domingo, 1 de abril de 2018


A  ERA  MAUÁ
Os anos de ouro da Monarquia


  Nos fundos da Baía de Guanabara, havia um porto chamado Mauá. Exatamente ali, no dia 30 de abril de 1854, realizou-se uma importante cerimônia, à qual compareceram as maiores autoridades do país, inclusive D. Pedro II e a imperatriz Teresa Cristina. Inaugurava-se naquela oportunidade a primeira ferrovia do Brasil. Durante as festividades, o ministro do Império, visconde do Bom Retiro, convidou Irineu Evangelista de Souza, o empresário responsável pela obra que estava sendo inaugurada, para beijar a mão de D. Pedro II, que acabara de conceder-lhe o título de Barão de Mauá. O nome Mauá havia sido uma escolha do próprio imperador.
Irineu Evangelista de Souza, barão e visconde de Mauá.
Assim nasceu um dos títulos de nobreza mais conhecidos do Império e que acabou por designar todo um período da história do Brasil — a Era Mauá.
Rigorosamente falando, a Era Mauá durou dez anos. Estendeu-se de 1850 — quando foi promulgada a lei Eusébio de Queirós, que acabou definitivamente com o tráfico de escravos — a 1860, ano em que foram introduzidas as Tarifas Silva Ferraz, pondo fim ao protecionismo alfandegário, instituído dezesseis anos antes. Com efeito, foi nesse período que se deu o apogeu do Barão de Mauá, quando ele, tendo se tornado uma potência financeira, tomou parte praticamente em todos os empreendimentos empresariais ocorridos no país.
Apesar de sua breve duração, foi um período de importantes mudanças na vida do país. “[...] é nesta época que o Brasil tomará pela primeira vez conhecimento do que fosse o progresso moderno e uma certa riqueza e bem-estar material”, como bem escreveu o historiador Caio Prado Júnior (História econômica do Brasil, 27. ed., São Paulo: Brasiliense, 1982. p. 168.).

A Era Mauá foi um período glorioso da Monarquia no Brasil (1822-1889). Isso se deveu a uma série de mudanças ocorridas dentro e fora do nosso país, nos anos finais da primeira metade do século XIX.
Externamente, desenvolvia-se, nesse momento, uma conjuntura internacional favorável. Acelerava-se o processo de desenvolvimento industrial, não só na Inglaterra, a pioneira, mas também em outros países (Estados Unidos, França, Bélgica etc.), fazendo aumentar o mercado comprador de matérias-primas. Ao mesmo tempo, o aumento populacional nesses países propiciava a formação de um grande mercado consumidor de alimentos. Tudo isso estimulava o crescimento acelerado do comércio mundial, favorecido pelo aparecimento do navio a vapor. Crescia também a competição entre as nações em rápido processo de industrialização.
Esses acontecimentos faziam aumentar a importância de países como o Brasil, que compravam produtos industrializados e forneciam matérias-primas e alimentos.
Internamente, ocorreram a pacificação política do país, a introdução do protecionismo alfandegário (1844), o fim do tráfico negreiro (1850) e o desenvolvimento da lavoura cafeeira.

Protecionismo alfandegário
É o resultado da elevação das tarifas (taxas, impostos) de importação. Com isso, elevam-se os preços das mercadorias importadas, induzindo os consumidores a preferirem produtos nacionais, que se tornam relativamente mais baratos.

Tarifas Silva Ferraz
Ângelo Muniz da Silva Ferraz (1812-1867) foi um importante homem público do Segundo Reinado. Em 1860, quando acumulava os cargos de presidente do Conselho de Ministros e de ministro da Fazenda, promulgou as tarifas que levaram seu nome. Essas novas tarifas facilitaram a importação de ferragens, ferramentas e máquinas, o que prejudicou empresas que operavam nesse ramo no Brasil.


Navio a vapor
A criação do barco a vapor não pode ser atribuída a um único inventor, pois várias tentativas de adaptar o motor a vapor para propulsão de embarcações foram feitas desde o final do século XVIII. Coube, porém, ao norte-americano Robert Fulton o mérito de ser o primeiro a obter sucesso comercial com um barco a vapor, em 1803. Nos anos seguintes, a navegação a vapor caracterizou-se pela construção de navios cada vez maiores e mais potentes. Em 1819, um barco a vela equipado com um motor a vapor atravessou o Atlântico.



1. A estabilidade política do país

Efetivamente, quando a Era Mauá teve início, em 1850, o país estava politicamente estabilizado. O ciclo revolucionário, que agitara a vida nacional, praticamente desde a Independência, havia se encerrado. Efetivamente, entre 1822 e 1850, o Brasil foi agitado por inúmeras revoltas, das quais as mais importantes estão citadas a seguir.

Agitação política

Confederação do Equador. Desencadeado em Pernambuco em 1824, esse movimento tinha como objetivo reunir as províncias do Norte e Nordeste sob um Estado republicano, separado do Rio de Janeiro. Os revolucionários estavam descontentes com algumas medidas arbitrárias que vinham sendo tomadas pelo imperador D. Pedro I.
Abdicação de D. Pedro I. O crescente descontentamento com o governo do primeiro imperador acabou gerando uma revolta na cidade do Rio de Janeiro. Diante do povo amotinado, D. Pedro I não teve outra alternativa senão abdicar ao trono (7 de abril de 1831) e deixar o Brasil.
Cabanagem. Rebelião marcada por enorme violência, que irrompeu na província do Grão-Pará (Pará e Amazonas atuais), logo após a abdicação de D. Pedro I. Mobilizando as camadas mais pobres da população contra o governo central e as elites locais, o movimento atingiu grande intensidade entre os anos de 1835 e 1836, e somente se encerrou em 1840.
Balaiada. Revolta popular que assolou as províncias do Maranhão, Ceará e Piauí, nos anos de 1838 a 1841. Sem objetivos políticos defini- dos no início, o levante transformou-se numa rebelião contra a opressão econômica dos fazendeiros e proprietários da região. O movimento foi finalmente derrotado por forças comandadas por Luís Alves de Lima e Silva, agraciado com o título de Barão de Caxias.
Farroupilha. Também conhecida por Guerra dos Farrapos, foi a mais longa revolução da história do Brasil (1835-1845) e teve como palco o Rio Grande do Sul. Descontentes com o governo central, os rebeldes, apelidados farroupilhas, tomaram Porto Alegre e proclamaram um governo republicano. Combatidos por tropas comandadas por Caxias, os revolucionários concordaram em depor as armas e aceitar as condições propostas pelo governo imperial.
Sabinada. O descontentamento popular também provocou um movi- mento revolucionário na Bahia, entre 1837 e 1838. Liderado pelo médico Francisco Sabino da Rocha Vieira, propunha a proclamação provisória de um regime republicano até a maioridade do imperador D. Pedro II.
Revoltas liberais. Descontentes por terem sido afastados do governo, membros do Partido Liberal promoveram revoltas nas províncias de São Paulo e Minas Gerais, em 1842. Foram derrotados por forças imperiais, comandadas por Caxias.
Praieira. Revolução promovida pelos liberais pernambucanos, após terem sido afastados do governo no Rio de Janeiro. O movimento eclodiu no dia 7 de novembro de 1848, em Olinda, daí espalhando-se para o interior da província. Dois meses depois, no dia 1o de janeiro, os revolucionários lançaram o “Manifesto ao Mundo”, que refletia influência das ideias socialistas que se irradiavam a partir da Europa e onde apresentaram um programa de reivindicações bastante avançado. Acabaram sendo derrotados, e seus líderes, condenados à prisão.


Sob a batuta de D. Pedro II, imperador desde 1840, o Estado Nacional brasileiro encontrou, enfim, condições para consolidar-se. Para isso, contribuiu também a criação, em 1847, do cargo de Presidente do Conselho de Ministros, dando origem ao "parlamentarismo às avessas". O político que exercia esse cargo era o chefe de governo, o que o tornava naturalmente alvo das críticas, evitando que o imperador sofresse qualquer desgaste em sua imagem e prestígio. Se a isso acrescentarmos a possibilidade do rodízio no poder dos dois partidos então existentes, o Liberal e o Conservador, entenderemos por que a criação do cargo de presidente do Conselho de Ministros converteu-se num importante fator de estabilidade e de fortalecimento da Monarquia.

Parlamentarismo às avessas
A criação do cargo de presidente do Conselho de Ministros inspirava- se no parlamentarismo inglês. Porém, havia diferenças importantes. Uma delas era que, na Inglaterra, a indicação do primeiro-ministro (correspondente no Brasil ao presidente do Conselho de Ministros) cabia ao Parlamento, sem nenhuma interferência do monarca; no Brasil, entretanto, essa era uma atribuição do imperador. Outra diferença era que, entre os ingleses, o primei- ro-ministro era indicado após as eleições para a Câmara; em nosso país, as eleições eram realizadas depois da escolha do presidente do Conselho de Ministros. Por razões como essas é que, em nosso país, esse sistema ficou conhecido por “Parlamentarismo às avessas”.



2. Protecionismo alfandegário
Passemos à segunda das causas citadas, a reforma alfandegária de 1844. Graças ao fortalecimento do Estado brasileiro, descrito anteriormente, o governo imperial pôde enfrentar as pressões da Inglaterra, num assunto de grande importância, que foi o problema das tarifas alfandegárias. Devemos lembrar que, nos célebres tratados de comércio que D. João assinara com a Inglaterra, em 1810, havia sido estabelecida uma tarifa alfandegária máxima de apenas quinze por cento sobre as mercadorias importadas daquele país.
Em 1822, o Brasil proclamou sua independência política em relação a Portugal, embora tenha se mantido dependente economicamente (da Inglaterra). Por isso, sob pressão das circunstâncias, o imperador D. Pedro I renovou esse tratado. E, para piorar, logo teve de estender a mesma tarifa para os demais países, uma vez que estes, obviamente, não aceitavam ser tratados de maneira diferente da Inglaterra.
  
Imposto alfandegário
O imposto alfandegário (ou aduaneiro) é cobrado pelo governo, na alfândega (ou aduana), sobre as mercadorias que entram no país (ou mais raramente sobre as mercadorias que saem do país).
Exemplificando: um comerciante compra uma determinada mercadoria em um país estrangeiro e a traz para vender no Brasil. Suponhamos que seu preço seja $ 100,00. Se ela estiver sujeita a um imposto alfandegário de trinta por cento, o importador deve recolher $ 30,00 ao governo e, por- tanto, a mercadoria entra no mercado brasileiro custando $ 130,00.
Dessa forma, o imposto alfandegário tanto contribui para aumentar a arrecadação do governo quanto influi no preço das mercadorias importadas (ou, se for o caso, exportadas).

É fácil perceber o problema financeiro que isso criava para o governo brasileiro, já que, naquele tempo, os impostos alfandegários eram sua principal fonte de recursos. A possibilidade de mudar esse estado de coisas surgiu em 1844 quando expirou o tratado de comércio com a Inglaterra. Apesar das pressões inglesas pela renovação desse tratado, o governo brasileiro fez justamente o contrário: aumentou as tarifas. O mérito da medida coube a Manoel Alves Branco, que ocupava o cargo de ministro da Fazenda, num governo do Partido Liberal. Em agosto de 1844, decretou uma elevação geral das tarifas alfandegárias — conhecidas como Tarifas Alves Branco — para quase três mil artigos provenientes do estrangeiro. A taxa média passou a ser de trinta por cento, mas, para algumas mercadorias com similares nacionais, a taxa podia chegar a sessenta por cento. 
Os objetivos dessa medida eram aumentar a arrecadação e estabelecer a paridade tarifária com os parceiros comerciais do Brasil. As novas tarifas, entretanto, não duraram muito tempo, como iremos ver mais adiante. Mas enquanto estiveram em vigor tiveram importantes consequências para o Brasil da época. 
Por exemplo, elas tiveram um caráter protecionista, pois as mercadorias importadas passaram a custar mais caro, criando condições para o surgimento de fábricas dentro do próprio país. Outro efeito foi contribuir para a pacificação do Brasil. De fato, à medida que aumentaram os recursos à disposição do governo, este se aparelhou melhor, conseguindo reprimir as revoltas e impor sua autoridade sobre todo o país.

3. O fim do tráfico de escravos
O advento da Era Mauá deveu-se em grande parte ao fim do tráfico negreiro, ocorrido em 1850. Isso foi possível porque o governo imperial, sentindo-se mais forte e consolidado, pôde vencer a resistência dos grandes proprietários e dos traficantes e colocar um ponto final na importação de escravos. Essa atitude do governo brasileiro se deveu, sobretudo, à pressão inglesa, e isso requer uma explicação. Afinal, a Inglaterra havia sido, até pouco tempo antes, um grande traficante de escravos.
Os interesses da Inglaterra começaram a mudar desde que se iniciara a RevoluçãoIndustrial, no final do século XVIII, criando uma situação completamente nova. A industrialização havia aumentado enormemente a produção de manufatura- dos naquele país, e era preciso ampliar o mercado consumidor. Em outras palavras, era preciso substituir o trabalho escravo pelo trabalho assalariado, afinal, com seu salário, o trabalhador poderia comprar bens e mercadorias, o que não ocorria com os escravos, que, como não recebiam nenhum ganho (salvo exceções), nada compravam.

A Inglaterra e o tráfico de escravos
A carreira da Inglaterra como traficante de escravos deslanchou em 1713. Nesse ano, chegava ao fim uma prolongada guerra, em que a Espanha, derrota­ da, foi obrigada a ceder à Inglaterra o direito exclusivo de fornecer escravos às colônias espanholas da América. Esse direito, conhecido pelo nome espanhol de “asiento”, converteu-se numa importante fonte de lucros para os comerciantes ingleses.

Partido Liberal e Partido Conservador
Por volta de 1840, as facções políticas existentes no país deram origem a dois partidos políticos: o Liberal e o Conservador. Não havia, entre- tanto, diferenças significativas entre eles. Em geral, os membros dos dois partidos provinham da mesma cama- da social, constituída dos donos de escravos e de terras, que formavam a elite social dominante no país. Essa afinidade permitia que se entendessem no essencial, que era a manutenção da Monarquia, da propriedade da terra e da escravidão. Tendiam a rejeitar toda mudança que pudesse pôr em risco o declínio que exerciam.


Em consequência, à medida que se industrializava, a Inglaterra passava de traficante de escravos a adversária da escravidão. E começou dando o exemplo: aboliu o tráfico para suas colônias das Antilhas, em 1807, e logo a própria escravidão nessas colônias, em 1833.
Diante disso, os produtores de açúcar dessas ilhas passaram a reclamar, junto ao governo inglês, de uma suposta concorrência desleal do Brasil. Alegavam que os do- nos de engenho brasileiros, por utilizarem mão de obra escrava, que era mais barata, conseguiam produzir por preços menores.
Sob o efeito desses fatores — a necessidade de mercados e a pressão dos donos de engenho das Antilhas —, o governo inglês começou a pressionar o Brasil para que adotasse medidas contra o trabalho escravo.
A pressão surtiu efeito: já em 1831, o Parlamento brasileiro chegou realmente a aprovar uma lei proibindo o tráfico. Mas ela acabou sendo, literalmente falando, uma lei para “inglês ver”, pois nunca foi cumprida. A explicação para esse fato é muito simples: naquele tempo, a lavoura cafeeira estava em rápida expansão, exi- gindo cada vez mais mão de obra. De fato, o número de escravos importados não parou de subir até 1848, como se pode ver na tabela a seguir:

Tabela de importação de escravos (1845-1852)
Anos
Escravos importados
1845
19 453
1846
                           50 325
1847
                           56 172
1848
                           60 000
1849
                           54 000
1850
                           23 000
1851
                              3 278
1852
   700
Fonte: Virgílio N. Pinto. Balanço das transformações econômicas no século XIX. In: Brasil em perspectiva. São Paulo/Rio de Janeiro: Difel, 1980, p. 137.

Diante da má vontade do governo brasileiro em acabar com o tráfico, e também como represália ao aumento das tarifas, decretado por Alves Branco, os ingleses resolveram jogar pesado contra o Brasil. Em 1845, o Parlamento da Inglaterra — a nação que se atribuíra o papel de polícia do mundo — aprovou o “Bill Aberdeen” (do nome do ministro britânico George Hamilton-Gordon, Conde de Aberdeen, autor do projeto de lei).
Essa lei autorizava a marinha britânica a capturar qualquer navio brasileiro suspeito — bastava a suspeita! — de dedicar-se ao tráfico de escravos e a julgar seus tripulantes. Seguiu-se muita violência não só contra navios negreiros, mas também contra navios mercantes em geral. O Brasil foi duramente atingido pela repressão inglesa. A situação ficou ainda mais grave depois que os cruzadores britânicos receberam ordens de Londres para entrar nos portos brasileiros e capturar todo e qualquer navio equipado para o transporte de escravos que encontrasse.

Bill Aberdeen
O Bill Aberdeen era especialmente dirigido contra traficantes brasileiros. O motivo é o seguinte: o Brasil não havia cumprido uma convenção que D. Pedro I firmara com a Inglaterra, em 1826, comprometendo-se a acabar com o tráfico num prazo de três anos.E já que o Brasil havia encerrado unilateralmente o tratado de comércio que mantinha com a Inglaterra, os ingleses resolveram revidar. Já naquele tempo, os ingleses estavam empenhados em combater o tráfico de escravos.


Eusébio de Queirós, ministro da Justiça no período de 1849 e 1852, o amigo dos traficantes que acabou com o tráfico de escravos.
O governo imperial protestava contra as agressões à nossa soberania. A Inglaterra, contudo, não tomava conhecimento dos protestos brasileiros e continuava combatendo o tráfico de escravos, cada vez com mais rigor. O Brasil, sem poder reagir, sofria constantes humilhações.
Foi nessa situação que o Parlamento brasileiro aprovou o fim do tráfico. A lei, que entrou em vigor no dia 4 de setembro de 1850, levou o nome do ministro da Justiça, Eusébio de Queirós. Embora membro de um ministério do Partido Conservador, ele conseguiu habilidosamente vencer a oposição dos setores escravistas. A matéria era tão delicada que a Câmara dos Deputados e o Senado votaram a lei em sessões secretas!
A lei Eusébio de Queirós, diferentemente daquela de 1831, dava ao governo meios efetivos para combater os traficantes. Graças a isso, três anos depois da aprovação da lei, o tráfico, que durou cerca de três séculos, estava completamente extinto. O fim do tráfico de escravos traria importantes consequências para o Brasil, como veremos mais adiante.

4. Economia cafeeira
O advento da Era Mauá deveu-se também ao sucesso da lavoura cafeeira. De fato, foi o crescimento das exportações de café que forneceu dinheiro não só para fortalecer o governo, ao encher os seus cofres, como também para pagar investimentos, importações e empréstimos.
Mesmo antes de se tornar o produto de exportação mais importante do Brasil, o café já tinha uma história antiga em nosso país. Consta que foi introduzido no Pará, em 1727, de onde seu cultivo se propagou para outras partes do Brasil. Por muito tempo porém, o café foi considerado uma planta exótica, algo como um enfeite de jardim. Somente nos anos finais do século XVIII o produto começou a ganhar importância econômica, à medida que aumentava seu consumo no mercado mundial. Nesse momento, seu cultivo era feito principalmente no entorno do Rio de Janeiro, a capital do Brasil, em áreas que hoje estão ocupadas pela própria cidade, como foi o caso de Botafogo, da Gávea e da Tijuca.
Sob o estímulo do aumento do consumo mundial, as plantações de café avançaram para o interior do Brasil. Em busca de clima ameno e de terras virgens, as lavouras logo alcançaram o rio Paraíba e, seguindo seu curso, entraram na província de São Paulo. Embora também penetrasse nas províncias de Minas Gerais e, em proporções bem menores, do Espírito Santo, foi no vale do Paraíba que o café encontrou seu primeiro grande habitat natural. Hoje, quando as pessoas trafegam pela rodovia Dutra, nem de longe imaginam que aqueles morros que se avistam cobertos de pastagens um dia já estiveram tomados pelos cafezais.
Mas a prosperidade das fazendas do vale do Paraíba não durou muito tempo. A concepção colonial da ocupação do solo fez aí uma nova vítima. A densa cobertura vegetal da região — constituída de Mata Atlântica — foi rapidamente devastada para o plantio do café. Exploradas intensamente, sem nenhum cuidado, as terras não suportaram o desmatamento. Sobreveio a erosão dos solos e o esgotamento, seguindo-se a decadência econômica. Cidades prósperas transformaram-se em “cidades mortas”. Nesse momento, porém, o café já havia encontrado um novo habitat no interior da província de São Paulo. Nessa região, registrava-se a ocorrência de uma terra muito fértil, a “terra roxa”.

Vale do Paraíba
Região localizada entre as serras da Mantiqueira e do Mar, por onde passa o Paraíba do Sul, um rio que nasce no Estado de São Paulo, assinala uma parte da divisa entre os Estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro e deságua no oceano Atlântico, depois de percorrer cerca de 1.100 km.

CAFÉ E MATA ATLÂNTICA
“Era precisamente este o perigo para a Mata Atlântica: acreditava-se que o café tinha de ser plantado em solo coberto por floresta ‘virgem’. O capital e o trabalho eram escassos demais para gastar no plantio em solos menos férteis. O café é uma planta perene [...] e assim podia-se imaginar que, uma vez implantado, representaria um regime agrícola de perspectivas estáveis e conservadoras. Mas não era assim. Nas plantações do Rio de Janeiro, plantações velhas não eram replantadas mas abandonadas, e novas faixas de floresta primária eram então limpas para manter a produção. O café avançou, portanto, pelas terras altas, de geração para geração, nada deixando em seu rastro além de montanhas desnudas.” (W. Dean. A ferro e fogo: a história da devastação da Mata Atlântica brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. p. 195-6.)

Essa denominação derivou da palavra rossa (vermelho, em italiano), usada pelos imigrantes italianos ao se referirem à cor da terra. O oeste paulista se tornou, na segunda metade do século XIX, o maior produtor do país. Além de os solos serem melhores, também se utilizou aí uma tecnologia mais moderna e se empregou o trabalhador livre e assalariado, substituindo sem problemas a mão de obra escrava.
A propagação da lavoura cafeeira acarretou importantes mudanças no Brasil: gerou a riqueza que permitiu a estabilização da vida nacional, nos aspectos político, econômico e financeiro; promoveu a vinda cada vez maior de imigrantes, possibilitando a substituição do trabalho escravo pelo trabalho livre; integrou a economia brasileira nos mercados mundiais e financiou a construção de ferrovias, que vieram substituir o transporte realizado por meio das tropas de mulas.

Terra roxa
A chamada “terra roxa” do interior do Estado de São Paulo, rica em nutrientes minerais para as lavouras, é derivada do basalto. Este, por sua vez, é proveniente de erupções vulcânicas relativamente recentes. Trata-se de uma rocha ígnea compacta, dura e resistente, oriunda da solidificação de lavas. Toma a cor parda ou vermelha, por oxidação de compostos de ferro.

5. Uma década de mudanças
O início da Era Mauá ocorreu ao mesmo tempo em que se encerrou o tráfico negreiro, fato que teve importantes consequências para a economia brasileira. O tráfico de escravos movimentava muito dinheiro, algo em torno de dois milhões de libras esterlinas, ou vinte mil contos de réis, uma importância igual à metade da arrecadação do governo nesse ano.
Com o fim do tráfico, essa soma saiu em busca de novas oportunidades de lucro. Isso aconteceu no exato momento em que alguns fatores ajudavam a compor um quadro extremamente favorável para o desenvolvimento do país.

Eis alguns desses fatores:

1) Entre 1838 e 1850, a receita do governo duplicou, alcançando 40 mil contos de réis, enquanto o comércio exterior (importação mais exportação) cresceu de 108 mil contos, em 1846, para 144 mil contos, cinco anos depois. Essa melhora nas contas do país permitiu que se firmasse o crédito nacional no exterior, facilitando a obtenção, a um custo menor, de novos empréstimos externos.

Imigração italiana
Na segunda metade do século XIX, imigrantes italianos partiram para a América, em número cada vez maior. Muitos deles tomaram a direção do Brasil, sobretudo depois de 1870, ano em que se completou a unificação política da Itália, criando condições difíceis de vida para muitos camponeses. Os imigrantes vinham com as despesas pagas pelo governo e se estabeleciam, como assalariados, nas fazendas de café. Graças à imigração italiana, foi possível realizar uma transição relativamente tranquila do trabalho escravo para o trabalho livre.

O mil-réis
A unidade monetária era o mil-réis (Rs 1$000). Um milhão de réis (Rs 1:000$000) perfaziam um conto de réis. Ao tempo da Era Mauá, com 1$000 era possível, por exemplo, pagar um almoço simples num restaurante na cidade do Rio de Janeiro.

É preciso ressaltar, porém, que o domínio da cafeicultura, na segunda metade do século, assegurou a vitória dos setores que acreditavam ser o Brasil um país com vocação para a agricultura. Mais adiante, no capítulo “Um balanço do período”, veremos a consequência dessa crença para o desenvolvimento nacional.

2) No final da década de 1840, o crescimento da economia havia favorecido o surgimento de bancos, tanto na Corte como em algumas províncias (Maranhão, Pará e Pernambuco). A eles, havia sido concedida autorização para emitirem vales bancários, aceitos como dinheiro nas transações comerciais. Com isso, criava-se uma abundância de dinheiro, estimulando os negócios. Foi justamente nesse contexto que, no começo da década de 1850, surgiu, no Rio de Janeiro, o Banco do Brasil, fundado por Mauá. Com um capital de dez mil contos de réis, tornou-se o maior de todos os bancos do país e foi autorizado a abrir filiais em algumas províncias.

3) O governo promulgou o Código Comercial, estabelecendo regras para a criação e o funcionamento de sociedades comerciais e o funcionamento dos negócios, muito ampliados depois do fim do tráfico negreiro.

4) Adotaram-se iniciativas de estímulo às manufaturas, destacando-se:
a) um prêmio em favor da construção naval nacional: o construtor de navios de duzentas toneladas ou mais recebia dez mil réis por tonelada;
b) a isenção de impostos alfandegários para as matérias-primas destinadas às manufaturas de tecidos. Esse benefício acabou, posteriormente, sendo estendido a todas as “fábricas nacionais” (pomposo nome dado aos estabelecimentos manufatureiros de algum porte do império).

Todas essas iniciativas, mais o protecionismo introduzido pelas tarifas decretadas por Alves Branco (ver p. 9), desencadearam um surto de desenvolvimento no Brasil. Surgiram indústrias, bancos, caixas econômicas, companhias de navegação a vapor, companhias de seguros, ferrovias, empresas de mineração, transporte urbano, serviço de gás etc. Os brasileiros começavam a experimentar a emoção de negociar ações na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, que fora inaugurada em 1848.

Província
Província era como se chamavam os Estados brasileiros no tempo da Monarquia. Mas a diferença não estava apenas no nome. Na verdade, as províncias não tinham a mesma autonomia, que os Estados iriam ter depois da Proclamação da República, em 1889.

José de Alencar, o conhecido autor de Iracema, escrevia no Correio Mercantil e nos deixou um vivo testemunho dessa época.
Ide à praça. Vereis que agitação, que atividade espantosa preside às transações, às operações de crédito [...] Todo o mundo quer ações de companhias; quem as tem vende-as; quem não as tem compra-as. As cotações variam a cada momento. [...] Não se conversa sobre outra coisa. Os agiotas farejam a criação de alguma companhia; os especuladores estudam profundamente a ideia de alguma empresa gigantesca. Enfim, hoje já não se pensa em casamento rico, nem em sinecuras; assinam-se ações, vendem-se antes das prestações e ganha-se dinheiro por ter tido o trabalho de escrever o seu nome.(Cit. por Francisco Iglésias. In: HGCB, t. 2, v. 3, 1977. p. 44-5.)

Imigrantes europeus
A primeira experiência com trabalhadores suíços e alemães, entretanto, não deu certo. Uma série de problemas (endividamento e maus-tratos, principalmente) acabou provocando a revolta dos colonos, em 1857, na fazenda Ibicaba, nas proximidades de Sorocaba (SP), de propriedade de Nicolau Nunes Vergueiro, justamente o inicia­ dor do processo. Em consequência, alguns países europeus proibiram que novos colonos viessem para o Brasil.

Uma novidade importante do período foi a inauguração, em 1850, da primeira linha de navios a vapor ligando Brasil e Inglaterra. A partir de então, a duração dessa viagem se reduzia de dois meses para menos de trinta dias: os navios partiam de Liverpool no dia 24 de cada mês e chegavam, pontualmente, ao Rio de Janeiro no dia 21 do mês seguinte.

Navios a vapor também passaram a percorrer o litoral brasileiro. A Companhia Brasileira de Paquetes recebia do governo imperial um vultoso subsídio para fazer a navegação de cabotagem entre portos brasileiros, desde Belém do Pará até Montevidéu. Mas não tinha a mesma eficiência da companhia inglesa: a viagem do Rio de Janeiro a Belém podia durar vinte dias.
Embora limitado à cidade do Rio de Janeiro e arredores, o telégrafo elétrico fez sua estreia, em 1852, com apenas oito anos de atraso em relação aos Estados Unidos, o país pioneiro. Dois anos depois, em 1854, começava a operar, no Rio de Janeiro, a primeira ferrovia do Brasil.

Em São Paulo, fazendeiros de café vinham, desde 1847, realizando uma experiência pioneira com trabalhadores livres, patrocinando a vinda de imigrantes europeus.

Com isso, as cidades cresciam e a urbanização, por sua vez, abria a porta para as novidades. Com efeito, a população das cidades revelou-se ansiosa por adotar os novos costumes trazidos da Europa. Não foram poucos os que adotaram novos hábitos na maneira de comer, de se vestir, de morar e em muitos outros aspectos da vida. Casas de comércio ofereciam alimentos importados, tais como biscoitos, manteiga, batata, queijo e cerveja. Ofereciam também remédios, cosméticos, móveis, artigos de cerâmica, novas modalidades de entretenimento etc. A importação de joias e objetos de ouro e prata quase triplicou. Até cavalos, próprios para passeio, foram importados da Inglaterra. Em relação a idiomas, embora o francês mantivesse seu tradicional prestígio, o ensino da língua inglesa se difundiu. Professores de idiomas destacavam suas qualidades em anúncios de jornal.
Também eram frequentes os anúncios de pianos, o instrumento musical por excelência do século XIX, inclusive no Brasil. Além de símbolo de riqueza e modernidade, o piano era extremamente apropriado ao restrito universo doméstico e feminino da época, em que “tocar piano” passava a ser uma virtude desejável numa moça de família. Apesar de seu preço elevado, os pianos passaram a ser importados em quantidade cada vez maior, para atender ao crescente desejo consumista das famílias abastadas brasileiras.
As cidades se interessaram por estabelecer o serviço de abastecimento de água, de bondes puxados a burros e outros benefícios urbanos. A iluminação a gás, por exemplo, foi inaugurada no Rio de Janeiro, em 1854, graças a uma iniciativa do Barão de Mauá. Imediatamente, outras cidades seguiram o exemplo, inclusive as pequenas. Foi nessa época que ganhou fama, na cidade do Rio de Janeiro, a rua do Ouvidor, onde se inauguraram as lojas mais sofisticadas, tornando-se o ponto de encontro das pessoas chiques.
Ser chique era vestir-se de acordo com a última moda europeia, e essa imitação era vista como sinal de civilização, de progresso e de modernidade. Com os sinais de modernidade, em meados do século XIX, começavam a aparecer os primeiros empresários ligados às atividades econômicas urbanas, entre os quais se destacou a figura de Mauá.

6. As ferrovias
Como acabamos de ver, o café foi importante para o processo de mudanças que assinalaram a Era Mauá, em meados do século XIX. O café nos remete quase automaticamente ao tema das ferrovias. De fato, antes da implantação das ferrovias, era muito difícil ocorrer a expansão dos cafezais para o interior do território, em virtude da precariedade dos meios de transporte. Havia então poucas estradas no Brasil. Em geral, elas eram muito mal conservadas e pouco se prestavam para o tráfego de tropas de muares e, mais raramente, uma ou outra carroça.
Para ilustrar o problema das estradas no Brasil da época, tomemos o caso do caminho que ligava o planalto paulista à baixada santista. Apesar dos inúmeros melhoramentos que recebera desde que se tornara importante corredor de exportação de café, essa era considerada uma estrada perigosa e imprópria para rodagem.
Ainda em 1860, as carroças que por ela trafegavam não conseguiam transportar peso superior a 50 arrobas (aproximada- mente 750 quilos). A viagem entre São Paulo e Santos, considerando a ida e a volta, consumia de dez a doze dias. Os acidentes eram frequentes, provocando a perda de animais e de carga. Na época das chuvas, quando as tropas eram obrigadas a fazer paradas mais longas, as viagens se tornavam mais demoradas, aumentando as perdas de mercadorias. Apenas em 1855, a perda de café foi calculada em 500 mil arrobas em virtude da precariedade dos transportes. Mas os problemas não paravam aí.

Sociedade europeia X Sociedade brasileira
Nesse período, entretanto, a modernização ocorreu apenas nos aspectos exteriores da sociedade brasileira. Sendo meramente superficial, não chegava a afetar o essencial, dadas as diferenças entre a realidade do Brasil e a da Europa. Afinal, a sociedade europeia era burguesa, industrializada e baseada no trabalho assalariado; a brasileira, diferentemente, era uma sociedade dominantemente rural, calcada numa economia agroexportadora, que explorava o trabalho escravo.

Muar
O muar é o animal (burro ou mula) que resulta do cruzamento da égua com o jumento. Era preferido para os transportes por oferecer maior resistência que os animais cavalares (cavalo e égua). Criados no sul do país, os muares eram trazidos e comercializados nas famosas feiras de Sorocaba (SP), onde eram adquiridos pelos tropeiros. Em­ bora os fazendeiros também possuíssem tropas, eram os tropeiros que, em geral, faziam o transporte do café.

Febre amarela
No momento em que começava a Era Mauá, uma epidemia de febre amarela assolou o Rio de Janeiro e em seguida outras cidades marítimas brasileiras. A doença, transmitida pelo mosquito Aedes aegypti, o mesmo que transmite a dengue, chegou ao Brasil pela primeira vez no século XVIII, a bordo de navios que traziam escravos da África. No século XIX, o mosquito voltou. Entre os meses de janeiro e maio de 1850, somente no Rio de Janeiro, a febre amarela, segundo números oficiais, fez 4160 vítimas fatais, numa população que não chegava a 300 mil pessoas.

Levando-se em conta que um animal transportava cerca de seis arrobas em média, imagine a quantidade de animais necessária para transportar os 3,3 milhões de arrobas que a província de São Paulo exportou em 1869! Uma tropa numerosa de muares representava imobilização de enorme soma de capital. E se considerarmos que era preciso um tocador para cada lote de animais (cerca de nove cabeças), teremos uma ideia do considerável número de trabalhadores que essa atividade exigia.
Daí resultava o preço elevado dos fretes. Entre Campinas e Santos, por exemplo, o produtor chegava a pagar, pelo transporte, o equivalente à metade do preço pelo qual vendia seu café. Quanto maior a distância entre a fazenda e o porto de embarque, mais caro era o frete e, consequentemente, menor se tornava o lucro do fazendeiro. A situação era tão grave que plantar além de certa distância do porto de Santos — cerca de 240 quilômetros — tornava-se inviável por causa dos custos do transporte.
Diante desse quadro, é inevitável concluir que a lavoura cafeeira jamais teria alcançado as proporções que teve se o escoamento das safras tivesse continuado dependente das carroças e das mulas. Essas informações bastam para dar uma ideia da verdadeira revolução que a chegada da ferrovia representou para a economia brasileira.
Reconhecendo sua importância, o governo já havia, em 1835, estabelecido uma lei contendo normas e dando incentivos para a construção de ferrovias no Brasil. Mas essa lei não saiu do papel. Havia inúmeras dificuldades a serem superadas. Além do volume de capital necessário, era preciso conseguir trabalhadores especializados e equipamentos, e tudo isso tinha de ser importado da Inglaterra, o berço das estradas de ferro. Foi assim que em 1839 apareceu a figura empreendedora do engenheiro inglês Thomas Cochrane. Nesse ano, ele preparou o projeto de uma ferrovia para ligar São Paulo ao Rio de Janeiro.


Thomas Cochrane
Thomas Cochrane era parente do al­mirante Cochrane (1775-­1860), que teve papel destacado nas guerras de independência do Brasil e de outros países latino-americanos.

Porém, Cochrane teve dificuldades para atrair investidores. Recorreu então ao governo, solicitando uma garantia de juros de cinco por cento sobre o capital investido, prática bastante adotada nos países mais adiantados. Significava que se o empreendimento não alcançasse lucros de pelo menos cinco por cento sobre o capital investido, o governo cobriria a diferença. O pedido de Cochrane se arrastou por vários anos, sem conseguir a aprovação do Parlamento. Em face disso, o projeto não pôde ser levado adiante e acabou sendo abandonado.

Melhores condições para os empreendimentos ferroviários surgiram por volta de 1850, conforme vimos ao estudar o advento da Era Mauá (cap. 1). Aos fatores então mencionados devemos acrescentar a aprovação, em junho de 1852, da lei que estabelecia a garantia de juros e concedia outros favores aos que se propusessem construir ferrovias no Brasil. Essa lei assinalou um grande passo para a modernização do sistema de transportes. Sintomático dos novos tempos foi a inclusão, no seu texto, de uma cláusula que proibia a utilização da mão de obra escrava na construção das ferrovias.
A primeira ferrovia seria obra de Irineu Evangelista de Souza. Em 1852, ele havia recebido uma concessão para estabelecer uma ligação entre o Rio de Janeiro, o vale do Paraíba e Minas Gerais. Trabalhando rapidamente, apenas dois anos depois, em 1854, ele conseguiu inaugurar o primeiro trecho da ferrovia. Embora fosse um per- curso de apenas quatorze quilômetros, esse feito lhe valeu o título de Barão de Mauá, concedido por D. Pedro II.
Nos anos seguintes, acelerou-se a construção de ferrovias no Brasil. Em 1855, teve início a construção da Estrada de Ferro D. Pedro II (que, depois de 1889, mudou o nome para Estrada de Ferro Central do Brasil), tendo como finalidade ligar o Rio de Janeiro às províncias de São Paulo e Minas, concorrendo, portanto, com a ferrovia de Mauá. Em 1858, foi inaugurado o primeiro trecho da ligação Recife a São Francisco (Recife and São Francisco Railway Company). Pouco depois, tiveram início as obras da linha ligando Salvador ao mesmo rio (Bahia and São Francisco Railway Company).
Data também dessa época a construção da estrada de ferro ligando Santos a Jundiaí, destinada a ser a mais importante de todas. A exploração comercial dessa ferrovia foi concedida pelo governo imperial, por um prazo de noventa anos, a um grupo do qual fazia parte o Barão de Mauá.
Segundo o decreto, datado de 1856, a ferrovia deveria partir das imediações de Santos, vencer a serra e alcançar a vila de Jundiaí, passando por São Paulo. A distância era pequena, apenas 139 quilômetros. Sua importância, porém, não estava na extensão, mas no fato de se tornar um funil por onde iria escoar toda a produção do interior da província.
Em 1855, calculava-se que a ferrovia conduziria  2,5 milhões de arrobas de mercadorias (principalmente café e açúcar) para o porto de Santos e, no sentido inverso, conduziria um milhão de arrobas de bens importados, sem contar os passageiros.
Mauá e seus sócios organizaram, em Londres, com capital inglês, a São Paulo Railway Company, para construir a ferrovia, cujas obras tiveram início em 1860. A nova empresa podia agora contar com sete por cento de garantia de juro sobre o capital investido, sendo dois por cento oferecidos pelo governo da província de São Paulo e o restante pelo governo central. Mauá e seus sócios nacionais ficaram com menos de dez por cento das ações da empresa, cabendo o restante a capitalistas ingleses.

Funicular
O primeiro funicular, implantado pela ferrovia Santos-Jundiaí, foi inaugurado em 1867. Compunha-se de quatro planos inclinados; em cada um, uma máquina a vapor fixa acionava um cabo de duas pontas; em cada ponta, engatava-se uma composição. Dessa forma, enquanto uma composição passava de um patamar mais baixo para outro mais alto, a outra composição, simultaneamente, fazia o movimento inverso.

O problema maior era subir a Serra do Mar, uma altitude de cerca de 850 metros em relação ao nível do mar - numa distância de apenas oito quilômetros!
E vencer esse desafio exigiria o melhor da tecnologia do século XIX. A solução consistiu na adoção do sistema funicular, complementado por túneis e viadutos.
Em 1866, os trilhos alcançaram a cidade de São Paulo e, um ano depois, a ferrovia foi inaugurada. Era a quinta a entrar em operação no Brasil. Havia custado 2,5 milhões de libras esterlinas, aproximadamente 25 mil contos de réis. Mas os acionistas da São Paulo Railway, a “Inglesa”, como o povo a apelidou, não tinham do que reclamar: os lucros superaram as previsões mais otimistas.
As ferrovias contribuíram enormemente para o processo de modernização do Brasil. Além de aposentar as tropas de mula, elas impulsionaram o crescimento do comércio, a difusão do trabalho livre, a redução dos fretes dos transportes, a valorização das terras, a diminuição das despesas públicas com a conservação das estradas, a melhoria das comunicações e o desenvolvimento industrial.

Paranapiacaba
Durante os trabalhos de construção da ferrovia Santos-Jundiaí, formou-se um vilarejo no alto da serra, e aí a Companhia resolveu construir uma estação. Com o desenvolvimento da lavoura cafeeira e o movimento cada vez maior da ferrovia, esse núcleo urbano cresceu, constituindo a vila de Paranapiacaba. Com a desativação da estrada de ferro, Paranapiacaba, com seu imenso patrimônio cultural e histórico, entrou num processo de abandono. Em 2002, a prefeitura de Santo André adquiriu da Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA) o núcleo histórico de Paranapiacaba e iniciou um trabalho de restauração da vila, que já foi o cenário preferido por cineastas e publicitários nacionais.

7. As relações entre Brasil e Inglaterra
Ao tempo da Era Mauá, a Inglaterra, que começava a dar os primeiros passos como potência imperialista, era o principal parceiro econômico do Brasil e já controlava o movimento de importação-exportação brasileiro. Com efeito, o comércio exterior brasileiro era feito por companhias inglesas, em navios ingleses e com capital inglês. Dessa forma, grande parte dos ganhos do negócio, sob diversas formas (lucros, juros, seguros, comissões etc.), ia parar no bolso dos comerciantes da Inglaterra.
Não foi apenas no comércio que os ingleses estiveram presentes na economia brasileira. Foram eles que construíram a maior parte do sistema ferroviário e forneceram grande parte da maquinaria industrial e dos suprimentos utilizados nas indústrias do Brasil. Além disso, era de origem inglesa o dinheiro que financiou muitas realizações, bem como os técnicos que instalaram e fizeram funcionar os equipamentos, dirigiram a construção de ferrovias e ensinaram os operários brasileiros.
Diferentemente do que pensam muitas pessoas, os interesses ingleses não se opunham ao desenvolvimento industrial do Brasil. O historiador Richard Graham, autor de um interessante livro sobre o papel da Inglaterra na modernização do nosso país, escreveu que, embora não se possa dizer que “as atuações dos ingleses foram a causa principal da industrialização, tiveram eles parte preponderante nesta tarefa, ajudando assim o início da modernização brasileira”. (Richard Graham, Grã-Bretanha e o início da modernização do Brasil, p. 131 e s.).
Os ingleses naturalmente dirigiram seus investimentos no Brasil para aquilo que lhes dava mais lucro, que era o que lhes interessava. Deve-se notar que esses melhoramentos, indiretamente, podiam ser úteis a empresários que quisessem estabelecer uma indústria, como de fato aconteceu.
As iniciativas industriais dos ingleses tornaram-se mais ativas depois de 1870, mas muitas delas foram registradas antes dessa data. Ainda de acordo com Richard Graham, em 1854, funcionava em Salvador uma fundição de propriedade de ingleses, contando com 84 empregados. Outro exemplo foi o da empresa inglesa Edward Ashworth & Co., estabelecida no Rio de Janeiro, que fundou uma indústria de lonas em São Paulo, uma fábrica de tecidos de lã em Petrópolis e uma tecelagem em Taubaté (Richard Graham, op. cit., p. 147.).
Acrescente-se ainda que as fábricas brasileiras, em geral, dependiam dos ingleses para o fornecimento de maquinaria e material industrial. Isso acontecia, em particular, nas indústrias têxteis, em que os britânicos eram os pioneiros, mas também em outros setores da atividade industrial.

Imperialismo
Em meados do século XIX, nos países capitalistas mais desenvolvidos, teve início a Segunda Revolução Industrial, marcada, entre outras inovações, pelo emprego em grande escala do aço e pelo desenvolvimento da eletricidade. Desde esse momento, esses países, liderados pela Inglaterra, passaram a disputar fontes de matérias- primas, mercados consumidores e, sobretudo, áreas para a aplicação do capital excedente. Essa forma de atuação dos novos países industrializados ficou conhecida como imperialismo. A Era Mauá correspondeu ao momento em que o Brasil se integrou aos países imperialistas, passando a receber vultosos investimentos diretos, principalmente no setor financeiro e na instalação e exploração de serviços, tais como ferrovias, companhias de navegação e transportes urbanos.

Veja-se, por exemplo, o carvão utilizado nas máquinas a vapor empregadas nas indústrias ou nas fundições, como era o caso do Estaleiro da Ponta da Areia. Era quase todo importado da Inglaterra. O mesmo acontecia com o ferro. Essa constatação levou o diretor da Fábrica de Ferro de São João de Ipanema a lamentar, num relatório de 1870, que nenhuma das fundições do Império empregasse “como matéria-prima o mais insignificante pedaço de ferro ou aço fabricado no país”.

Fábrica Ipanema
Essa fábrica existia desde o tempo do príncipe D. João, que a mandara instalar, em 1810, objetivando reduzir as importações da Inglaterra. Localizava-se no atual município paulista de Iperó (imediações de Sorocaba). Permaneceu como propriedade do Estado até 1895, quando encerrou as atividades.

Finalmente, é preciso registrar que era na Inglaterra que o governo brasileiro obtinha empréstimos. A casa bancária Rothschild & Sons foi, desde 1855, agente brasileiro financeiro exclusivo do Brasil em Londres e monopolizou o financiamento externo do governo imperial. Até 1865, nosso país recebeu dez empréstimos, em um valor total aproximado de vinte e um milhões de libras esterlinas. Além de empréstimos, o Brasil recebia também investimentos diretos, chegando a concentrar a quarta parte de todos os investimentos britânicos na América Latina.
O historiador Caio Prado Júnior avaliou a importância dos empréstimos e investi- mentos britânicos no Brasil nos seguintes termos:

“Com o capital inglês (bem como de outras nacionalidades, embora em menores proporções) construir-se-ão estradas de ferro, montar-se-ão indústrias, aparelhar-se-ão portos marítimos. Além disso, o afluxo de capital estrangeiro permitirá equilibrar normalmente as finanças externas sem sacrifício das importações, de tão fundamental importância para o Brasil. Será possível manter em dia os pagamentos exteriores. Fossem quais fossem os efeitos remotos disto [...], o fato é que naquele momento o concurso do capital inglês contribuiu grandemente para estimular as forças do país” (Caio Pra- do Júnior, História econômica do Brasil, p. 169.).


8. A vida de Mauá
O homem que deu nome a toda uma era na história do Brasil chamava-se Irineu Evangelista de Souza. Ele se tornou Barão de Mauá em 1854 (e Visconde de Mauá em 1874), mas, para facilitar, vamos chamá-lo Mauá.
Ele havia nascido em Arroio Grande, no distrito de Jaguarão, no Rio Grande do Sul, em 28 de dezembro de 1813. Suas origens nem de longe fariam supor a importância que viria a ter na vida do país. O pai dedicava-se à criação de gado na pequena fazenda que possuía nas proximidades da fronteira com o atual Uruguai. A mãe foi sua professora, ensinando-lhe os rudimentos da escrita, da leitura e da aritmética.
O destino soou para Mauá quando tinha a idade de nove anos. Tendo ficado órfão de pai, foi levado para o Rio de Janeiro por um tio, capitão de um navio, e empregado na loja de um comerciante português. Morava no próprio local de trabalho, como era comum na época. E assim, como caixeiro, iniciou seu aprendizado dos segredos do comércio. E o fez com a maior dedicação. Embora trabalhasse muito, aproveitava as poucas horas vagas de que dispunha para estudar. Um freguês interessou-se por ele e, depois que as portas da loja eram fechadas, dava-lhe lições de contabilidade e outras matérias.
Aos quinze anos, Mauá transferiu-se para o estabelecimento de Richard Carruthers, um comerciante escocês estabelecido no Rio de Janeiro. O novo emprego oferecia importantes vantagens. Era uma empresa mais organizada e propiciava mais tempo livre, que o futuro empresário aproveitava para estudar. Aprendeu inglês com o patrão e passou a ler os livros que ele lhe emprestava. Disciplinado, esforçado e estudioso, Mauá acabou por conquistar a confiança de Carruthers e os dois acabaram por travar uma amizade que durou a vida toda.
Combinando trabalho e estudo, logo conseguiu dominar as sutilezas do funcionamento do comércio internacional e das operações com o câmbio. Ao perceber o talento de seu empregado para ganhar dinheiro, o velho Carruthers não teve dúvida em fazer dele seu sócio e passar-lhe o comando da empresa, retirando-se dos negócios e indo para a Escócia, sua terra natal, gozar a aposentadoria. Era o ano de 1837, e Mauá estava com 24 anos.

Maioridade de D. Pedro II
Em virtude da situação extrema- mente crítica que o país vivia, ficou parecendo que os problemas se deviam à incapacidade de o governo regencial manter a ordem no país. Diante disso, impôs-se a ideia de antecipar a maioridade de D. Pedro II, ideia que recebeu sua imediata aprovação.
No dia 23 de julho de 1840, com 15 anos incompletos, D. Pedro jurou a Constituição e, no dia seguinte, no- meou seu primeiro ministério. Esse fato assinala o fim da Regência e o início do II Reinado.
A campanha pela maioridade do príncipe tornou-se popular e ganhou até uma quadrinha. Cantada nos salões e ruas do Rio de Janeiro, dizia:
Queremos Pedro II,
Ainda que não tenha idade. A nação dispensa a lei. Viva a Maioridade!

Regência
Durante a menoridade do imperador D. Pedro de Alcântara, o Brasil foi governado por uma Regência Trina (1831­ 1835) e, em seguida, por uma Regência Una (1835­1840).

Nessa época, a cidade do Rio de Janeiro tinha pouco mais de 200 mil habitantes e o Brasil era governado por uma Regência, que exercia o poder enquanto o jovem imperador não atingisse a idade de 18 anos, necessária para assumir o trono.
O país atravessava, então, o mais agitado período de sua história política: revoltas explodiam por todo o país. A agitação era tão grande que as lideranças políticas convenceram-se da necessidade de antecipar a idade legal de D. Pedro. E graças a uma lei aprovada às pressas, em 1840, com quinze anos incompletos, ele assumiu o governo do Brasil.
Também nesse ano, Mauá, já então um homem rico, achou que era hora de fazer uma grande mudança em sua vida, que até aquele momento fora apenas de trabalho. Para começar, tirou férias e viajou para a Grã-Bretanha, que vivia nessa época um processo acelerado de crescimento industrial. Circulando por Bristol, Londres, Liverpool e outros centros comerciais e industriais, Mauá conheceu ferrovias, fábricas têxteis, estaleiros e indústrias siderúrgicas. Depois de visitar seu velho amigo Carruthers, iniciou a viagem de volta, idealizando novos passos nos negócios e em sua vida pessoal. Logo depois de desembarcar no Rio de Janeiro, em 1841, casou-se com Maria Joaquina, sua sobrinha, com quem teve 18 filhos, alguns dos quais faleceram ainda na infância.

9. Os negócios de Mauá
O nome de Mauá esteve associado, de muitas formas, a dezenas de empresas. Elas foram relacionadas na Autobiografia (Exposição aos credores e ao público), uma obra que ele escreveu por ocasião de sua falência, em 1878. A seguir, faremos um breve relato de alguns de seus empreendimentos, começando pelo primeiro deles, e um dos mais importantes, que foi a Ponta da Areia.

         1) Ponta da Areia
Como vimos anteriormente, em 1844, o governo brasileiro aprovou o decreto de Alves Branco (ver p. 9), que aumentava as tarifas alfandegárias sobre as importações e previa a isenção de impostos para certas importações feitas por indústrias instaladas no Brasil.
Percebendo os novos rumos que se abriam para a economia brasileira, Mauá tomou a iniciativa de fechar sua empresa comercial e estabelecer-se no ramo industrial. Convencido de que a indústria do ferro era mãe de todas as outras, ele comprou, em 1846, a Ponta da Areia, um pequeno estabelecimento de fundição e estaleiro, localizado em Niterói (RJ).
Investir em indústria num país atrasado como o Brasil poderia significar, à primeira vista, um negócio de alto risco — uma espécie de salto no escuro. Mas nesse caso não era bem assim. A verdade é que, além do protecionismo das novas tarifas alfandegárias, ele havia conseguido, antes mesmo de adquirir a fábrica, a promessa, por parte do governo, de pedidos de tubos de ferro para o encanamento das águas do rio Maracanã.
Pela fábrica, pagou sessenta contos de réis, um terço desse valor correspondendo à compra de 28 escravos que trabalhavam na empresa como carpinteiros, maquinistas e fundidores. Com o novo dono, o estabelecimento continuaria a produzir produtos de ferro e navios, mas em escalas muito maiores. Dinheiro para investir não era dificuldade, pois, além do capital próprio, ele tinha onde conseguir empréstimos. O problema maior era conseguir ferro, carvão, máquinas e equipamentos, produtos que não havia no Brasil. Tudo teria que vir do exterior, inclusive trabalhadores especializados.
Mas, naquele tempo, sem a ajuda do governo, dificilmente uma grande empresa poderia sobreviver no nosso país. Por isso, embora já contasse com tarifas protecionistas e encomendas, o empresário achou que precisava de mais um favorzinho: obteve dos cofres públicos um empréstimo a juros baixos e com muitos anos para pagar.
Com esse amparo, a fábrica pôde crescer e expandir as atividades. De suas instalações saía uma variedade de produtos, entre os quais engenhos de açúcar movidos a vapor, pontes de ferro, canhões de bronze e navios a vapor.
Em poucos anos, a Ponta da Areia se transformou numa grande indústria, a mais importante do Brasil. Em 1852, tinha cerca de 450 trabalhadores, estrangeiros em sua maior parte. Entretanto, seus dias de glória não durariam muito tempo, sendo vitimada por três reveses. O primeiro foi o incêndio ocorrido no dia 24 de junho de 1857, que a destruiu parcialmente. Embora tivesse sido reconstruída, a fábrica não resistiu ao golpe seguinte, ainda mais forte: a decretação, em 1860, de novas tarifas alfandegárias (Tarifa Silva Ferraz), que facilitavam a importação de equipamentos para a lavoura e os navios. Sem condições de enfrentar a concorrência com os produtos importados, a Ponta da Areia entrou em declínio. O terceiro golpe foi a redução dos pedidos do governo, que havia sido sempre o responsável pelas principais encomendas à Ponta da Areia.
Mauá tentou entregar a fábrica ao governo, em troca das dívidas, mas não conseguiu. Também tentou vendê-la aos ingleses, igualmente sem sucesso. A fábrica seria finalmente vendida, com grande prejuízo, em 1877, quando Mauá já se encontrava em processo de falência.

Ponta da Areia – causa do incêndio
O deputado M. Campos, de São Paulo, discursando em 15 de julho de 1857, deu uma explicação para a causa do incêndio. Segundo ele, a Ponta da Areia estava construindo uma pequena embarcação, a pedido do Arsenal da Marinha, e teve de encomendar um serviço de marcenaria. Enquanto realizava o trabalho, o marceneiro exigiu que um escravo seu dormisse no estabelecimento. “Que por dormir o escravo ali se originou o desastre, é fato que não pode negar-se; foi demonstrado até por diligências policiais.” (Anais do Parlamento Brasileiro. Câmara dos Deputados, Rio de Janeiro, 15 jul. 1857.)


         2) Companhia de Navegação do Amazonas
Essa empresa nasceu em 1852, no momento em que o Brasil começava a sofrer intensa pressão para abrir o rio Amazonas aos navios de todo o mundo. O governo imperial vinha mantendo fechado o grande rio, pois temia que a presença de barcos estrangeiros nessa região remota pudesse criar uma ameaça à integridade do território nacional.
Recorreu, então, a Mauá, propondo-lhe a criação de uma empresa de navegação a vapor no rio Amazonas e afluentes. Este, percebendo a oportunidade de ganhar muito dinheiro, aceitou a proposta. “Esta foi uma das grandes empresas que criei”, escreveu ele, mais tarde, em sua Autobiografia. Não apenas grande, mas também uma das mais lucrativas. Mauá ganhou o monopólio para explorar a navegação a vapor no vale do grande rio por um período de trinta anos e um subsídio anual de 160 contos de réis.
Em 1854, Inglaterra e Estados Unidos reclamaram formalmente a abertura do Amazonas, tornando-se impossível resistir à pressão. Diante disso, Mauá concordou em abrir mão do monopólio, recebendo, em compensação, um substancial aumento do subsídio. Com essa alteração, o governo ficou livre para decretar, quando achasse oportuno, a abertura do rio Amazonas à navegação internacional — o que de fato ocorreu em 1866. Alguns anos mais tarde, em 1872, Mauá transferiu para o capital inglês a maior parte das ações da empresa, que ainda operava por ocasião da falência do empresário.

Ponta da Areia
Para reconstruir a fábrica, Mauá apresentou na Câmara dos Deputados um pedido de empréstimo, e fez ele mesmo a defesa do pedido. Desde 1855, Mauá era membro da Câmara, tendo assumi­ do, como suplente, a vaga de um deputado que se afastara. Posteriormente, elegeu-se várias vezes deputado, sempre pelo Partido Liberal do Rio Grande do Sul. Em 1873, renunciou ao mandato para cuidar de seus negócios.

Vales bancários
Naquele tempo, o que ocorria com a moeda era o seguinte: a emissão de dinheiro propriamente dito (moeda e papel-moeda) era monopólio do Tesouro Nacional e era feita em pequena escala. Como o cheque ainda não estava em uso entre nós, resultava uma permanente escassez de meios de pagamento na praça. Daí a importância que assumiam os vales, emitidos pelos bancos autorizados.

         3) Banco do Brasil
Já sabemos que, em 1850, havia sido finalmente abolido o tráfico negreiro, com a consequente liberação de capitais para outros negócios. Essa situação foi percebida por Mauá, como ele mesmo iria escrever muitos anos depois:

“Reunir os capitais que se viam repentinamente deslocados do ilícito comércio e fazê-los convergir a um centro donde pudessem ir alimentar as forças produtivas do  de Souza. Autobiografia – Exposição aos credores e ao público, p. 120.).

De fato, pouco mais de seis meses depois da abolição do tráfico, ele fez uma coisa que iria repetir outras vezes posteriormente: reuniu sócios e capitais para iniciar um novo negócio. Ele chamava isso de “espírito de associação”. Desta vez, a associação era para fundar um banco, nascendo, assim, o Banco do Brasil, que iniciou as operações em agosto de 1851. Seu capital seria de 10 mil contos de réis, uma importância até então inédita no país, excetuadas as contas do governo.
Além de depósitos, empréstimos e descontos, o novo estabelecimento poderia emitir vales bancários, instrumentos de crédito, de curto prazo, que rendiam um pequeno juro. No entanto, acabavam circulando mesmo depois do vencimento, convertendo-se em meio de trocas, isto é, substituindo o dinheiro. O banco pagava uma pequena remuneração sobre os depósitos como forma de atrair os correntistas.
Em 1853, porém, o empresário receberia uma péssima notícia: o governo, chefiado pelo conservador José Joaquim Rodrigues Torres, Visconde de Itaboraí, anunciou a criação de um banco oficial, que teria o monopólio das emissões. O novo estabelecimento deveria incorporar o Banco do Brasil, de Mauá, e o Banco Comercial, os dois bancos então existentes na praça do Rio de Janeiro.
O Visconde de Itaboraí justificou a medida com o argumento de que a “concorrência entre os bancos tem sido a causa principal de quase todas as crises comerciais”. (Apud Antônio Carlos R. de Andrada, Bancos de emissão no Brasil, p. 45.)
Essa iniciativa teve enormes repercussões na vida financeira do país, pois com ela o governo imperial dava início à política do “dinheiro escasso”, fazendo exatamente o contrário do que Mauá defendia.

         4) Sociedade Bancária Mauá, MacGregor & Cia.
Tendo ficado sem seu banco e sua fonte de dinheiro fácil, Mauá não permaneceu de braços cruzados. Já em 1854, constituiu a Sociedade Bancária Mauá, MacGregor & Cia., com o capital de 20 mil contos de réis. A nova empresa, embora registrada como simples sociedade comercial, se destinava a realizar operações bancárias. O estabelecimento cresceu rapidamente, chegando a abrir agências “em cada uma das capitais das vinte províncias do império, além de muitas outras em localidades de alguma importância do Brasil”, conforme suas próprias palavras, e também no exterior (Inglaterra, Estados Unidos, Uruguai e Argentina). Em 1866, a Sociedade Bancária Mauá, MacGregor & Cia. desapareceu para dar lugar ao Banco Mauá & Cia., do qual voltaremos a falar mais adiante.

         5) Companhia de Iluminação a Gás
Já fazia tempo que o governo pretendia melhorar a iluminação da cidade do Rio de Janeiro, feita então por lampiões que queimavam azeite de peixe. Finalmente em 1849, anunciou o desejo de receber propostas dos interessados em promover esse melhoramento na cidade. Mauá ganhou a concorrência e constituiu a Companhia de Iluminação a Gás da cidade do Rio de Janeiro para executar o trabalho. Mas foi somente depois que as luzes se acenderam pela primeira vez, em 25 de março de 1854, que ele conseguiu vender as primeiras ações da empresa. Fornecendo luz para ruas e casas ao preço de 27 réis por hora de iluminação, a empresa prosperou e se transformou num bom negócio. Mesmo assim, em 1865, pressionado pela falta de dinheiro, Mauá transferiu a empresa para capitalistas ingleses.

         6) Ferrovia Rio-Petrópolis
Mauá concebeu a ideia de construir, em 1850, aquela que seria a primeira ferrovia no Brasil. Mas, em virtude da dificuldade de reunir o capital necessário, somente dois anos depois teve início a construção da ferrovia, que deveria ligar a Corte à cidade de Petrópolis e posteriormente alcançar Minas Gerais. Ao ser inaugurado o primeiro trecho, em 30 de abril de 1854, o empresário foi nobilitado pelo imperador D. Pedro II com o título de Barão de Mauá, pelo qual ele ficaria conhecido desde então.
Entretanto, a tecnologia então disponível não permitiu que a ferrovia subisse a serra e alcançasse Petrópolis. Esse fato, aliado à concorrência de outras estradas construídas na região, impediu o sucesso da obra de Mauá, acarretando um grande prejuízo para o empresário.

Brasão de Mauá
Quando uma pessoa era nobilitada, em geral escolhia para seu brasão motivos inspirados em suas realizações. Seguindo esse costume, Mauá escolheu uma locomotiva sobre trilhos, um navio a vapor e quatro lampiões a gás. Embaixo, como convinha a um empresário, a divisa Labor Improbus Omnia Vincit (O trabalho sempre vence).

         7) Companhia Fluminense de Transportes
Essa empresa, que existia desde 1852, dedicava-se a transportar café e outros gêneros para os depósitos de embarque. Três anos depois da inauguração, possuía 34 carroças, muares e 80 trabalhadores, dos quais a metade era constituída de escravos.
A empresa não ia bem. Então, numa tentativa de salvar o negócio, Mauá entrou como sócio, ficando também com a presidência. Segundo suas próprias palavras, atendia a “pedidos de influências da época”. Mas o esforço foi inútil: a empresa acabaria falindo, e o prejuízo foi total.

         8) Companhia de luz esteárica
Essa fábrica, que produzia sabão e velas de estearina, já existia há alguns anos, quando Mauá a comprou, em 1854, transformando-a na sociedade anônima Luz Esteárica e Produtos Químicos. Mauá ficou com um terço das ações e a presidência da empresa. Mas o negócio não foi bem- sucedido, apesar de utilizar matéria-prima nacional e contar com mercado garantido e proteção alfandegária. Segundo Mauá, a empresa “não pôde resistir à ação de administradores pouco escrupulosos”. Mais tarde, precisando de dinheiro, ele se viu obrigado a vender o estabelecimento.

Outras empresas a que Mauá esteve ligado foram: Companhia de Rebocadores a Vapor para o Rio Grande, Estrada de Ferro de Recife ao São Francisco, Estrada de Ferro da Bahia, Companhia de Diques Flutuantes, Companhia de Cortumes, Montes Áureos Brazilian Gold Mining Co., Estrada de Ferro Santos-Jundiaí, Companhia de Ferro da Tijuca, Companhia de Carris de Ferros do Jardim Botânico, Estrada de Ferro Paraná-Mato Grosso, Estrada de Ferro Rio Verde e Banco Mauá & Cia. Contribuiu também para a implantação do serviço de abastecimento de água na cidade do Rio de Janeiro. Foi, ainda, iniciativa sua o lançamento, em 1874, do cabo submarino ligando o Brasil à Europa.

10. Mauá, diplomata.
Serviços prestados à política brasileira no Rio da Prata.

No início da década de 1850, Mauá já era um empresário bem-sucedido e o governo brasileiro voltou-se para ele em busca de ajuda. O pedido foi para que socorresse financeiramente o governo do Uruguai, num momento em que o país vizinho se via assolado por uma violenta guerra civil.
O governo uruguaio era dirigido pelo chefe político Frutuoso Rivera, do Partido Colorado, aliado do Brasil. Sua autoridade, porém, restringia-se a Montevidéu, já que todo o interior estava dominado pelo Partido Blanco, liderado por Manuel Oribe. Para piorar as coisas, os blancos contavam com o apoio do governante de Buenos Aires, Manuel Rosas, cujo sonho era a reconstituição do antigo Vice-Reino do Prata. Mas isso o Brasil não podia aceitar, pois alteraria o equilíbrio de poder na região em favor da Argentina.
O governo brasileiro, então, resolveu intervir em favor de seu aliado, sitiado em Montevidéu. Mas achou melhor usar os serviços de um intermediário, e o escolhido foi Mauá. Ele aceitou financiar o governo uruguaio com seu próprio dinheiro, e tirou disso muito proveito, recebendo, nos anos seguintes, vários favores do governo brasileiro, na forma de concessões e empréstimos.
Em 1856, Mauá decidiu criar um banco no Uruguai, dando origem ao Banco Mauá & Cia., o primeiro da história daquele país. O empreendimento não só foi aprovado pelas autoridades uruguaias, como recebeu o direito de emitir bilhetes com valor de papel-moeda. Posteriormente, ele abriu filiais do banco também na Argentina e no Rio Grande do Sul.
Mauá não se limitou ao banco, investindo também em transporte, iluminação a gás, fazendas de criação de gado, saladeros etc. Enfim, passou de credor a sócio, apostando a longo prazo no progresso do Uruguai. Mas era uma aposta de alto risco, da qual ele haveria de arrepender-se amargamente mais tarde quando os problemas começaram a aparecer.
É interessante observar que os negócios de Mauá no Brasil, Uruguai e Argentina antecipavam o relacionamento econômico cooperativo que se estabeleceria nessa região muitas décadas depois, com a criação do Mercosul.

Saladero
Palavra espanhola que significa “charqueada”, local onde se charqueia (ou seja, salga) a carne.

11. Os problemas de Mauá
Por volta de 1860, Mauá estava no auge de sua atuação como homem de negócios no Brasil e em vários países. Mas não tardou para que os problemas começassem a aparecer. Veremos alguns deles, a seguir, e as manobras do empresário para contorná-los.
Em primeiro lugar, Mauá começou a sentir o peso dos prejuízos causados por várias de suas empresas. Isso coincidiu com a necessidade de concorrer com bancos ingleses, que, nessa época, começaram a operar no Brasil e no Prata. Para enfrentar o poderio dos novos concorrentes, Mauá tentou, em Londres, associar-se a um banco inglês. Para fortalecer sua posição, chegou a vender sua empresa mais lucrativa, a Cia. de Iluminação a Gás do Rio de Janeiro. Mas o negócio não se concretizou, em virtude de uma crise financeira que se abateu sobre Londres e da oposição que ele encontrou por parte de seus sócios no Brasil.
Rejeitada a associação com o banco inglês, Mauá propôs a seus sócios a liquidação da Sociedade Bancária Mauá, MacGregor & Cia. Em busca de uma posição mais sólida, procurou concentrar seus negócios. Desfez-se de algumas empresas e reuniu os capitais de todas as suas casas bancárias, espalhadas em vários países, e fundou, em 1866, o Banco Mauá & Cia.
Em segundo lugar, a posição financeira de Mauá foi seriamente afetada pelos problemas causados pela companhia inglesa proprietária da ferrovia Santos-Jundiaí. Essa obra havia sido concluída em 1867, e, como já sabemos, era em grande parte uma realização de Mauá. Ele havia obtido a concessão para a construção da ferrovia, em 1856, com uma garantia de cinco por cento de juros para o capital empregado. Fez todos os estudos de viabilidade técnica e organizou a empresa em Londres. Entre os acionistas estavam membros da casa bancária Rothschild & Sons. E vendeu-lhes mais tarde sua participação acionária no negócio. De maneira que a ferrovia se tornou um negócio de capitalistas ingleses, embora parte do financiamento da construção tenha sido feito com o dinheiro do Banco Mauá.
E aí estava o problema, pois durante a construção ocorreu a falência do empreiteiro Robert Sharp. Apesar dos riscos, Mauá teve de continuar financiando a obra, pois de outra forma ela seria interrompida, e aí os prejuízos seriam inevitáveis. Ao mesmo tempo, recorreu ao Tribunal de Justiça de São Paulo, para recuperar seu dinheiro. Mas a decisão, proferida muitos anos depois, foi favorável à empresa inglesa. Mauá recorreu ao Superior Tribunal de Justiça e novamente perdeu. O tribunal considerou que, sendo a ferrovia uma empresa inglesa, não cabia à Justiça do Brasil julgar, mas sim à Justiça da Inglaterra. E quando Mauá recorreu aos tribunais ingleses, o prazo legal havia se esgotado. Quer dizer, os juízes brasileiros mandaram para a Justiça inglesa uma reclamação que, pelas leis daquele país, já estava prescrita!
O não recebimento dessa dívida significava um prejuízo de 600 mil libras, algo como seis mil contos de réis. Diante de per- das financeiras desse porte, muitos sócios se retiraram do banco, provocando sua descapitalização. Essa situação levou Mauá a penhorar seus bens junto ao Banco do Brasil para conseguir fundos, superar dificuldades momentâneas e seguir em frente.


12. A moratória e a falência de Mauá
Em junho de 1874, Mauá teve a satisfação de ver inaugurada a ligação telegráfica, por cabo submarino, entre o Brasil e a Europa. Embora tivesse sido em grande parte obra sua, ela não lhe trouxe nenhum ganho financeiro. Deu-lhe, porém, o ensejo de ser agraciado com mais um título de nobreza, tornando-se Visconde de Mauá.
Mas, a partir de então, as coisas só fizeram piorar para o empresário brasileiro. O desastre começou no Uruguai, em fevereiro de 1875, quando se desencadeou uma corrida ao Banco Mauá. O Visconde, que já tivera de cerrar as portas de seu estabelecimento em crises anteriores, desta vez teve de fechá-las definitivamente.
No Brasil, seu banco também não ia bem e já havia sido obrigado a tomar vários empréstimos. No começo de maio de 1875, veio o golpe de misericórdia. Tendo lhe faltado dinheiro para cobrir pagamentos na agência de Londres, Mauá recorreu ao Banco do Brasil, como já havia feito outras vezes. Pediu três mil contos de réis e ofereceu em garantia ações que valiam o dobro, mas o pedido foi recusado. Nem desta vez, embora fosse seu amigo particular.
O problema era que, nesse momento, depois de cinco anos no governo, Rio Branco estava enfraquecido e sofria intensos ataques dos políticos da oposição. Entre estes se destacava Zacarias de Góis e Vasconcelos, também adversário de Mauá, a quem acusava de aproveitador. Segundo Zacarias, fazia tempo que Mauá vivia à custa do Tesouro. Fazia um empréstimo e girava com o dinheiro. “Quando o dinheiro acabava, vinha novo saque e novo dinheiro e isso um dia tinha de acabar.” (Annaes do Parlamento Brasileiro. Senado, sessão de 21 de maio de 1875, p. 21.)
Sem a ajuda do governo, sem o empréstimo do Banco do Brasil e sem dinheiro em caixa, Mauá se viu obrigado a suspender os pagamentos e fechar as portas de seu banco. Restava-lhe uma única saída: pedir uma moratória, isto é, um prazo para pagar os credores e evitar a falência. Foram-lhe concedidos três anos, o máximo que a lei brasileira permitia. O débito estava avalia- do em 78 mil contos de réis. Embora seus bens superassem esse valor, o problema seria vendê-los dentro do prazo. De fato, ele não o conseguiu e não teve, portanto, como pagar todos os seus débitos. Em 1878, sua falência foi decretada.
Nos anos seguintes, entretanto, Mauá iria empenhar-se em pagar os credores e limpar seu nome. Todos os bens que ainda lhe restavam foram levados a leilão, inclusive objetos de uso pessoal que tinham algum valor. Nessa ocasião, ele escreveu Exposição do Visconde de Mauá aos credores de Mauá & Cia. e ao público, um texto de 180 páginas, publicado posteriormente com o título de Autobiografia (Exposição aos credores e ao público). Depois, viajou para Londres, para onde levou o litígio com a ferrovia, mas o prazo já havia caducado e ele perdeu mais uma vez.
Com muitas dificuldades, conseguiu, em 1883, completar o pagamento aos credores e, no ano seguinte, obteve a carta de reabilitação. Faleceu aos setenta e seis anos de idade, no dia 22 de outubro de 1889, três semanas antes da queda do Império.

13. Mauá: uma avaliação
Os biógrafos de Mauá costumam exagerar os méritos do empresário. Fazem dele uma espécie de herói solitário, idealista, patriota, travando uma luta, previamente perdida, contra as forças que se opunham ao desenvolvimento do país.
Na verdade, Mauá foi um homem de seu tempo. Foi um sócio menor do imperialismo financeiro britânico, e por fim descartado quando já não interessou mais.
Mauá esteve diretamente vinculado aos meios político e econômico e ao desenvolvimento do sistema bancário do Segundo Império. Teve suficiente perspicácia para perceber as oportunidades que surgiam no país e habilidosamente procurou tirar proveito delas.
Membro da maçonaria, deputado em várias legislaturas, Mauá foi amigo de quase todos os políticos influentes de sua época. Nessa condição, pôde pleitear e obter muitos favores, tais como concessões e empréstimos. Realizou negócios, ganhou dinheiro e tornou-se um homem rico e poderoso. Graças a isso, conseguiu levar a cabo importantes empreendimentos, que trouxeram reais benefícios para o Brasil.

14. Um balanço do período
A Era Mauá correspondeu a um momento privilegiado da história do Brasil, em que as forças produtivas do país tomaram um ritmo mais acelerado de desenvolvi- mento. Segundo o historiador Caio Prado Júnior, nosso país

“[...] nascia para a vida moderna de atividades financeiras. Um incipiente capitalismo dava aqui seus primeiros e modestos passos. A incorporação das primeiras companhias e sociedades, com seu ritmo acelerado e apesar dos exageros e certo artificialismo, assinala assim mesmo o início de um processo de concentração de capitais que, embora ainda acanhado, representa o ponto de partida para uma fase inteiramente nova”. (Caio Prado Júnior, História econômica do Brasil, p. 193.)

De fato, como vimos, houve a expansão dos negócios em todas as suas modalidades, compreendendo grandes empreendi- mentos, como estradas de ferro e empresas de navegação a vapor, bem como a criação das primeiras manufaturas de alguma importância.
Entretanto, a Era Mauá — ou seja, o ímpeto modernizador que tivera início em 1850 — não teve vida longa e esmoreceu logo depois de iniciada a década de 1860. Veremos a seguir os problemas que contribuíram para esse desfecho.
Um dos mais graves era o problema da mão de obra. A permanência da escravidão, ainda numerosa no país, restringia o mercado consumidor e depreciava o trabalho manual. Outro problema era a escassez de trabalhadores; isso pode parecer estranho para nós, hoje, mas a verdade é que, naquele tempo, não havia muitas pessoas procurando emprego. Também havia falta de certos elementos básicos, tais como ferro, carvão e, principalmente, capital.
Em virtude dessas dificuldades, o desenvolvimento da indústria ficava dependendo de uma decisiva ação do governo. Entretanto, não foi isso o que aconteceu.
A partir do final da década de 1850, e, sobretudo, na década seguinte, o governo brasileiro tendeu a afastar-se de uma política de proteção às indústrias. Essa atitude era influenciada por uma nova teoria, o liberalismo econômico, proveniente da Inglaterra, país que, depois de disparar na liderança do desenvolvimento industrial, assumiu a defesa do livre-comércio entre as nações. Os liberais brasileiros, majoritários no Parlamento após as eleições de 1860, passaram a defender um programa que incluía uma substancial redução dos impostos sobre as importações, a desregulamentação da economia e o fim do intervencionismo estatal. A vitória desse programa significou o abandono de mecanismos que protegiam a nascente indústria brasileira.


Liberalismo econômico
O liberalismo econômico consolidou-se, na Inglaterra, a partir da Revolução Industrial, no final do século XVIII. Entre suas propostas, constava a diminuição dos controles governa- mentais na economia, em favor da iniciativa individual e do comércio livre entre as nações. Teve como principal teórico Adam Smith, autor da obra A riqueza das nações. Adaptadas aos nossos dias, essas ideias constituem o neoliberalismo.

15. O problema do crédito
Ao começar a década de 1850, existiam no Brasil alguns bancos que tinham autorização do governo para emitir bilhetes que circulavam no mercado, ao lado da moeda e do papel-moeda emitidos pelo governo. Essa atitude caracterizava uma política emissionista, da qual resultava uma grande quantidade de dinheiro em circulação. Seu objetivo era oferecer meios de pagamento para atender às necessidades criadas pela expansão cafeeira e comercial que então ocorria no país.
Mas essa política logo começou a receber críticas, o que deu origem a um embate entre os que defendiam o emissionismo, chamados papelistas, e os que queriam exatamente o contrário, conhecidos por metalistas.
Para os primeiros, entre os quais se incluía o Barão de Mauá, uma maior quantidade de dinheiro na praça significaria juros mais baixos e, portanto, mais facilidade para tomar empréstimos e fazer investimentos. Para isso, defendiam ampla circulação de bilhetes, emitidos por bancos autorizados, que circulariam como dinheiro.
Porém, a abundância de dinheiro era combatida pelos metalistas, que a consideravam responsável pela inflação e pelas crises financeiras. Defensores do padrão-ouro, os metalistas achavam que um meio circulante somente seria sadio se fosse conversível em ouro. Por isso, combateram duramente a prática dos bancos emissores, propondo que as emissões de dinheiro fossem exclusividade de um banco controlado pelo governo.
Deve-se registrar que as ideias liberais não fizeram sucesso por acaso. Na verdade, é compreensível que tivesse sido assim, em virtude do domínio absoluto da economia brasileira, na época, pela agricultura de exportação, sobretudo do café. O raciocínio do fazendeiro era simples e coerente: com o dinheiro do café era possível comprar os demais produtos e ainda sobrava. A mesma lógica do fazendeiro tornou-se predominante na elite dirigente. Se com o dinheiro das exportações de café era possível pagar a importação dos produtos que o país não produzia, então nada mais natural do que concentrar os esforços na economia voltada para a exportação, muito mais lucrativa.
Portanto, não foi por acaso que, nos anos 1860, o governo brasileiro tenha adotado medidas que afetaram negativamente o desenvolvimento industrial. V eremos a seguir dois aspectos dessa política: a redução do crédito e a queda do protecionismo alfandegário.

Padrão-ouro
Os homens de Estado no século XIX aceitavam como indiscutível a ideia de que o meio circulante de um país devia ser constituído de moedas garantidas por uma quantidade equivalente de ouro. Ou, seja, o portador de uma quantia em papel-moeda poderia convertê-la a qualquer momento em ouro. A isso se chama padrão­ouro.

Banco do Brasil
O primeiro Banco do Brasil foi funda­ do pelo príncipe D. João, em 1808, mas faliu vinte anos depois. O segundo foi criado por uma lei de 1833, mas não chegou a funcionar. O terceiro foi estabelecido por Mauá, em 1851.

Liderados pelo Visconde de Itaboraí (José Joaquim Rodrigues Torres), um dos principais líderes do Partido Conservador, os metalistas conseguiram aprovar uma reforma bancária, em 1853, por meio da qual promoveram a fusão do Banco do Brasil-Mauá e do Banco Comercial do Rio de Janeiro, dando origem ao Banco do Brasil (o quarto com esse nome). A esse banco, sob o controle do governo, ficou reservada a exclusividade da emissão de dinheiro.
Portanto, os metalistas saíram vitoriosos da disputa e, por isso, acabou prevalecendo a política de dinheiro escasso, que não beneficiava os negócios. Joaquim Nabuco notou que ela foi recebida “pelos banqueiros, pelos interessados na barateza da moeda corrente, e por todos os que desejavam o lançamento de novas empresas, com a mais veemente e indignada oposição”. (Joaquim Nabuco, Um estadista do Império, v. 1, p. 400.)

16. A queda do protecionismo
Outro torpedo contra o desenvolvimento industrial foi disparado pelo governo ao promover a reforma alfandegária de 1860, com a consequente queda do protecionismo alfandegário. Com efeito, desde que foram introduzidas, em 1844, as Tarifas Alves Branco sofriam constantes críticas, que partiam dos comerciantes ligados ao setor importador, para os quais não interessava a elevação do custo dos produtos importados, e também dos fazendeiros, que consideravam as novas tarifas prejudiciais aos interesses da agricultura.
Os argumentos desses setores foram expressos num relatório divulgado em 1853, que dizia o seguinte:
“Uma tarifa que encareceu com o peso de fortes direitos os instrumentos agrários, e dificultou a sua aquisição, uma tarifa que encareceu os gêneros necessários à subsistência da classe dos trabalhadores, a conservação de impostos, que dificultam a saída de seus produtos, e a sua concorrência com os seus similares nos mercados exteriores, e que colocam os nossos lavra- dores na triste colisão, ou de abandonarem a lavra da terra, ou de suportarem rudes golpes por amor da indústria fabril”.
Esse relatório foi elaborado por uma comissão a quem o governo havia encarregado de estudar a revisão das tarifas alfandegárias. A comissão havia sido presidida por ninguém menos que o Visconde de Itaboraí, o maior representante do conservadorismo.
Seguindo as recomendações da comissão, teve início, a partir de 1857, uma política de progressiva redução das tarifas alfandegárias, que atingiu seu ponto alto em 1860, com a introdução da Tarifa Silva Ferraz (nome do presidente do Conselho de Ministros e ministro da Fazenda, Ângelo Muniz da Silva Ferraz).
Em 1844, como ministro da Fazenda, Manuel Alves Branco elevou as tarifas de importação.
Evidentemente, tudo isso representou um duro golpe para o desenvolvimento da indústria no Brasil. Veja o que aconteceu ao Estaleiro da Ponta da Areia, a indústria adquirida por Mauá em 1845 e ampliada diversas vezes posteriormente: seu declínio começa justamente nesse momento, em virtude da queda do protecionismo, conforme explicação de seu proprietário.
O fim da Era Mauá, entretanto, não extinguiu completamente as manufaturas no país. Elas iriam prosperar outra vez nos anos finais do Segundo Reinado, quando novas circunstâncias (expansão do café, das ferrovias, da imigração, do crescimento das cidades etc.) ampliaram o mercado consumidor, criando bases mais sólidas para o desenvolvimento continuado da indústria.

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