sê-lo também o projeto, que apontava para despesa muito menor, uma vez que só dali a quinze anos, quando completassem 35 anos de serviço, teriam os operários em questão direito à aposentadoria.
Vinculando a discussão da situação dos operários do Estado à da situação dos operários em geral, ele questiona o porquê de não se procurar garantir aqueles trabalhadores, se naquele momento as comissões do Congresso estavam se ocupando “de garantir aos operários, não só do Estado, como dos de qualquer classe”, assegurando-lhes indenização em caso de acidente e pensão às famílias. Percebe-se que a concessão de direitos aos operários em geral fornece argumento em favor da integração dos operários do Estado aos direitos do funcionalismo.
                A negação da unificação dos direitos dos servidores do Estado é fundamentada explicitamente pela evocação dos limites orçamentários. Mas acredito que não se possa excluir o peso que um preconceito contra o trabalho “braçal” possa ter tido na persistência dessa atitude. Afinal, a exclusão dos operários implicava, de fato, uma opção por esta ou aquela despesa.
                Antônio Carlos opôs-se ao projeto defendido por Piragibe. Justificava impugnar-se a “extensão de tais favores até ao operariado” pelo fato de ser contra a aposentadoria para os próprios funcionários públicos já reconhecidos como tal e contra as reformas militares, pelo seu peso no orçamento[2]. Apesar dessa atitude do líder, o projeto recebeu parecer favorável da Comissão de Constituição e Justiça e da Comissão de Finanças.
                Antônio Carlos, representando nesse ponto a posição da maioria dos parlamentares, identifica o operariado do Estado como um conjunto à parte dos funcionários públicos. “Os interesses das classes operárias e dos humildes” (com essa denominação destacadas, portanto, do conjunto dos trabalhadores a serviço do Estado), diz ele, vinham sendo cuidados pela Câmara, e a comprovação disto seria a votação do projeto “importantíssimo” sobre os acidentes de trabalho[3].
                Os representantes da bancada do Rio Grande do Sul, aparentando fidelidade ao princípio positivista de incorporação do proletariado à sociedade, destacam-se no debate por serem sistematicamente favoráveis às propostas de unificação de estatutos. Essa posição dos gaúchos fornece um ponto de apoio para que outros deputados, defensores da regulamentação do trabalho no setor privado, argumentem em favor de seu próprio ponto de vista. Nicanor Nacimento, discursando, também em 1916, em seguida ao gaúcho Álvaro Batista, concorda com este em que “em nossa democracia plena não podemos estabelecer distinção entre funcionários e operários” e esclarece que não pleiteia a igualdade apenas quanto aos operários do Estado, mas no que diz respeito a “todos os operários que desenvolvem a sua atividade no vasto território nacional”. A todos, a Nação “deve o mesmo amparo e as mesmas regalias”. Com esta posição, o deputado, ao mesmo tempo que se choca obviamente com a dos positivistas rio-grandenses, de não-intervenção do Estado, procura relacionar a discussão da unificação de estatutos dos trabalhadores a serviço do Estado com a da regulamentação do trabalho no setor privado.[4]
                As restrições manifestadas por Antônio Carlos à extensão do acesso à aposentadoria, baseadas nos limites do orçamento, já marcado por um aumento excessivo de gastos com pessoal, encontram correspondência nos gastos registrados oficialmente. Segundo as contas fornecidas pelo Ministério da Fazenda, as despesas do Estado com pessoal inativo haviam dado um verdadeiro salto, nos últimos anos. De 1897 a 1911, os gastos teriam permanecido estáveis, entre pouco mais de 2.300 contos e pouco menos de 3.000. De 1912 em diante, porém, os gastos teriam aumentado a ponto de, para 1916, serem calculadas as seguintes despesas:
                Aposentados.........................9.989:344$391                Pensionistas.........................14.636:810$584
                Teria sido justamente a partir do ano de 1912 que cresceu a concessão de aposentadorias e pensões. “Enquanto se não multiplicaram as aposentadorias”, “não chegou a ser atingido o limite dos créditos orçamentários e dos créditos suplementares, pelo revezamento trazido pela entrada de novos inativos e pelo falecimento de outros” ··.
                A partir de 1917, surgem, no Congresso, propostas em que a regulamentação do trabalho dos operários no setor público passa a ser tratada juntamente com a regulamentação do trabalho no setor privado. Em julho de 1917, o paranaense João Perneta e outros deputados apresentam à Câmara um projeto[5] contendo, numa primeira parte, estipulações referentes ao “proletariado a serviço do Estado” e, na segunda, medidas que se destinam ao “proletariado geral do país”, isto é, aos operários do Estado e aos operários do setor privado. A parte do texto de Perneta dedicada aos trabalhadores do Estado propõe, entre outras medidas, estabilidade depois de cinco anos de serviço e salário que corresponda, “pelo menos, ao mínimo necessário para garantir a existência doméstica de cada um”. Trata-se de uma extensão de direitos dos funcionários aos operários, que passam a ser considerados também “funcionários do Estado”.
Neste projeto, de certo modo, a sorte dos operários do setor privado se liga à dos operários a serviço do Estado. Por um lado, os últimos, se passam a ser considerados “funcionários”, não deixam de se incluir entre o “proletariado geral do país”. Apesar de todas as garantias que se estendem do estatuto de “funcionário” para o de “proletário”, mantém-se a expressão – “proletariado” – que separa os operários do conjunto do funcionalismo. A evidência dessa separação está principalmente no salário. As perspectivas do operário como consumidor são visivelmente estreitas, circunscritas, no projeto, a uma espécie de salário mínimo. Por outro lado, o tratamento dado ao proletariado a serviço do Estado serve de exemplo para o tratamento dos patrões ao restante do proletariado. Perneta, deputado de orientação positivista, dizia, um ano depois[6], que seu projeto, se aprovado, seria um “exemplo republicano e regenerador” do governo ao trabalho no setor privado. Mais do que os outros parlamentares, os positivistas, com seu princípio de usar a situação dos operários do Estado como exemplo aos patrões, ligavam a sorte dos operários do setor privado à dos operários do setor público: dependeria desse exemplo a melhoria da situação daqueles.
Devemos observar que a situação de fato dos operários do setor público, em alguns casos não se diferenciava fundamentalmente da que enfrentava o operariado do setor privado. A Plebe, descrevendo, em setembro de 1917, o que se passava com os trabalhadores da Repartição de Águas e Esgotos da Capital de S. Paulo, diz que estes “não escaparam à sorte de seus companheiros de outras classes”:
            “Além de ganharem um salário miserável, ainda o pagamento é feito com o atraso de seis meses! E o que é mais grave, o que é mais revoltante, o que põe em destaque a injustiça que preside àquela repartição é o fato de nela se verificar distinção entre os altos funcionários e os trabalhadores braçais, que são em tudo desconsiderados. Assim, além de ganharem mais, além de terem todas as regalias, ainda os altos funcionários recebem seus vencimentos com pontualidade e dispõem dos inferiores para seus serviços particulares, como criados, em suas habitações!”[7]

                O projeto n. 284, de outubro daquele ano, substitutivo elaborado pela Comissão de Constituição e Justiça a diversos projetos sobre trabalho apresentados até então, inclusive o de Perneta, abrangeu em suas disposições, como fez este, os operários do setor privado e os do Estado. Porém, estabeleceu um regime único para ambos, não se detendo a detalhar os direitos daqueles últimos. Ficava subentendido que o fixado no texto apresentado não invalidava os direitos que já lhes fossem consignados em regulamentos específicos. Além disso, deixou de propor medidas que, pelo projeto de Perneta, aproximariam a situação do operário do setor privado à dos operários de alguns departamentos do governo federal, como a que concedia férias de quinze dias.
                Como substitutivo ao projeto n. 284, foi apresentado, em agosto de 1918, o projeto n. 239. Apesar do retrocesso em itens fundamentais como a jornada (dez horas, contra as oito do projeto anterior), não representou uma alteração na orientação, seguida pela primeira proposta, de tratar no mesmo texto o trabalho no setor privado e no público. Contudo, a justificativa para não aceitar a concessão de férias para o setor privado mostra pouca disposição para a unificação de estatutos de operários a serviço do Estado e funcionários públicos:

                                                  “[...] O regime do trabalho industrial não comporta a equiparação desejada e apregoada por alguns teóricos, do operário aos funcionários das repartições do Estado, pois são muito diversas as condições do serviço, correndo o risco de perder a pouca organização, que ainda tem, se a emenda proposta for aceita”.[8]

Merece atento exame aqui o debate em torno de propostas de sistematização dos direitos dos operários a serviço do Estado (em diversas instituições públicas federais, havia estatutos diferenciados para o pessoal operário), as quais surgem no Congresso desde o início da década de 1910: importantes indicações sobre o que se colocava em jogo nos debates a respeito daqueles direitos estão aí presentes. Esse era o caso do projeto n. 515, do Senado, que, em dezembro de 1918, recebe parecer favorável na Câmara. O texto concede diversas “vantagens” aos “operários, jornaleiros ou diaristas” da União, fixando, entre outras medidas, o direito a jornada de oito horas, um dia de descanso semanal e férias de quinze dias.
                No debate seguinte, que ocorreu naquela mesma data, Andrade Bezerra, relator do projeto na Comissão de Legislação Social, toca no fulcro das relações entre a questão da unificação dos estatutos dos servidores do Estado e a da regulamentação do trabalho no setor privado:
                O Sr. ANDRADE BEZERRA – (...) “A questão, Sr. Presidente, se desloca: ou nós tendemos (...) à equiparação completa dos operários da União aos funcionários dos quadros dos diferentes serviços...”
                O Sr.  OTACÍLIO DE CAMARÁ – “É essa a aspiração republicana”.
                O Sr. ANDRADE BEZERRA – “... ou procuramos equiparar estes operários aos demais operários, nas garantias estabelecidas por lei, não só quanto ao exercício do trabalho, como quanto à reparação por acidentes.”
                O Sr. NICANOR NASCIMENTO – “Toda a legislação que se prepara hoje na França, na Inglaterra, na Itália, tende à socialização do trabalho. O nobre deputado não negará que Lloyd George acaba de apresentar como programa em sua plataforma de governo a socialização das minas e das estradas de ferro.”
                “Esta é a tendência característica, isto é, que o trabalho se uniformize e se integre em função superior do Estado”.
                O Sr. OTACÍLIO DE CAMARÁ – “No caso concreto, a tendência é acabar com a distinção entre jornaleiros e funcionários”.
                O Sr. ANDRADE BEZERRA – “Sejamos lógicos, ao menos, se caminhamos para o erro, porque, logicamente, a argumentação dos nobres Deputados nos leva ao seguinte: à equiparação plena dos operários aos das indústrias particulares”.
                O Sr. NICANOR NASCIMENTO – “Chegaremos lá”.
                O Sr. OTACÍLIO DE CAMARÁ – “Sobre estas não temos ação”      .
                O Sr. ANDRADE BEZERRA – “Apelo para a justiça do nobre Deputado, que neste momento só enxerga o campo restrito dos operários do Estado, para que proteja e abrigue os interesses de todos os operários. (...) O ponto para que quero chamar a atenção da Câmara é o seguinte: Se aprovarmos hoje o projeto que vem do Senado, estabelecendo o dia de oito horas de trabalho, se concedemos ao operário do Estado os mesmos direitos dos funcionários públicos, amanhã, quando a Comissão de Legislação Social tiver de trazer ao conhecimento da Câmara o seu estudo sobre essas questões, o julgamento da Câmara já estará pronunciado”.
                O Sr. RIBEIRO JUNQUEIRA – “É isto que eu queria evitar”.
                O Sr. ANDRADE BEZERRA – “Digo, como Relator: Se a Câmara se determinar, em relação aos operários do Estado, por esses favores...”
                O Sr. NICANOR NASCIMENTO – “V.ex. vai generalizar aos outros; muito bem.”
                O Sr. ANDRADE BEZERRA - ... “não terei força moral para me opor à corrente dominante agora, que beneficia dessa forma os operários. (...)”
                “O Sr. ANDRADE BEZERRA – Chamemos a atenção da Câmara, aceitemos com toda a coragem, lealmente, as consequências do erro que, me parece, vamos cometer hoje”[9].
                Destaca-se mais uma vez, nessa discussão, o vínculo que representantes do Poder Legislativo veem entre o problema da unificação dos estatutos dos servidores do Estado e o problema da regulamentação do trabalho no setor privado. Registrado em lei o direito dos operários do Estado às oito horas e a outras “vantagens” do funcionalismo, não haverá “força moral” para impedir a aprovação de direitos análogos para o conjunto do “proletariado”.
                Bezerra havia dito, no início de seu discurso, que o projeto “cria para os operários do Estado, relativamente aos das indústrias particulares, um regime de exceção que não me parece conveniente no momento”. Ele defende, em suma, pelo que se deduz de sua fala, que os operários a serviço do Estado obtenham direitos equivalentes aos dos demais operários; ou, em outras palavras, que os primeiros não se elevem acima do nível dos últimos; que, afinal, se mantenham no estatuto de proletários; ou que, ao menos, esse estatuto comum ao conjunto do “proletariado” não seja quebrado formalmente, lembremos que já havia regulamentos diferenciadores para operários em diversas instituições públicas, por uma lei. O “momento” não é “conveniente” para isso. De fato, o momento é de grande agitação no meio operário. O temor de que uma medida legal privilegiadora, excludente do conjunto do operariado, provocasse ainda mais agitação não seria vão. É de se notar, também, por um lado, o peso que Bezerra julgava ter, para o destino do conjunto da questão da regulamentação do trabalho, a aprovação do projeto sobre servidores do Estado; por outro, a iminência em que demonstra ter a aprovação de medidas de regulamentação do trabalho para o conjunto do operariado.
                Percorrendo o discurso de Bezerra “a contrapelo”, vemos que, se temia que a aprovação do projeto unificador dos estatutos de servidores do Estado abriria espaço para a reivindicação e a aprovação de leis análogas para o conjunto do operariado. Por um lado se reconhecia o poder de pressão deste sobre o Congresso, por outro, vemos que, sendo um óbice para a aprovação do primeiro seu ônus para o orçamento, este problema – a obtenção de recursos para fazer frente a isso sem mudar a estrutura do Estado – era um elemento que pesava consideravelmente no que se refere a aprovar medidas legais dirigidas ao operariado em sua totalidade. Se alguns direitos já tinham, por regulamento, os operários de alguns setores da administração, a aprovação em lei significaria a generalização desses direitos para o conjunto do operariado a serviço do Estado e um aumento significativo de despesas para o erário.
                O debate cresce em intensidade nos anos de 1919-1920, quando mais algumas iniciativas legislativas vão aparecendo no âmbito federal e municipal. Lacerda, em novembro de 1919[10], toca mais uma vez na questão do peso que a unificação dos estatutos teria sobre o orçamento. Ele diz ter sido informado de que o presidente da República, Epitácio Pessoa, “inspirador, verdadeiro e leal de todas as leis reacionárias contra os operários”, é contra a equiparação dos operários da União aos funcionários públicos “como já fez o Rio Grande do Sul e a própria Prefeitura do Distrito Federal” e de que teria essa posição “porque julga que o Tesouro não pode suportar a despesa dessa incorporação”.
                Em maio do ano seguinte, o deputado Paulo de Frontin apresenta o projeto n. 9, de 1920, pelo qual, como os vários que o precederam, ficariam “abolidas as distinções entre os empregados federais e os operários, jornaleiros, diaristas e mensalistas da União”. Frontin, no ano anterior, ocupando o cargo de prefeito, havia assinado decreto no mesmo sentido para os trabalhadores do Distrito Federal. Como nos outros projetos, concedia, entre os “direitos e vantagens”, jornada de oito horas, descanso semanal, férias de quinze dias e aposentadoria. É de se notar que, ao caracterizar a distinção de estatutos, o parlamentar faz uso da nomenclatura típica dos empresários – “empregados”, em vez de “funcionários” ou “operários” – indicando, porém, sua incompatibilidade com o regime republicano. Para a escolha de termos pode ter pesado o fato de Frontin ter interesses na indústria e, assim, contato mais frequente com os patrões.[11]
Lobo, acompanhando, em 1920, o relatório de Bezerra, constata um caráter híbrido no texto do projeto 515. Comparando este com o projeto de Frontin, que abole a distinção entre funcionários e operários, ele diz:

“O projeto n. 515 A (...) não contém dispositivo algum suprimindo aquela distinção entre funcionários e operários, pois que, conforme vimos, procurou harmonizar orientações diferentes, concedendo aos trabalhadores da União ao mesmo tempo – direitos e prerrogativas inerentes ao funcionalismo público, e medidas de proteção aplicáveis ao operário propriamente dito, entre os quais sobreleva notar as que o amparam e garantem nos casos de acidentes no trabalho, e que o projeto do Senado, com perigosa imprecisão de termos, outorgou aos trabalhadores do Estado, com muito maior amplitude, colocando-os em situação muito mais vantajosa não só do que os operários que exercitam atividade nas indústrias privadas, mas até do que os funcionários públicos, com injusta desigualdade, como o demonstrou o parecer do Sr. Andrade Bezerra.” (Grifos no original.)

Como evidência de que o uso dos termos “operário” e “funcionário” não é vão, mas, pelo contrário, distingue estatutos, Lobo chama os trabalhadores que viessem a ser beneficiados com as disposições do projeto de Frontin, de “ex-operários”. Referindo-se à composição do salário, ele diz:
“Não se limita, portanto, o projeto n. 9, de 1920, simplesmente à criação de quadros diferentes de operários, e desce ainda a regular a inclusão neles, a indicar os direitos e vantagens comuns aos dois quadros, bem como os especialmente conferidos ao quadro efetivo, justificando, assim praticamente, não só por esses dispositivos, como também com aquele em que fixa o dia de oito horas e a semana de 48 para os ex-operários transformados em funcionários públicos, a impossibilidade de se abolir completamente aquela distinção entre operários e funcionários.” (Grifos nossos.)[12]

Frontin estendia “os direitos e vantagens de empregados federais” aos “empregados, operários, jornaleiros, diaristas e mensalistas efetivos das caixas econômicas federais, do Lloyd Brasileiro e das estradas de ferro sob a administração do Governo Federal”. Em novembro, Nicanor denuncia que é a inclusão dos trabalhadores do Lloyd no quadro que estaria atrapalhando a aprovação do projeto de Frontin, ainda não votado, o qual, considerando terem já decorrido todos os prazos regimentais, solicita que seja levado para discussão e votação independentemente de parecer das Comissões respectivas. O governo estaria se preparando para uma privatização (não é usado este termo na época), não querendo arcar com as despesas acarretadas por direitos do pessoal do Lloyd.
A preocupação com os custos para o erário era forte argumento contra a unificação de estatutos, um argumento tanto mais forte quanto despido, aparentemente, de juízo de valor sobre o trabalho do “operário” e a própria figura desse “proletário” – o que não ocorria com a argumentação dos patrões. Contudo, a denúncia de Nicanor, entre múltiplos outros indícios, leva-nos a supor que a preocupação com o corte de gastos não signifique, necessariamente, um projeto de reestruturação do Estado com vistas a torná-lo mais eficiente (em que pesem as declarações nesse sentido presentes em relatórios de ministros da Fazenda, que serão citadas mais adiante neste artigo). Parece provável que se trate, antes, de uma questão de “sobrevivência” do Estado, de manutenção deste enquanto tal, com todas as sinecuras e oportunidades de negociata, cortando porém, despesas que provem “apenas” de direitos da arraia-miúda.
O ponto de vista pelo qual a questão do operário a serviço do Estado está vinculada à questão da regulamentação do trabalho em geral podia ter diversos usos, tanto para favorecer como para dificultar a aprovação de medidas relativas ao primeiro. José Lobo, presidente da Comissão de Legislação Social, que se coloca naquele ponto de vista, refuta as bases regimentais do requerimento de Nicanor, dizendo que a matéria do projeto de Frontin é “parte integrante da reforma da legislação sobre trabalho, e tem a sua sorte íntima e indissoluvelmente ligada à sorte desta última”, o que a excluiria das regras regimentais acerca dos prazos para pareceres.
                Em meados de 1920, o presidente da Comissão, informado de que operários da União iam pedir apoio a Epitácio para a aprovação do projeto do Senado, o qual, como vimos, tinha sido discutido na Câmara no final de 1918, havia apresentado ao governo um relatório tratando das discussões sobre a sistematização dos direitos dos operários do Estado. O objetivo, que aponta, era dar subsídios ao presidente da República para que pudesse julgar a matéria. A questão que Bezerra coloca no debate de dezembro de 1918 e que retorna em parecer deste sobre o projeto de Frontin, é o ponto de partida da argumentação de Lobo, naquele relatório:

“Qual das duas orientações expostas no parecer Andrade Bezerra deve ser preferida? Abolir a distinção e incorporar o operariado da União ao funcionalismo, ou manter a distinção, e indicar desde logo os direitos, garantias e vantagens que devem ser reconhecidos ao operário da União, na lei sobre organização de trabalho?”

                Dirigindo-se à Câmara, Lobo pondera que, qualquer que seja a opção, não há motivo “de justiça e de urgência” para destacar, da “reforma geral sobre a organização do trabalho”, em projeto separado, a parte sobre os operários da União:
                “(...) Não será prejudicial e injusto deixar de manter, quanto à sorte da reforma, a solidariedade que deve existir entre os operários da União e os operários das indústrias privadas, que constituem a grande, a visível e incontestável maioria do proletariado do Brasil?”
                Não haveria urgência porque a situação do operário do Estado, quanto ao salário e garantias complementares, “seria muito mais folgada, muito mais vantajosa” que a dos operários do setor privado. Haveria ainda “considerações de ordem política” e de “estratégia parlamentar” que aconselhariam a não-separação. Os operários do Estado, “pela situação que desfrutam nos departamentos que trabalham e que lhes proporcionam amplas facilidades”, reúnem condições para exercer pressão sobre os poderes públicos:
                “(...) tanto que raro é o dia em que uma comissão deles não age, aqui na Câmara, em prol da causa que defendem, ora junto ao leader da maioria, ora junto aos leaders das bancadas, membros da Comissão de Legislação Social, etc”.
                Como formam “um enorme contingente de eleitores”, muito maior que o do restante do operariado, dispõem de “armas e recursos poderosos, que faltam aos outros operários”. A sequência do argumento é curiosa:
                “Separá-los, portanto, Sr. Presidente, do projeto geral, reorganizando o trabalho, será privar a grande massa proletária, a maioria dos que exercem atividade produtora no Brasil, de elementos indispensáveis à vitória legal da classe inteira.”
                Além de tais considerações “políticas e estratégicas”, seria preciso levar em conta a tendência já manifestada antes da guerra e hoje “universalmente aceita” de se considerar como “um só todo”, como “um vasto organismo”, “todas as classes operárias”, que formariam assim “uma só e única família – a grande família proletária”. Nos “ensinamentos do socialismo contemporâneo” só haveria afirmações contra a “violação da solidariedade operária”, que ocorreria caso fosse votado em separado o projeto de Frontin.
                A forma manifestamente corcoveante da argumentação denuncia que há uma intenção não explicitada. A alegada preocupação em não separar operários do Estado e operários do setor privado, neste caso, compatibiliza-se muito bem com outra preocupação, mais “concreta”: o aumento dos gastos com pessoal. Enquanto o operário do Estado for “proletário”, mantendo-se próximo do nível dos demais operários, o Tesouro está preservado de maiores despesas.
                Se podemos considerar plausível a motivação do peso no orçamento, além dessa motivação mostram-se, no discurso de Lobo, elementos que, por via diversa, apresentam afinidade com a visão dos empresários. Afirmando apreensão com a divisão da “grande família proletária”, no caso da aprovação do projeto, que retiraria do seio dessa “família” os membros com maior poder de pressão, por sua qualidade de eleitores, o deputado mostra afinidade com a visão dicotômica dos empresários. A diferença é que confere “sinal positivo” à qualidade de proletário – o que não deixa de ser uma forma inteligente de colocar-se pela perpetuação da segregação social entre operários e “empregados”.
                Em agosto de 1920, Maurício de Lacerda retira-se da Comissão de Legislação Social, indignado com a demora do governo em apresentar informações por ela solicitadas como subsídio indispensável para o encaminhamento dos trabalhos relativos aos operários da União. Em seu discurso justificando a decisão, explicita mais um nexo entre a regulamentação do trabalho no setor público e no privado. Para ele, os operários do Estado deveriam ser “os primeiros” a ter regulamentado seu regime de trabalho, “para que o governo tenha autoridade de sancionar uma lei que intervenha nas relações dos operários privados na sua vida, entre os patrões e os operários da indústria, do comércio como da lavoura”.[13]
                De todas as medidas propostas no último projeto sobre o assunto (o de Frontin), apenas as férias de quinze dias foram aceitas pelo governo. O item aparece em decreto de 1921[14], elaborado pelo Poder Executivo. Até o golpe de outubro de 1930, nenhuma medida de unificação de estatutos no âmbito dos trabalhadores a serviço do Estado havia sido tomada, em nível federal, além do já mencionado. As propostas abrangentes a respeito feitas no Congresso não se tornaram lei.
Os projetos do Legislativo com relação a trabalho, mesmo quando aprovados em comissões, tinham em geral seu caminho obstruído pela presidência da República. Por quê? Parece-me, diante do exposto, que um motivo de peso é justamente a vinculação que havia entre a regulamentação do trabalho no setor privado e a legislação sobre o trabalho dos operários a serviço do Estado.
                Nenhuma questão de “princípios” – mesmo o princípio de liberdade de trabalho (que na sua acepção corrente tinha um sentido bem preciso e no seu sentido de obstáculo às leis de trabalho nada tinha de hegemônico[15]) – impediria o Estado de regulamentar à situação dos seus servidores. Como bem prova a posição dos positivistas, nada há de “errado”, do ponto de vista desse “princípio” – muito pelo contrário – que o Estado, como patrão, o faça. A explicação para esta hesitação deve ser buscada, portanto, em questões pragmáticas.
                De um lado, o que fosse decidido para os operários do setor privado figuraria como patamar mínimo para os do setor público. De outro, a regulamentação do trabalho neste setor, tendo o caráter, antes, de uma consolidação de direitos, implicava, mesmo que não se unificassem os estatutos de “funcionários” e “operários”, a extensão, para o conjunto dos servidores, incluindo o enorme contingente dos que estavam fora de qualquer quadro efetivo, de algo do já fixado para o quadro efetivo de algumas oficinas e repartições, nada impediria, certamente, a convivência dos antigos regulamentos, que estabeleciam outras “vantagens”, com a nova lei geral, que não necessariamente incluiria todas estas.
                A sorte da regulamentação do trabalho no setor privado estava intimamente ligada à da sua regulamentação no setor público. As discussões a respeito de ambas ocorreram simultaneamente, algumas vezes provocadas pela inclusão no mesmo projeto de lei. Restam ainda a esclarecer muitos dos nexos entre uma e outra questão. Mas, sem dúvida, a regulamentação do trabalho em geral traria aumento de gastos para o Estado, em primeiro lugar, pela criação de direitos que os seus operários também teriam de receber. Se o peso de tais direitos seria demasiado para o erário, acredito que não há como avaliar de forma precisa. Em matéria de despesas, é muito incerto o critério daquilo que os governantes elegem como prioridade, podendo, um aumento que parece relativamente modesto, parecer, a olhos governamentais, excessivo. Não se afirma aqui que não houvesse de onde tirar o dinheiro. Como é óbvio quando se trata de orçamento público, a opção por esta ou aquela despesa depende da importância que a elas atribuem aqueles que detêm o poder decisório, juízo que varia, muitas vezes, de acordo com conveniências pessoais.[16]
O que, porém, parece ter pesado ainda mais é que o tratamento que a questão da regulamentação no setor público recebeu no Legislativo acarretava maior dificuldade para sua aprovação pelo governo. A extensão dos direitos vigentes em algumas oficinas e repartições à totalidade da administração, embora não tenhamos aqui meios de quantificá-la, representaria provavelmente um aumento não pequeno de gastos. De onde retirar o montante de recursos para fazer frente aos custos dos novos direitos? Diminuir despesas em outras áreas era algo obviamente impensável. Portanto, os recursos só poderiam vir de um crescimento da arrecadação. Como obtê-lo?
                Se pudermos dar como recurso de argumentação a afirmação de Lacerda de que o Estado, para regulamentar o trabalho no setor privado, precisa antes fazê-lo no seu próprio terreno, não deixa de haver peso nesse argumento do ponto de vista do governo. Nossa pesquisa não permite ver como decisiva na sorte da regulamentação a pressão dos empresários[17]. Mas esta existiu, sem dúvida. Aquele argumento teria então importância estratégica, frente ao patronato.
                Ao longo da década de 1910, ao mesmo tempo em que, no Congresso Nacional, eram discutidas propostas de legislação social, discutia-se também o tema de uma reforma tributária. Os dois temas, coincidindo no tempo de sua discussão, acabaram entrelaçando-se. A grande novidade no campo dos tributos, na época, era o imposto de renda; no que diz respeito aos debates sobre tributação, foi para esse imposto que as discussões no parlamento convergiram. O problema da regulamentação do trabalho no setor público, colocando a questão dos recursos para enfrentar os novos gastos, contribuiu para dar novo significado às propostas de criar aquele imposto. Fonte de novos recursos, a sua implementação vincula-se não apenas à regulamentação do trabalho dos servidores do Estado, como também à regulamentação do trabalho no setor privado, uma vez que ambas estavam ligadas.
                A criação do imposto de renda como o conhecemos hoje data da década de 1920. Antes disso, o que havia no gênero eram tributos sobre rendas específicas. O imposto que alcançava todas as formas de renda, com esta ou aquela isenção, e incidia sobre a renda total dos indivíduos não surgiu sem que houvesse intensas disputas e resistência por parte de grandes interesses por ele atingidos. Para esse tributo convergiam expectativas diversas, não necessariamente excludentes, embora com maior frequência não coincidentes: de um lado, a da redistribuição de renda; de outro, a do atendimento à crescente demanda de gastos do Estado. Com a necessidade de sua implementação, concordaram o governista Antônio Carlos e o acérrimo crítico de todos os governos, Maurício de Lacerda.
                Devemos lembrar que o imposto de renda é uma das reivindicações mais antigas dos socialistas, remontando ao Manifesto Comunista, que menciona, entre as medidas para “retirar, aos poucos, todo o capital da burguesia”, o “imposto fortemente progressivo”. O “imposto direto e proporcional sobre a renda” consta do “programa mínimo” do Partido Socialista, aprovado no auto-intitulado Segundo Congresso Socialista Brasileiro, reunido em S. Paulo em 1902.[18]
                O surgimento do imposto de renda está ligado diretamente à busca de recursos para o crescente aumento de despesas do Estado sem correspondente aumento de receita, correlação apontada em textos oficiais, como os relatórios do Ministério da Fazenda de 1912 a 1916. Entre os motivos para o crescimento das despesas, indicava-se insistentemente o gasto com pessoal. Em sessão no Senado em setembro de 1914, o senador Leopoldo de Bulhões (Mato Grosso) lembra que o ministro da Fazenda, Rivadávia Correia, chamava atenção para a necessidade de “pôr cobro a esse abuso de aposentadorias, reformas e jubilações”, pois, nas palavras do ministro, “os aposentados e reformados já formam uma legião”:
                “Estamos assistindo à formação de duas séries de funcionários, como a dois exércitos e duas marinhas, ainda agravadas pelos quadros suplementares, que não se explicam e acarretam pesados ônus para os cofres públicos”.
                Para o ministro, se não se atingisse o equilíbrio orçamentário, seria preciso recorrer a novos impostos de consumo, além de aumento no imposto sobre vencimentos[1]. Comentando o alvitre do ministro, Bulhões assinala a “nossa tendência para sempre procurar recursos nos impostos indiretos” e propõe como alternativa a criação do imposto sobre a renda:

            “Pergunto ao Senado se já não será tempo de orientarmos por outra forma as nossas finanças, de apelarmos para uma nova fonte de renda, aliás, muito produtiva, que corrija os defeitos do sistema indireto, estabelecendo a igualdade entre as contribuições que devem pesar sobre as classes operárias e as classes que gozam de bens da fortuna”.[19]

                Fazendo um retrospecto da situação do Tesouro desde a proclamação da República, a mensagem presidencial de 1920 explica a suspensão de pagamentos da dívida externa por duas vezes e a situação de contínuo desequilíbrio dos orçamentos, com déficits sucessivos, a princípio pelas despesas com as “graves perturbações da ordem pública” que se seguiram à proclamação e, depois, pelo “aumento colossal do funcionalismo” (grifos nossos).[20]
Em seu relatório como ministro da fazenda em 1916, Pandiá Calógeras propunha a criação de novas contribuições, para fazer frente à queda na renda aduaneira. Para decidir sobre elas, dizia ele: “convirá cogitar da distribuição mais equitativa e mais republicana dos tributos, pois o que se tem feito até hoje é agravar as dificuldades das classes já oneradas”. O que se teria feito até então teria sido aumentar os coeficientes dos impostos já existentes. O ministro achava necessário igualar a carga fiscal exigida “à produção industrial ou ao aproveitamento de capitais”, exigindo-a também “a quantos vivem atualmente sem ônus apreciáveis sobre seus rendimentos, sobre o meneio do crédito ou de riquezas acumuladas”. Além de alterações no imposto de consumo, ele defendia buscar “desenvolvimentos no imposto de renda” (grifos nossos).[21]
                Assim, nota-se que o imposto de renda vai aumentando sua presença como alternativa para a obtenção de recursos para o Tesouro – na atitude pragmática do ministro, esse tributo se adiciona ao imposto de consumo, em que pese à posição doutrinária de outros defensores da tributação sobre os rendimentos, que a queriam como substituta àquele. Com a guerra, a questão do imposto de renda havia entrado de vez na pauta de preocupações dos governantes. A diminuição da renda aduaneira, devido não só à dificuldade para exportar, mas, principalmente, para importar, tinha provavelmente muito a ver com isso.
O tema da criação de um imposto geral sobre a renda mostra-se bastante frequente nas discussões na Câmara dos Deputados, nestas, vale notar a presença da bancada do Rio Grande do Sul, que procura apresentá-lo como um tributo equitativo, republicano. O tributo é lembrado quase sempre como um mecanismo mais justo de arrecadação de recursos e, mesmo, muitas vezes, como um contrapeso à injustiça social. Entre os parlamentares que se manifestam nesse sentido, estavam Maurício de Lacerda e Nicanor Nascimento, que vinham apresentando propostas de regulamentação das relações de trabalho. Como resultado da convergência de pressões favoráveis à alteração do sistema tributário vigente, é criada, na Câmara, a Comissão de Reforma Tributária, no final de 1918, portanto, paralelamente à criação da Comissão de Legislação Social, tendo entre suas atribuições o estudo das propostas sobre o imposto de renda.
Enquanto as discussões avançam, medidas parciais, que ampliam a tributação sobre a renda vão sendo adotadas, por iniciativa ou com o apoio de Antônio Carlos. A princípio, este se havia mostrado reticente quanto ao novo tributo, mas em relativamente pouco tempo se torna decididamente favorável a ele. Na lei de orçamento da receita para 1920, é implementado o imposto sobre os lucros da indústria fabril, por iniciativa de Antônio Carlos. A medida sofreu a oposição do deputado Manoel Vilaboim (SP), que arguiu o imposto de inconstitucional. Nos meses finais de 1920, entra em discussão a proposta de criar-se o imposto sobre lucros comerciais. A Associação Comercial de S. Paulo o reputa “inexequível” e propõe substituí-lo por uma lei das contas assinadas. O imposto, porém, passa a constar da lei orçamentária para 1921. Em outubro desse ano, Mário Brandt, deputado por Minas Gerais, apresenta um projeto para criar o “imposto geral sobre os rendimentos líquidos”. O projeto incluía tudo que já estava listado na lei orçamentária para 1921, acrescentando, entre outras rendas, os lucros líquidos da lavoura e os “proventos das profissões liberais, artísticas e outras quaisquer e dos ofícios de qualquer natureza”. A proposta não chega a ser aprovada, mas permanece como subsídio para discussão e parte de seu conteúdo é incorporado na lei orçamentária para 1922[22], que acrescenta o imposto sobre “lucros das profissões liberais”.
                O alargamento da esfera de tributação sobre a renda faz com que se coloquem em debate itens que se relacionam com a definição de cidadania. Em novembro de 1921, discursando contra parecer da Comissão de Finanças que recomendava não cobrar o imposto sobre os lucros comerciais relativos aos balanços de 1920[23], Antônio Carlos toca na questão dos deveres do cidadão para com o Estado. Na sequência de seus argumentos, ele diz:
                “O direito do Estado sobre o patrimônio daqueles que vivendo na comunhão social são obrigados a concorrer para as despesas comuns, antecede ao direito do indivíduo sobre esse mesmo patrimônio”.
                Vemos que, na discussão do imposto de renda, uma das colunas fundamentais do capitalismo – o direito de propriedade – tem de ser pensado em sua relação com as exigências de sustentação do Estado. O deputado pondera que, “desde que não há outro meio para se conseguir o equilíbrio dos orçamentos”, “dever máximo” no momento, “não há como fugir ao imposto de renda, em todo o seu desdobramento”. Vem a ser dele a iniciativa que, finalmente, cria o imposto de renda tal como o conhecemos hoje: trata-se de emenda ao projeto de orçamento da Receita para 1923[24], do qual ele era o relator. Diz seu artigo 1o:
                “Fica instituído o imposto geral sobre a renda, que será devido, anualmente, por toda a pessoa física ou jurídica residente no território do país e incidirá, em cada caso, sobre o conjunto líquido dos rendimentos de qualquer origem”.
                O tributo deveria substituir todos os impostos que figuravam, no orçamento da Receita, sob o título “imposto sobre a renda”, mas não seria arrecadado já em 1923, sendo-o só no ano seguinte. A emenda foi incluída na lei orçamentária para 1923[25]. Saudando a decisão da Comissão de Finanças de instituir o imposto de renda, Otávio Rocha (RS) diz, em dezembro de 1922:
                “Assinala-se, assim, a administração financeira que se iniciou por esse passo agigantado em benefício da racionalidade da tributação, desafogando o pobre, ora sob o mais iníquo dos regimes tributários”.
                As expectativas projetadas, no discurso, são de grande extensão: “E em 1924 começaremos a redenção do proletariado brasileiro, sobre cujos ombros tem pesado até agora o irracional e revoltante sistema do (sic) impostos (sic), em que rico e pobre deixam aos cofres públicos quase a mesma taxa para a sustentação do Estado”.
                João Cabral (PI), na mesma sessão, também felicita a Comissão pela decisão, porém discorda de Otávio Rocha, que “se deixou embair pela fantasia de funções socialísticas do imposto”. Este, teria como diz “a maioria das autoridades neste assunto”, um fim “eminentemente fiscal e só muito secundariamente é que poderá ter fim moralizador, igualitário ou socialístico”.
                Antes da criação do imposto geral sobre a renda, os rendimentos do trabalho tributados eram apenas aqueles dos funcionários públicos; os outros rendimentos tributáveis eram os lucros do comércio, indústria etc. Com a implementação daquele imposto, a faixa de rendimentos tributáveis oriundos do trabalho se alarga para abranger as atividades econômicas da esfera privada. Porém, os operários em geral estão fora da tributação. No primeiro regulamento do imposto sobre a renda, são mencionadas, entre as profissões sujeitas ao tributo, a de gerentes, contadores, guarda-livros, administradores e empregados do comércio ou de qualquer outra indústria, inclusive a agrícola, e de sociedades civis e instituições, caixeiros viajantes, representantes comerciais, além de diretores e membros dos conselhos fiscais de sociedades anônimas e instituições filantrópicas. Mencionam-se ainda “profissões ou artes quaisquer”, “indústrias e profissões educativas”, como imprensa, livrarias, agências de jornais, oficinas de tipografia e encadernação etc.[26] Não sabemos se “artes” inclui o trabalho dos operários empregados em tipografia e encadernação. Esta seria a única exceção ao padrão de sujeição ao imposto de renda, que segue em geral a noção de “profissão”[27] disseminada entre os empresários.
                As perspectivas de arrecadação do imposto não eram promissoras. Examinando o projeto de orçamento de receita geral para 1925, um parecer da Comissão de Finanças da Câmara de dezembro de 1924[28], o relator da Receita é Afonso Pena Jr., de Minas, diz que o tributo foi instituído de forma “aleijada e inoperante”. Seu rendimento prevê o texto: “a custo atingirá ao das cédulas autônomas[29], desde muito aclimadas em nosso regime fiscal”, isto pelos “mil tropeços e dúvidas, derivados da própria lei”. A lei do imposto, apesar do “excelente projeto” de que se originou, seria “pouco menos que inexequível”, impondo-se a sua reforma:
                “Tal como se acha, o nosso chamado imposto geral sobre a renda, longe de ser geral, é restrito, tão limitado, que pelo menos quatro quintos dos rendimentos colhidos no país escapam à sua incidência”. (Grifos no original.)
                Vê-se que a criação do imposto evidenciou o imenso potencial tributário da atividade econômica do país. O parecer propunha alargar ainda mais sua incidência, incluindo-se os lucros da agricultura e os dos capitais imobiliários. O projeto de orçamento, contudo, não se transformou em lei, devido à obstrução da minoria no Senado. Alguns de seus itens, entre os quais a taxação sobre as rendas provenientes da agricultura, foram adotadas na lei da Receita para 1926.
                No início de 1925, vigorando ainda a lei orçamentária para 1924, que presidiu à primeira experiência de aplicação do imposto de renda, o governo Bernardes alardeia cortes nas despesas. Suspendeu as obras públicas, diz Aníbal Freire, ministro da Fazenda, em relatório de 1926[30], “de modo a aliviar os encargos do Tesouro”, prosseguindo-se apenas as já contratadas e aquelas cuja paralisação causaria maiores prejuízos. Não teria sido possível, porém, obstar o desequilíbrio financeiro, devido aos gastos com o levante de 1924. Mesmo assim, o déficit em 1925 teria sido muito menor que nos anos anteriores: de 219.587:678$566 (papel) em 1923, teria caído para 90.634:471$844 em 1924, chegando a 3.848:302$827 em 1925. O governo buscava fazer crescer a arrecadação.
                Em sua argumentação em favor do aperfeiçoamento dos meios de arrecadação, Aníbal, no mesmo documento, de forma bastante diluída, coloca em paralelo a criação de leis sociais e a criação do imposto de renda:
“A legislação no Brasil, em certos ramos, tem visado de preferência às relações entre o Estado e as classes mais favorecidas. Ao contrário do que pode supor a malevolência, esse trabalho de adaptação do Estado aos interesses dos elementos mais fortes da sociedade não se originou de móveis subalternos. Derivou-se, antes, do estado geral das coisas públicas e do exame pouco rigoroso de vários fenômenos de ordem social e política. A ausência, no Brasil, de barreiras e diferenças intransponíveis entre as várias classes tem sustado a aplicação dos princípios de legislação social, a qual é por si só capaz de afastar eficazmente dissídios fatais à organização da sociedade.
A nossa organização tributária sofre a influência desses fatores. Submetida, quanto aos direitos de importação, às fórmulas da política protecionista tem como elemento vital os impostos indiretos. Tributação assim organizada repercute, de modo sensível, na massa geral dos contribuintes, concorrendo para o encarecimento do custo das utilidades. Daí a carência de escolher entre as formas de tributação a que melhor se aproxime das normas de justiça e elasticidade.
Assim, na ordem financeira, o imposto de renda tem de operar como fator de equilíbrio na contribuição que cada cidadão deve trazer em medida justa e razoável para ocorrer aos encargos nacionais.
A singularidade do nosso regime tributário está, pois, em que ele concorre para fazer pesar sobre as classes menos favorecidas maiores ônus. [...]”

                Assim, como a legislação social, cuja falta procura explicar – o que não significa aprovar – pela suposta ausência de “barreiras e diferenças intransponíveis” entre as classes, o imposto de renda traria equilíbrio à organização social, contrastando com a natureza desigual e injusta do imposto de consumo. Por isso, “urge remodelar” o imposto sobre a renda, fazendo-o incidir sobre “todas as formas de atividade” e “fazendo-o recair, de preferência, sobre os que auferem lucros consideráveis no emprego de capitais”.
                A arrecadação do imposto de renda estaria muito abaixo do que se poderia esperar. Atingiu em 1925 cerca de 32 contos, contrastando enormemente com a do imposto de consumo, que no ano anterior havia chegado a mais de 299 contos. No relatório de 1926, o ministro da Fazenda, citando relatório do delegado geral do imposto sobre a renda, Souza Reis, apontava as falhas da lei orçamentária para 1924. Além de isentar os rendimentos da agricultura, imóveis e títulos da dívida pública, os abatimentos para o comércio e indústria teriam levado a “desigualdades incompatíveis com a natureza do tributo”. Comparando o volume total de operações declarado pelas firmas comerciais em 1924 e 1925, o rendimento tributável que se pode calcular com base nesse dado e o rendimento efetivamente computado nas declarações desses anos, conclui ter havido um abatimento de 41 e 45%, respectivamente, nesses dois anos. No caso das sociedades anônimas, este teria sido ainda maior: 61% nos dois exercícios.
                A “injustiça da tributação” se evidenciaria ao se comparar esses abatimentos com os obtidos por outras categorias de contribuintes, como os portadores de ordenados, salários, bonificações, rendas de profissões não comerciais e juros de empréstimos, que, naqueles mesmos dois anos, teriam sido de, respectivamente, 15 e 10%. Além disso, os sócios das firmas comerciais e os acionistas ficavam completamente livres de tributação, tendo a lei atingido apenas as pessoas jurídicas do comércio e indústria. A lei ainda oferecia outras vantagens para os negociantes. Deste modo, aponta o delegado geral, estavam isentos os proprietários, os acionistas, os agricultores, os portadores de títulos da dívida pública, “enfim, todos os capitalistas”. O imposto de renda até 1925 teria sido, portanto, “um regime intolerável” e teria sido por isso que foi reformado.
Devemos observar que a mesma “injustiça” apontada no relatório de 1926 pode ser constatada quando se considera o volume de rendimentos tributáveis declarados: somando-se os das firmas comerciais e sociedades anônimas em 1925, temos pouco mais de 579 contos, contra mais de 370 contos da categoria que inclui os assalariados. Vê-se que, proporcionalmente, o trabalho havia sido mais tributado que o capital.
Por essa época, como se constata, o imposto de renda ainda não representava uma fonte de recursos que fizesse alguma diferença considerável no orçamento, a ponto de liberar entraves que a sempre apontada exiguidade deste pudesse trazer à criação de leis sociais. Tal limitação do Tesouro aparece, de forma um tanto paradoxal, na defesa, feita pelo deputado Carvalho Neto (SE), de uma proposta de lei de trabalho, em dezembro de 1925. Os termos dessa fala, contudo, confirmam, de modo bastante explícito, como o problema dos recursos financeiros do Estado eram, em geral, parte necessária das considerações envolvendo a decretação de medidas para regulamentação do trabalho.
O que se debatia era uma versão de Código de Trabalho, oriunda do projeto 265, de 1923. O deputado Afrânio Peixoto (BA) discordava de, no item que tratava das Caixas Profissionais e de Pensões, não figurar a obrigação de para seu fundo contribuir o Estado, como, pelo texto, deveriam fazê-lo patrões e operários. A razão da forma pela qual optaram os autores da proposta era, dizia Carvalho Neto, que não se podiam “excogitar fontes de receita tributária, tamanha já é a carga dos impostos que obtiveram a capacidade do contribuinte nacional”. Criar mais impostos, do mesmo caráter que o dos já existentes, para assim possibilitar a contribuição do Estado, não faria sentido:
“[...] desgraçadamente, pelos defeitos do nosso sistema tributário, se fôramos criar esses novos recursos, com aplicação especial para o seguro operário, está visto, é intuitivo, evidente, que acarretaríamos imprevidentes e ilógicos, com uma consequência diametralmente oposta aos fins colimados pela lei. Porque, a falar com os entendidos no assunto, o nosso sistema tributário, ‘tendo sido organizado com intuitos exclusivamente fiscais, não é equitativo, pesa exclusivamente sobre as classes operárias, beneficiando o capitalismo, e não consulta mais os interesses econômicos do país”.

                De qualquer modo, se o Estado não contribuiria para o fundo dos operários do setor privado, não poderia eximir-se dessa obrigação no caso de seus próprios operários:

            “[...] o Estado assume, em face dos seus empregados, deveres que não podem ser menores do que os que aos operários prendem as empresas particulares. Ora, nesta hipótese, é o Estado patrão regido pelos mesmos princípios que regulam as relações entre operários e patrões, no domínio privado. Daí a obrigação que lhe corre de contribuir financeiramente para o seguro dos seus operários, nas condições estipuladas na lei”.[31]

                O modelo de seguro social pelo qual o Estado deveria levar a sua parte ao fundo geral destinado aos operários dos setores privado ou público, modelo rejeitado pelo deputado por Sergipe, traria uma obrigação financeira a mais para o erário. No entanto, como bem coloca o parlamentar, a proposta por ele defendida, mesmo não trazendo essa obrigação, cria gastos para o Estado, já que a lei valeria tanto para o setor privado como para o público. A mesma observação é válida, podemos acrescentar, para, salvo casos muito especiais, qualquer outra lei de trabalho que implicasse em despesas para o patrão.
                No início de 1927, já no governo Washington Luís, com Getúlio Vargas como ministro da Fazenda, há um recuo na intenção de estender a abrangência do imposto de renda. Foi concedido um abatimento de 50 % no imposto devido e, atendendo uma das principais reivindicações das associações comerciais, o tributo sobre os lucros ou dividendos das empresas distribuídos aos sócios ou acionistas foi suprimido. Até o fim da Primeira República, essas disposições de 1927 permanecem.[32]
                Enquanto os representantes de trabalhadores buscavam aprofundar o alcance do novo tributo, os patronais procuravam reduzi-lo. Grupos políticos ligados aos trabalhadores, como vimos no caso do programa do Partido Socialista de 1902, tinham no imposto de renda uma destacada bandeira. Em 1926, o item aparece em manifesto do PCB, que exige a extensão do tributo à grande propriedade agrícola, até o final de 1925, a atividade agrícola estava isenta desse tributo. Os comunistas, assim, incorporavam um item da pauta de governo de Bernardes e propunham seu aprofundamento. A plataforma do Bloco Operário, divulgada em fevereiro de 1927, chamando a atenção para o desnível entre a arrecadação do imposto de consumo e a do imposto de renda, defende que “só os RICOS devem pagar impostos” (maiúsculas no original).
Do lado patronal, o descontentamento também se apresentava. A Sociedade Rural Brasileira protestava, em manifesto do ano anterior, contra a extensão do imposto de renda à agricultura.[33] A Associação Comercial de S. Paulo, em texto apresentado em reunião das associações comerciais no Rio, no mesmo dia do manifesto da Sociedade Rural, diz que a entidade “sempre se bateu calorosamente [contra o imposto de renda], por considerá-lo inadaptável ao nosso país”, mas constata ter sido “vencida nessa campanha como vencidas foram todas as demais associações da República”[34]. Lembrando que o tributo já vinha sendo cobrado há vários anos, produzindo arrecadação “da qual o governo não poderá abrir mão facilmente”, o documento propõe que as reclamações se centrem em duas questões: a incidência do imposto sobre os lucros do comércio e da indústria distribuídos aos sócios das empresas, depois de já terem sido taxados quando estavam em poder destas (a “dupla tributação”), e o “altíssimo” coeficiente de 20 % sobre o volume das transações ou das receitas brutas das sociedades comerciais, como base para o cálculo da renda tributável.
                Alguns textos oficiais, produzidos por representantes do Poder Executivo durante o governo Bernardes, que se empenhou por aprofundar o alcance da tributação pelo imposto de renda, merecem destaque, pelas indicações que fornecem sobre as relações entre o alargamento do imposto de renda e a redefinição de certos determinantes da esfera da cidadania.
                Em mensagem ao Congresso em maio de 1925, o presidente afirma a necessidade de modificar as leis do imposto surgidas em 1922 e 1923 para tornar a tributação “mais geral e mais justa”:
 “Dentro das leis que temos, as classes que, de preferência, se dedicam à exploração do capital escapam totalmente ao imposto, ou gozam de elevadas isenções, que não devem perdurar. (...) Para que produza os efeitos econômicos e fiscais que lhe são próprios, é necessário ampliá-lo a todas as classes, com as isenções limitadas às instituições de filantropia e aos proletários com rendimentos mínimos”.

                O imposto de renda deve abranger todas as classes. Quando fala em classe, o discurso, muito provavelmente, segue o modo patronal de pensar e se refere à localização dos indivíduos numa classificação de acordo com a atividade. Quando fala em classes, então, o discurso está querendo referir-se a indivíduos: com o imposto de renda, já não se procura tributar apenas a atividade econômica, como no caso do imposto de consumo e do imposto sobre indústrias e profissões. Este último, de âmbito municipal, tem por base o uso do espaço da cidade por uma atividade lucrativa.
                O discurso fala em isenções. Além das “instituições de filantropia” (isto é, de caridade), os proletários devem estar isentos. Se estão isentos, onde está a proclamada universalidade do tributo?  No próprio fato da isenção. É um tributo que, em princípio, abrange todas as pessoas. Todos que têm rendimentos. Não é o modo de ganhar dinheiro que acarreta a inclusão ou a exceção. As exceções se dão pelo fato de esses rendimentos serem mínimos, isto é, serem o mínimo para acorrer à sobrevivência do indivíduo ou de sua família, sendo isto, portanto, o que define o proletário[35].
                O imposto de renda estabelece uma referência para todos os cidadãos – a renda, o rendimento. Alguns auferem rendimentos apenas por sua localização nesse ponto de afluência de valores que é a sua propriedade. Outros, por seu trabalho. Com a criação de categorias tributáveis que agrupam rendimentos oriundos do trabalho, este é elevado à qualidade de fundamento, base de cidadania.
O pagamento de tributos, por si só, não torna ninguém cidadão. Um estrangeiro os paga e nem por isso o é. Trata-se de um dever que, apenas pelo próprio cumprimento, não traz necessariamente qualquer direito, não representando, por si só, portanto, garantia de cidadania. Porém, ele é uma das condições para a aquisição e manutenção desta, pois deriva da obrigação que todo cidadão tem de contribuir para a existência do Estado. Para manter a integridade dos direitos de cidadania, é preciso cumprir com os deveres relacionados a essa existência. Assim, ao serem tributados os rendimentos produzidos pelo trabalho, admite-se que aquele que vive do trabalho contribui com a manutenção do Estado, sendo forçoso reconhecer que reúne uma das condições para ser cidadão, isto é, para ter o direito de reivindicar os direitos que são, ou devem ser garantidos pelo Estado.
Mesmo que, como proletário, o indivíduo não tenha rendimento suficiente para ser tributado, ele tem a condição necessária para sê-lo – um dia – que é o trabalho. Tem, portanto, uma das condições para ser cidadão. O fato de não poder pagar o imposto não é impedimento para o ingresso nessa categoria: está isento dele – enquanto não auferir mais que o mínimo de rendimentos. A perspectiva é mesmo que todos paguem o imposto de renda. Assim, em discurso também de maio de 1925, o ministro da Fazenda, Aníbal Freire, referindo-se ao tributo, aborda a questão de sua “generalização como imposto pessoal, numa população de 30 milhões”.
                Por outro lado, a isenção dos proletários num sistema universal que, em princípio, abrange todos os indivíduos, põe em destaque a sua situação – situação de exceção. Se no tom do discurso transparece tranquilidade, conformidade, com o fato de existir um proletariado, ou seja, pessoas com rendimentos no limite da sobrevivência, devemos ressaltar que o termo “proletariado” se refere a essa condição e não à relação dos indivíduos com a produção e a propriedade dos meios de produção, os elementos deste mesmo discurso colocam este fato numa posição incômoda. Como pode ser tolerado que, num sistema em que todos devem contribuir com seus rendimentos, cidadãos não possam fazê-lo porque se encontram no limite da sobrevivência?
                As instituições de filantropia estão, com relação ao imposto, na mesma condição dos proletários: isentas. “Consagra-se” a caridade, as instituições que se dedicam a isso, aceitas como a contrapartida da existência dos proletários, aceitas como complementares ao fato da existência desses indivíduos? Sim, pela situação de fato. Não, pelo critério universal do imposto e pela situação incômoda, de exceção, de não enquadramento, de frustração das expectativas colocadas pelos elementos do sistema de tributação estabelecido. Por esse critério, a caridade se torna, pelo contrário, excepcional, incômoda, signo daquela frustração de expectativas. Essa decorrência da criação do imposto contraria o ponto de vista dos empresários, para os quais a condição proletária e a prática da caridade eram fatos complementares, aceitos com naturalidade[36].
                A diferença entre o modo anterior de tributação e o imposto de renda em sua forma mais elaborada é, podemos concluir então, o ter este como referência o indivíduo e não a atividade econômica (o modo de ganhar dinheiro). Diz Aníbal Freire no mesmo discurso mencionado atrás:

“Os regimes fiscais não se podem hoje contentar com as simples lições da ética e da ciência financeiras; hão de se inspirar em moldes de política social, forçando, nas democracias, fundadas sobre a igualdade, as classes mais favorecidas a entrar com quinhão mais largo no conjunto da tributação. O imposto sobre a renda é o veículo natural e lógico dessa transformação, porque ele persuade o indivíduo a concorrer com parte de seus lucros legítimos no interesse da comunhão e estimula o arrefecimento das repugnâncias pelo capitalismo [...]”.

                O “incômodo” com a situação do proletariado, que se nota no texto anterior, sente-se também neste: para o sistema tributário, já não bastariam as “lições da ética” financeira, fórmula que poderíamos interpretar como o respeito ao princípio constitucional da igualdade; nem as “lições da ciência financeira”, expressão com a qual o ministro parece referir-se à sistemática mais eficiente para arrecadar dinheiro. Não se trataria apenas de recolher dinheiro, mas de inaugurar um novo pacto entre os cidadãos, chamando o indivíduo a assumir sua responsabilidade para com o conjunto dos participantes deste. A tributação tem que “se inspirar em moldes de política social”. Por “política social”, podemos entender medidas que compensem e sopesem a desigualdade social: é o que se depreende, quando é dito que, inspirando-se em política social, o regime fiscal força “as classes mais favorecidas a entrar com quinhão mais largo no conjunto da tributação”.
O que Aníbal parece estar dizendo é que a igualdade sobre a qual se funda uma democracia não pode permanecer apenas formal, devendo o regime ultrapassar esse ponto e compensar a desigualdade de fato. A proporcionalidade na tributação, o “quinhão mais largo”, se justificaria não apenas pelo intento de preservar uma igualdade apenas formal na atribuição dos impostos, mas pelo escopo de tornar os cidadãos menos desiguais em suas condições materiais de vida.
O que, na visão do ministro, causa a desigualdade? Para compreender isso, precisamos atentar para uma das noções em que se apoia seu discurso, a qual poderíamos chamar de “favorecimento”. Há indivíduos que pertencem a “classes mais favorecidas” e aqueles que pertencem às “classes menos favorecidas”. Por que “favorecido”? Podemos perguntar, antes: quem favorece o indivíduo? O governo não é, pois o regime é fundado na igualdade, não sendo admitidos privilégios em sentido estrito (desigualdade social fundada em lei). Também não pode ser o regime econômico, claro: isso seria admitir que, para haver justiça social, é preciso atingir as bases capitalistas da sociedade. O capitalismo é um dado, inamovível. É preciso, sim, arrefecer a repugnância por ele.
                Não se reconhecem, no texto, a desigualdade social, tal como se apresenta em sua face de “injustiça social”, ou seja, a exploração do trabalhador e todo seu cortejo multifacetado de miséria, como essencial ao capitalismo, como decorrência deste. Mas se reconhece que, no capitalismo, há necessariamente indivíduos “mais favorecidos” e “menos favorecidos”, que no capitalismo há pontos de maior ou menor afluência de valores, pontos pelos quais os indivíduos se distribuem. O que haveria a fazer seria prevenir que este fato traga exacerbação da desigualdade, não é preciso dizer “desigualdade social”, porque, além desta, só haveria a desigualdade política ou civil e estas últimas não são admitidas, em princípio. Uma das medidas que concorreriam para essa finalidade, de acordo com o texto, seria o imposto de renda. Portanto, este tributo está inscrito num movimento, que se dá no âmbito dos representantes do Poder Público, dirigido ao sopesamento da desigualdade, à compensação das tendências de desequilíbrio social e político, além disso, não esqueçamos que estamos em pleno período de movimentos armados, no Brasil e no exterior, e que revolução não era apenas elemento de discurso. Este é o mesmo movimento em que estão inscritas as iniciativas de legislação social.
                Percebe-se, pelo que se viu até agora, que o ideal de “justiça tributária”, apregoado nas propostas de criação do imposto de renda e na justificativa deste quando posto em prática, está correlacionado ao ideal de justiça social: pelo imposto se compensam os desequilíbrios ocasionados pelas desigualdades. A própria isenção do imposto de renda coloca a questão de qual o nível de renda mínimo de que o indivíduo precisa para satisfazer suas necessidades; portanto, também, a questão de quais seriam as necessidades admitidas universalmente como mínimas para o cidadão. É interessante notar como o imposto de renda, sendo um imposto universal, ao admitir isenções que se destinam a permitir ao cidadão um nível mínimo de existência, torna por isso mesmo inarredável que se defina qual é esse nível.
                A criação do imposto geral sobre a renda implicou, de certa forma, a constituição de uma esfera única de cidadania. Até o surgimento daquele tributo, que incidia sobre rendimentos de qualquer origem, o imposto de renda tinha como fundamento a ideia de que só os lucros deviam ser tributados. Isso pode parecer uma diretriz favorável aos trabalhadores, mas, de fato, implica uma separação no campo dos cidadãos. Se o salário está excluído da tributação, isto significa que se aceita a situação de fato em que aquele que retira seus rendimentos do trabalho nunca terá ganho o suficiente para ser contribuinte. Isto é, aceita-se, de um lado, a perpetuação da condição de proletário, tal como este termo era entendido no “senso comum” não socialista da época, ou seja – repetimos –, designando aquele que dispunha de renda apenas suficiente para sobreviver,  para o trabalhador e, de outro, uma esfera onde as oportunidades estão abertas para aqueles que dispõem de capital, fazem frutificá-lo, apoiados na rede de serviços que o Estado oferece e têm por isso o “dever cívico” de contribuir para a manutenção deste, através do imposto.
Esta separação no campo da cidadania, que pode ser simbolizada pela presença das cédulas fixadas para o imposto de renda antes de este assumir sua forma universalizada – lucros da indústria, lucros do comércio e, por último, lucros das profissões liberais, cédula cuja instituição representou o limite extremo desta concepção, parece de natureza análoga, do ponto de vista dos empresários. Isso legitimava a instituição do direito às férias apenas para os empregados e não para os operários[37] e, do ponto de vista de diversos representantes da política situacionista, dava como aceitável a manutenção de estatutos separados para os operários e os demais funcionários a serviço do Estado. Como se nota, tal separação representa uma exclusão. Até a criação do imposto geral sobre os rendimentos, o sistema de tributação da renda continuava similar à concepção patronal a respeito de direitos para os trabalhadores. A forma universalizada que o tributo passa a assumir representa uma ruptura com essa concepção.
                Assim, tanto a instituição do imposto geral sobre a renda como a da lei de férias, que abrangeu empregados e operários, representam a resolução de uma crise na concepção vigente de cidadania, que admitia compartimentos na esfera dos direitos. A proximidade das datas de aprovação de uma e de outra das medidas – 1922 e 1925, respectivamente – não pode ser vista, assim, como mera coincidência.
                A posição dos comunistas, que defendiam que “só os ricos devem pagar imposto”, coincidia, de forma muito coerente, com aquela noção, acima descrita, oriunda dos meios dominantes. A ideia era que o proletariado devia estar de fato separado da burguesia, pois esta devia ser extinta. Não havia a perspectiva, senão por mera tática, de formar-se uma esfera definida pelos direitos de cidadania – por definição, direitos iguais para todos.
                Obviamente, estas ponderações não podem encobrir o fato de que, se o proletariado estava excluído do imposto de renda, não deixava de ser quem mais pagava o imposto de consumo e de que este último tributo não deixou de existir depois que aquele foi criado. Estamos, porém, chamando atenção para o fato de que as alterações nas concepções que fundamentam as instituições não podem ser ignoradas, já que, ao mesmo tempo em que proporcionam oportunidade para a mudança destas, são também indício de mudanças e movimento nas relações sociais.
                 Por outro lado, vimos que entre as necessidades de caixa que levavam à busca de uma nova fonte de arrecadação – o imposto de renda – estava a das despesas com pessoal. Dado o vínculo, que constatamos, entre garantia de direitos aos operários do Estado e estabelecimento daqueles para os do setor privado, construir instrumentos para o fortalecimento do Tesouro significava prover o Estado de meios para que pudesse regulamentar o trabalho. Em outros termos, a criação de direitos sociais tinha como condição o fortalecimento dos instrumentos de Estado. Apontamos aqui indícios que nos pareceram bastante fortes para suspeitarmos que o custo para o Estado da aprovação de direitos sociais para todo o operariado era um óbice decisivo para essa aprovação. Parece, além disso, óbvio que um crescimento suficiente na arrecadação contribuiria para remover esse obstáculo. Contudo, permanece uma questão não respondida o aferir se, e em que medida, os governantes, ao aprovarem e implementarem o imposto de renda tinham, entre os motivos para fazê-lo, o de prover o Estado de meios para viabilizar a legislação social no país.


[1] Esse era o nome de um desconto que o salário dos funcionários públicos sofria antes de ser pago. Foi adotado em diversos momentos pela União e por certos estados.


* Doutor em História Social pela Unicamp
[1] Congresso Nacional. Annaes da Camara dos Deputados. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional (1895 a 1928). 1916, v. II, p. 270, 08.06.1916 (daqui para a frente, citaremos os Annaes apenas como AC, seguido do ano, volume, página e data da sessão).  Trata-se do projeto n. 270 A, apresentado em 1915.
[2] Ibid., p. 493-499, 14.06.1916 (fala de A. Carlos e Lacerda). Pela Constituição, a aposentadoria só seria concedida ao funcionário público quando se encontrasse em estado de invalidez. Porém, O Ferroviário de 25.11.1923 (p. 1), comentando texto do Conselho Nacional do Trabalho em que se coloca em dúvida o direito do ferroviário de estrada federal ou estadual de aposentar-se nos termos da lei Elói Chaves (com trinta anos de serviço e no mínimo cinquenta de idade). Devido ao artigo 75 da Constituição que estabelece a necessidade da condição de invalidez para a concessão da aposentadoria, diz: “Mas... desejo muito conhecer um empregado Federal ou Estadual que, tendo prestado 30 anos de efetivos serviços e tendo completado os 50 anos de idade, não seja considerado inválido e como tal aposentado”. Antes, citei: AC 1916, II, p. 272, 08.06.1916 (fala de Lacerda) e p. 386-387, 12.06.1916 (fala de Nicanor).
[3] Ibid., p. 493-499, 14.06.1916, grifos nossos.
[4] Ibid. 1916, II, p. 499-503, 14.06.1916.
[5] Trata-se de um substitutivo ao projeto n. 4A, de 1912, apresentado por Figueiredo Rocha (DF) e Rogério de Miranda (PA), que, entre outras medidas, estabelecia uma jornada de oito horas para os operários.
[6] AC 1918, p. 518, 25.07.1918.
[7] A Plebe. 01.09.1917, p. 4 (paragrafação adaptada).
[8] O projeto 239 resultou de uma composição episódica, sem condições de se manter por mais tempo, tanto que até membros da bancada paulista, como Vilaboim, se colocaram contra ele e, um ano depois, evidenciando uma alteração ou retomada de rumo na (então existente) Comissão de Legislação Social. O próprio Lacerda assume a defesa dos trabalhos desta, frente às críticas espalhadas na imprensa, inspiradas pelo Executivo.
[9] O parecer sobre o proj. 515 e o debate acima transcrito estão em: ibid. 1918, XIII, p. 793-798, 24.12.1918. Os direitos de operários a serviço do Estado, fixados em regulamentos específicos, correspondem às seguintes medidas legais: ato de 26.04.1906 (instruções regulamentares da Estrada de Itapura a Corumbá); dec. 6.788/19.12.1907 (regulamento dos Arsenais de Marinha); dec. 7.940/07.04.1910 (regulamento do Arsenal de Guerra do Rio de Janeiro); dec. 8.215/15.09.1910 (regulamento da Fábrica de Pólvora do Piquete); dec. 8.835/11.07.1911 (regulamento da Biblioteca Nacional); dec. 8.610/15.03.1911 (regulamento da Estrada de Ferro Central do Brasil); dec. 9.224/20.12.1911 (regulamento da Casa da Moeda) e dec. 9.284/30.12.1911 (regulamento da Caixa de Pensões de seus operários, a qual é criada por esse mesmo decreto); dec. 9.517/17.04.1912 (regulamento da Caixa de Pensões e Empréstimos das Capatazias da Alfândega do Rio de janeiro); dec. 10.783/25.02.1914 (regulamento da Fábrica de Cartuchos e Artefatos de Guerra); dec. 10.876/06.05.1914 (regulamento da Fábrica de Pólvora da Estrela); e dec. 11.839/29.12.1915 (regulamento da Imprensa Nacional).
[10] AC 1919, XI, 20.11.1919, p. 212.
[11] Sobre a importância da distinção entre “empregados” e “operários” para os empresários, pode ser consultado o seguinte artigo: VARGAS, J. T. Trabalho e trabalhadores na concepção patronal. In: Revista Fronteiras (Revista Catarinense de História), n. 9, dezembro de 2001.
[12] AC 1920, XI, p. 883-885, 17.11.1920.
[13] Ibid. 1920, VI, p. 55, 20.08.1920.
[14] Dec. 14.663/01.02.1921, art. 29.
[15] A respeito, pode-se consultar VARGAS, J. T. O trabalho na ordem liberal: o movimento operário e a construção do Estado na Primeira República. Campinas: Centro de Memória da Unicamp, 2004, capítulo 1.
[16] Condenando o descaso para com um projeto que aumenta em mil réis a diária do “pessoal jornaleiro” da Estrada de Ferro Central do Brasil, parado na comissão de Finanças, Nicanor Nascimento diz, em 22.08.1918:
“Não solicito que a Comissão de Finanças venha dar parecer favorável a este projeto. Sei que o ceticismo e a crueldade empedernizam estes corações; que não há como lhes bater às portas para que se possam abrir; os interesses políticos, os conchavos, a impiedade, fizeram com que empedradas estas almas não tenham frincha para ao través insinuar-se à piedade; mas, ao menos tenham a coragem de vir dizê-lo à Nação. É isto que solicito à Comissão de Finanças: tenha a coragem de vir dizer à Nação, repito, que nós podemos esbanjar os dinheiros públicos, como tenho demonstrado que esbanjamos, mas não temos a flexibilidade da alma, a doçura de coração para conceder a esses desgraçados mais um mil réis para o leite escasso dos novinatos”.AC 1918, VII, p. 202.
[17] Neste ponto o presente trabalho se distancia das conclusões de Castro Gomes, que, ao descrever a atuação dos empresários frente às iniciativas de legislação social, compõe um quadro em que seu poder de pressão tem peso decisivo na alteração do rumo ou interrupção do trajeto daquelas iniciativas. GOMES, Angela M. de Castro. Burguesia e trabalho: política e legislação social no Brasil 1917-1937. Rio de Janeiro: Campus, 1979.
[18] REIS FILHO, Daniel Aarão (org.). O Manifesto Comunista 150 anos depois. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 1998, p. 27-28. Sobre o Congresso de 1902: Gazeta Operaria. 28.09.1902.
[19] Ele lembra que, até 1898, “vivíamos das alfândegas” e que, a partir dessa data, a essa renda acrescentou-se a dos impostos de consumo”. Congresso Nacional. Annaes do Senado Federal. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional. 1914, v. VI, p. 242-246, 25.09.1914. Sobre as despesas com pessoal, o senador cita a proposta orçamentária do ministro da Fazenda, que menciona “cousas que são verdadeiramente incompreensíveis e repugnantes ao bom senso e incompatíveis com as boas normas de administração”:  1) Apesar de haver uma Inspetoria dos Portos, Rios e Canais, “luxuosamente organizada”, para o saneamento da baixada do Rio de Janeiro, foi criada uma outra inspetoria “com todos os vários aparelhos burocráticos”. 2) A Imprensa Nacional serve para o expediente e publicações de todas as repartições e ministérios, mesmo assim todos os ministérios têm tipografias próprias. 3) As pagadorias de marinha e guerra seriam “uma inutilidade, uma cousa inexplicável”, encobrindo “graves e inúmeros abusos”. 4) Apesar de existir o consultor geral da República, todos os ministérios têm seus próprios consultores jurídicos; propõe sua supressão. 5) Deveriam ser suprimidos os arsenais de guerra e de marinha, “que despendem 3.500: e só produzem, 7:000” (respectivamente, 3.500 contos e sete contos), sendo que os navios são reparados em estabelecimentos particulares. Ibid., p. 243-244 (as afirmações do ministro foram extraídas do discurso de Bulhões, onde são citadas). Antes, citei os relatórios dos seguintes ministros da Fazenda: Francisco Sales (1912), p. 8; Rivadavia da Cunha Corrêa (1914); e João Pandiá Calogeras (1915).
[20] Mensagem de Epitácio Pessoa, de 03.09.1920, citada no Relatório do ministro da Fazenda Homero Baptista (1920).
[21] Relatório do ministro da Fazenda João Pandiá Calogeras (1916), p. 27-28 e 35-36.
[22] Houve outros projetos, anteriores ao de Brandt, com mesmo teor, como o do deputado Otávio Mangabeira (BA), apresentado em 23.10.1919. AC 1919, IX, p. 14. Sobre os dados aduzidos depois da última nota, ver: leis orçamentárias para 1920, 1921 e 1922, respectivamente n. 3.979/31.12.1919, 4.230/31.12.1920 e 4.440/31.12.1921; O Estado de S. Paulo. 11.10.1920, p. 4; AC 1921, XIII, 31.10.1921.
[23] A lei orçamentária 4.230/31.12.1920, que instituía, por emenda de Antônio Carlos, o imposto sobre lucros comerciais, estendendo sua incidência aos lucros apurados pelos balanços encerrados depois de 30.12.1920, foi arguida de inconstitucional, devido a este caráter retroativo, gerando fortes protestos das associações comerciais. O deputado, porém, no aludido discurso, diz que o imposto não incide sobre os lucros de 1920, mas sobre os de 1921, sendo aqueles apenas a base para a cobrança. AC 1921, XIV, p. 51-59, 03.11.1921.
[24] AC 1922, XVII, p. 27, 18.12.1922.
[25] Lei n. 4.625/31.12.1922.
[26] Decreto 16.581/04.09.1924, artigos 4o e 5o.
[27] Sobre essa noção, pode-se consultar VARGAS, J. T. “Trabalho e trabalhadores na concepção patronal”. Ibid.
[28] AC 1924, XVII, p. 4. O parecer é de 10.12.1924.
[29] “Cédula” é a categoria da renda tributável, que, antes do imposto de renda, apresentava-se separadamente no conjunto dos impostos. Por exemplo: imposto sobre lucros comerciais.
[30] Relatório do ministro da Fazenda Annibal Freire da Fonseca (1926).
[31] Diario do Congresso Nacional. 24.01.1926, p. 8.069 (grifos nossos, paragrafação adaptada). Sessão de 23.12.1925 (o número correspondente ao dia está mal impresso). O deputado cita: CASTRO, A. O. Viveiros de. A questão social. p. 255
[32] Dec. 5.138/05.01.1927, art. 1º (altera o dec. 17.390/26.07.1926) e lei 5.749/31.12.1929.
[33] Os protestos desse setor começaram já em seguida à publicação da lei da receita para 1926, em telegrama ao presidente da República. Quanto aos documentos anteriormente citados: o manifesto do PCB, datado de 18.03.1926, e a plataforma do Bloco Operário foram publicados, respectivamente, nas edições de Voz Cosmopolita de 15.04.1926, p. 2, e de 06.02.1927, p. 5; o manifesto da Sociedade Rural é de 14.04.1926 e foi  publicado em O Estado de S. Paulo de 16.04.1926, p. 6.
[34] Apesar dessa posição da Associação Comercial, em assembléia geral do CIFT, em 06.08.1926, o conde Pinotti Gamba pede que Jorge Street e Bruno Belli, respectivamente presidente e secretário da entidade (Belli era também 2o secretário da Associação), aproveitem sua ida à reunião do CNT sobre a lei de férias, no Rio, para procurar saber “qual o modo pelo qual se poderia tornar o imposto da renda inaplicável, falando-se neste sentido com pessoas cuja ação pudessem influir no espírito dos nossos dirigentes”. Sugere que todos os contribuintes do país se recusem a fazer as declarações. Antônio Carlos de Assunção, presidente da Associação Comercial e membro do CIFT, relembra a reunião das associações comerciais no Rio e diz que não há como alterar o regulamento do imposto, porque a matéria é da alçada do Congresso, “que nada poderá fazer este ano”. CIFT. Ata da assembléia geral extraordinária de 06.08.1926. Os trechos citados correspondem aos termos da ata, que não registra literalmente os discursos pronunciados. O texto apresentado na reunião ocorrida no Rio foi publicado em O Estado de S. Paulo de 15.04.1926, p. 7.
[35] É claro: só se pode isentar de uma obrigação quem está sujeito a essa obrigação; assim, por exemplo, não tem cabimento dizer que os advogados estão isentos de cumprir o período de residência médica num hospital; mas um indivíduo do sexo masculino pode estar isento de prestar o serviço militar por inaptidão física, embora, por ser homem, deva se apresentar ao alistamento. A mensagem de Bernardes é datada de 03.05.1925. Sobre a noção de “proletário” na Primeira República, ver VARGAS, J. T. Op. cit., cap. 1.
[36] Ver: Negócios e representações: os industriais de S. Paulo nos anos vinte e trinta. Mestrado em História. Campinas: IFCH-Unicamp, 1995.
[37] Sobre isso, ver VARGAS, J. T. “Trabalho e trabalhadores na concepção patronal”. Ibid.

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