HISTÓRIA
E FILOSOFIA DA CIÊNCIA
Marisa Bittar e Amarilio Ferreira Jr.
Introdução
O conhecimento é um fato inerente à própria existência da
humanidade, pois, desde que a sociedade humana existe, a produção de
conhecimento constitui um aspecto dessa própria existência. Inicialmente, para
sobreviver, os seres humanos tiveram de empregar a sua inteligência e
criatividade para vencer os perigos e obstáculos que a natureza lhes apresentava.
No curso de nossa existência social, deparamo-nos com problemas, os quais nos
levam à reflexão, à busca de explicações e de soluções. Esse desafio gera
conhecimento, e foi assim que o homem descobriu como produzir o fogo, inventou a
roda, construiu maravilhas, mas também construiu armas capazes de destruir a
própria humanidade. Fundamentado no conhecimento, o homem chegou na Lua e
planeja chegar em Marte. Em toda essa longa trajetória, observar e pensar se constituíram
em duas atitudes metódicas sempre presentes na produção de conhecimento.
Vivemos em uma época caracterizada pela revolução técnico-científica,
que facilitou enormemente o acesso à informação. Em nosso cotidiano nos
deparamos com notícias e acontecimentos que nos chegam em tempo real, mas
precisamos nos indagar se informação é o mesmo que conhecimento.
Baseando-nos na classificação de Peter Burke, podemos afirmar que informação
diz respeito ao que é relativamente “cru”, específico e prático, e conhecimento,
ao que foi “cozido”, isto é, processado ou sistematizado pelo pensamento.
Quando falamos em conhecimento, é necessário recuarmos no tempo
para compreendermos que ele foi concebido historicamente, ou seja, em cada
contexto histórico prevaleceu uma determinada concepção filosófica sobre ele.
Filosofia, ciência e tecnologia constituem um trinômio que guarda
relação orgânica com a sociedade dos homens desde o início da Antiguidade
Clássica greco-romana. Desde então, as organizações societárias estiveram
organizadas com base na propriedade privada dos meios de produção (terra, grande
comércio, indústria, bancos), na divisão do povo entre proprietários e
não-proprietários dos meios de produção (estrutura de classes sociais
antagônicas) e na existência do Estado (sociedade civil e sociedade política).
Os meios de produção são o locus em que se materializam as relações que os
homens travam entre si (os trabalhadores, por exemplo, numa fábrica) e com a
natureza (matérias-primas) no processo de produção que garante a existência
material da sociedade.
Os trabalhadores, as máquinas-ferramentas e as matérias-primas (produtos
extraídos da natureza por meio do trabalho humano), inseridos no processo
produtivo material, dependem do desenvolvimento dos conhecimentos filosóficos,
científicos e tecnológicos acumulados historicamente pelas sociedades.
Dito de outra forma: a força de trabalho, os instrumentos de produção
(um robô, por exemplo, na linha de montagem de uma fábrica), as matérias-primas
e os conhecimentos científicos constituem as chamadas forças produtivas. As
forças produtivas, consequentemente, são responsáveis pela riqueza material que
subsidia a existência de uma determinada sociedade. Quanto mais desenvolvidas
forem as forças produtivas, particularmente do ponto de vista científico e
tecnológico, mais rica em termos materiais será a sociedade.
No entanto, por outro lado, as sociedades humanas não vivem
exclusivamente de bens materiais que lhes proporcionam bem-estar existencial.
As sociedades humanas são muito mais complexas. Elas dependem também do próprio
desenvolvimento espiritual das classes sociais que as formam. A subjetividade humana
(a espiritualidade no sentido grego clássico) é formada, por sua vez, por uma
gama extremamente contraditória e complexa de manifestações ideológicas
(concepções de mundo), políticas, pedagógicas, religiosas, estéticas (conceito
de belo e de feio, por exemplo), afetivas (amar e odiar) etc. Assim, para explicar
o “mundo das ideias” que povoa qualquer sociedade historicamente constituída, é
necessária a filosofia. O significado de filosofia é aqui empregado no mesmo
sentido formulado por Antonio Gramsci (1999, p. 204), pensador italiano da
primeira metade do século XX, ou seja: a filosofia sintetiza, no âmbito do
conhecimento produzido pelo espírito humano, a unidade dialética entre a
história (sociedade dos homens) e a natureza (sociedade de tudo quanto existe).
Assim sendo, a filosofia só pode se materializar por meio de uma concepção de
mundo, isto é, da totalidade que configura o mundo circundante no qual os homens
estão inseridos historicamente.
Portanto, a ciência e a tecnologia, como elementos teóricos e
instrumentais que possibilitam o desenvolvimento material e espiritual dos
homens, estão condicionadas, em última instância, à filosofia, ou seja, ambas
estão vinculadas, de uma forma ou de outra, a determinada concepção de mundo que
orienta o futuro de qualquer sociedade historicamente constituída. Em síntese: nas
múltiplas e contraditórias relações que os homens travam entre si e com a
natureza no processo de criação das condições materiais (riqueza na forma de
mercadorias) e espirituais (valores subjetivos) das suas existências, eles
produzem conhecimentos filosóficos e científicos que são aplicados, de maneira
sistemática, no desenvolvimento da própria sociedade em que vivem.
Fica estabelecida, desse modo, uma ligação universal entre os
fenômenos societários de ordem econômica (crescimento das forças produtivas por
meio do trabalho humano), social (condições materiais de vida das pessoas),
política (valores morais e intelectuais que regulam os relacionamentos entre os
homens), cultural (manifestações psicológicas e ideológicas professadas pelas
pessoas) e ecológica (a consciência humana de que o mundo natural é finito).
Portanto, é impossível pensar a existência da sociedade humana sem o
condicionamento mútuo entre filosofia (por exemplo, ideologia), ciência (por
exemplo, química e física) e tecnologia (máquinas e ferramentas).
1.
Filosofia e ciência na Antiguidade Clássica
A Grécia da Antiguidade “inventou” a filosofia. Uma hipótese
explicativa para justificar tal feito pode ser amparada na grande transformação
estrutural que aconteceu durante a transição entre a pré-história e a chamada
civilização dos povos bálticos (hoje constituída pelos seguintes países:
Grécia, Albânia, Bósnia e Herzegovina, Bulgária, República da Macedônia, Montenegro,
Sérvia, Croácia, Romênia, Eslovênia e a porção da Turquia no continente europeu
– Trácia), em particular os gregos. Tal transição foi processada durante uma longa
passagem temporal, da época homérica (referência ao poeta Homero que
supostamente viveu entre os séculos IX ou VIII a.C.) ao século V a.C. (início
da denominada Antiguidade Clássica). A partir de então, os gregos
institucionalizaram a sua organização societária em três elementos estruturais:
a propriedade privada dos meios de produção (terra), a divisão do povo entre
proprietários e não-proprietários dos meios de produção (classes sócias
antagônicas: aristocracia agrária e escravos) e a constituição do Estado
(ordenamento jurídico, com os respectivos aparelhos estatais, que regulamentava
todos os aspectos econômicos, sociais, políticos, culturais e religiosos da sociedade).
A complexa e contraditória maneira com que os gregos passaram a
viver, notadamente a partir do século V a.C., impusera a necessidade de uma
organização civil e política fundada na racionalidade lógica de existência no
âmbito de uma organização social urbana (a cidade-Estado). A traumática experiência
histórica que se desencadeou após o aparecimento da propriedade privada da
terra, em que um grego passou a ser escravo de outro em decorrência da perda da
sua extensão territorial gerada por dívida ou guerra, passou a exigir explicações
(racionalidade lógica) que iam mais à frente do que aquelas já produzidas pela
mitologia (lendas sobre a criação dos homens pelos deuses). Assim, para além da
propriedade privada da terra, das classes sociais antagônicas e do Estado, os
gregos desenvolveram formas políticas que regulamentaram as relações econômicas,
sociais e culturais no âmbito das cidades-Estado (no caso de Atenas, as decisões
político-administrativas eram tomadas democraticamente pelo voto direto de cada
um dos cidadãos) e “inventaram” a filosofia (estruturas cognitivas que reproduzem
abstratamente a lógica de funcionamento, formal ou dialética, da realidade
concreta do mundo circundante, ou seja, o pensamento crítico que explica o
fenômeno, natural ou social, para além da sua própria aparência).
Há de se realçar, contudo, que a complexa e exuberante superestrutura
societária (o mundo da política, ideologia, cultura, ideias etc.) grega do
período clássico foi sustentada materialmente por meio das relações escravistas
de produção. O uso de trabalhadores escravos no cotidiano da vida econômica e
social das cidades-Estado gregas resultou em dois fenômenos contraditórios e
complementares:
(A) O
atraso do desenvolvimento das forças produtivas (trabalho humano, instrumentos
de trabalho e matérias-primas), já que os escravos acumulavam, a um só tempo,
tanto a própria função de mão de obra quanto a dos instrumentos de produção.
Dito de outra forma: a transformação do trabalhador escravo em instrumento de
produção atrasou de maneira significativa a aplicação de novas tecnologias (ciências
aplicadas) no âmbito das forças produtivas; ou seja, tratava-se de uma economia
na qual a escravidão dispensava recorrer às máquinas. Assim, podemos afirmar
que a filosofia grega, que açambarcava a totalidade dos ramos de conhecimentos
produzidos historicamente pelos homens, era muito mais de caráter especulativo
(explicações lógicas sobre o mundo e os homens sem uma necessária comprovação empírica),
com pouca aplicação no contexto das forças produtivas – na criação, por
exemplo, de instrumentos de produção (máquinas) que pudessem alavancar a
acumulação da riqueza material que dava sustentação à existência da sociedade.
(B) A
manutenção das relações escravistas de produção exigia a necessidade constante
de guerras de conquistas territoriais como forma de abastecimento do mercado
consumidor de novos estoques de escravos para substituir os que morriam durante
o processo de produção material da riqueza e, ao mesmo tempo, gerava conflitos
morais e políticos pelo fato de que uns homens eram escravizados por outros
(mediante dívida econômica ou na condição de prisioneiro de guerra).
O filósofo grego Aristóteles (384 a.C. - 322 a.C.)
sintetizou essa dupla negatividade, econômica e moral, criada pelas relações
escravistas de produção durante a Antiguidade Clássica. Na sua obra intitulada Política,
ele afirmou: Na verdade, se cada instrumento pudesse executar a sua missão
obedecendo a ordens, ou percebendo antecipadamente o que lhe Dáidalos [o mais
famoso escultor da Grécia antiga] ou dos trípodes de Héfaistos [ou Hefesto,
filho de Zeus e Heras, deus das forjas que trabalhava o ferro, o bronze e os
metais preciosos], que, como fala o poeta [Homero], “entram como autômatos nas
reuniões dos deuses”, se, então, as lançadeiras [peças de tear, que contêm um
cilindro ou canela por onde passa o fio da tecelagem] tecessem e as palhetas
tocassem cítaras por si mesmas, os construtores não teriam necessidade de auxiliares
e os senhores não necessitariam de escravos. (Aristóteles, 1988, p. 18)
Portanto, Aristóteles antecipava, na forma de uma utopia, o que já
conhecemos tecnologicamente nos tempos atuais; ou seja, vislumbrava, mediante a
racionalidade filosófica, a possibilidade dos instrumentos de produção da sua
época realizarem, por meio de mecanismos automáticos com aspecto semelhante ao
de um homem, os trabalhos que eram destinados aos escravos, tais como os robôs
desenvolvem no tempo presente. Segundo essa utopia, além da base material de
existência garantida pelo trabalho mecânico inteligente dos instrumentos de
trabalho, Aristóteles também se livrava do incômodo moral de viver em uma
sociedade na qual a população estava dividida entre homens livres e escravos.
Mas a realidade histórica da Antiguidade Clássica era outra. Ela jamais
conheceu um desenvolvimento científico e tecnológico das forças produtivas que
garantisse a existência material da sociedade sem o emprego do trabalho
escravo. E a saída encontrada por Aristóteles para justificar a manutenção da
ordem socioeconômica estabelecida foi de caráter reducionista: para ele, os
escravos eram apenas animais falantes (diferentes de outros animais apenas
porque eram portadores de racionalidade, ou seja, podiam falar).
2.
Teologia e filosofia na Idade Média
A Idade Média foi marcada profundamente pela hegemonia ideológica
exercida pela Igreja Católica Apostólica Romana desde o longo declínio do
Império romano (século IV d.C.) até o início do século XVI. O primeiro
movimento protagonizado pelo cristianismo foi subjugar a filosofia grega à sua
concepção de mundo, ou seja, ele processou um “casamento” entre a fé (teologia
cristã) e a razão (filosofia platônica), no qual a última ficou subordinada à
primeira. Esse movimento realizou-se em dois momentos distintos. O mais antigo
desses períodos ocorreu ainda na fase final do declínio do Império romano.
Ficou conhecido na história da filosofia como Patrística, por ter-se
originado na teologia desenvolvida pelos primeiros padres da Igreja Católica. A
Patrística consistiu em incorporar à dogmática cristã (fé, religiosidade
cristã) o sistema da filosofia desenvolvido por Sócrates (469–399 a.C.) e
Platão (428–347 a.C.), os quais, ao lado de Aristóteles, formaram a tríade mais
importante da filosofia grega clássica.
O sistema filosófico socrático-platônico concebeu tanto o mundo
como o homem de forma dual, ou seja, para o platonismo o mundo e o homem são
entes divididos. A dualidade do mundo se realiza entre a existência do mundo
das ideias (mundo das formas perfeitas) e do mundo das coisas imperfeitas (onde
habitamos). Já os homens são compostos, ao mesmo tempo, de corpo (mortal) e de
alma (imortal). A teoria filosófica fundada na dualidade do mundo e do homem
foi apropriada pelos primeiros grandes teólogos do cristianismo, entre os quais
se destacou Santo Agostinho (354–430 d.C.). Assim sendo, podemos dizer que o
cristianismo passou a ser dependente da filosofia platônica para gerar a sua própria
concepção de mundo. Isto porque o sistema filosófico platônico emprestou à
teologia cristã argumentações racionais que lhe possibilitavam explicar os chamados
“mistérios” da fé cristã, tais como a existência de uma vida depois da morte e
a possível reconciliação da criatura com o criador no “paraíso celestial” (o
mundo platônico das ideias).
A subordinação da razão (filosofia) à fé (teologia) teve, durante
a Idade Média, um grande impacto no âmbito dos conhecimentos científicos, na
medida em que a teologia cristã assumiu o papel que antes, no contexto da
Antiguidade Clássica, era desempenhado pela filosofia. Em outras palavras, ao contrário
da filosofia (explicação do mundo gerado pela própria razão humana), a teologia
(discurso sobre as coisas divinas) auto definiu-se, desde os primeiros tempos
do cristianismo, como uma ciência que estudava a verdade que já se encontrava revelada
pelo demiurgo (palavra de origem grega para designar o criador), ou seja, a
verdade anunciada por meio do livro sagrado do cristianismo. Portanto, o
conhecimento científico produzido pela razão humana (com destaque para a
filosofia no seu interior), por ser considerado inferior, servia apenas para confirmar
a verdade imutável sobre o mundo (verdade eterna) e o destino que já estava
predestinado, desde sempre, ao homem cumprir na face da Terra. Assim, o
desenvolvimento científico sobre a explicação dos fenômenos da natureza e da
sociedade humana ficou obstruído pela dogmática cristã (explicação do mundo de
acordo com as escrituras sagradas), que impôs, por sua vez, uma censura sobre
todo o pensamento laico que ousava questionar a autoridade religiosa da Igreja
Católica enquanto instituição reguladora do funcionamento geral da sociedade.
Entretanto, a partir do século XI, em decorrência do crescimento
demográfico e da consequente expansão das atividades agrárias (arroteamento das
terras para a produção de grãos) e pastoris (principalmente a criação de gado),
a Europa Ocidental passou a viver um crescimento econômico mais acelerado, cuja
consequência foi a difusão do comércio de mercadorias por meio das chamadas
“feiras livres”. Desse modo, a riqueza material produzida no interior dos
feudos (unidade econômica que conjugava a agricultura/pecuária com a fabricação
de produtos manufaturados) era destinada também para o mercado consumidor
externo, ou seja, para além do consumo interno da sua própria população, que
era formada pela família do senhor feudal e as dos camponeses. Tais mudanças
socioeconômicas somente foram possíveis em função dos seguintes acontecimentos:
(A) a
transformação dos escravos, que formavam a mão de obra desde a Antiguidade
Clássica, em servos (camponeses vinculados aos feudos), privando os senhores de
suas “ferramentas animadas” (para Aristóteles, os escravos eram ferramentas
vivas);
(B) a
disseminação das taxas (banalidades) cobradas pelos senhores feudais sobre o
uso, por parte dos camponeses, das moendas de grãos e das forjas onde eram
processadas, por exemplo, a farinha de trigo e os utensílios domésticos;
(C) o
processo de acumulação primitiva do capital, em função do dinheiro amoedado (em
metais preciosos) recebido por meio dos impostos, que possibilitou tanto aos
senhores como aos camponeses construírem novos instrumentos de produção (máquinas).
O desenvolvimento das forças produtivas, impulsionado pela agropecuária e pelo
comércio, acabou por repercutir também no âmbito da superestrutura da sociedade
medieval; ou seja, passou a determinar a forma ideológica (religiosa) de se
conceber o funcionamento da própria sociedade medieval. Esse novo contexto
socioeconômico, portanto, obrigou a Igreja Católica a reelaborar a dogmática
cristã (Patrística) que vigorava até então. Esse acontecimento ficou conhecido na
história do cristianismo como escolástica (a teologia que foi ensinada nas
primeiras universidades medievais). Desta feita, os teólogos católicos, cujo
maior expoente da época foi São Tomás de Aquino (1225-1274), celebraram um novo
“casamento” entre a fé (teologia) e a razão (filosofia): o sistema filosófico
utilizado por eles foi aquele concebido por Aristóteles.
O advento da escolástica não significou, contudo, que a Igreja
Católica deixasse em segundo plano a teologia cristã produzida pela Patrística.
Ela apenas incorporou uma racionalidade filosófica que possibilitaria à
dogmática cristã enfrentar melhor, do ponto de vista da explicação lógica, as transformações
pelas quais passava a sociedade medieval.
Diferentemente do sistema platônico, fundado na dualidade do
mundo, no qual um era imperfeito (por causa dos pecados cometidos pelos homens,
segundo a teologia cristã) e o outro era o mundo das essências perfeitas (que,
para o cristianismo, correspondia ao paraíso celestial), o aristotelismo partia
do princípio de que este mundo, no qual os homens habitavam, era sujeito a
transformações. Para tanto, era necessário transformá-lo por meio da
investigação científica possibilitada pela razão filosófica, ou seja, a
investigação levaria ao desvelamento da sua natureza e, por consequência, ao
seu ordenamento disciplinar de acordo com os interesses da sociedade humana.
Mas quais eram os interesses que deveriam reger a sociedade dos homens?
Eram aqueles fundados nas virtudes morais (justiça, sabedoria, coragem
e temperança), ou seja, aqueles que levariam ao bem comum da cidade-Estado (a
felicidade geral dos cidadãos).
Já no contexto da Baixa Idade Média (séculos XI-XV), o aristotelismo
cristianizado pela “teologia científica” de São Tomás de Aquino propugnava,
entre outras questões da dogmática católica, pelo ordenamento do mundo secular
que começava a ser revolucionado economicamente por um novo protagonista social:
a burguesia mercantil, classe social que se originou nos camponeses que
produziam mercadorias manufaturadas (os artesãos). Em contrapartida às novas
técnicas de produção agrícola que aumentavam o rendimento econômico e geravam excedentes
de mercadorias para serem comercializados nas feiras livres e nos burgos
(cidades medievais), a teologia escolástica de São Tomas de Aquino propôs uma
sociedade disciplinada por meio de um regime político, uma espécie de monarquia
teocrática dirigida pela autoridade maior da Igreja Católica. Nesse regime, as
descobertas científicas e tecnológicas, que transformavam a sociedade medieval
por causa das atividades mercantis e questionavam a dogmática cristã sobre a
própria origem do mundo, não poderiam ser desenvolvidas.
Isto porque as teses teológicas impostas pelo Tribunal do Santo Ofício
(restabelecido pelo Papa Paulo III em 1542) colocavam em perigo todas as
atividades científicas da época. A propósito, episódio famoso foi aquele em que
o tribunal eclesiástico proibiu as pesquisas empíricas desenvolvidas por
Galileu Galilei (1564-1642) nas universidades de Pisa e de Pádua e que
comprovavam a teoria heliocêntrica defendida pelo astrônomo e matemático polaco
Nicolau Copérnico (1473-1543). Segundo essa teoria, o sol era o centro do
sistema planetário no qual a Terra estava inserida, e não a própria Terra na
forma de um disco, tal como havia afirmado Aristóteles desde a Antiguidade
Clássica.
Acusado de heresia e ameaçado de condenação à morte, Galileu se
viu obrigado a “renegar” as suas descobertas científicas.
Quanto à obra Das revoluções das esferas celestes (1543),
de Nicolau Copérnico, foi incluída no Index librorum prohibitorum (Índice
dos livros proibidos).
Entretanto, existiam diferenças entre a filosofia de Aristóteles e
a “teologia científica” de São Tomas de Aquino. O primeiro acreditava que era
possível atingir o bem supremo por meio da felicidade geral dos cidadãos da polis
(cidade-Estado), ou seja, no terreno concreto da sociedade historicamente construída
pelos homens. Para tanto, os cidadãos deveriam exercer a excelência moral (a
vida contemplativa) e não se deixar corromper por meio de práticas chamadas
artes vulgares (destinadas aos escravos) que pioram as condições naturais do corpo
e degradam o espírito humano. O tomismo (sistema de pensamento de Tomás de
Aquino), ao contrário, defendia que o bem supremo, mesmo que destinado a um
pequeno número de homens, não poderia ser alcançado neste mundo, ou seja, a felicidade
dos homens somente poderia ser realizada por meio da sua conciliação com o
criador no paraíso celestial. Em síntese: a sociedade medieval viveu, a partir
da Baixa Idade Média, um contexto histórico contraditório. De um lado, a
hegemonia ideológica exercida pela Igreja Católica, que tentava impedir o
avanço das novas descobertas científicas e tecnológicas por meio da imposição
da sua concepção de mundo definida pela chamada “teologia científica”
desenvolvida pela escolástica; do outro, a ação protagonizada pela burguesia
mercantil, que revolucionava as condições socioeconômicas de existência material
da sociedade mediante o progresso das forças produtivas (início do processo de
assalariamento da mão de obra, diversificação das matérias- primas e novos
instrumentos de trabalho).
3. A
separação entre filosofia e ciência na Idade Moderna
No decorrer dos séculos XVI e XVII, ocorreu na Europa Ocidental a
ascensão da classe burguesa, uma classe que começava a ser economicamente
dominante em relação à nobreza feudal. Concomitantemente, se deu o início da divisão
do trabalho no processo de produção de manufaturas, atendendo a uma necessidade
de maior rapidez na produção de mercadorias. Todo esse processo que se desenvolveu
na base material da sociedade provocou o desenvolvimento de estudos para o
domínio da natureza: matemática, astronomia, geografia, biologia, medicina,
física.
Nesse contexto de longa transição do feudalismo para o
capitalismo, a ciência sofreu grande impulso, ocasionado pela própria
necessidade material da sociedade. Entretanto, a ciência, ao avançar, começou a
entrar em conflito com os dogmas da Igreja Católica, que não apenas colocava em
dúvida a necessidade desse avanço, negando as teses que o embasavam, como
também condenava cientistas ao tribunal religioso da Inquisição. Foi pelo fato
de defender teses a favor do avanço do conhecimento, mas que contrariavam os
dogmas da Igreja, que grandes nomes da ciência foram condenados à morte, como Giordano
Bruno (1548-1600). Galileu Galilei (1564-1642), como mencionamos, teria o mesmo
fim, caso não tivesse elaborado um inteligente processo em sua própria defesa.
Mas foi também durante o século XVII que a sociedade europeia
assistiu à afirmação da ciência experimental, no contexto da chamada Revolução
Científica (um conjunto de mudanças significativas que ocorreram na estrutura
do pensamento e que repercutiram no plano científico).
Ao longo da história, conforme o contexto de cada época, duas
atitudes metódicas estiveram presentes na produção de conhecimento – observação
e reflexão –, às vezes um prevalecendo sobre o outro. Foi durante a Idade
Moderna (séculos XV ao XVIII) que ocorreu a distinção metodológica entre razão
(exercício do pensamento) e empirismo (registro de dados perceptíveis, que se
dão a conhecer pela observação). A separação absoluta entre esses dois
procedimentos não é benéfica para a construção do conhecimento, pois no
primeiro caso podemos cair no equívoco de desprezar os dados da realidade e
considerar apenas a teoria, a especulação, o pensamento elaborado; e no segundo
caso podemos cair no erro de acreditar que o conhecimento se reduz simplesmente
à soma de dados, sem interpretação, sem o exercício do pensamento capaz de lhes
dar um sentido.
Nesse período, a secular concepção de uma ciência dogmática,
subordinada ao princípio da “autoridade” (pelo qual o grau de veracidade de uma
proposição dependeria de quem a formulasse), e as noções de imobilidade e
hierarquia do mundo sofreram uma ruptura. Isto se deveu, em grande parte, a
Francis Bacon (1561-1626), René Descartes (1596-1650) e Isaac Newton
(1642-1717).
Bacon, filósofo e cientista inglês, escreveu O progresso do
conhecimento e Novum organum defendendo o valor das experiências de
laboratório e do método indutivo (quando se observam muitos dados singulares
para se atingir uma verdade universal). Embora não fosse o seu criador,
valorizou o método indutivo como fundamental para obter exatidão do
conhecimento. Ele foi tanto um pensador social quanto científico. Propôs a
distinção entre fé e razão e atacou a separação acadêmica entre teoria e
prática, enfatizando que na filosofia natural os resultados práticos são a
garantia da verdade. Repetia que a prática é a única forma de comprovação da
verdade. Nesse sentido, segundo ele, se o conhecimento é possível ou não, é algo
que deve ser estabelecido não pelos argumentos, mas pela experiência. Bacon
desenvolveu a crítica a Aristóteles, à filosofia escolástica e, segundo Peter
Burke, ele desfraldou a bandeira filosófica dos modernos, não apenas contra os
antigos e seus defensores nas universidades, mas também contra os teólogos.
Descartes, físico, matemático e filósofo francês, foi autor de
inúmeros trabalhos, dos quais se sobressai o Discurso do método: para bem
conduzir a própria razão e procurar a verdade nas ciências. Convencido de
que tanto a opinião tradicional quanto as experiências comuns da humanidade são
guias de mérito duvidoso, resolveu adotar um novo método, inteiramente isento
da influência de ambos. Esse método é o instrumento matemático da dedução pura.
Consiste em começar com verdades simples e evidentes por si mesmas, como as da geometria,
e depois raciocinar com base nelas até chegar a conclusões particulares.
Afirmava que tudo era duvidoso, nada podendo ser considerado a priori como
certo, a não ser uma coisa: “penso, logo existo”, ponto de partida da dúvida metódica,
que nos leva a aceitar somente aquilo que a razão possa compreender e que seja
passível de demonstração. Para ele, só havia um caminho para superar a dúvida:
nem evitá-la, nem estabelecer uma certeza frágil, mas aceitá-la e combatê-la com
as próprias ideias. Descartes estabeleceu os passos para o estudo e a pesquisa,
criticando o ensino humanista e propondo a matemática como modelo de ciência
perfeita. Por tudo isso, é considerado o pai da filosofia moderna.
Newton, físico, matemático e filósofo inglês, escreveu Princípios
matemáticos de uma filosofia da natureza, no qual, partindo de estudos de
Galileu e Kepler, demonstrou matematicamente que as leis físicas aplicáveis na
Terra também se aplicam a todo o Universo. A descoberta dessas leis constitui a
principal atividade das ciências, e é dever do homem permitir-lhes livre ação.
Desse modo, estava dado o golpe final à concepção medieval de um universo
guiado por intenções benévolas.
Nessa época ocorreu também a ascensão das línguas vernáculas, fato
ligado à formação dos Estados Nacionais, que requeriam a língua nacional como
requisito unificador desse processo, tal como a história, o passado em comum, o
governo centralizado, a moeda única, os símbolos. Assim, o latim deixou de ser
a língua oficial e passou a ser língua culta, enquanto as vernáculas (línguas
pátrias) passaram a ser línguas populares.
Todas essas grandes transformações influenciaram o processo de
produção do conhecimento.
4. O
conhecimento como construção humana
Entre os séculos XVI e XVII, surge na Europa Ocidental uma
concepção de ciência que ainda hoje prevalece. A sua origem histórica é
precisa: está relacionada com a grande revolução cultural e científica da
época, que distingue essa concepção de todas as demais precedentes na história
da humanidade: as grandes concepções filosóficas do Oriente, da Antiguidade
Clássica e da escolástica medieval. No livro Os filósofos e as máquinas,
Paolo Rossi assim define os pressupostos dessa concepção:
1 - a
ciência é uma lenta construção, nunca concluída, à qual cada um, dentro dos
limites de sua capacidade, pode trazer a sua contribuição;
2 - a
pesquisa científica tem como finalidade o benefício não de uma única pessoa,
grupo, classe ou etnia, mas de todo o gênero humano;
3 - o
desenvolvimento e o crescimento da própria pesquisa são algo mais importante do
que cada indivíduo que a executa.
Essas características definem o caráter público, democrático e
colaborativo assumido pela ciência moderna. Mas, antes de prosseguirmos,
recordemos que, ao longo da história, nem sempre o conhecimento científico foi
aceito como verdadeiro. Durante toda a Idade Média, por exemplo, o tipo de
conhecimento que predominou foi o religioso. Baseado em dogmas – verdades
absolutas – ele se impôs como único e, tendo a Igreja Católica como guardiã,
condenou as demais formas de conhecimento. O baixo nível das forças produtivas nesse
período e o predomínio dos dogmas religiosos explicam o fato de a ciência
moderna ter seu marco cronológico inicial apenas por volta do século XV, no
Renascimento.
O conhecimento nasce conosco ou é construído por nós?
Trata-se de uma controvérsia que esteve presente na história da filosofia
e da ciência. A corrente chamada inatismo, que teve Platão (427 a.C. - 348
a.C.) como seu primeiro representante, afirma que nascemos trazendo em nossa
inteligência não só os princípios racionais, mas algumas ideias verdadeiras, que,
por isto, são inatas. Na mesma linha, muitos séculos depois, o filósofo
Immanuel Kant (1724-1804) preconizou que o centro é a razão; ela é inata, não
depende da experiência para existir; ela é, por isto, do ponto de vista do
conhecimento, anterior à experiência. Nessa teoria, prevalece o excesso de
subjetivismo, por acreditar-se que o conhecimento racional dependeria exclusivamente
do sujeito do conhecimento, das estruturas, da sensibilidade e do entendimento.
Além disso, a filosofia kantiana negou que inatistas e empiristas estivessem
certos, que pudéssemos conhecer a realidade em si das coisas. Já para o empirismo
(Bacon, Locke, Berkeley, David Hume), a razão, com seus princípios,
procedimentos e suas ideias, é adquirida por nós através da experiência.
Hegel (1770-1831) criticou o inatismo, o empirismo e o kantismo;
pois, segundo ele, essas correntes não compreenderam que a razão é histórica. A
razão não está na História, ela é História. A razão não está no tempo;
ela é o tempo. Para o empirista, a realidade “entra” em nós pela
experiência. Para o inatista, a verdade “entra” em nós pelo poder de uma força espiritual
que a coloca em nossa alma. A razão, diz Hegel, não é nem exclusivamente razão
objetiva (a verdade está nos objetos) nem exclusivamente subjetiva (a verdade
está no sujeito), mas é unidade necessária do objetivo e do subjetivo. A
solução de Hegel não foi aceita por todos, mas fundamentando-se nela foi que o
pensador Karl Marx (1818-1883) incorporou a tese sobre a unidade necessária do
objetivo e do subjetivo e lhe deu um caráter totalmente inovador, ao preconizar
a supremacia da realidade histórica (fator objetivo, material) sobre as ideias (fator
subjetivo). Para Marx, não são as ideias que criam a realidade objetiva na qual
vivemos, mas o contrário. Essa tese ficou conhecida como materialismo histórico
e exerceu forte influência na história do pensamento ocidental, inspirando a produção
de conhecimento por propor um novo método de se conhecer a realidade
histórico-social.
Para o marxismo, os fatos humanos são construções sociais e
históricas produzidas não pelo espírito e pela vontade livre dos indivíduos,
mas pelas condições objetivas nas quais a ação e o pensamento humanos devem
realizar-se.
Permitiu às ciências humanas compreender as articulações necessárias
entre o plano psicológico e o social da existência humana, entre o plano
econômico e o das instituições sociais e políticas; entre todas elas e o
conjunto de ideias e de práticas que uma sociedade produz. Graças ao marxismo,
as ciências humanas puderam compreender que as mudanças históricas não resultam
de ações súbitas e espetaculares de alguns indivíduos ou grupos de indivíduos,
mas de lentos processos sociais, econômicos e políticos. A materialidade da
existência econômica comanda as outras esferas da vida social e da espiritualidade,
e os processos históricos abrangem todas elas.
O marxismo trouxe a interpretação dos fenômenos humanos como
expressão e resultado de contradições sociais, de lutas e conflitos
sociopolíticos determinados pelas relações econômicas baseadas na exploração do
trabalho da maioria pela minoria da sociedade. Permitiu compreender, assim, que
os fatos humanos são historicamente determinados e que a historicidade, longe
de impedir que sejam conhecidos, garante a interpretação racional deles e o
conhecimento de suas leis.
No processo de produção do conhecimento, o marxismo criticou o
positivismo, fundado por Auguste Comte e em cujo âmbito a obra de Émile
Durkheim (1858-1917) representou o momento da fundação da sociologia. O
positivismo nasceu como corrente progressista, na medida em que criticava os
dogmas religiosos e negava a verdade como algo revelado. Essa corrente defendeu
que o único conhecimento válido é o científico e que o mesmo método das
ciências exatas (observação, exatidão, neutralidade, objetividade) deveria ser
aplicado para as humanas e sociais. Dois exemplos podem ilustrar esse método: a
psicologia positivista fazia do psiquismo uma soma de elementos físico-químicos,
anatômicos, fisiológicos, de tal modo que não havia, propriamente falando, um
objeto científico denominado “psiquismo”, mas efeitos psíquicos. Por isso, a
psicologia considerava-se uma ciência natural próxima da biologia, tendo como
objeto o comportamento como um fato externo, observável e experimental. Já a
sociologia positivista estuda os fatos sociais observáveis, a soma de ações
individuais. Para ela, o indivíduo é elemento observável e causa do social.
Desse modo, não havia a sociedade como objeto ou uma realidade propriamente
dita, mas como efeito de ações psicológicas dos indivíduos.
Conhecer essas correntes é importante para todo estudante que
inicia a sua vida acadêmica, porque a universidade brasileira é o local por
excelência no qual acontece a produção do conhecimento. Independentemente do
curso, da formação específica ou da futura profissão que tenha escolhido, o
estudante universitário necessita adquirir também formação teórica humanista,
pois é ela que lhe propiciará compreender a sociedade em que vive e adotar
postura crítica sobre ela.
5. O
século XX e a revolução técnico-científica
Entre as últimas décadas do século XIX e o ano de 1914, data em
que começou a Primeira Guerra Mundial, a grande ciência do século XX já estava
estruturada na forma das modernas teorias científicas (que até então não tinham
aplicações práticas imediatas), ou seja: a teoria quântica, que foi formulada
pelo físico Max Planck (1900); a teoria da relatividade, desenvolvida pelo
físico Albert Einstein a partir de 1905; e, em 1908, o biólogo Wiliam Batesson
lançou os fundamentos da genética. Além disso, as investigações de novos
conhecimentos, notadamente nos campos da física e da química, que foram
transformadas em tecnologias aplicadas diretamente nos processos industriais e
possibilitaram, por exemplo, a produção do automóvel, do avião, do cinema, do
rádio (telegrafia sem fio) e o uso do Raio X na medicina.
Se a segunda metade do século XX ficou marcada pelo processo de
desenvolvimento acelerado das forças produtivas (trabalho humano, instrumentos
de produção e matérias-primas), isso se deveu às teorias científicas concebidas
na transição do século XIX para o XX. Portanto, o incessante revolucionamento
das forças produtivas, notadamente após 1945 (data das duas bombas nucleares
detonadas pelos EUA sobre o Japão), materializou-se por meio de uma tríade
científico-tecnológica: a microeletrônica, a microbiologia e a energia nuclear.
Desenvolvidos de forma isolada (modelos científicos autônomos) e ao mesmo tempo
combinada, os três grandes campos científico-tecnológicos em questão passaram a
indicar os amplos caminhos do conhecimento que explicam e transformam, de forma
cotidiana e global, o planeta Terra de maneira nunca dantes vista na história
da humanidade. Ou, como afirmou o historiador Eric Hobsbawm: “Nenhum período da
história foi mais penetrado pelas ciências naturais nem mais dependente delas
do que o século XX. Contudo, nenhum período, desde a retratação de Galileu, se
sentiu menos à vontade com elas” (Hobsbawm, 1995, p. 504). Dito de outra forma,
ao contrário do impacto científico-tecnológico ocorrido nas últimas décadas do
século XIX até 1914, a segunda metade desse século não se sentiu assim tão
confortável com as suas descobertas científicas.
Eis alguns exemplos dos paradoxos produzidos entre ciência e tecnologia
depois de 1945:
(A) No
âmbito da microeletrônica: quando o matemático lógico Alan Turing desenvolveu,
em 1935, a teoria computacional, ninguém poderia imaginar que no fim do século
XX o computador poderia ser transportado numa pequena bagagem de mão. A partir
da década de 1970, a microeletrônica possibilitou um alucinante processo de
revolucionamento tecnológico dos pequenos objetos/aparelhos pessoais e
domésticos (por exemplo, geladeiras, máquinas de lavar roupas e louças,
televisores a cores etc.) que manuseamos atualmente no cotidiano de nossas vidas.
Hoje, no início do século XXI, podemos afirmar que os exemplos mais
emblemáticos são, possivelmente, os sistemas de multimídia, que incorporam
computador portátil, televisão, telefone celular e rádio, conectados a uma rede
mundial de bancos de informações, ou seja, são máquinas que possibilitam não só
as próprias ligações telefônicas, mas, também, acesso à Internet, à televisão e
ao rádio, além de serem, ao mesmo tempo, micro câmeras fotográficas e
filmadoras.
O mais impressionante, porém, é a aplicação dos computadores na
indústria, na pesquisa científica, nas comunicações, nos transportes, nos meios
de informação de massas e nos serviços. As tecnologias derivadas das
descobertas científicas manifestaram-se de forma impactante particularmente nos
voos espaciais e nas fábricas automatizadas, nas quais os robôs passaram a
substituir em grande quantidade o trabalho humano, ou seja, o trabalho vivo
passou a ser superado pelo trabalho mecânico movido por inteligência
artificial. Mas, por um lado, se a revolução técnico-científica da
microeletrônica, materializada na automação e robotização, possibilita a “libertação
do homem da maldição divina do Velho Testamento, segundo a qual ele deveria
ganhar o pão de cada dia com o suor do seu rosto” (Schaff, 1992, p. 22), por
outro, ela produziu um horror econômico que se manifestou no chamado desemprego
estrutural, que engendrou nefastas consequências sociais, apesar do imenso
incremento na produtividade da riqueza material.
As sociedades capitalistas, fundadas na lógica exclusiva da acumulação
do capital, não foram capazes de encontrar soluções econômicas, sociais,
políticas e culturais que possibilitassem a substituição do trabalho humano
tradicional pelos instrumentos robotizados em geral, e uma decorrência disso
são as legiões de excluídos e marginalizados dos bens materiais que são fundamentais
para a sobrevivência digna dos próprios seres humanos.
(B) No
campo da microbiologia: a descoberta da estrutura do DNA (ácido
desoxirribonucleico) humano, na forma da famosa dupla hélice,
pelos cientistas Francis Crick e James Watson (1953), pode ser considerada como
uma das conquistas científicas fundamentais do século XX. Depois, em 1973, as pesquisas
genéticas avançaram para os DNAs recombinantes, ou seja, que tornaram possível
combinar genes de uma espécie com outra. Em 1996, uma outra notícia marcou a
história da genética: pesquisadores britânicos (Escócia) anunciaram ao mundo
que haviam conseguido conceber artificialmente um mamífero por meio de método
científico. Ian Wilmut e seus colegas, entre eles o cientista brasileiro
Lawrence Smith2, mostraram que era possível reproduzir a vida utilizando
células somáticas (células que formam órgãos, ossos e pele), tal como ela se
processa naturalmente mediante a fusão entre um óvulo e um espermatozoide. E
quando o século XX chegou ao fim, era publicado o primeiro rascunho do genoma
humano, cuja decodificação total seria divulgada somente em 2003. Depois, as pesquisas
realizariam mapeamento completo do código genético de outros seres vivos, tais
como: do rato, da mosca de frutas, de bactérias e do vírus da Aids. Assim,
podemos afirmar que a proeza científica que resultou na clonagem da ovelha
Dolly e em outras investigações no campo da microbiologia indicam que o século
XXI poderá ser aquele em que as atividades humanas serão dominadas pela
engenharia genética (3).
Em suma, as pesquisas no âmbito da microbiologia criaram situações
que abrem “novas e magníficas perspectivas para o homem na luta contra as
doenças congênitas ou na produção de novas variedades de plantas e animais,
muito mais resistentes às enfermidades e às condições naturais desfavoráveis”
(Schaff, op. cit., p. 23). Portanto, seriam essas pesquisas aplicadas à agricultura
que possibilitariam, por exemplo, combater de forma sistemática a fome
(desnutrição) e as doenças que assolam vastos contingentes da população mundial,
notadamente no continente africano (o berço da humanidade). Contudo, as
investigações científicas realizadas com material hereditário da vida,
particularmente a humana, têm suscitado um intenso debate de caráter ético
sobre a pertinência e o futuro de tais pesquisas, pois muitos setores da
comunidade mundial temem que as manipulações genéticas possam levar, tal como
explorou a ficção científica (principalmente a literatura e o cinema), à
criação de um “super-homem” a serviço, por exemplo, de regime políticos
totalitários, ou servir, ainda, de subsídio para as ideologias autoritárias que
acreditam na ideia de uma pretensa “raça humana pura e superior”. E mais: que haja
direcionamento das pesquisas para a reprodução de seres humanos idênticos,
tanto do ponto de vista físico como mental, por meio da clonagem.
Apesar do clima de terror que se criou, particularmente pelas
exortações feitas por biólogos e autoridades religiosas após o advento da
ovelha Dolly, uma questão se impõe: a humanidade deveria interromper as
pesquisas no campo da microbiologia em decorrência do fato de que elas
acarretam perigo e podem ser usadas de forma abusiva? Nós pensamos que não.
Acreditamos que a solução do problema não está na proibição pura e simples do
progresso científico que pode beneficiar toda a humanidade.
Mas, sim, em estabelecer medidas (procedimentos), decididas nos fóruns
mundiais sem a imposição dos interesses defendidos pelas grandes corporações
econômicas e militares (por exemplo, o capital financeiro e a indústria
bélica), que tenham função preventiva e se oponham, portanto, às consequências
negativas de caráter político e social.
(C) Nos
domínios da energia nuclear: a revolução técnico científica que mais causou
resistência e polêmica foi aquela inaugurada com as descobertas do físico Otto
Hahn em 1939: a fissão nuclear. Dito de outra forma, a energia nuclear ficou irremediavelmente
marcada pela tragédia que aterrorizou a humanidade: as duas bombas atômicas que
os EUA lançaram sobre o Japão no final da Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
As bombas atômicas detonadas sobre as cidades de Hiroxima e Nagasaki
deixaram, respectivamente, cerca de 100 e de 70 mil mortos debaixo de cada um
dos cogumelos de nuvens que se formaram sobre as cidades. Esse trágico episódio
que marcou o século XX foi protagonizado pelos Estados Unidos da América com o
claro objetivo de exercer, após o fim da Guerra, uma posição política
imperialista no mundo.
A propósito, muitos historiadores, como Eric Hobsbawm (1995) em
sua obra Era dos extremos: o breve século XX (1914-1991), afirmam
que as bombas lançadas sobre o Japão eram desnecessárias, pois a Guerra já
estava decidida militarmente em favor dos Aliados (EUA e URSS). Elas teriam
sido usadas pelos norte-americanos apenas para demonstrar o seu poderio científico-tecnológico
que os transformariam em superpotência econômica e militar mundial após 1945 e,
por consequência, transformaram-se num dos maiores crimes cometidos contra a
humanidade. Assim, as armas nucleares continuaram a provocar terror na
comunidade internacional durante o período da chamada Guerra Fria (1947-1991)
em função da corrida armamentista que se estabeleceu entre os ex-aliados EUA e URSS,
que lideravam os blocos capitalista e socialista. Durante mais de 40 anos, os
dois países (além da Inglaterra, Franca e China) acumularam uma quantidade de
ogivas nucleares, instaladas em mísseis de longo e curto alcance armazenados em
silos terrestres, aviões, navios, submarinos e trens, que tinham uma capacidade
de destruição do planeta Terra estimada em cem vezes. O mais trágico, porém, é
constatarmos que, para destruir o “planeta azul” (Terra), não seria necessário
fazer uso das cem vezes: bastaria uma. Em síntese: a Guerra Fria, com as suas
bombas atômicas, deixou o planeta à beira do apocalipse nuclear como, por
exemplo, durante o famoso episódio dos mísseis soviéticos instalados em Cuba
(1962).
Outro fato alarmante ligado à fissão nuclear ocorreu na região de
Chernobyl (Ucrânia, ex-república soviética), em 1986. Desta vez, o acidente
nuclear não estava ligado a fins bélicos. Era apenas uma usina que gerava
energia elétrica para o consumo da população civil. Mas Chernobyl mostrou, mais
uma vez, a capacidade de destruição em massa que a energia nuclear pode causar.
Aqui cabe novamente a mesma pergunta: o poder de destruição gerado pelas bombas
atômicas deveria levar ao encerramento das pesquisas realizadas no âmbito da
energia nuclear? Novamente, a resposta é não. Devemos e podemos continuar com
as pesquisas na área de energia nuclear visando exclusivamente os interesses
pacíficos que atendam as demandas acertadas de comum acordo por um acordo
internacional das nações. Hoje, com certeza, a principal demanda mundial é
aquela relacionada com o consumo de energia e as questões ecológicas daí
decorrentes. Nesse campo, o exemplo mais gritante é o do petróleo como fonte de
energia para os países desenvolvidos ou em vias de desenvolvimento industrial,
pois sabemos que só os EUA têm uma frota de cerca de 210 milhões de automóveis e
caminhões ligeiros. E, prospectivamente, são alarmantes as estimativas quanto
ao consumo de petróleo que o mundo deverá alcançar até 2030: passando dos
atuais 80 milhões para algo em torno de 110 milhões de barris por dia. Neste
contexto, os derivados do petróleo (gasolina e diesel) lançarão ainda mais poluição,
por meio do monóxido e do dióxido de carbono (gás carbônico) na atmosfera
terrestre, com graves consequências para o aquecimento global do planeta.
Na busca por novas fontes geradoras de energia limpa, que se
processa por meio de uma corrida frenética no âmbito das pesquisas científicas,
a energia nuclear ganhou um novo destaque. A revolução energética em curso vem
desenvolvendo novas investigações no âmbito da fissão (4) e da fusão (5)
controlada de átomos (particularmente com relação ao último campo de
pesquisa), ou seja, as novas pesquisas apontam para a possibilidade do uso da
energia nuclear da maneira a mais controlada e segura possível. Assim, a
energia nuclear, para fins pacíficos, passou a ocupar um lugar de destaque ao
lado de outras fontes energéticas limpas, poderosas e praticamente inesgotáveis,
tais como: a solar, a geotérmica, as proporcionadas pelas marés dos oceanos,
dos ventos e das correntezas das águas dos rios. A propósito, o Brasil é um dos
únicos países do mundo que limita em sua Constituição Federal o poder nuclear
exclusivamente para fins pacíficos, tal como podemos ler no artigo 26, inciso
XXIII, letra a: “Toda atividade nuclear em território nacional somente será
admitida para fins pacíficos e mediante aprovação do Congresso Nacional”
(Brasil, 1998, p. 34).
A segunda metade do século XX pode ser caracterizada como uma era
em que houve uma [...] espantosa explosão de teoria e prática da informação,
novos avanços científicos foram se traduzindo em espaços cada vez menores, numa
tecnologia que não exigia qualquer compreensão dos usuários finais. O resultado
ideal era um conjunto de botões ou teclado inteiramente à prova de erro, que
requeria apenas apertar-se no lugar certo para evitar um procedimento que se
movimentava, se corrigia e, até onde possível, tomava decisões, sem exigir
maiores contribuições das qualificações e inteligências limitadas e
inconfiáveis do ser humano médio. [...] A cobrança nos caixas dos supermercados
na década de 1990 tipificava essa eliminação do elemento humano. Não exigia do
operador humano mais que reconhecer as células e moedas de dinheiro local e
registrar a quantidade entregue pelo cliente. Um scanner automático
traduzia o código de barras do artigo num preço, somava todos os preços, deduzia
o total da quantidade entregue pelo cliente, e dizia ao operador quanto dar de troco.
(Hobsbawm, 1995, p. 509.)
Mas, por outro lado, o revolucionamento tecnológico, que alterou
de forma sistemática o cotidiano das pessoas durante o transcurso da segunda metade
do século XX, produziu também um substrato psicossocial de desconfiança, na
medida em que abalava a confiança dos indivíduos em relação às pesquisas científicas
teóricas e aplicadas. Já que para um grande contingente da população mundial os
principais produtos tecnológicos gerados pela ciência eram incompreensíveis,
imprevisíveis e até mesmo de caráter catastrófico, esse caráter gera um temor compreensível,
porque a ciência ajuda a produzir mudanças nas estruturas tradicionais das
sociedades e da natureza, cujas consequências ecológicas – como no clima do
planeta – ameaçam a própria existência dos homens.
Em suma, os problemas gerados pela revolução técnico científica não
estão nas descobertas científicas proporcionadas pelas pesquisas, mas, sim, na
forma pela qual são usadas, na lógica que as relações de produção capitalistas
definem como sendo a sua única função, ou seja, a acumulação desenfreada e
desregulada do capital (a riqueza material acumulada), controlada quase que
exclusivamente pelas grandes empresas multinacionais (em particular, a
indústria bélica) e as instituições financeiras mundiais. Longe de ficarmos
preocupados com a possibilidade de vivermos em uma sociedade controlada por
máquinas movidas por meio de inteligência artificial (tais como: vários tipos
de robôs; vírus de computador que ninguém consegue exterminar; aeronaves não
tripuladas capazes de matar com autonomia; ou supercomputadores que possam
controlar as nossas vidas), devemos empreender lutas políticas e sociais (em
âmbitos nacionais e internacionais) contra a ganância e o exclusivismo do
capital, com o propósito de transformar as descobertas derivadas da revolução
técnico-científica em medidas que possam implementar a sustentabilidade
(respeito ecológico) e o bem-estar da humanidade (vida longa e saudável, acesso
ao conhecimento e padrão de vida decente).
Conclusão:
por que precisamos das Ciências Humanas?
A forma de ingresso na universidade brasileira, ao exigir que os
jovens, cada vez mais cedo e previamente, decidam sobre essa ou aquela profissão que exercerão no futuro,
faz com que a maioria deles rejeite ou ignore a importância das Ciências Humanas
para a sua formação. Vivendo em um mundo altamente competitivo, dominado por
valores pragmáticos, em que se acredita que tudo precisa ter uma utilidade
prática imediata, as pessoas não percebem a importância das Ciências Humanas e
desconhecem o seu potencial para lhes proporcionar um juízo crítico sobre o
mundo. Como escreveu o sociólogo Marco Aurélio Nogueira (2009), a modernidade
não é somente empenho cego em maximizar a racionalidade e a produtividade.
É também disseminação do espírito crítico, incremento comunicativo
e esforço para que se viva de maneira mais justa e sábia. Entretanto, o aspecto
mais instrumental do moderno predomina, e nós vivemos sobrecarregados por ele,
deixando-o modelar nossas expectativas e projetos. Esse predomínio cria uma
atitude de má vontade com as Humanas e dissemina um senso comum de que elas não
servem para nada, exceto fomentar um exercício intelectual supérfluo. Além
disso, cria a falsa ideia de que é fácil dominar os conhecimentos das Ciências
Humanas, enquanto os das demais ciências exigiriam muito esforço, inteligência
e estudo. Esse é um equívoco, pois compreender as correntes de pensamento, as
teorias sobre o Estado, a formação das classes sociais, da ideologia e de
tantos outros fenômenos das sociedades humanas é tarefa que exige muitos anos
de leitura, de reflexão e de exercício intelectual. Tanto é assim que o estudioso
das Humanas não atinge a maturidade intelectual tão rapidamente quanto o das
outras ciências, âmbito nas quais é cada vez mais comum que pesquisadores muito
jovens consigam atingir projeção, enquanto o tempo necessário para a formulação
de um pensamento próprio na área das humanidades é muito maior, e o caminho bem
mais árduo.
O preconceito acabou criando uma muralha separando as Humanas das
outras ciências, e os conhecimentos produzidos pelas primeiras ficam fechados
em si, em vez de serem incorporados pelas outras, que se especializam cada vez mais.
E assim, a ideia de universidade – universitas – se perde. A filosofia,
por exemplo, em torno da qual todos os demais conhecimentos gravitavam, e que
na Idade Média foi um dos primeiros saberes a se constituir em faculdade, hoje
é vista pelo pensamento pragmático como um conhecimento sem importância, uma
vez que, nessa perspectiva, só é importante o que tem utilidade prática
imediata. Entretanto, é de se indagar: não é importante e útil compreendermos
os fundamentos do mundo em que vivemos? As relações entre grupos, classes, etnias?
A conflituosa convivência entre os povos e países? Quais ciências nos
proporcionarão essa compreensão e as ferramentas para projetarmos uma
perspectiva de futuro, senão as Humanas?
Novamente citando Marco Aurélio Nogueira, [...] precisamente
porque vivemos em ambientes complexos, dinâmicos e fragmentados, as Ciências
Humanas tornaram-se estratégicas. A razão crítica por elas cultivada deveria
ser amplamente disseminada, de modo a ajudar que cidadãos e profissionais sejam
mais do que meros receptores ou aplicadores de conhecimentos e adquiram
recursos intelectuais abrangentes. [...] que sejam pessoas capazes de compreender
o mundo em que vivem, traduzi-lo em termos compreensíveis para todos e
organizá-lo tendo em vista uma ideia de comunidade política democrática. (Nogueira,
2009, p. A2.)
Desse modo, a universidade, tal como hoje se organiza, se tem
cumprido o seu papel ao formar cientistas, o faz de forma incompleta, pois, ao
veicular conhecimentos segmentados, não lhes proporciona uma formação ampla,
humanista e política da sociedade. Não lhes proporciona, enfim, a formação que desde
a Grécia Antiga é aquela necessária para se viver na pólis, isto é, na
cidade, entendida como agrupamento humano, locus de realização da coletividade
humana. Fragmentada em especializações e dominada por valores pragmáticos, a universidade
tem formado quadros para realimentar essa visão predominante de mundo. Nesse
sentido, a universidade brasileira contemporânea, vazia como está dos
conhecimentos de humanidades, carente de pensamento crítico, de força criadora,
tem deixado de exercer uma das suas principais funções: pensar a sociedade e
formular projetos amplos e coletivos para ela. Algumas das suas características
atuais são bastante preocupantes: voltada para si própria, fechada em seus estreitos
muros corporativos, cada vez mais fragmentada em áreas especializadas que não
dialogam entre si, praticando a especialização do saber entre os alunos de
forma cada vez mais precoce, submetida a uma lógica cujo princípio parece ser
mais caracterizado pela certificação do que pela formação humana ampla. Por
isso, concluímos este texto defendendo que, além de formar cientistas e
especialistas, a universidade brasileira forme também intelectuais, pois
intelectuais são aqueles capazes de interpretar o mundo em que vivem,
criticá-lo e projetar perspectivas de futuro para a sociedade.
......................................
NOTAS
1)
Marisa Bittar e Amarilio Ferreira Jr. são doutores em História Social pela USP
(Universidade de São Paulo) e professores do Departamento de Educação da UFSCar
(Universidade Federal de São Carlos).
2)
Lawrence Smith concluiu a graduação em Medicina Veterinária, no campus da UNESP
(Universidade Estadual de São Paulo) de Jaboticabal (1981), o mestrado pela University
of Edinburgh (1984) e o doutorado pela Faculty of Sciences e pelo Institute of Animal
Physiology and Genetics (1989), cujo orientador foi Ian Wilmut. Atualmente, é professor
titular do Centre de Recherche en Reproduction Animale (Faculté de Médicine Vétérinaire)
da Université de Montreal (Canadá). Além disso, é também Professor Colaborador na
Faculdade de Engenharia de Alimentos do campus da USP (Universidade de São
Paulo) de Pirassununga (SP).
3) A
revolução técnico-científica tem avançado muito nas investigações que combinam a
microbiologia com a microeletrônica, mais especificamente na área de
neurofisiologia. A neurofisiologia tem como objeto de estudo as funções do
sistema nervoso. Os estudos da neurociência englobam três áreas principais: a
neurofisiologia, a neuroanatomia e a neuropsicologia. As pesquisas nesse campo
utilizam eletrodos e computadores (microeletrônica) para estimular e gravar a
reação das células nervosas ou de áreas maiores do cérebro.
4)
Reação nuclear, espontânea ou provocada, em que um núcleo atômico, geralmente pesado,
se divide em duas partes de massas comparáveis, emitindo nêutrons e liberando grande
quantidade de energia.
5)
Reação nuclear em que núcleos leves reagem para formar outro mais pesado, com grande
desprendimento de energia.
........................................
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